Resumo
O hemangioma infantil (HI) é uma neoplasia vascular benigna comum, com padrão evolutivo característico: ao nascimento não é completamente desenvolvido, e após dias ou semanas de vida cresce, atingindo seu pico por volta de um ano de idade, o qual é seguido por regressão espontânea. Os HIs são geralmente superficiais e, portanto, óbvios ao exame físico, porém também podem acometer planos mais profundos ou outros órgãos, sendo nestes casos mais bem avaliados com exames de imagem. Métodos como ultrassonografia e ressonância magnética podem ajudar a diferenciar os HIs de malformações vasculares e outros tumores benignos ou malignos. Este ensaio iconográfico tem como objetivo demonstrar as diversas apresentações dos HIs por meio de casos ilustrativos, com ênfase nos achados de imagem.
Unitermos:
Hemangioma; Hemangioma capilar; Lactente; Ultrassonografia; Ressonância magnética
Abstract
Infantile hemangioma (IH) is a common benign vascular neoplasm with a characteristic pattern of progression: at birth, it is not fully developed; in the first days or weeks of life, it grows; and its growth peaks at around one year of age, after which there is spontaneous regression. Although most IHs are superficial and therefore obvious on physical examination, they can also affect deeper planes or other organs, in which case they are best assessed with imaging examinations. Methods such as ultrasound and magnetic resonance imaging can help differentiate IHs from vascular malformations, other benign tumors, and malignant tumors. The aim of this pictorial essay is to demonstrate the various presentations of IHs through illustrative cases, with an emphasis on imaging findings.
Keywords:
Hemangioma; Hemangioma, capillary; Infant; Ultrasonography; Magnetic resonance imaging
INTRODUÇÃO
O hemangioma infantil (HI) é o tumor mais comum da infância, com incidência que pode variar entre 2% e 10%, conforme descrito na literatura(1,2). Sua etiopatogênese envolve desregulações nos processos de vasculogênese e angiogênese, e como fatores de risco estão sexo feminino, baixo peso ao nascer, prematuridade, múltiplas gestações, terapia com progesterona na gestação e história familiar(3,4).
O HI é uma neoplasia vascular benigna com evolução característica: ao nascimento não é completamente desenvolvido, e após dias ou semanas passa pela fase proliferativa angiogênica, em que cresce em dimensões e vascularização. Esta fase é mais acentuada nos primeiros meses de vida, com pico por volta dos 12 meses. Após, o HI passa pela fase de involução, com regressão espontânea entre 12 e 48 meses. Estima-se que 20% a 50% dos pacientes apresentam resquícios cutâneos após a involução(5,6).
Os HIs são geralmente superficiais e evidentes ao exame físico, porém, podem ser subcutâneos, acometer planos profundos ou outros órgãos, requerendo avaliação por exames de imagem. Além disso, os achados de imagem podem ajudar a diferenciar o HI de malformações vasculares e outros tumores(6,7).
A ultrassonografia (US) com Doppler é o método de escolha inicial, particularmente em lesões superficiais ou subcutâneas, com características variáveis conforme a fase evolutiva. Durante a fase proliferativa, o HI constitui nodulação sólida de limites bem definidos, predominantemente hipoecoica, com marcada vascularização ao Doppler e predomínio de traçados arteriais com baixos índices de resistência. Na fase de involução, o HI apresenta áreas hiperecogênicas por lipossubstituição e redução na intensidade e tamanho dos vasos ao Doppler(7,8).
A ressonância magnética (RM) é frequentemente empregada na avaliação de lesões mais extensas e profundas, ou na suspeita de síndromes associadas. Na fase proliferativa, o HI apresenta intensidade de sinal homogênea, intermediária em T1, alta em T2/STIR, flow-voids de permeio e intenso realce ao meio de contraste, com washout variável. Técnicas de angio-RM com resolução temporal (TWIST/TRICKS) permitem a avaliação dinâmica de enchimento vascular dos HIs sem a necessidade de tempo específico após a injeção do contraste. A sequência ADC ajuda na diferenciação de tumores malignos como sarcomas, estes geralmente com valores de ADC mais baixos. Durante a fase de involução, o HI torna-se menos definido, com tendência a heterogeneidade, e menor impregnação pelo contraste, refletindo a menor vascularização(7,8).
De acordo com a International Society for the Study of Vascular Anomalies, a classificação dos HIs pode basear-se no padrão de sua distribuição (focal, multifocal, segmentar ou indeterminado) ou na sua profundidade (cutâneo, puramente subcutâneo, misto e outros), a última sendo utilizada para os fins descritivos deste estudo. O objetivo deste ensaio iconográfico é apresentar diferentes HIs por meio de casos ilustrativos, enfatizando seus achados de imagem característicos(7-9).
HI CUTÂNEO
O HI cutâneo corresponde a mais da metade dos casos de HI, apresentando bordas elevadas e coloração vermelha intensa durante a fase proliferativa, evidente ao exame físico(5). O HI cutâneo é passível de ótima avaliação por US com transdutor de alta frequência e deve-se utilizar coxim de gel a fim de evitar comprimi-lo (Figura 1).
HI cutâneo. Bebê de um mês com tumor avermelhado na face anterior do tórax. Imagem de US com transdutor de alta frequência demonstra formação expansiva restrita aos planos cutâneos, levemente exofítica, hipoecogênica, de limites bem definidos e bordas lobuladas (A). Apresenta intensa vascularização ao Doppler (B) e padrão de fluxo arterial de baixa resistência (IR: 0,53). Os achados são característicos de HI cutâneo.
HI PURAMENTE SUBCUTÂNEO
O HI puramente subcutâneo está completamente incorporado na gordura subcutânea, apresentando tonalidade roxo-azulada ou mesmo ausência de alterações visíveis na pele, tornando seu diagnóstico clínico desafiador(7). O HI puramente subcutâneo é passível de ótima avaliação por US com transdutor de alta frequência (Figura 2).
HI puramente subcutâneo. Bebê de três meses com nodulação palpável na região esternoclavicular esquerda. Imagem de US com transdutor de alta frequência demonstra formação expansiva restrita aos planos subcutâneos, hipoecogênica, de limites bem definidos (A), com intensa vascularização ao Doppler (B), relacionada a HI puramente subcutâneo.
HI MISTO (CUTÂNEO E SUBCUTÂNEO)
O HI misto manifesta-se na forma de nodulação subcutânea com áreas de envolvimento cutâneo, levando a descoloração ou coloração avermelhada da pele. Geralmente apresenta consistência flexível e móvel, podendo ocorrer em qualquer região do corpo(7). Na Figura 3 são demonstradas características de RM de HI misto de face, com distribuição segmentar, característica que apresenta maior risco de complicações e frequentemente exige tratamento intensivo. Além disso, lesões segmentares são mais comumente associadas a síndromes, como, por exemplo, PHACE e SACRAL(7), cujo detalhamento excede o escopo deste estudo.
HI misto. Bebê de dois meses com abaulamento/lesão expansiva de coloração avermelhada na hemiface direita. RM demonstra lesão expansiva com centro acometendo planos cutâneos e subcutâneos da face à direita, envolvendo as regiões maxilozigomática, pré-septal/palpebral e nasal, com pequena extensão para espaço pós-septal extraconal medial da órbita. Caracteriza-se por predomínio de hipersinal T2/TIRM (A) e intenso realce pelo meio de contraste na aquisição T1 pós-contraste com subtração (B), achados compatíveis com HI misto.
OUTROS
HI orbitário
O HI orbitário é a neoplasia benigna mais frequente na órbita infantil e pode causar complicações oftalmológicas como proptose e compressão do nervo óptico, sendo fundamental o diagnóstico precoce. Quando há suspeita de lesão expansiva orbitária em bebês, a US pode ser utilizada para avaliação inicial, com a vantagem de não requerer anestesia, sendo seus achados de imagem descritos na Figura 4. A RM é o exame padrão ouro para a avaliação do HI orbitário e sua relação com estruturas da órbita, como globo ocular, nervo óptico, planos intraconais e extraconais e musculatura orbitária. Apresenta características semelhantes aos demais HIs na fase proliferativa, com hipersinal em T2, presença de flow-voids e intensa impregnação pelo meio de contraste(10).
HI orbitário. Bebê de duas semanas com proptose progressiva à esquerda. A: US da órbita demonstra lesão expansiva intraorbitária, de ecotextura homogênea e limites bem definidos, em proximidade com o globo ocular (asterisco) e com o nervo óptico (seta). B: No Doppler colorido há sinais de intensa vascularização, conjunto de achados compatíveis com HI orbitário.
HI de via aérea
O HI de via aérea é raro e pode acometer qualquer porção da via aérea, com predileção pela subglote, em que metade dos casos também apresenta HIs cutâneos. Até 90% dos bebês apresentarão sintomas até os seis meses, decorrentes do crescimento na fase proliferativa, podendo levar a estridor, insuficiência respiratória ou obstrução da via aérea. A presença de nódulos na via aérea em exames de imagem - tomografia computadorizada (TC) ou RM - deve aventar a possibilidade de HI de via aérea, sendo o diagnóstico confirmado por laringoscopia e broncoscopia. A biópsia geralmente não é necessária, porém, quando há dúvida diagnóstica, a análise imuno-histoquímica revela a expressão da GLUT1. As Figuras 5 a 7 demonstram achados de imagem (radiografia e TC), fibrobroncoscopia e histopatologia do HI de via aérea.
HI de via aérea. Bebê de quatro meses com disfunção respiratória progressiva, admitida com tosse, tiragem subcostal e SpO2 de 95%. Radiografia de tórax demonstra assimetria dos volumes pulmonares, com hiperexpansão do pulmão esquerdo e desvio do mediastino para a direita (A), tendo sido aventadas inicialmente as hipóteses de enfisema lobar congênito e aspiração de corpo estranho. Prosseguimento da investigação com TC de tórax não contrastada (B) demonstrou opacidade nodular de 1,0 cm reduzindo significativamente o lúmen do brônquio principal direito (seta), sendo indicada avaliação por estudo endoscópico direto.
HI de via aérea. Imagem de fibrobroncoscopia demonstra lesão recoberta por mucosa vascularizada, séssil e obstruindo completamente a luz do brônquio principal esquerdo (seta). Foi realizada retirada parcial de tumor endobrônquico com fins diagnósticos e terapêuticos, com abertura parcial da luz brônquica. Ocorreu sangramento importante após a biópsia, contido com soro gelado e adrenalina.
HI de via aérea. Achados histopatológicos após biópsia por fibrobroncoscopia demonstraram canais vasculares revestidos por células endoteliais redondas, com lúmens discretos ou imperceptíveis. Na imagem, fotomicrografia demonstra a imunoexpressão da proteína GLUT1, caracterizada pela coloração marrom intensa e difusa nas células endoteliais dos vasos sanguíneos, achados que auxiliam a diferenciar os HIs de outras lesões vasculares.
HI parotídeo
O HI parotídeo é o tumor benigno mais comum da glândula parótida infantil. Na US, durante a fase proliferativa, apresenta-se como nódulo parotídeo lobulado, hipoecogênco ou hiperecogênico, hipervascular ao Doppler. Os achados de imagem por RM são demonstrados na Figura 8, antes e após terapêutica com propranolol via oral.
HI parotídeo. Bebê de três meses com aumento volumétrico progressivo da região cervical direita. Avaliação por US em clínica externa demonstrou lesão expansiva na região cervical, sendo prosseguida investigação por RM para avaliar relação com planos profundos. As sequências de RM demonstram lesão expansiva na glândula parótida direita, de contornos lobulados, com hipersinal em T2/STIR (A), intenso realce ao gadolínio nas aquisições em T1 pós-contraste (B), achados compatíveis com HI parotídeo. Foi realizado tratamento com propranolol via oral, com resposta satisfatória ao exame físico, confirmada por controle por RM (C), em que se observa importante redução das dimensões do HI, com intensidade de sinal heterogênea (seta), secundário à lipossubstituição da lesão.
HIs hepáticos
Os His hepáticos constituem a maioria dos tumores hepáticos pediátricos (cerca de 60%) e se manifestam antes dos dois meses de idade, sendo raros e geralmente assintomáticos. A presença de cinco ou mais HIs cutâneos está associada aos His hepáticos, quando a investigação por imagem é indicada(8). Os His hepáticos podem ser multifocais (múltiplos pequenos nódulos) ou difusos (massas que substituem e aumentam o fígado). A avaliação por US demonstra nódulos hipoecoicos e homogêneos - em contraste com os hemangiomas hepáticos em adultos, que são geralmente hiperecoicos -, com vascularização interna variável ao Doppler e aumento das dimensões da artéria e das veias hepáticas(8). O uso de contraste microbolhas demonstra o padrão de impregnação dos nódulos, com realce periférico precoce e preenchimento centrípeto gradual, similar aos de estudos de TC e RM com contraste. O método padrão ouro é a RM, exame sem radiação ionizante que demonstra os HIs hepáticos como predominantemente homogêneos, hipointensos em T1 e hiperintensos em T2, com impregnação centrípeta e progressiva pelo gadolínio e tendência a homogeneização em relação ao parênquima hepático nas aquisições tardias(8). As Figuras 9 e 10 demonstram HIs hepáticos em exames de US e TC com contraste.
HIs hepáticos. Bebê de uma semana com hepatomegalia no prénatal. US com transdutor de alta frequência demonstra diversas pequenas nodularidades hipoecoicas no parênquima hepático (setas), características do HIHs, em contraste com os hemangiomas hepáticos em adultos, geralmente hiperecoicos.
HIs hepáticos. Prosseguimento da investigação por TC para avaliar nódulos. TC tetrafásica demonstra fígado de dimensões aumentadas, à custa de diversos nódulos hipodensos que apresentam realce periférico precoce pelo contraste e preenchimento centrípeto gradual e progressivo, com tendência a homogeneização em relação ao parênquima hepático nas aquisições tardias, achados compatíveis com hemangiomatose infantil hepática.
CONCLUSÃO
A US com Doppler colorido é o método de escolha para avaliar os HIs, especialmente pela ampla disponibilidade e capacidade de caracterizar ecogenicidades e padrões de vascularização de lesões superficiais. Contudo, a RM é um exame complementar essencial, principalmente para lesões volumosas ou profundas ou quando há suspeita de síndromes associadas(7).
O médico radiologista tem papel fundamental na indicação individualizada do melhor método para avaliar lesões suspeitas de HI, bem como na interpretação e diagnóstico diferencial desses exames. O adequado conhecimento das características de imagem dos HIs contribui para a acurácia diagnóstica, promovendo melhores desfechos clínicos.
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9 International Society for the Study of Vascular Anomalies. ISSVA classification. [cited 2024 Nov 13]. Available from: https://www.issva.org/classification
» https://www.issva.org/classification - 10 Albanese G, Mohandas P, Wells L, et al. Orbital infantile haemangioma: radiological features and treatment - case series and literature review. Orbit. 2019;38:67-71.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Ago 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
05 Abr 2025 -
Revisado
14 Abr 2025 -
Aceito
15 Abr 2025




















