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Nervos cranianos: uma extensão do sistema nervoso central ou parte do sistema nervoso periférico - como avaliá-los?

Os 12 pares de nervos cranianos fazem parte do sistema nervoso periférico (SNP). No entanto, o I par (olfatório) e o II par (óptico) são considerados prolongamentos do sistema nervoso central (SNC), uma vez que sua mielina é proveniente dos oligodendrócitos, enquanto os nervos têm seus neurônios envoltos por células de Schwann(11 Marques MJ, Queiroz LS. Atlas de neuroanatomia para patologistas. Cérebro do adulto. Nervos cranianos. [cited 2021 March 1]. Available from: http://anatpat.unicamp.br/bineucerebroext-nervos.html.
http://anatpat.unicamp.br/bineucerebroex...
). Os demais pares cranianos originam-se a partir de núcleos de substância cinzenta localizados no tronco cerebral, com exceção do XI par (acessório), cujo núcleo é medular(22 Romano N, Federici M, Castaldi A. Imaging of cranial nerves: a pictorial overview. Insights Imaging. 2019;10:33.). A partir do tronco cerebral eles têm um trajeto cisternal, ou seja, cruzam as cisternas da base, banhados por líquido cefalorraquiano (LCR), ainda dentro da membrana aracnoide, sendo considerados raízes, e quando ultrapassam essa barreira, recebem o perineurio e se tornam nervos(11 Marques MJ, Queiroz LS. Atlas de neuroanatomia para patologistas. Cérebro do adulto. Nervos cranianos. [cited 2021 March 1]. Available from: http://anatpat.unicamp.br/bineucerebroext-nervos.html.
http://anatpat.unicamp.br/bineucerebroex...
).

Após suas saídas do crânio, através de forames na calota craniana, os nervos vão levar estímulos motores e trazer aferências sensitivas de estruturas da cabeça, face e pescoço, assim como informações autonômicas(22 Romano N, Federici M, Castaldi A. Imaging of cranial nerves: a pictorial overview. Insights Imaging. 2019;10:33.). Essas estruturas finas, de trajeto complexo e de difícil identificação nos exames de imagem, são cruciais no desenvolvimento de diversas doenças. Nesse contexto, a ressonância magnética e a tomografia computadorizada são cruciais na avaliação anatômica e patológica desses nervos.

A ressonância magnética do crânio é considerada o padrão ouro para avaliação das doenças do SNC(33 Muniz BC, Niemeyer B, Ventura N, et al. Isolated suprasellar involvement in tuberculosis: findings on magnetic resonance imaging. Radiol Bras. 2019;52:60-1.

4 Abreu Junior L, Godoy LL, Vaz LPS, et al. Optimization of magnetic resonance imaging protocol for the diagnosis of transient global amnesia. Radiol Bras. 2019;52:161-5.
-55 Santana LM, Valadares EJA, Rosa-Júnior M. Differential diagnosis of temporal lobe lesions with hyperintense signal on T2-weighted and FLAIR sequences: pictorial essay. Radiol Bras. 2020;53:129-36.) e também dos nervos cranianos. O uso de sequências tridimensionais de precessão livre do estado estacionário (SSFP), que são sequências fortemente pesadas em T2, determina grande contraste entre as finas estruturas dos pares cranianos e o LCR ao redor, permitindo a identificação das suas porções cisternais(22 Romano N, Federici M, Castaldi A. Imaging of cranial nerves: a pictorial overview. Insights Imaging. 2019;10:33.). Entretanto, sequências adicionais são necessárias para avaliar o padrão de doença dos nervos, incluindo sequências T1 pós-contraste para avaliação de neurites, como vem sendo observado na pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-19(66 Corrêa DG, Cruz Jr LCH, Rueda-Lopes FC, et al. Magnetic resonance imaging features of COVID-19-related cranial nerve lesions. J Neurovirol. 2021;27:171-7.), e também de alterações infecciosas e tumorais, conforme discutido e ilustrado no ensaio iconográfico de Dalaqua et al.(77 Dalaqua M, Nascimento FBP, Miura LK, et al. Magnetic resonance imaging of the cranial nerves in congenital, traumatic, and vascular diseases: a pictorial essay. Radiol Bras.2021;54:185-92.) publicado neste número da Radiologia Brasileira. Sequências T1 podem avaliar o trofismo dos grupamentos musculares inervados por determinado nervo, assim como a sequência STIR pode mapear a extensão da denervação, permitindo assim a avaliação da função do nervo e não somente de sua anatomia(22 Romano N, Federici M, Castaldi A. Imaging of cranial nerves: a pictorial overview. Insights Imaging. 2019;10:33.,88 Chhabra A, Bajaj G, Wadhwa V, et al. MR neurography evaluation of facial and neck pain: normal and abnormal craniospinal nerves below the skull base. Radiographics. 2018;38:1498-513.).

A tomografia computadorizada da base do crânio também é útil na avaliação do trajeto desses nervos. Os forames ósseos da base do crânio são a porta de saída dos nervos em direção às estruturas da face e pescoço. O conhecimento dessa anatomia e a possibilidade de comparação com o lado contralateral permitem a avaliação de remodelamento e irregularidades ósseas, que podem estar relacionadas a tumores de bainha nervosa, por exemplo(22 Romano N, Federici M, Castaldi A. Imaging of cranial nerves: a pictorial overview. Insights Imaging. 2019;10:33.).

Algo que deve ser debatido e ainda mais bem esclarecido é a abordagem radiológica referente ao protocolo dos exames. Em razão de restrições burocráticas e financeiras, buscamos enquadrar os exames a serem realizados em segmentos corporais, como crânio, face e órbitas. Portanto, diante de uma solicitação de ressonância magnética de crânio para avaliação de paralisia do III par craniano, optamos por simplesmente incluir a sequência para avaliar a porção cisternal deste nervo (SSFP) ou partimos para uma análise completa de seu trajeto, incluindo sequências direcionadas ao estudo do seio cavernoso e órbita? Cabe a nossa reflexão se realmente devemos nos enquadrar aos limites do pedido de exame ou se devemos expandir nossa fronteira mental e seguir todo o trajeto do nervo em questão.

Outra forma de avaliar o SNP é por meio do exame de neurografia(88 Chhabra A, Bajaj G, Wadhwa V, et al. MR neurography evaluation of facial and neck pain: normal and abnormal craniospinal nerves below the skull base. Radiographics. 2018;38:1498-513.,99 Rueda-Lopes F. Neurography - a new look at the peripheral nervous system. Radiol Bras. 2017;50(4):ix.). Usando diversas sequências tridimensionais, incluindo PSIF 3D e STIR 3D, juntamente com o uso do meio de contraste venoso, a neurografia permite avaliar o trajeto do nervo, sua espessura, composição fascicular, intensidade de sinal e padrão de realce pelo contraste. Recentemente, essa técnica tem sido descrita para investigação dos nervos da face e pescoço, que têm origem a partir dos nervos intracranianos, permitindo, por exemplo, a identificação das porções mandibular e maxilar do V par craniano(88 Chhabra A, Bajaj G, Wadhwa V, et al. MR neurography evaluation of facial and neck pain: normal and abnormal craniospinal nerves below the skull base. Radiographics. 2018;38:1498-513.).

Conclui-se, então, que o estudo dos nervos cranianos é um tema árido, conforme demonstrado no ensaio iconográfico de Dalaqua et al.(77 Dalaqua M, Nascimento FBP, Miura LK, et al. Magnetic resonance imaging of the cranial nerves in congenital, traumatic, and vascular diseases: a pictorial essay. Radiol Bras.2021;54:185-92.), uma vez que são múltiplas as causas de lesão, assim como as maneiras de avaliá-las. No entanto, os avanços da ressonância magnética usando sequências SSFP, assim como a neurografia, têm proporcionado grande contribuição da neuroimagem neste campo de investigação e diagnóstico.

REFERENCES

  • 1
    Marques MJ, Queiroz LS. Atlas de neuroanatomia para patologistas. Cérebro do adulto. Nervos cranianos. [cited 2021 March 1]. Available from: http://anatpat.unicamp.br/bineucerebroext-nervos.html
    » http://anatpat.unicamp.br/bineucerebroext-nervos.html
  • 2
    Romano N, Federici M, Castaldi A. Imaging of cranial nerves: a pictorial overview. Insights Imaging. 2019;10:33.
  • 3
    Muniz BC, Niemeyer B, Ventura N, et al. Isolated suprasellar involvement in tuberculosis: findings on magnetic resonance imaging. Radiol Bras. 2019;52:60-1.
  • 4
    Abreu Junior L, Godoy LL, Vaz LPS, et al. Optimization of magnetic resonance imaging protocol for the diagnosis of transient global amnesia. Radiol Bras. 2019;52:161-5.
  • 5
    Santana LM, Valadares EJA, Rosa-Júnior M. Differential diagnosis of temporal lobe lesions with hyperintense signal on T2-weighted and FLAIR sequences: pictorial essay. Radiol Bras. 2020;53:129-36.
  • 6
    Corrêa DG, Cruz Jr LCH, Rueda-Lopes FC, et al. Magnetic resonance imaging features of COVID-19-related cranial nerve lesions. J Neurovirol. 2021;27:171-7.
  • 7
    Dalaqua M, Nascimento FBP, Miura LK, et al. Magnetic resonance imaging of the cranial nerves in congenital, traumatic, and vascular diseases: a pictorial essay. Radiol Bras.2021;54:185-92.
  • 8
    Chhabra A, Bajaj G, Wadhwa V, et al. MR neurography evaluation of facial and neck pain: normal and abnormal craniospinal nerves below the skull base. Radiographics. 2018;38:1498-513.
  • 9
    Rueda-Lopes F. Neurography - a new look at the peripheral nervous system. Radiol Bras. 2017;50(4):ix.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2021
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