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Qual o seu diagnóstico?

EDITORIAL

Qual o seu diagnóstico?

Rafael Burgomeister LourençoI; Marcelo Bordalo RodriguesII

IMédico Residente do Instituto de Radiologia

IIChefe do Serviço de Radiologia do Instituto de Ortopedia e Traumatologia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Marcelo Bordalo Rodrigues Avenida Doutor Enéas de Carvalho Aguiar, 255, Cerqueira César São Paulo, SP, 05403-001 E-mail: mbordalo@uol.com.br

CASOS CLÍNICOS

Caso 1 (Figuras 1 a 3): Paciente de quatro anos de idade apresentando encurtamento do membro inferior esquerdo. Apresenta história de artrite séptica neonatal, abordada cirurgicamente para drenagem. Nega trauma.




Caso 2 (Figura 4): Paciente de cinco anos de idade apresentando encurtamento do membro inferior direito, com desvio angular em varo do joelho. Apresenta história de artrite séptica neonatal, abordada cirurgicamente para drenagem. Nega trauma.


Achados de imagem

Figura 1: Escanometria mostrando encurtamento do membro inferior esquerdo.

Figura 2: Radiografia simples AP – foco de osteocondensação de aspecto "estrelado" na interface entre a metáfise e a epífise do fêmur distal, na porção mais central do compartimento lateral.

Figura 3: Ressonância magnética (RM) (ponderação em T1) – ponte óssea transfisária comunicando a epífise com a metáfise, demonstrando sinal de gordura, semelhante ao da epífise adjacente.

Figura 4: Tomografia computadorizada (TC) multidetectores (reconstrução coronal oblíqua) – pontes ósseas transfisárias ossificadas na porção mais central do côndilo femoral lateral e no aspecto medial da metáfise tibial, esta última acarretando desvio angular em varo da metáfise tibial.

Diagnóstico: Pontes ósseas transfisárias.

COMENTÁRIOS

As pontes ósseas transfisárias são complicações tardias de insultos à placa de crescimento (fise). Dentre as causas mais freqüentes estão as fraturas epifisárias, classificadas radiologicamente segundo a classificação de Salter-Harris. Entretanto, outros tipos de agressão à fise, tais como infecções (em especial a pioartrite perinatal), irradiação terapêutica, doenças metabólicas ou hematológicas, tumores, queimaduras, lesões por congelamento, choques elétricos, neuropatia sensorial, isquemia microvascular ou instrumentação metálica também são etiologias descritas(1).

Estima-se que 1% e 2% das fraturas epifisárias evoluam com a formação de pontes ósseas(2). Não existem dados estatísticos referentes à freqüência dessas complicações relacionadas às demais etiologias, tais como a pioartrite, como nos casos apresentados. Entretanto, quanto maior o grau de agressão à cartilagem da placa de crescimento, maior a possibilidade de desenvolvimento de alterações(3).

Os locais de acometimento mais comuns são o fêmur distal, a tíbia proximal e a tíbia distal, em ordem decrescente(2).

Quando localizadas centralmente na fise, as pontes ósseas acarretam deformidades "em taça" da metáfise, com conseqüente parada de crescimento e encurtamento do membro (Figura 1). Lesões localizadas perifericamente caracteristicamente acarretam deformidades angulares(2) (Figura 4).

Sua fisiopatologia é relacionada com a reparação de lesões da cartilagem da fise. Após a agressão, ocorre a formação de uma ponte reparativa fibrovascularizada transfisária, que serve de base para a penetração de células osteoprogenitoras e conseqüente formação da ponte óssea(3). Não é normal se identificar vasos no interior da fise, que é nutrida por difusão através da epífise.

A avaliação radiográfica pode demonstrar as pontes ósseas como endentações, focos de osteocondensação com aspecto "estrelado" ou mesmo barras ósseas conspícuas na interface metaepifisária (Figura 2). Também podem ser indiretamente observadas através da perda do paralelismo entre a fise e as linhas de parada de crescimento(4). Porém, como a avaliação radiográfica não demonstra diretamente as lesões na cartilagem e as alterações ósseas são identificadas apenas meses após a lesão, as anormalidades radiográficas são, infelizmente, achados tardios, quando já existem deformidades ou déficit de crescimento(3).

A TC permite avaliar melhor a interface entre a metáfise e a epífise, demonstrando com clareza a localização e as dimensões das pontes ósseas, sendo útil no planejamento pré-operatório (Figura 4). Ainda assim, demonstra apenas achados tardios, uma vez que depende da ossificação das pontes fibrovascularizadas.

Devido à exuberante reação osteogênica associada às áreas de reparação óssea, adjacente às áreas de formação da ponte, os estudos cintilográficos freqüentemente são inconclusivos.

A avaliação por RM permite a identificação direta de lesões da placa de crescimento, caracterizadas por focos de baixo sinal em meio à fise, que normalmente possui alto sinal homogêneo nas imagens ponderadas em T1 e T2(3,4). Lesões precoces, com formação de pontes fibrocartilaginosas podem ser demonstradas como focos transfisários de impregnação pelo contraste(3). Lesões tardias são mais bem demonstradas em seqüências spin echo ou fast spin echo, coronais ou sagitais, ponderadas em T1, sendo caracterizadas por focos com sinal de gordura, semelhantes ao da medular óssea adjacente, servindo de ponte entre a metáfise e a epífise (Figura 3). A avaliação com reformatações tridimensionais também pode ser empregada para planejamento pré-cirúrgico(1,5). Devido a estas vantagens, associada à não utilização de radiação ionizante, a RM é considerada método de escolha na avaliação das pontes ósseas, sobretudo na fase precoce, tendo como desvantagens os altos custos e a freqüente necessidade de sedação para o procedimento(1).

O tratamento cirúrgico é indicado quando as pontes envolvem menos de 50% da superfície da epífise, sempre que exista possibilidade de crescimento por mais de dois anos(1). Nestes casos, a ressecção da ponte com interposição de materiais, como gordura, cera cirúrgica, tecido muscular ou metilacrilato, pode ser feita. Deformidades angulares podem requerer osteotomias corretivas(5). Pontes múltiplas ou de localização central podem não ser abordadas devido à possibilidade de lesão aos tecidos sadios circunjacentes. Nestes casos, a avaliação por TC ou RM tem papel fundamental no planejamento pré-cirúrgico(1,5).

REFERÊNCIAS

1. Craig JG, Cramer KE, Cody DD, Hearshen DO, Ceulemans RY, van Holsbeeck MT, Eyler WR. Premature partial closure and other deformities of the growth plate: MR imaging and three-dimensional modeling. Radiology 1999;210:835–843.

2. Ogden JA. The evaluation and treatment of partial physeal arrest. J Bone Joint Surg [Am] 1987; 69:1297–1302.

3. Jaramillo D, Shapiro F, Hoffer FA, et al. Posttraumatic growth-plate abnormalities: MR imaging of bony-bridge formation in rabbits. Radiology 1990;175:767–773.

4. Jaramillo D, Hoffer FA. Cartilaginous epiphysis and growth plate: normal and abnormal MR imaging findings. AJR 1992;158:1105-1110.

5. Saihan F. Three-dimensional MR imaging in the assessment of physeal growth arrest. Eur Radiol 2004;14:1600–1608.

Trabalho realizado no Instituto de Radiologia (InRad) e no Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

  • Endereço para correspondência:

    Dr. Marcelo Bordalo Rodrigues
    Avenida Doutor Enéas de Carvalho Aguiar, 255, Cerqueira César
    São Paulo, SP, 05403-001
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006
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