Acessibilidade / Reportar erro

Hiperglicemia não cetótica com movimentos involuntários

Sr. Editor,

Mulher, 61 anos, em uso irregular de insulina para tratamento de diabetes tipo II, apresentando hemicoreia-hemibalismo de aparecimento súbito no braço e perna esquerdos há duas semanas. Os exames de sangue revelaram glicemia de 450 mg/dL, creatinina de 0,9 mg/dL, ureia de 38 mg/dL e o hemograma não apresentou alterações. A análise do líquor mostrou glicorraquia de 350 mg/dL. A ressonância magnética (RM) revelou lesão hiperintensa nas imagens ponderadas em T1 e levemente hiperintensa em T2, na região dos núcleos caudado e putâmen à direita, sem realce pelo meio de contraste, sem evidência de sangramento na sequência para suscetibilidade magnética e sem restrição à difusão (Figura 1). Tais achados de imagem, associados à história clinicolaboratorial, confirmaram o diagnóstico de hemicoreia-hemibalismo decorrente de hiperglicemia não cetótica.

Figura 1
Ressonância magnética. A,B: Imagens ponderadas em T1 mostram lesão hiperintensa nos núcleos caudado e putâmen à direita (setas). C: Imagem ponderada em T2 mostra sinal levemente hiperintenso nas mesmas regiões. D: Imagem ponderada em T2* não revela deposição de sangue nessas regiões.

Hiperglicemia não cetótica, também chamada de estriatopatia diabética, é uma causa rara de movimentos involuntários como manifestação primária de diabete mellitus e acomete principalmente pacientes idosos, com a tríade hemicoreia-hemibalismo, hiperglicemia e lesão hiperintensa nos núcleos da base nas imagens ponderadas em T1(11 Bekiesinska-Figatowska M, Romaniuk-Doroszewska A, Banaszek M, et al. Lesions in basal ganglia in a patient with involuntary movements as a first sign of diabetes - case report and review of the literature. Pol J Radiol. 2010;75:61-4.). Normalmente, os achados clínicos e de imagens são unilaterais, mas podem ser bilaterais em até 11,4% dos casos(22 Krishna S, Sodhi KS, Saxena AK, et al. Hyperdense basal ganglia in nonketotic hyperglycemia. J Emerg Med. 2015;49:e57-8.), e são potencialmente reversíveis e normalmente apresentam resolução em 2 a 12 meses após o tratamento da hiperglicemia(33 Bekiesinska-Figatowska M, Mierzewska H, Jurkiewicz E. Basal ganglia lesions in children and adults. Eur J Radiol. 2013;82:837-49.,44 Chokshi FH, Aygun N, Mullins ME. Imaging of acquired metabolic and toxic disorders of the basal ganglia. Semin Ultrasound CT MR. 2014; 35:75-84.).

A fisiopatologia é desconhecida, porém, alterações metabólicas como deposição de proteínas, produtos de degradação de mielina, sangue ou cálcio ou outros minerais têm sido propostas e tendem a diminuir à medida que a glicose sérica é controlada(55 Hegde AN, Mohan S, Lath N, et al. Differential diagnosis for bilateral abnormalities of the basal ganglia and thalamus. Radiographics. 2011; 31:5-30.). Outra teoria aceita é que a alteração de perfusão induzida pela hiperglicemia determina uma redução da atividade do ciclo de Krebs, induzindo a um metabolismo anaeróbio, fazendo com que o cérebro use fontes alternativas de energia e metabolize o neurotransmissor inibitório ácido gama-aminobutírico (GABA). Em um estado de hiperglicemia não cetótica, os níveis de GABA e acetato são reduzidos rapidamente, levando a uma diminuição da síntese de acetilcolina. Especula-se que a redução de acetilcolina e GABA nos núcleos da base pode provocar uma disfunção dessas estruturas, levando a movimentos involuntários, como coreia-hemibalismo(66 Aggarwal A, Bansal N, Aggarwal R. Nonketotic hyperglycemia presenting as monoballism. J Emerg Med. 2016;50:e133-4.,77 Hansford BG, Albert D, Yang E. Classic neuroimaging findings of nonketotic hyperglycemia on computed tomography and magnetic resonance imaging with absence of typical movement disorder symptoms (hemichorea-hemiballism). J Radiol Case Rep. 2013;7:1-9.).

A RM é o exame de escolha para avaliação das doenças do sistema nervoso central(88 Machado VS, Silva Junior NA, Queiroz LS, et al. Central nervous system involvement in sarcoidosis. Radiol Bras. 2015;48:334-5.

9 Dultra AHA, Noro F, Melo ASA, et al. Primary intercavernous lymphoma of the central nervous system. Radiol Bras. 2015;48:337-8.

10 Ribeiro BNF, Lima GA, Ventura N, et al. Chronic kernicterus: magnetic resonance imaging findings. Radiol Bras. 2016;49:407-8.

11 Langer FW, Suertegaray G, Santos D, et al. Hemichorea-hemiballism: the role of imaging in diagnosing an unusual disorder in patients with nonketotic hyperglycemia. Radiol Bras. 2016;49:267-8.

12 Ribeiro BNF, Salata TM, Borges RS, et al. Posterior reversible encephalopathy syndrome following immunoglobulin therapy in a patient with Miller-Fisher syndrome. Radiol Bras. 2016;49:58-9.

13 Campos LG, Trindade RAR, Faistauer A, et al. Rhombencephalitis: pictorial essay. Radiol Bras. 2016;49:329-36.
-1414 Georgeto SM, Zicarelli CAM, Gariba MA, et al. T1-weighted gradient-echo imaging, with and without inversion recovery, in the identification of anatomical structures on the lateral surface of the brain. Radiol Bras. 2016;49:382-8.). Os achados de imagem na RM na hemicoreia-hemibalismo por hiperglicemia não cetótica são caracterizados por hiperintensidade nas sequências pesadas em T1 e discreta hiperintensidade em T2, na região do núcleo caudado e núcleo lentiforme, sem realce pelo meio de contraste e sem restrição à difusão, geralmente unilateral, como em nosso caso, mas podendo ser bilateral(11 Bekiesinska-Figatowska M, Romaniuk-Doroszewska A, Banaszek M, et al. Lesions in basal ganglia in a patient with involuntary movements as a first sign of diabetes - case report and review of the literature. Pol J Radiol. 2010;75:61-4.,33 Bekiesinska-Figatowska M, Mierzewska H, Jurkiewicz E. Basal ganglia lesions in children and adults. Eur J Radiol. 2013;82:837-49.,44 Chokshi FH, Aygun N, Mullins ME. Imaging of acquired metabolic and toxic disorders of the basal ganglia. Semin Ultrasound CT MR. 2014; 35:75-84.).

O diagnóstico diferencial de lesões hiperintensas nas sequências pesadas em T1 na região dos núcleos da base é amplo, podendo ser citadas como principais causas: encefalopatia hepática, exposição prolongada a manganês, nutrição parenteral prolongada, doença de Wilson, hemorragia intracerebral em fase subaguda, intoxicação exógena por monóxido de carbono e metanol, entre outras, sendo fundamental a correlação com dados clinicolaboratoriais para definição diagnóstica(11 Bekiesinska-Figatowska M, Romaniuk-Doroszewska A, Banaszek M, et al. Lesions in basal ganglia in a patient with involuntary movements as a first sign of diabetes - case report and review of the literature. Pol J Radiol. 2010;75:61-4.,44 Chokshi FH, Aygun N, Mullins ME. Imaging of acquired metabolic and toxic disorders of the basal ganglia. Semin Ultrasound CT MR. 2014; 35:75-84.).

Concluindo, apesar de a ocorrência de hemicoreia-hemibalismo como complicação de diabetes descontrolada ser incomum, o diagnóstico deve ser considerado quando os achados clínicos e de RM típicos são encontrados, evitando atrasos na instituição do tratamento adequado.

REFERENCES

  • 1
    Bekiesinska-Figatowska M, Romaniuk-Doroszewska A, Banaszek M, et al. Lesions in basal ganglia in a patient with involuntary movements as a first sign of diabetes - case report and review of the literature. Pol J Radiol. 2010;75:61-4.
  • 2
    Krishna S, Sodhi KS, Saxena AK, et al. Hyperdense basal ganglia in nonketotic hyperglycemia. J Emerg Med. 2015;49:e57-8.
  • 3
    Bekiesinska-Figatowska M, Mierzewska H, Jurkiewicz E. Basal ganglia lesions in children and adults. Eur J Radiol. 2013;82:837-49.
  • 4
    Chokshi FH, Aygun N, Mullins ME. Imaging of acquired metabolic and toxic disorders of the basal ganglia. Semin Ultrasound CT MR. 2014; 35:75-84.
  • 5
    Hegde AN, Mohan S, Lath N, et al. Differential diagnosis for bilateral abnormalities of the basal ganglia and thalamus. Radiographics. 2011; 31:5-30.
  • 6
    Aggarwal A, Bansal N, Aggarwal R. Nonketotic hyperglycemia presenting as monoballism. J Emerg Med. 2016;50:e133-4.
  • 7
    Hansford BG, Albert D, Yang E. Classic neuroimaging findings of nonketotic hyperglycemia on computed tomography and magnetic resonance imaging with absence of typical movement disorder symptoms (hemichorea-hemiballism). J Radiol Case Rep. 2013;7:1-9.
  • 8
    Machado VS, Silva Junior NA, Queiroz LS, et al. Central nervous system involvement in sarcoidosis. Radiol Bras. 2015;48:334-5.
  • 9
    Dultra AHA, Noro F, Melo ASA, et al. Primary intercavernous lymphoma of the central nervous system. Radiol Bras. 2015;48:337-8.
  • 10
    Ribeiro BNF, Lima GA, Ventura N, et al. Chronic kernicterus: magnetic resonance imaging findings. Radiol Bras. 2016;49:407-8.
  • 11
    Langer FW, Suertegaray G, Santos D, et al. Hemichorea-hemiballism: the role of imaging in diagnosing an unusual disorder in patients with nonketotic hyperglycemia. Radiol Bras. 2016;49:267-8.
  • 12
    Ribeiro BNF, Salata TM, Borges RS, et al. Posterior reversible encephalopathy syndrome following immunoglobulin therapy in a patient with Miller-Fisher syndrome. Radiol Bras. 2016;49:58-9.
  • 13
    Campos LG, Trindade RAR, Faistauer A, et al. Rhombencephalitis: pictorial essay. Radiol Bras. 2016;49:329-36.
  • 14
    Georgeto SM, Zicarelli CAM, Gariba MA, et al. T1-weighted gradient-echo imaging, with and without inversion recovery, in the identification of anatomical structures on the lateral surface of the brain. Radiol Bras. 2016;49:382-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017
Publicação do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Av. Paulista, 37 - 7º andar - conjunto 71, 01311-902 - São Paulo - SP, Tel.: +55 11 3372-4541, Fax: 3285-1690, Fax: +55 11 3285-1690 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: radiologiabrasileira@cbr.org.br