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O que falta para o manejo de via aérea difícil no século 21

Caro Editor,

O algoritmo da Sociedade Americana de Anestesiologia para o manejo de via aérea difícil tem diminuído significantemente a morbimortalidade relacionada ao manejo das vias aéreas.1Metzer J, Posner KL, Lam MS, et al. Closed claim's analysis. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2011;25:263-76. Tal algoritmo, bastante difundido em diferentes países, fornece uma estrutura racional e efetiva para a abordagem do anestesiologista nesse cenário clínico. O mesmo apresenta sua nova versão destacando a utilização de dispositivos supraglóticos e da videolaringoscopia.2Apfelbaum JL, Hagberg CA, Caplan RA, et al., American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Air- way. Practice guidelines for management of the difficult airway: an update report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Anesthesiology. 2013;118:251-70.

Os algoritmos de "via aérea difícil" têm se tornado um pilar dos programas de treinamento em anestesia e prática clínica. Sua eficácia depende da proficiência de seus usuários, e o treinamento em várias técnicas de manejo de vias aéreas é mandatório. Apesar disso, nem todos os usuários em treinamento, ou até médicos experientes, têm completa competência nos atuais algoritmos ou técnicas de via aérea difícil. Em recente estudo no Reino Unido, a incidência de complicações atinge a casa de 1:5000 casos. A principal causa é a hipoxemia, que traz sequelas desastrosas, como parada cardíaca, dano cerebral e morte.3Cook TM, Woodall N, Frek C, Fourth National Audit Project. Major complications of airway management in the UK: results of the Fourth National Audit Project of the Royal College of Anaesthesia and the Difficult Airway Society. Part I: anesthesia. Br J Anaesth. 2011;106:617-31. Infelizmente não temos comparativos com a atual realidade brasileira. Entre as causas apontadas para estes desfechos, podemos citar a inabilidade de avaliação das vias aéreas de maneira preditiva, ausência de treinamento adequado e de equipamentos essenciais.3Cook TM, Woodall N, Frek C, Fourth National Audit Project. Major complications of airway management in the UK: results of the Fourth National Audit Project of the Royal College of Anaesthesia and the Difficult Airway Society. Part I: anesthesia. Br J Anaesth. 2011;106:617-31.

No intuito de garantir, com sucesso, diferentes apresentações de vias aéreas, o médico deve possuir habilidades psicomotoras que podem ser obtidas apenas através de treinamento e experiência. Neste quesito, por meio do Advanced Airway Management Program, da Universidade de Stanford, liderado pelo Dr. Vladimir Nekhendzy, foram treinados mais de mil anestesiologistas brasileiros nas varias técnicas de manejo das vias aéreas. Este é fruto de um trabalho realizado em conjunto com várias sociedades estaduais de anestesiologia desde 2007 (comunicação pessoal). O fato de viver e conhecer as duas realidades (Brasil e Estado Unidos) nos permite lançar um desafio a todos os colegas para diminuir esta diferença encontrada, principalmente em relação à disposição de equipamentos essenciais.

O bougie4Latto IP, Stacey M, Meckl Enburgh J, et al. Survey of the use of the gum elastic bougie in clinical practice. Anaesthesia. 2002;57:379-84. e a máscara laríngea5Combes X, Le Roux B, Suen P, et al. Unanticipated difficult airway in anesthetized patients prospective validation of a management algorithm. Anesthesiology. 2004;100:1146-50. têm mostrado ser eficientes no manejo da maioria dos cenários de via aérea difícil não antecipada; no entanto, hoje em dia, dispositivos ópticos têm sido usados com frequência. Infelizmente, muitos programas de treinamento não têm acesso a esses dispositivos.

Nós propomos um novo e simplificado algoritmo de manejo de via aérea difícil. Nosso objetivo é proporcionar uma abordagem padronizada no manejo de via aérea difícil que foca em problemas institucionais (por exemplo, acessibilidade, materiais e treinamento) e que possa ser amplamente aplicada. Baseado na estratégia organizacional recomendada por Schmidt e Eikermann, nós propomos um modelo de manejo de via aérea difícil que conduza ao aprendizado e, uma vez dominado, à forte aderência. Simplificamos o organograma de decisão para três situações: (1) ventilação com máscara difícil (VMD, fig. 1); (2) laringoscopia direta (LD) mal-sucedida com Cormack-Lehane/Yentis6Schmidt U, Eikermann M. Organizational aspects of difficult airway management think globally, act locally. Anesthesiology. 2011;114:3-6. and 7Yentis SM, Lee DJ. Evaluation of an improved scoring system for the grading of direct laryngoscopy. Anaesthesia. 1998;53:1041-4. Grau I ou II (fig. 2); e (3) laringoscopia direta (LD) malsucedida com C-L/Y Grau III ou IV (fig. 3). Num esforço para simplificar esta abordagem, enquanto se maximiza a competência técnica, nossa abordagem incluiu apenas cinco equipamentos de via aérea: o bougie, a máscara laríngea (que pode servir para ventilação ou conduto para intubação), o videolaringoscópio, o broncofibroscópio e o aparelho modulador de fluxo de oxigênio (Enk(r)).

Figura 1 -
Difícil ventilacão sob máscara facial (DVM).

Figura 2 -
Falha na laringoscopia direta (LD) com visão Graus I e II de acordo com a classificação de Cormack-Lehane modificada por Yentis (C-L/1 e 2).

Figura 3 -
Falha na laringoscopia direta (LD) com visão Graus III e IV de acordo com a classificação de Cormack-Lehane modificada por Yentis (C-L/Y 3 e 4).

Um estudo piloto incluindo preceptores e residentes de anestesiologia em duas instituições acadêmicas foi realizado em Recife, Pernambuco, no período de setembro de 2012 a setembro de 2013. Cada local recebeu um dia de instrução como parte do programa, o qual incluiu um modulo didático e outro com estações de habilidades. Apos este treinamento, houve também acompanhamento dentro do bloco cirúrgico. Sabemos que, para validar um algoritmo, centenas ou até milhares de pacientes são necessários.8Combes X, Jabre P, Margenet A, et al. Unanticipated dif- ficult airway management in the prehospital emergency setting: prospective validation of an algorithm. Anesthesiology. 2011;114:105-10. Esta proposta inclui ferramentas que estão à disposição do anestesiologista e já foram validadas na literatura. Ressaltamos que cada dispositivo apresenta indicações únicas que podem ser vantajosas em certas situações e limitantes em outras. Não existe uma solução ou dispositivo único que permita a solução definitiva para o manejo de via aérea difícil. A lição que tiramos é que, com um investimento relativamente baixo para a administração dos hospitais, é possível capacitar nossos anestesiologistas e centros cirúrgicos de maneira adequada. Estamos analisando a viabilidade da realização de um vasto estudo prospectivo no futuro.

Iniciativas como esta serão capazes de ajudar a identificar as necessidades locais especiais e a sua viabilidade de implementação, e também de fornecer uma variedade de soluções para esses problemas encontrados na prática clínica diária em comunidades com baixo poder socioeconômico. Não podemos permitir que nossos pacientes continuem a sofrer pela falta básica de equipamentos. Fica aqui o nosso apelo: complicação ZERO pela falta de material essencial no manejo de vias aéreas!

References

  • 1
    Metzer J, Posner KL, Lam MS, et al. Closed claim's analysis. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2011;25:263-76.
  • 2
    Apfelbaum JL, Hagberg CA, Caplan RA, et al., American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Air- way. Practice guidelines for management of the difficult airway: an update report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Anesthesiology. 2013;118:251-70.
  • 3
    Cook TM, Woodall N, Frek C, Fourth National Audit Project. Major complications of airway management in the UK: results of the Fourth National Audit Project of the Royal College of Anaesthesia and the Difficult Airway Society. Part I: anesthesia. Br J Anaesth. 2011;106:617-31.
  • 4
    Latto IP, Stacey M, Meckl Enburgh J, et al. Survey of the use of the gum elastic bougie in clinical practice. Anaesthesia. 2002;57:379-84.
  • 5
    Combes X, Le Roux B, Suen P, et al. Unanticipated difficult airway in anesthetized patients prospective validation of a management algorithm. Anesthesiology. 2004;100:1146-50.
  • 6
    Schmidt U, Eikermann M. Organizational aspects of difficult airway management think globally, act locally. Anesthesiology. 2011;114:3-6.
  • 7
    Yentis SM, Lee DJ. Evaluation of an improved scoring system for the grading of direct laryngoscopy. Anaesthesia. 1998;53:1041-4.
  • 8
    Combes X, Jabre P, Margenet A, et al. Unanticipated dif- ficult airway management in the prehospital emergency setting: prospective validation of an algorithm. Anesthesiology. 2011;114:105-10.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2015
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