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Hemofilia e anestesia

Hemofilia y anestesia

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Há mais de 25 anos não se discute, na Revista Brasileira de Anestesiologia, de maneira geral, o manuseio do paciente hemofílico durante o peri-operatório. Apesar da hemofilia ter sido definida como doença no início do século XIX, existem, até hoje, muitas descobertas relacionadas a ela. O objetivo dessa revisão é apontar os cuidados relacionados ao paciente hemofílico durante o período peri-operatório, ressaltando o manuseio da hemofilia tipo A e o papel do anestesiologista na equipe multidisciplinar. CONTEÚDO: Estão definidas as características da hemofilia quanto à clínica e aos achados laboratoriais, a terapia farmacológica atual e os cuidados com o manuseio do paciente hemofílico no intra-operatório. CONCLUSÕES: O manuseio do paciente hemofílico foi aprimorado. Como conseqüência desse avanço, percebe-se a importância e a necessidade de que novos conhecimentos, principalmente em relação à terapia de reposição, sejam dominados por hematologistas e por todo o corpo clínico-cirúrgico. Quando pacientes hemofílicos submetem-se a procedimentos cirúrgicos é necessário o envolvimento de uma equipe multidisciplinar da qual o anestesiologista faz parte. A este profissional cabe a responsabilidade de tomar as condutas mais adequadas frente ao paciente hemofílico, participando e comunicando-se ativamente com os membros da equipe multidisciplinar.

ANESTESIA; ANESTESIA


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: Hace más de 25 años que en la Revista Brasileña de Anestesiologia, de manera general, no se discute el manoseo del paciente hemofílico durante el peri-operatorio. A pesar de la hemofilia haber sido definida como enfermedad en el inicio del siglo XIX, existen hasta hoy, muchos hallazgos relacionados a ella. El objetivo de esa revisión es apuntar las atenciones relacionadas al paciente hemofílico durante el período peri-operatorio, realzando el manoseo de la hemofilia tipo A y el papel del anestesiologista en el equipo multidisciplinar. CONTENIDO: Están definidas las características de la hemofilia en cuanto a la clínica y a los hallazgos laboratoriales, la terapia farmacológica actual y las atenciones con el manoseo del paciente hemofílico en el intra-operatorio. CONCLUSIONES: El manoseo del paciente hemofílico fue perfeccionado. Como consecuencia de ese avance, se percibe la importancia y la necesidad de que nuevos conocimientos, principalmente con relación a la terapia de reposición, sean dominados por hematologistas y por todo el cuerpo clínico-quirúrgico. Cuando pacientes hemofílicos se someten a procedimientos quirúrgicos, es necesario el envolvimiento de un equipo multidisciplinar de la cual el anestesiologista hace parte. A este profesional cabe la responsabilidad de tomar las conductas más adecuadas frente al paciente hemofílico, participando y comunicándose activamente con los miembros del equipo multidisciplinar.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: For more than 25 years, there has been no discussion in the Brazilian Journal of Anesthesiology about hemophiliac patients' perioperative management. Hemophilia has been described as a disease from the early 19th Century, but still today there are many hemophilia-related breakthroughs. This review aimed at pointing hemophilia patient-related perioperative care, focusing on hemophilia A management and the role of the anesthesiologist as part of the multidisciplinary team. CONTENTS: Hemophilia features are described in terms of clinical and laboratory findings, current pharmacological therapy and intraoperative care of hemophilia patients. CONCLUSIONS: Hemophiliac patients management has improved. As a consequence of this advance, it is important that new knowledge, especially related to replacement therapy, be mastered not only by hematologists but also by the whole clinical-surgical team. A multidisciplinary team of which the anesthesiologist is part has to be involved when hemophilia patients are submitted to surgical procedures. The anesthesiologist should be in charge of adopting most adequate approaches for hemophilia patients, actively participating and communicating with the members of the multidisciplinary team.

ANESTHESIA; ANESTHESIA


ARTIGO DIVERSO

Hemofilia e anestesia* * Recebido do CET/SBA do SANE, Porto Alegre, RS

Hemofilia y anestesia

Rafael Py Gonçalves FloresI; Airton Bagatini, TSAII; Ari Tadeu Lírio dos Santos, TSAII; Cláudio Roberto Gomes, TSAIII; Mário Sérgio FernandesIV; Roger Pelini MolonV

IEx-Estagiário do CET/SBA do SANE

IICo-Responsável pelo CET/SBA do SANE

IIIInstrutor do CET/SBA do SANE

IVChefe do Serviço de Hematologia do Hospital São Lucas da PUCRS

VME2 do CET/SBA do SANE

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Airton Bagatini Rua Santana, 483/301 90040-373 Porto Alegre, RS

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Há mais de 25 anos não se discute, na Revista Brasileira de Anestesiologia, de maneira geral, o manuseio do paciente hemofílico durante o peri-operatório. Apesar da hemofilia ter sido definida como doença no início do século XIX, existem, até hoje, muitas descobertas relacionadas a ela. O objetivo dessa revisão é apontar os cuidados relacionados ao paciente hemofílico durante o período peri-operatório, ressaltando o manuseio da hemofilia tipo A e o papel do anestesiologista na equipe multidisciplinar.

CONTEÚDO: Estão definidas as características da hemofilia quanto à clínica e aos achados laboratoriais, a terapia farmacológica atual e os cuidados com o manuseio do paciente hemofílico no intra-operatório.

CONCLUSÕES: O manuseio do paciente hemofílico foi aprimorado. Como conseqüência desse avanço, percebe-se a importância e a necessidade de que novos conhecimentos, principalmente em relação à terapia de reposição, sejam dominados por hematologistas e por todo o corpo clínico-cirúrgico. Quando pacientes hemofílicos submetem-se a procedimentos cirúrgicos é necessário o envolvimento de uma equipe multidisciplinar da qual o anestesiologista faz parte. A este profissional cabe a responsabilidade de tomar as condutas mais adequadas frente ao paciente hemofílico, participando e comunicando-se ativamente com os membros da equipe multidisciplinar.

Unitermos: ANESTESIA; Doenças coexistentes: hemofilia

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: Hace más de 25 años que en la Revista Brasileña de Anestesiologia, de manera general, no se discute el manoseo del paciente hemofílico durante el peri-operatorio. A pesar de la hemofilia haber sido definida como enfermedad en el inicio del siglo XIX, existen hasta hoy, muchos hallazgos relacionados a ella. El objetivo de esa revisión es apuntar las atenciones relacionadas al paciente hemofílico durante el período peri-operatorio, realzando el manoseo de la hemofilia tipo A y el papel del anestesiologista en el equipo multidisciplinar.

CONTENIDO: Están definidas las características de la hemofilia en cuanto a la clínica y a los hallazgos laboratoriales, la terapia farmacológica actual y las atenciones con el manoseo del paciente hemofílico en el intra-operatorio.

CONCLUSIONES: El manoseo del paciente hemofílico fue perfeccionado. Como consecuencia de ese avance, se percibe la importancia y la necesidad de que nuevos conocimientos, principalmente con relación a la terapia de reposición, sean dominados por hematologistas y por todo el cuerpo clínico-quirúrgico. Cuando pacientes hemofílicos se someten a procedimientos quirúrgicos, es necesario el envolvimiento de un equipo multidisciplinar de la cual el anestesiologista hace parte. A este profesional cabe la responsabilidad de tomar las conductas más adecuadas frente al paciente hemofílico, participando y comunicándose activamente con los miembros del equipo multidisciplinar.

INTRODUÇÃO

No Rio Grande do Sul existem 497 pacientes com diagnóstico de hemofilia (Hemocentro de Porto Alegre; setembro de 2003); estes dados podem estar subestimados se for considerado o número de pacientes que não são diagnosticados por deficiência do sistema de saúde, porque são assintomáticos ou por não terem sido submetidos a procedimentos cirúrgicos. De qualquer forma, quando essa população, com diagnóstico, é submetida a procedimentos cirúrgicos merece cuidados especiais, necessitando de uma equipe multidisciplinar de profissionais da saúde, entre eles o hematologista, o cirurgião e o anestesiologista, habilitados e informados sobre sua doença.

A hemofilia é uma tendência hemorrágica relacionada quase exclusivamente aos homens (doença recessiva ligada ao cromossomo X). Em 85% dos casos é causada por deficiência do fator VIII, sendo denominada hemofilia tipo A ou hemofilia clássica 1-4. Em aproximadamente 15% dos casos, ocorre deficiência do fator IX (hemofilia tipo B). A hemofilia tipo A ocorre em 1 entre 5000 a 10000 homens e pode ser classificada como leve, moderada ou grave. É classificada como grave, se o nível do fator VIII de coagulação for menor que 1%; moderada, se for entre 1% e 5%; leve, se for maior que 5% 1,2,5,6. Os níveis plasmáticos normais de fator VIII variam de 0,5 U/ml a 1,5 U/ml sendo que cada U/ml corresponde a 100% de fator VIII encontrado em 1 ml de plasma. O diagnóstico laboratorial da hemofilia tipo A é baseado no resultado de TTPa prolongado e na deficiência do fator VIII, níveis normais do fator IX e do fator de von Willebrand.

Os pacientes com hemofilia podem apresentar sangramentos espontâneos ou relacionados a traumas. O sangramento espontâneo é mais comum na hemofilia grave. As articulações são geralmente as mais afetadas, mas qualquer outra parte do corpo, inclusive o sistema nervoso central (SNC), pode estar sujeito à hemorragia espontânea 1,7.

Na infância, um sangramento pode se manifestar como mancha ou hematoma, mas à medida que a criança vai ficando mais velha a hemorragia intra-articular ou a hemartrose ocorre com maior freqüência. A atitude dos familiares de proteger essas crianças pode causar importantes transtornos psicológicos em algumas delas.

O tratamento da hemofilia é complexo porque a deficiência de uma proteína de coagulação atinge muitos sistemas do organismo e reflete-se na capacidade de adaptação psicossocial 1,8.

ASPECTOS IMPORTANTES NO MANUSEIO PERI-OPERATÓRIO DO PACIENTE HEMOFÍLICO EM CIRURGIAS ELETIVAS

Os hemofílicos podem se apresentar para uma variedade de procedimentos cirúrgicos, desde procedimentos para acesso vascular como para grandes cirurgias ortopédicas 9,10.

A cirurgia em um paciente com hemofilia necessita uma abordagem multidisciplinar que reuna a perícia médica, cirúrgica, laboratorial e fisioterápica 1,11.

O objetivo terapêutico está em corrigir a deficiência do fator adequadamente antes, durante e após a cirurgia, por um período suficiente que permita a cicatrização das lesões 12.

Pré-Operatório

O objetivo principal desta fase é a correção da deficiência do fator VIII antes do procedimento cirúrgico, tarefa de responsabilidade do hematologista. Deve-se saber que o paciente necessita ter seu nível de fator VIII corrigido para 100%, antes de qualquer procedimento cirúrgico e confirmá-lo antes da cirurgia 5,12,13. Para cada UI/kg infundida de concentrado de fator VIII ocorre um aumento de 2% no seu respectivo nível plasmático 5,6.

É nessa fase que o hematologista deve também excluir a presença de anticorpos inibidores de fator VIII, orientar quanto ao não uso de drogas anti-plaquetárias uma semana antes da cirurgia e assegurar a existência de quantidades adequadas de concentrado de fator VIII disponíveis durante o peri-operatório.

O anestesiologista, ao realizar a visita pré-operatória deve, na avaliação física do paciente, examinar o estado das articulações, pesquisar hematomas espontâneos, verificar as condições de intubação traqueal e a existência de lesões na boca (principalmente endo e periodontais, que são muito freqüentes) 2. O anestesiologista deve também tomar conhecimento dos procedimentos programados pelo hematologista, discutir possíveis condutas intra-operatória e estar vigilante quanto à adequada monitorização hemostática desses pacientes antes da cirurgia.

Antes de procedimentos invasivos menores, como punção lombar, coleta gasométrica arterial, broncoscopia com lavado e biópsia, o paciente deve receber o concentrado.

Cabe especificamente ao cirurgião, por fim, marcar o procedimento no início da semana e o mais cedo durante o dia para facilitar o acesso aos laboratórios e aos especialistas, além de marcar procedimentos menores próximos aos procedimentos maiores, para que não seja necessária uma nova etapa de reposição, evitando maiores gastos e riscos 6.

Intra-Operatório

O consumo dos fatores de coagulação aumenta muito durante a cirurgia. O anestesiologista deve tomar pequenos cuidados para que a técnica anestésica não contribua com a possibilidade de hemorragia ou hematomas fora do local cirúrgico. Mesmo que isso seja improvável de ocorrer, se o paciente for corretamente tratado em relação à reposição de fator VIII, é importante ressaltar algumas etapas no manuseio anestésico:

a) Posicionamento: cuidar da posição do paciente na mesa cirúrgica observando suas limitações articulares;

b) Indução: propiciar uma indução tranqüila, em um tempo necessário para a ação e o efeito das drogas administradas. Evitar anestesia superficial ou drogas como a succinilcolina para que não ocorram abalos musculares que possam agravar o estado hemorrágico muscular e articular do paciente;

c) Intubação e manuseio da via aérea: deve ser extremamente cuidadosa, os tubos devem ser previamente vaselinados para diminuir o atrito com a mucosa e deve-se evitar intubação nasotraqueal. São necessários também cuidados na colocação de sondas e de termômetros evitando lesões traumáticas por manipulação, pois sangramentos na língua e nos músculos que envolvem a via aérea podem rapidamente causar a sua obstrução 6;

d) Manutenção da anestesia: a hipertensão arterial e a taquicardia são indesejáveis, porque levam ao aumento do sangramento do campo operatório; as técnicas de hipotensão controlada não são recomendadas, pois impedirão o cirurgião de ligar pequenos vasos, fontes importantes de sangramento no pós-operatório 2. É preciso manter as condições hemodinâmicas o mais próximas do normal;

e) Recuperação: é desejável que a extubação do paciente seja realizada em plano anestésico, sem o reflexo de tosse. A aspiração da orofaringe deve ser extremamente cuidadosa e delicada.

Os bloqueios anestésicos estão contra-indicados, assim como injeções por via muscular 2,6. Porém há relatos em que os bloqueios anestésicos (axilares, peridurais e espinhais) foram utilizados com sucesso em pacientes hemofílicos, desde que os níveis de fator VIII sejam mantidos acima de 30% durante todo o peri-operatório 14.

No intra-operatório, o cirurgião deve dar atenção especial à hemostasia de pequenos vasos que seriam deixados por conta dos mecanismos fisiológicos de hemostasia 2.

Pós-Operatório

O paciente hemofílico necessita de cuidados especiais no pós-operatório em relação à terapia hemostática. Até o momento, ainda não foram definidos valores precisos quanto ao nível de atividade de fator VIII e por quanto tempo devem ser mantidos no pós-operatório. É recomendável que o uso do fator VIII seja continuado para que seus níveis se mantenham em torno de 50% após a cirurgia 5,9,12,13. É adequado que se mantenha esses níveis por até 6 semanas após os procedimentos ortopédicos e por 1 a 2 semanas nos demais procedimentos 6. A monitorização dos níveis deve ser feita com a dosagem do fator VIII de 1 a 2 vezes ao dia. Apesar de não ser ideal, pode-se ainda monitorizar com a medida seriada de TTPa, se não for disponível a medida seriada do fator VIII. Torna-se aceitável a coagulação do paciente quando a relação do TTPa do paciente e do normal não ultrapassar 1,2 2.

É importante que a equipe médica mantenha contato com o paciente após a alta hospitalar, mesmo na ausência de sangramentos; e a instituição deve possuir quantidades disponíveis de reserva de fator VIII, no caso de emergência hemorrágica no peri-operatório.

TERAPIA FARMACOLÓGICA

1) Plasma fresco congelado: utilizado desde a década de 50 para tratamento da hemofilia 5. Contém de 175 a 250 ml de volume por bolsa com 70 a 90 U/dl de fator VIII, fator IX, fator de von Willebrand e outros fatores coagulantes. Consegue repor de 15% a 20% do fator VIII com 800 a 1000 ml de volume 2. Pode ser usado para tratar deficiências conhecidas de fatores de coagulação nos casos em que o concentrado específico não esteja disponível 15.

2) Crioprecipitado: na década de 60, foi um grande avanço na terapia de reposição de fator VIII. É oriundo da bolsa de plasma fresco congelado após lento descongelamento e centrifugação da parte crioprecipitada, rica em fator VIII e fibrinogênio. Nas preparações comuns, não são submetidos à atenuação viral e contém de 60 a 100 unidades de fator VIII e 200 a 300 mg de fibrinogênio em um volume de 20 a 30 ml. Atualmente não são recomendados, porém podem ser usados nos casos em que o concentrado de fator VIII não esteja disponível 15.

3) Concentrado do fator VIII: o concentrado de fator VIII purificado (liofilizado) é o produto de escolha na terapia de reposição 1,5,6,12. Este é preferido porque é estável, fácil de manusear e armazenar, contém quantidades padronizadas de fator coagulante, e tem menor probabilidade de transmitir doenças virais do que o crioprecipitado ou o plasma 12. Os concentrados são preparados de um pool de plasma de um grande número de doadores ou, como é feito mais recentemente, através do uso da tecnologia de DNA recombinante, e podem ser divididos quanto ao grau de pureza. Por exemplo: concentrados de intermediária-alta pureza e produtos de ultrapureza, obtidos através de técnicas que usam cromatografia por imunoafinidade com anticorpos monoclonais e técnicas que usam DNA recombinante. O concentrado de fator VIII foi comercializado a partir da década de 70 e desde 1985 é submetido a procedimentos de atenuação viral, que reduziram significativamente o risco de transmissão do HIV e hepatite em comparação aos antigos produtos.

Aproximadamente entre 20% a 33% dos pacientes com hemofilia A, moderada e grave, desenvolvem anticorpos inibidores do fator VIII. O desenvolvimento desses inibidores complica o manuseio dos pacientes hemofílicos porque os tornam refratários à terapêutica com fator VIII. Esses pacientes podem ser divididos em dois grupos, os de baixa e os de alta resposta, quanto ao grau de produção de inibidores. As opções terapêuticas nesses pacientes incluem a reposição com o fator VIII porcino (Tabela I), concentrado de complexo de protrombina, terapia com fator VII ativado e, inclusive, a plasmaferese como medida paliativa em situações de emergência 5,9.

4) Desmopressina: é um análogo sintético da vasopressina, útil nos pacientes com hemofilia leve que obtiverem boa resposta após realização de um teste prévio com a droga. A desmopressina estimula a liberação do fator VIII endógeno pelas células endoteliais para circulação sistêmica, podendo aumentar de 2 a 3 vezes os níveis do fator VIII. Assim, uma alternativa para hemorragias menos graves em pacientes com hemofilia leve. A administração pode ser por via venosa, subcutânea ou intranasal (spray específico para hemofílicos). A dose por via venosa é de 0,3 µg.kg-1 diluído em 30 a 50 ml de solução fisiológica, infundidos em 15 a 20 minutos. A dose intranasal é de 150 µg.kg-1, para indivíduos com menos de 50 kg e 300 µg.kg-1, para indivíduos com mais de 50 kg 5,12,16.

5) Terapia antifibrinolítica: são importantes agentes adjuvantes na prevenção e tratamento de hemorragia durante cirurgias orais e odontológicas, pois atuam inibindo a ação fibrinolítica das enzimas salivares. O ácido epsilon aminocapróico pode ser administrado por vias oral ou venosa na dose de 200 mg.kg-1, seguido de 100 mg.kg-1 a cada 6 horas (máximo 5 g/dose). O ácido tranexâmico pode ser administrado na dose de 25 mg.kg-1 (máximo 1,5 g) por via oral, ou 10 mg.kg-1 (máximo 1 g), por via venosa, a cada 8 horas. As duas drogas são contra-indicadas na presença de hematúria e em pacientes com inibidores de fator VIII que estejam em tratamento com concentrado de complexo de protrombina, devido ao risco de tromboembolismo 5,12,16.

6) Concentrado de fator VIII porcino: usado nos pacientes que possuem inibidores do fator VIII humano. Após o tratamento, alguns pacientes podem desenvolver inibidores ao fator VIII porcino.

7) Complexo concentrado de protrombina: composto por concentrado de protrombina, fatores IX, X e quantidade variável de fator VIII. Usado na hemofilia tipo A em pacientes com inibidores de fator VIII nas doses de 75 a 100 U/kg. Está associado a problemas tromboembólicos 5.

Revista Brasileira de Anestesiologia, 2004; 54: 6: 865-871

Hemofilia e anestesia

Rafael Py Gonçalves Flores; Airton Bagatini; Ari Tadeu Lírio dos Santos;

Cláudio Roberto Gomes; Mário Sérgio Fernandes; Roger Pelini Molon

CONCLUSÃO

Com o passar dos anos o manuseio do paciente hemofílico foi aprimorado. Como conseqüência desse avanço, percebe-se a importância e a necessidade de que novos conhecimentos, principalmente em relação à terapia de reposição, sejam dominados por hematologistas e por todo o corpo clínico-cirúrgico. De acordo com o que já foi descrito, quando pacientes hemofílicos se submetem a procedimentos cirúrgicos, é necessário o envolvimento de uma equipe multidisciplinar da qual o anestesiologista faz parte. A este profissional cabe a responsabilidade de tomar condutas adequadas frente ao paciente hemofílico e participar ativamente da equipe médica, mantendo a comunicação necessária com o clínico, o cirurgião e o hematologista.

Apresentado em 04 de fevereiro de 2004

Aceito para publicação em 17 de maio de 2004

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  • Endereço para correspondência
    Dr. Airton Bagatini
    Rua Santana, 483/301
    90040-373 Porto Alegre, RS
  • *
    Recebido do CET/SBA do SANE, Porto Alegre, RS
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Recebido
      04 Fev 2004
    • Aceito
      17 Maio 2004
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