Acessibilidade / Reportar erro

Lesão de nervo cutâneo antebraquial lateral relacionada à venipuntura: o que saber?

Resumos

Justificativa e objetivos:

a venipuntura é um dos procedimentos mais comuns na prática anestésica cotidiana. Embora geralmente inócuas, lesões de nervos periféricos com sequelas graves foram descritas após venipuntura. Apresentamos um caso de lesão de nervo cutâneo antebraquial lateral relacionada à venipuntura, juntamente com as informações de diagnóstico e prognóstico essenciais para a prática cotidiana.

Relato de caso:

paciente do sexo masculino, 27 anos, submetido à venipuntura de fossa antecubital direita, com uma agulha de calibre 20, para avaliação metabólica de rotina. O paciente sofreu uma dor aguda, tipo choque elétrico, que percorreu a face lateral do antebraço desde a fossa antecubital proximal até o pulso lateral direito e a base do polegar direito. Após 24 horas, o paciente ainda sentia a dor semelhante a choque elétrico que foi classificada como 8/10 no braço distal lateral direito, no pulso lateral direito e na base do polegar, acompanhada de parestesia. Fizemos uma revisão da literatura e o paciente recebeu orientação sobre os resultados publicados a respeito desse tipo de lesão. Durante o acompanhamento, o paciente relatou que a disestesia diminuiu cerca de 3-4 semanas após a lesão inicial e que não restou déficit neurológico.

Conclusões:

lesões de nervos periféricos foram descritas pós-venipuntura, mas a literatura é limitada. Os nervos da fossa antecubital estão classicamente localizados em um plano logo abaixo - e muito próximos - das veias, o que os torna susceptíveis a lesões durante a flebotomia; além disso, sabe-se que existe uma extensa variação anatômica, o que sugere que mesmo uma venipuntura satisfatória não traumática pode danificar diretamente esses nervos. O anestesiologista deve estar ciente dessa possível complicação e também do diagnóstico e prognóstico para orientar os pacientes de forma adequada, caso essa complicação ocorra.

Lesões de nervos periféricos; Flebotomia; Consentimento informado


Background and objectives:

Venipuncture is one of the most common procedures performed in daily anesthetic practice. Though usually innocuous, peripheral nerve injuries with serious sequelae have been described following venipuncture. We present a case of venipuncture related lateral antebrachial cutaneous nerve injury, alongside the essential diagnostic and prognostic information for day to day practice.

Case:

27-Year old male who underwent venipuncture of the right antecubital fossa with a 20-gauge needle, for routine metabolic assessment. The patient suffered a shooting, electric-type pain traveling on the lateral side of the forearm, from the antecubital fossa proximally, to the right lateral wrist and base of the right thumb. After 24 h, the patient still experienced shooting, electric-type pain that was rated as 8/10 at the right distal lateral arm, right lateral wrist and base of the thumb, accompanied by paresthesia. The literature was reviewed and the patient was counseled regarding published outcomes of these type of injuries. At follow-up, the patient stated that the dysesthesia subsided approximately 3-4 weeks after initial injury, and reported no remaining neurologic deficits.

Conclusions:

Peripheral nerve injuries have been described after venipuncture, but the literature is limited. Nerves in the antecubital fossa classically lie on a plane just beneath, and in close proximity to, the veins, making them susceptible to injury during phlebotomy; also it has been shown that there is a large range of anatomic variation, suggesting that even a nontraumatic, satisfactory venipuncture can directly damage these nerves. Anesthesiologists must be aware of this possible complication, diagnosis and prognostication to adequately counsel patients in the event that this complication occurs.

Peripheral nerve injuries; Phlebotomy; Informed consent


Justificación y objetivos:

la venopunción es uno de los procedimientos más comunes en la práctica anestésica cotidiana. Aunque en general es inocua, se han descrito lesiones de los nervios periféricos con secuelas graves después de la venopunción. Presentamos un caso de lesión de nervio cutáneo antebraquial lateral relacionada con la venopunción, conjuntamente con la información de diagnóstico y pronóstico que son esenciales para la práctica cotidiana.

Caso:

paciente del sexo masculino, de 27 años, sometido a venopunción de la fosa antecubital derecha con una aguja de calibre 20 para evaluación metabólica de rutina. El paciente sufrió un dolor agudo de tipo descarga eléctrica, recorriendo el lateral del antebrazo desde la fosa antecubital proximal hasta la muñeca derecha y la base del pulgar derecho. Después 24 h, el paciente todavía sentía un dolor parecido a una descarga eléctrica que fue clasificado como 8/10 en el brazo distal lateral derecho, en la muñeca derecha y en la base del pulgar, acompañado de parestesia. Hicimos una revisión de la literatura y el paciente recibió orientación sobre los resultados publicados respecto a ese tipo de lesión. Durante el seguimiento, el paciente relató que la disestesia disminuyó aproximadamente 3-4 semanas después de la lesión inicial y no informó déficit neurológico.

Conclusiones:

se han descrito lesiones de nervios periféricos tras venopunción, pero la literatura es limitada. Los nervios de la fosa antecubital están clásicamente localizados en un plano inmediatamente inferior (y muy cercanos) a las venas, lo que los hace susceptibles a lesiones durante la flebotomía. Además, se sabe que existe una extensa variación anatómica, sugiriendo que incluso una venopunción satisfactoria no traumática puede perjudicar directamente esos nervios. El anestesiólogo debe ser consciente de esa posible complicación y también del diagnóstico y del pronóstico para orientar a los pacientes de forma adecuada en el caso de que ocurra esa complicación.

Lesiones de nervios periféricos; Flebotomía; Consentimiento informado


Introdução

A venipuntura, incluindo a canulação intravenosa, é um dos procedimentos mais comuns na prática anestésica cotidiana. É universalmente entendido que um acesso intravenoso adequado deve ser obtido para que a anestesia geral seja feita adequadamente e com segurança. Embora as lesões de nervos periféricos geralmente sejam inócuas, há relatos de complicações raras com sequelas mais graves e de longa duração após venipuntura;11. Newman BH, Waxman DA. Blood donation-related neurologic needle injury: evaluation of 2 years' worth of data from a large blood center. Transfusion (Paris). 1996;36:213-5. essas complicações produzem angústia e sofrimento físico desnecessários nos pacientes afetados e podem resultar em desfechos debilitantes.

Caso

Paciente do sexo masculino, 27 anos, sem história clínica significativa, submetido à venipuntura de fossa antecubital direita com agulha de calibre 20, para avaliação metabólica de rotina. No momento da coleta de sangue, o paciente sofreu uma dor aguda, tipo choque elétrico, que percorreu a face lateral do antebraço desde a fossa antecubital proximal até o pulso lateral direito e a base do polegar direito. Pouco tempo depois da remoção da agulha, a dor diminuiu gradualmente.

Após 24 horas, o paciente sentiu uma dor semelhante a descarga elétrica que foi avaliada (em uma escala visual analógica [EVA] de 11 pontos, de 0 = sem dor e 10 = pior dor imaginável) como 8/10 no braço distal lateral direito, no pulso lateral direito e na base do polegar. A dor aumentou com a flexão do cotovelo, durou alguns segundos e diminuiu quando o braço foi deflexionado. A dor era acompanhada de parestesia leve da área (descrita como sensação de alfinetadas e agulhadas), mas não houve déficits motores. Exames periódicos em 24 horas e sete dias após o incidente não revelaram hematoma ou sinais locais de infecção. Os déficits sensoriais seguiram claramente a distribuição do nervo cutâneo lateral do antebraço; eletromiografia (EMG) foi protelada, mas oferecida como opção ao paciente caso os déficits não diminuíssem em quatro semanas.

Naquela ocasião, a literatura foi revisada e o paciente tranquilizado com a informação de que 70%, 90% e 96% das lesões nervosas relacionadas à venipuntura geralmente se resolvem dentro de um, três e seis meses, respectivamente.11. Newman BH, Waxman DA. Blood donation-related neurologic needle injury: evaluation of 2 years' worth of data from a large blood center. Transfusion (Paris). 1996;36:213-5. O acompanhamento foi estabelecido por quatro semanas no pós-operatório para avaliação adicional e possível tratamento.

Durante o acompanhamento, o paciente declarou que a disestesia diminuiu cerca de 3-4 semanas após a lesão inicial e que não havia déficit neurológico restante.

Discussão

Lesões de nervos periféricos foram descritas após venipuntura e doações de sangue, mas a literatura é limitada. Essa lesão é definida como uma dor persistente, semelhante a uma queimadura e choque elétrico ou parestesia em distribuição específica pelo nervo periférico, que começa imediatamente enquanto a agulha está in situ ou pode ser retardada por várias horas subsequentemente. Em geral, as evidências históricas no momento do procedimento sugerem uma flebotomia difícil traumática (p. ex., várias tentativas) ou séptica (p. ex., formação de hematoma ou, raramente, abscesso).22. Horowitz SH. Venipuncture-induced causalgia: anatomic relations of upper extremity superficial veins and nerves, and clinical considerations. Transfusion (Paris). 2000;40:1036-40.

Sua incidência na população de doadores de sangue foi descrita como entre 1:21.000 e 1:26.000 venipunturas.11. Newman BH, Waxman DA. Blood donation-related neurologic needle injury: evaluation of 2 years' worth of data from a large blood center. Transfusion (Paris). 1996;36:213-5.,33. Berry P. Venipuncture nerve injuries. Lancet. 1977;1:1236-7. A maioria das lesões desaparece espontaneamente. Déficits incapacitantes crônicos foram descritos (1:1,5 milhão de flebotomias);44. Newman B. Venipuncture nerve injuries after whole-blood donation. Transfusion (Paris). 2001;41:571-2. porém, danos permanentes foram relatados em até 87% dos pacientes que necessitaram de atendimento por especialistas em controle da dor. 22. Horowitz SH. Venipuncture-induced causalgia: anatomic relations of upper extremity superficial veins and nerves, and clinical considerations. Transfusion (Paris). 2000;40:1036-40. A formação de hematoma está presente no local da punção em 24% dos pacientes com lesões de nervos relacionadas à venipuntura, o que sugere algum grau de trauma associado à punção.11. Newman BH, Waxman DA. Blood donation-related neurologic needle injury: evaluation of 2 years' worth of data from a large blood center. Transfusion (Paris). 1996;36:213-5. Na maioria das vezes, entretanto, os hematomas estão ausentes.

Os nervos da fossa antecubital estão classicamente localizados em um plano logo abaixo - e muito próximos - das veias (fig. 1) e tornam-se suscetíveis a lesões durante a flebotomia.55. Horowitz SH. Peripheral nerve injury and causalgia secondary to routine venipuncture. Neurology. 1994;44:962-4. Além disso, Horowitz22. Horowitz SH. Venipuncture-induced causalgia: anatomic relations of upper extremity superficial veins and nerves, and clinical considerations. Transfusion (Paris). 2000;40:1036-40. mostrou em extremidades superiores dissecadas de cadáveres que em seis de 14 espécimes os principais ramos de nervos cutâneos eram superficiais ou sobrepostos às veias: nervos cutâneos antebraquiais mediais e laterais do antebraço em relação à basílica, basílica mediana, cefálica mediana ou veias cefálicas na fossa antecubital. Isso sugere que mesmo uma venipuntura não traumática satisfatória pode danificar diretamente esses nervos.

Figura 1
Fossa antecubital. Reproduzida com a permissão deD’Alessandro M. Anatomy Atlases. Com curadoria de RonaldBergman, Ph.D. http://www.anatomyatlases.com. 1 - veiabasílica mediana; 2 - veia cefálica mediana; A - nervo cutâneoantebraquial lateral; B - ramo palmar do nervo cutâneo ante-braquial medial; C - ramo ulnar do nervo cutâneo antebraquialmedial.

As melhores práticas para flebotomia sugerem que a agulha inserida para venipuntura deve ser colocada superficialmente e que o aspecto medial da fossa antecubital deve ser evitado.33. Berry P. Venipuncture nerve injuries. Lancet. 1977;1:1236-7. Minimizar o movimento da agulha enquanto in situ, provavelmente, também é sábio; contudo, considerando a grande variabilidade anatômica, o risco de lesões nervosas imprevistas ainda é uma possibilidade. Como anestesiologistas, precisamos estar cientes desses riscos para evitar essa complicação e, igualmente importante, devemos estar preparados para discutir com o paciente as opções possíveis para o diagnóstico e o tratamento, bem como o prognóstico.

Conclusão

Anestesiologistas rotineiramente administram medicamentos que necessitam de uma via intravenosa de aplicação. Embora as lesões nervosas relacionadas à venipuntura não sejam frequentes, os anestesiologistas devem estar cientes dessa possível complicação e informar os pacientes adequadamente durante a aquisição de consentimento informado, caso a possibilidade de acesso venoso antecubital seja considerada. A familiarização com o prognóstico em lesões de nervos relacionadas à venipuntura também é defendida para a orientação adequada dos pacientes, caso essa complicação ocorra.

Agradecimientos

O autor gostaria de expressar sua gratidão ao Dr. Sorin J. Brull pela orientação e pelas contribuições intelectuais para a elaboração deste manuscrito.

Referências

  • 1
    Newman BH, Waxman DA. Blood donation-related neurologic needle injury: evaluation of 2 years' worth of data from a large blood center. Transfusion (Paris). 1996;36:213-5.
  • 2
    Horowitz SH. Venipuncture-induced causalgia: anatomic relations of upper extremity superficial veins and nerves, and clinical considerations. Transfusion (Paris). 2000;40:1036-40.
  • 3
    Berry P. Venipuncture nerve injuries. Lancet. 1977;1:1236-7.
  • 4
    Newman B. Venipuncture nerve injuries after whole-blood donation. Transfusion (Paris). 2001;41:571-2.
  • 5
    Horowitz SH. Peripheral nerve injury and causalgia secondary to routine venipuncture. Neurology. 1994;44:962-4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    23 Jan 2013
  • Aceito
    10 Jun 2013
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org