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Analgesia pós-operatória para procedimentos cirúrgicos ortopédicos de quadril e fêmur: comparação entre bloqueio do compartimento do psoas e bloqueio perivascular inguinal

CARTA AO EDITOR

Analgesia pós-operatória para procedimentos cirúrgicos ortopédicos de quadril e fêmur: comparação entre bloqueio do compartimento do psoas e bloqueio perivascular inguinal

Agradeço à Senhora Editora a oportunidade de acrescentar alguns comentários com finalidade esclarecedora ao estudo em referência 1.

Cirurgias ortopédicas de grande porte, como prótese parcial ou total de quadril e prótese total de joelho, são comuns na população geriátrica enquanto osteossínteses de fêmur com ou sem enxertia óssea, em geral da crista ilíaca ântero-superior (CIAS), incidem mais em jovens, acidentados de trânsito. Em todos esses pós-operatórios imediatos, a analgesia regional, com ou sem cateter, confere rápida e qualificada recuperação aos pacientes. O longo estudo de Imbelloni e col. analisa exemplarmente a analgesia pós-operatória (APO) em repouso, embora nos pacientes idosos a analgesia aos movimentos, como fisioterapia respiratória e mobilização precoce dos segmentos operados 2,3, deva ser também priorizada, em face das conseqüências do imobilismo sobre o leito. Contudo, alguns aspectos não ficaram claros 1.

1. Analgesia – confrontando a tabela III – Escala de Dor nos Diversos Momentos com a tabela IV – Número de Pacientes com Bloqueio Sensitivo nos Diferentes Nervos durante as Primeiras 24 horas de Pós-Operatório – e seu texto correspondente ao momento 12 horas, depara-se com uma incoerência: na tabela III, o Grupo 1 e o Grupo 2 apresentaram analgesia respectivamente, em 96 pacientes (escala de dor 0), e 83 pacientes (escala de dor 0) e, portanto, supõe-se bloqueio dos cinco nervos envolvidos. Todavia, na tabela IV o momento 12 horas registrou bloqueio sensitivo dos cinco nervos no Grupo 1 e no Grupo 2, respectivamente, em 76 pacientes e em dois pacientes.

2. Volume anestésico e o nervo obturatório – a dispersão de 40 ml de solução anestésica com injeção única não alcança necessariamente a pequena pélvis ou as regiões parassacral e paravertebral lombar, por onde cursa o nervo obturatório, ao contrário quando se utilizam cateteres que atinjam os referidos locais 4. O desfecho anestésico do referido nervo não se restringe à pesquisa de sua sensibilidade cutânea 5 e sim, fundamentalmente, à motricidade dos músculos adutores da coxa. teste de sensibilidade periférica para avaliação do comprometimento do nervo obturatório no bloqueio do plexo lombar por via anterior é um equívoco e deve ser abandonado por causa de sua aleatória expressão cutânea. Apenas é justificável em incisões superficiais na face medial da coxa, sem comprometimento muscular (contratura reflexa dolorosa pós-cirúrgica dos adutores da coxa). Bouaziz e col. Verificaram em 30 pacientes ausência de inervação cutânea no território do nervo obturatório em 57% dos casos, hipoanestesia em 23% e somente 20% de déficit sensorial cutâneo 5. O correto seria o teste da motricidade voluntária dos adutores da coxa. Contudo, isso não é recomendado nos pós-operatórios de quadril, em virtude da possível luxação da articulação pelos movimentos de adução, em geral associados a rotação interna da coxa. Por outro lado, as abordagens posteriores ao plexo lombar, com o posicionamento final da agulha no compartimento virtual entre os músculos psoas maior e o quadrado lombar ou no interior do psoas maior, são mais propensas a atingir o nervo obturatório. Biboulet e col. 6, por não pesquisarem a motricidade dos músculos adutores da coxa e sim a sensibilidade cutânea do nervo obturatório após o bloqueio lombar por via anterior com até 36,5 ml de ropivacaína a 0,375%, identificaram resultados errôneos com o desfecho do nervo obturatório e concluíram que a APO regional periférica nesses casos não deve ser um procedimento rotineiro.

3. Dermátomos e esclerótomos comprometidos – cirurgias que incidem na região da CIAS, sobretudo a doadora de enxerto ósseo, o que realmente mais incomoda principalmente à mobilização do paciente são: o dermátomo da incisão, ou seja, o tegumento cutâneo aponeurótico com inervação mais influente dos ramos terminais cutâneos de T12 do que com o ramo cutâneo do nervo ílio-hipogástrico (T12-L1) e o miótomo correspondente ao músculo oblíquo externo (T12) 7. O esclerótomo da CIAS7 tem menor participação nociceptiva no pós-operatório devido à ausência do periósteo (removido cirurgicamente) e por ser uma entidade incapaz de mobilização. Nesses casos, costumo infiltrar o subcutâneo atingindo as terminações T12 e o nervo ílio-hipogástrico (T12 - L1) com um anestésico de ação longa antes do curativo cirúrgico, pelo fato de que a dispersão da solução anestésica do bloqueio do plexo lombar por via anterior não garantir anestesia/analgesia das raízes T12 e L1. De modo geral, isso é suficiente para uma boa analgesia pós-operatória, embora às vezes a analgesia multimodal com a associação a AINS e analgésicos menores conferirem analgesia superior. Entretanto, recente publicação salienta a necessidade de bloquear adicionalmente outros nervos periféricos sacrais para se obter analgesia pós-operatória em cirurgias de quadril 2.

4. Inervação do membro inferior – a descrição da inervação do segmento superior da perna, como mencionado, corresponde à da coxa. Com certeza foi um lapso involuntário de digitação.

5. Estudo radiológico – imagens radiográficas 30 minutos após a administração de contraste, quando não totalmente absorvido, não registram densidades opacas precisas pelo processo de absorção, gerando identificações errôneas com os limites ósseos. A figura 1 1 revela uma falsa interpretação do contraste não-iônico. Além disso, em vez de ser impressa no sentido horizontal como está, deveria estar no sentido vertical com a agulha situada à esquerda na figura 1.

Finalizo, cumprimentando os autores pela grande amostra de pacientes (n = 200) com que o estudo foi realizado sem a ocorrência potencial de bloqueio central, peridural ou subaracnóideo, efeito colateral por extensão, com que o bloqueio do compartimento do psoas por vezes se caracteriza.

Atenciosamente,

Dr. Karl Otto Geier, TSA

Rua Cel. Camisão, 172

90540-050 Porto Alegre, RS

REFERÊNCIAS

01. Imbeloni LE, Beato L, Beato C et al. – Analgesia pós-operatória para procedimentos cirúrgicos ortopédicos de quadril e fêmur: comparação entre bloqueio do compartimento do psoas e bloqueio perivascular inguinal. Rev Bras Anestesiol, 2006;56:619-629.

02. Ambulkar R, Shankar R – Analgesia after total hip replacement. Anaesthesia,2006;61;507.

03. Chelly JE, Casati A, Al-Samsam T et al. – Continuous lumbar plexus block for acute postoperative pain management after open reduction and internal fixation of acetabular fractures. J Orthopaedic Trauma, 2003;17:362-367.

04. Geier KO – Bloqueio "3 em 1" por via anterior: bloqueio parcial, completo ou superdimensionado? Correlação entre anatomia, clínica e radioimagens. Rev Bras Anestesiol, 2004;54:560-572.

05. Bouaziz H, Vial F, Jochum D et al. – An evaluation of the cutaneous distribution after obturator nerve block. Anesth Analg, 2002;94:445-449.

06. Biboulet P, Morau D, Aubas P et al. – Post-operative analgesia after total-hip arthroplasty: comparison of intravenous patient-controlled analgesia with morphine and single injection of femoral nerve or psoas compartment block. A prospective, randomized double-blind study. Reg Anesth Pain Med, 2004;29:102-109.

07. Netter FH – Atlas of Human Anatomy. 9th Ed. East Hanover, New Jersey, Novartis, 1997; 467, plate 250.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2007
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