Acessibilidade / Reportar erro

Morfologia das vias aéreas superiores em pacientes com síndrome de Down sob sedação com dexmedetomidina

Resumo

Justificativa e objetivos:

As crianças com síndrome de Down (SD) são vulneráveis à obstrução significativa das vias aéreas superiores devido à macroglossia relativa e ao colapso dinâmico das vias aéreas. O objetivo deste estudo foi comparar as dimensões das vias aéreas superiores de crianças com SD e apneia obstrutiva do sono (AOS) com vias aéreas normais (VAN) sob sedação com dexmedetomidina (DEX).

Métodos:

Aprovação IRB foi obtida. Neste estudo retrospectivo, imagens clinicamente indicadas de ressonância magnética da dinâmica das vias aéreas superiores em plano sagital na linha média foram obtidas sob dose baixa (1 mcg/kg/h) e dose alta (3 mcg/kg/h) de DEX. Os diâmetros anteroposteriores das vias aéreas e as áreas seccionais foram medidas como dimensões mínimas e máximas por dois observadores independentes, no palato mole (região nasofaríngea) e na base da língua (região retroglossal).

Resultados e conclusões:

O diâmetro mínimo anteroposterior e a área seccional mínima das regiões nasofaríngea e retroglossal estavam significativamente reduzidos na SD em comparação com VAN, tanto com a dose baixa quanto com a dose alta de DEX. Contudo, não houve diferenças significativas entre as doses baixa e alta de DEX em SD e VAN. A média do índice de apneia e hipopneia na SD foi de 16 ± 11. Sob sedação com DEX, as crianças com SD e AOS, quando comparadas com as crianças com VAN, apresentaram reduções significativas nas dimensões das vias aéreas, mais pronunciadas nos pontos mais estreitos das regiões nasofaríngea e retroglossal.

PALAVRAS-CHAVE
Vias aéreas; Dexmedetomidina; Imagem; Síndrome de Down; Apneia obstrutiva do sono; Sedação

Abstract

Background and objectives:

Children with Down Syndrome are vulnerable to significant upper airway obstruction due to relative macroglossia and dynamic airway collapse. The objective of this study was to compare the upper airway dimensions of children with Down Syndrome and obstructive sleep apnea with normal airway under dexmedetomidine sedation.

Methods:

IRB approval was obtained. In this retrospective study, clinically indicated dynamic sagittal midline magnetic resonance images of the upper airway were obtained under low (1 mcg/kg/h) and high (3 mcg/kg/h) dose dexmedetomidine. Airway anteroposterior diameters and sectional areas were measured as minimum and maximum dimensions by two independent observers at soft palate (nasopharyngeal airway) and at base of the tongue (retroglossal airway).

Results and conclusions:

Minimum anteroposterior diameter and minimum sectional area at nasopharynx and retroglossal airway were significantly reduced in Down Syndrome compared to normal airway at both low and high dose dexmedetomidine. However, there were no significant differences between low and high dose dexmedetomidine in both Down Syndrome and normal airway. The mean apnea hypopnea index in Down Syndrome was 16 ± 11. Under dexmedetomidine sedation, children with Down Syndrome and obstructive sleep apnea when compared to normal airway children show significant reductions in airway dimensions most pronounced at the narrowest points in the nasopharyngeal and retroglossal airways.

KEYWORDS
Airway; Dexmedetomidine; Imaging; Down Syndrome; Obstructive sleep apnea; Sedation

Introdução

A síndrome de Down (SD) ou “trissomia 21” é a doença genética mais comum em humanos, com uma taxa de natalidade estimada em 6.000 crianças/ano (uma em 691 nascidos vivos) nos Estados Unidos.11 Parker SE, Mai CT, Canfield MA, et al. Updated National Birth Prevalence estimates for selected birth defects in the United States, 2004-2006. Birth Defects Res A: Clin Mol Teratol. 2010;88:1008-16. A apneia obstrutiva do sono (AOS) é comum e observada em 79% das crianças com SD (intervalo de confiança de 95%, 54-94%).22 Shete MM, Stocks RM, Sebelik ME, et al. Effects of adeno-tonsillectomy on polysomnography patterns in Down syndrome children with obstructive sleep apnea: a comparative study with children without Down syndrome. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2010;74:241-4. Os fatores de risco para AOS nessas crianças incluem hipoplasia do terço médio da face, macroglossia, hipertrofia de adenoides e tonsilar, anomalias laringotraqueais, obesidade e hipotonia muscular.33 Guimaraes CV, Donnelly LF, Shott SR, et al. Relative rather than absolute macroglossia in patients with Down syndrome: implications for treatment of obstructive sleep apnea. Pediatr Radiol. 2008;38:1062-7. Mesmo na ausência de AOS, as crianças com SD têm vias aéreas de tamanho reduzido devido à aglomeração de tecido mole dentro de uma anatomia menor do esqueleto da face.44 Uong EC, McDonough JM, Tayag-Kier CE, et al. Magnetic resonance imaging of the upper airway in children with Down syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2001;163:731-6.

As crianças com AOS, com ou sem SD, são sensíveis à depressão respiratória causada por opiáceos, sedativos e hipnóticos. São especialmente vulneráveis ao desenvolvimento de obstrução das vias aéreas superiores durante a sedação e anestesia.55 Brown KA. Outcome, risk, and error and the child with obstructive sleep apnea. Paediatr Anaesth. 2011;21:771-80. Dexmedetomidina (DEX) é um agonista do receptor α-2 que atualmente é usado off-label para sedação em pacientes pediátricos em muitas instituições. Em contraste com outros agentes sedativos, DEX mostrou ter propriedades sedativas que se assemelham ao sono natural não REM, sem depressão respiratória significativa.66 Nelson LE, Lu J, Guo T, et al. The alpha2-adrenoceptor agonist dexmedetomidine converges on an endogenous sleep-promoting pathway to exert its sedative effects. Anesthesiology. 2003;98:428-36.,77 Hsu YW, Cortinez LI, Robertson KM, et al. Dexmedetomidine pharmacodynamics: Part I: Crossover comparison of the respiratory effects of dexmedetomidine and remifentanil in healthy volunteers. Anesthesiology. 2004;101:1066-76. Essas vantagens tornam a DEX um agente atraente para a sedação de crianças com AOS.88 Mahmoud M, Gunter J, Donnelly LF, et al. A comparison of dexmedetomidine with propofol for magnetic resonance imaging sleep studies in children. Anesth Analg. 2009;109:745-53. Em estudo anterior, usamos imagens de ressonância magnética (RM) para avaliar o efeito de doses crescentes de DEX sobre as dimensões das vias aéreas em crianças com vias aéreas superiores normais (faixa de 3-10 anos) e observamos que as doses crescentes de DEX nessas crianças não estavam associadas ao aumento significativo do grau de obstrução das vias aéreas.99 Mahmoud M, Radhakrishman R, Gunter J, et al. Effect of increasing depth of dexmedetomidine anesthesia on upper airway morphology in children. Paediatr Anaesth. 2010;20:506-15. Recentemente, usamos uma metodologia semelhante para comparar os efeitos dose-resposta de DEX e propofol sobre a morfologia das vias aéreas em crianças com AOS (faixa de 1-16 anos). Descobrimos que à medida que a dosagem aumentava, as dimensões médias das vias aéreas ficavam tipicamente inalteradas ou ligeiramente aumentadas com DEX, em comparação com inalteradas ou ligeiramente diminuídas com propofol.1010 Mahmoud M, Jung D, Salisbury S, et al. Effect of increasing depth of dexmedetomidine and propofol anesthesia on upper airway morphology in children and adolescents with obstructive sleep apnea. J Clin Anesth. 2013;25:529-41.

Nosso objetivo no presente estudo foi testar a hipótese de que as crianças com SD e AOS têm uma colapsibilidade significativa das vias aéreas superiores mesmo em baixas doses de DEX, em comparação com crianças com vias aéreas normais (VAN). Portanto, projetamos um estudo retrospectivo de coorte para comparar as morfologias das vias aéreas superiores de crianças entre 3-10 anos com SD e AOS e crianças com VAN sob doses crescentes de sedação com DEX.

Material e métodos

Após a aprovação do Conselho de Revisão Institucional (CRI), obtivemos os dados das crianças entre 3-10 anos com SD e crianças com VAN submetidas à análise das vias aéreas por meio de RM com DEX. Termos de consentimento informado foram assinados para a sedação. A necessidade de um segundo consentimento informado para a revisão retrospectiva foi dispensada por nosso CRI.

Grupo síndrome de Down (SD)

A metodologia usada em crianças com SD foi descrita em nosso estudo anterior que examinou os efeitos dose-resposta de DEX e propofol sobre a morfologia das vias aéreas. O estudo foi feito com 22 crianças e adolescentes entre 3-16 anos e história de AOS agendadas para estudo do sono com RM.1010 Mahmoud M, Jung D, Salisbury S, et al. Effect of increasing depth of dexmedetomidine and propofol anesthesia on upper airway morphology in children and adolescents with obstructive sleep apnea. J Clin Anesth. 2013;25:529-41. Entre os 22 pacientes que completaram o estudo, um subgrupo de sete pacientes entre 3-10 anos tinha o diagnóstico de SD. Pré-medicação não foi administrada. O acesso intravenoso foi obtido na sala de indução com sevoflurano e/ou óxido nitroso em oxigênio. Atropina (10 mcg.kg−1 IV) foi administrada e sevoflurano e/ou o óxido nitroso foi interrompido. DEX foi iniciada e a RM feita como descrito abaixo.

Grupo vias aéreas normais (VAN)

A metodologia usada para a avaliação das crianças com vias aéreas normais foi descrita em estudo anterior.99 Mahmoud M, Radhakrishman R, Gunter J, et al. Effect of increasing depth of dexmedetomidine anesthesia on upper airway morphology in children. Paediatr Anaesth. 2010;20:506-15. Resumidamente, crianças entre 3-10 anos que se apresentaram para um exame de ressonância magnética eletivo sob sedação foram incluídas. Crianças com história de AOS ou ronco, classificação ASA >2 (American Society of Anesthesiologists), alergia à DEX, presença de anomalia das vias aéreas ou craniofacial, obesidade ou atraso grave do desenvolvimento foram excluídas.

Protocolo de uso de dexmedetomidina

As imagens das vias aéreas na fase basal foram obtidas durante a infusão de DEX em dose baixa (1 mcg.kg-1.h-1). Se o sujeito se movimentasse, um bolus de 0,5 mcg.kg-1 por 10 min era administrado e a taxa de infusão de DEX era aumentada para 1,5 mcg.kg-1.h-1. Se o sujeito se movimentasse uma segunda vez, o estudo era encerrado e anestesia adicional fornecida com infusão de propofol. Após obter o conjunto inicial de imagens das vias aéreas, uma dose de DEX em bolus de 2 mcg.kg-1 foi administrada por 10 min, seguida de um aumento da taxa de infusão para 3 mcg.kg-1.h-1 (dose alta de DEX). A Escala de Sedação da Universidade de Michigan (UMSS) foi usada para avaliar a sedação.1111 Malviya S, Voepel-Lewis T, Tait AR, et al. Depth of sedation in children undergoing computed tomography: validity and reliability of the University of Michigan Sedation Scale (UMSS). Br J Anaesth. 2002;88:241-5. Essa é uma escala simples de usar e uma ferramenta validada para avaliar a profundidade da sedação em crianças.1111 Malviya S, Voepel-Lewis T, Tait AR, et al. Depth of sedation in children undergoing computed tomography: validity and reliability of the University of Michigan Sedation Scale (UMSS). Br J Anaesth. 2002;88:241-5. Monitoramento padrão e respiração espontânea com 2 L.min-1 de oxigênio através de uma cânula nasal foram usados. O nível de sedação foi avaliado após uma dose baixa inicial de DEX antes e depois da RM. A sedação não foi avaliada durante o exame, pois isso exigiria a mudança de posição da cabeça do paciente e, subsequentemente, comprometeria as mensurações das vias aéreas. Os pacientes foram transferidos para a sala de recuperação pós-anestesia (SRPA) logo após o exame e receberam alta hospitalar após atender aos critérios.

Protocolo de uso de RM

Todos os pacientes foram submetidos ao exame clinicamente indicado de RM sob sedação com DEX. Quando a sedação adequada foi obtida, a coluna cervical foi mantida em uma posição neutra com a cabeça e o pescoço do paciente posicionados em uma bobina vascular. Não usamos via aérea artificial (p. ex., cânula orofaríngea ou nasofaríngea) ou auxiliar de posicionamento (p. ex., rolo para ombro) durante o exame. Nenhuma tentativa foi feita para abrir ou fechar a boca. As crianças com SD foram transferidas para o gerador de imagens após se reduzir a concentração expirada de sevoflurano para <0,1%. A RM foi feita em gerador de imagens Tesla 1.5 (GE Healthcare, Milwaukee, WI, EUA) com uma bobina matriz neurovascular de oito canais fenestrados (Medrad, Inc., Indianola, PA, EUA). As primeiras imagens para análise foram rapidamente adquiridas em plano sagital na linha média, com imagens de gradiente-eco rápido (uma imagem a cada 800 ms).99 Mahmoud M, Radhakrishman R, Gunter J, et al. Effect of increasing depth of dexmedetomidine anesthesia on upper airway morphology in children. Paediatr Anaesth. 2010;20:506-15. Os parâmetros de digitalização foram: tempo de repetição/tempo de eco: 6,98/3,6; campo de visão: 24 cm; espessura de corte: 5 mm; matriz 256 x 128; número de excitações: 1; ângulo de aleta: 80°; largura de banda do receptor: 244,1 Hz/pixel; resolução basal: 256; resolução de fase: 128. Ao projetar as imagens em loop de cinema, um filme do movimento das vias aéreas foi criado (figs. 1 e 2, com vídeo associado). As imagens das vias aéreas superiores foram obtidas durante a sedação com DEX em dose baixa (1 mcg.kg-1.h-1) e alta (3 mcg.kg-1.h-1). As imagens foram armazenadas no PACS (Picture Archiving and Communication System) e revisadas por dois avaliadores que eram cegados para as doses de DEX.

Figura 1
Imagem fixa (A) de um filme sagital que mostra a via aérea nasofaríngea (setas curtas) e a via aérea retroglossal (setas longas) abertas e a imagem fixa (B) que mostra a via aérea retroglossal em colapso.

Figura 2
Imagem fixa (A) do filme que mostra a via aérea retroglossal em secção transversal enquanto aberta (setas) e a imagem fixa (B) que mostra a via aérea completamente em colapso centralmente compatível com o colapso hipofaríngeo.

A via aérea foi medida no nível do palato mole (via aérea nasofaríngea) e da base da língua (via aérea retroglossal) (figs. 1 e 2). A área seccional e o diâmetro anteroposterior foram medidos na área nasofaríngea (ANF) e na área retroglossal (ARG). A área nasofaríngea (ANF) foi definida anteriormente por uma linha vertical tangencial à concha nasal inferior posterior, posteriormente pela parede posterior da nasofaringe, superiormente pela parede superior da nasofaringe e inferiormente pela parte superior e posterior dos palatos duro e mole. A área retroglossal (ARG) foi definida anteriormente pela parte de trás da língua, posteriormente pela parede posterior da faringe, superiormente por uma linha horizontal traçada na margem inferior do palato mole e inferiormente por uma linha horizontal traçada na base da língua. A área seccional e o diâmetro anteroposterior foram medidos nas ANF e ARG em imagens de expansão mínima e máxima das vias aéreas.

Poder da análise

As análises feitas com o programa estatístico R indicaram que uma amostra de sete pacientes teria um poder de 80% para detectar uma diferença de 100 mm2 nas áreas seccionais médias das vias aéreas das crianças com SD e com VAN que recebiam dose baixa de DEX.1212 R Core Team. R: a language and environment for statistical computing. Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Computing; 2013. Uma diferença de 100 mm2 foi escolhida porque as crianças com SD têm vias respiratórias mais estreitas e foi baseada em um nível de confiança de 95% nas diferenças médias.1313 Dyken ME, Lin-Dyken DC, Poulton S, et al. Prospective polysomnographic analysis of obstructive sleep apnea in Down syndrome. Arch Pediatr Adolesc Med. 2003;157:655-60. Uma dose baixa de DEX foi escolhida para determinar a estimativa mais conservadora do tamanho da amostra necessária para obter poder adequado do estudo. Isso foi feito sob a suposição de que altas doses de DEX causariam um estreitamento mais significativo das vias aéreas do que doses baixas de DEX e, subsequentemente, a diferença média das mensurações das vias aéreas seria maior. Uma análise post hoc do poder foi feita para verificar essa hipótese.

Análise estatística

A análise estatística foi feita com o programa estatístico R.1212 R Core Team. R: a language and environment for statistical computing. Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Computing; 2013. A normalidade da distribuição dos dados foi verificada com o teste de Shapiro-Wilks. As estatísticas descritivas foram expressas como média e desvio padrão ou números, conforme apropriado. As variáveis idade, peso e polissonográficas entre as crianças com VAN e com SD foram comparadas com o test t de Welch para duas amostras. O gênero foi comparado com o teste exato de Fisher. Os dados hemodinâmicos foram comparados com o teste t não pareado. Os diâmetros anteroposteriores, máximo e mínimo, e as áreas seccionais na ANF e ARG foram comparados entre as crianças com SD e as com VAN com o teste t não pareado. A diferença entre “DEX dose baixa” e “DEX dose alta” entre as crianças com SD e as crianças com VAN foi comparada com o teste t pareado. Um valor-p <0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados

Avaliamos sete crianças com SD e 23 com VAN. A idade, o peso e os achados polissonográficos dos grupos são apresentados na tabela 1. A escala de sedação UMSS mostrou que as crianças com SD apresentaram escores significativamente mais altos de sedação durante a indução, mas escores semelhantes na SRPA (tabela 1). Frequência cardíaca e pressão arterial foram estatisticamente semelhantes entre os dois grupos (tabela 2).

Tabela 1
Resultados demográficos e polissonográficos
Tabela 2
Dados hemodinâmicos

As mensurações do diâmetro anteroposterior e da área seccional estão resumidas na tabela 3.

Tabela 3
Comparação das dimensões das vias aéreas entre as crianças com síndrome de Down e crianças com vias aéreas normais com dose baixa e alta de dexmedetomidina

As três dimensões seguintes estavam significativamente reduzidas nas crianças com SD, em comparação com VAN, tanto com dose baixa quanto com dose alta de DEX: área seccional mínima da ARG, diâmetro mínimo anteroposterior da ANF e diâmetro mínimo anteroposterior da ARG. A sedação com DEX não revelou uma diferença dependente da dose (baixa vs. alta) estatisticamente significativa nas mensurações das vias aéreas de crianças com SD e VAN (tabela 4).

Tabela 4
Comparação das diferenças médias nas dimensões das vias aéreas entre dose baixa e alta de dexmedetomidina em crianças com vias aéreas normais e crianças com síndrome de Down

Discussão

Nosso estudo mostrou que as crianças com SD e AOS exibiram reduções significativas nas dimensões anatômicas das vias aéreas em comparação com as crianças com VAN sob sedação com DEX. A sedação segura de crianças, especialmente daquelas com história de AOS, requer um claro conhecimento da farmacocinética e dos efeitos farmacodinâmicos do sedativo usado, bem como uma apreciação do efeito do sedativo escolhido sobre a colapsibilidade das vias aéreas. Todos os profissionais que aplicam sedação devem ter um conhecimento detalhado da interação entre a profundidade da sedação e a dinâmica das vias aéreas. Lembra-se que a profundidade da sedação é um continuum da sedação mínima, moderada e profunda até a anestesia geral.

Sedar ou anestesiar uma criança com diagnóstico conhecido de AOS é um desafio porque os agentes anestésicos mitigam os mecanismos de excitação, diminuem o impulso respiratório e reduzem o tônus muscular da faringe. Mais da metade de todas as crianças com síndrome de Down têm AOS e essas crianças estão em maior risco de eventos adversos das vias aéreas durante a sedação. Nosso estudo examinou as áreas anatômicas sagitais e seccionais e o diâmetro da parte crítica das vias aéreas. Mostramos que as áreas seccionais e os diâmetros das vias aéreas estavam significativamente reduzidos em crianças com SD em comparação com crianças com VAN, tanto com dose baixa quanto com dose alta de DEX. As alterações nas dimensões das vias respiratórias não dependeram da dose entre os grupos de pacientes. A aparente independência das dimensões das vias aéreas e da dose de DEX pode ser explicada pela relação entre a consciência e colapsibilidade das vias aéreas superiores. Alterações profundas na atividade muscular das vias aéreas superiores e colapsibilidade ocorrem próximas à perda de consciência e alterações relativamente modestas ocorrem com o aumento da profundidade da anestesia/sedação.1414 Hillman DR, Walsh JH, Maddison KJ, et al. Evolution of changes in upper airway collapsibility during slow induction of anesthesia with propofol. Anesthesiology. 2009;111:63-71.

Além disso, quantificamos o efeito da sedação com DEX sobre a morfologia das vias aéreas em crianças com SD. Esperamos que os profissionais possam usar essas informações para avaliar melhor a profundidade da sedação de seus pacientes com SD e, por fim, evitar os efeitos adversos da supersedação (p. ex., hipoventilação, obstrução das vias aéreas). Como os pacientes pediátricos com SD podem obstruir rapidamente suas vias aéreas mesmo com doses baixas de sedação, os provedores também devem se certificar de que os instrumentos de manejo das vias aéreas estejam prontamente disponíveis antes de sedar essas crianças.

Os pacientes com SD também têm uma chance maior de AOS persistente após tonsilectomia devido ao alargamento recorrente das tonsilas linguais e ao tecido adenoideano, tônus muscular reduzido, colapso hipofaríngeo e à glossoptose.1515 Donnelly LF, Shott SR, LaRose CR, et al. Causes of persistent obstructive sleep apnea despite previous tonsillectomy and adenoidectomy in children with Down syndrome as depicted on static and dynamic cine MRI. AJR Am J Roentgenol. 2004;183:175-81.,1616 Fricke BL, Donnelly LF, Shott SR, et al. Comparison of lingual tonsil size as depicted on MR imaging between children with obstructive sleep apnea despite previous tonsillectomy and adenoidectomy and normal controls. Pediatr Radiol. 2006;36:518-23. A RM das vias aéreas em adolescentes para avaliação da AOS revelou que crianças com SD têm línguas desproporcionalmente grandes em comparação com os parâmetros craniofaciais de controles com idades e gêneros equiparados.33 Guimaraes CV, Donnelly LF, Shott SR, et al. Relative rather than absolute macroglossia in patients with Down syndrome: implications for treatment of obstructive sleep apnea. Pediatr Radiol. 2008;38:1062-7. Os resultados do presente estudo mostraram que o tamanho das vias aéreas ficou estável entre os níveis da dosagem de DEX estudada. Isso sugere que a colapsibilidade das vias aéreas é provavelmente causada pela redução do tônus muscular e pelo colapso hipofaríngeo, pela glossoptose, hipoplasia maxilar e macroglossia relativa.33 Guimaraes CV, Donnelly LF, Shott SR, et al. Relative rather than absolute macroglossia in patients with Down syndrome: implications for treatment of obstructive sleep apnea. Pediatr Radiol. 2008;38:1062-7.,1515 Donnelly LF, Shott SR, LaRose CR, et al. Causes of persistent obstructive sleep apnea despite previous tonsillectomy and adenoidectomy in children with Down syndrome as depicted on static and dynamic cine MRI. AJR Am J Roentgenol. 2004;183:175-81.,1616 Fricke BL, Donnelly LF, Shott SR, et al. Comparison of lingual tonsil size as depicted on MR imaging between children with obstructive sleep apnea despite previous tonsillectomy and adenoidectomy and normal controls. Pediatr Radiol. 2006;36:518-23. O colapso da faringe é mais grave em crianças com SD em comparação com controles, independentemente de idade, sexo, índice de massa corporal.1717 Fung E, Witmans M, Ghosh M, et al. Upper airway findings in children with Down syndrome on sleep nasopharyngoscopy: case-control study. J Otolaryngol Head Neck Surg. 2012;41:138-44. A atividade dilatadora aumentada das vias aéreas superiores presente no estado de vigília é reduzida no início do sono e é ainda mais atenuada durante o sono REM, contribui para o colapso da faringe em crianças com AOS.1818 Fogel RB, Trinder J, Malhotra A, et al. Within-breath control of genioglossal muscle activation in humans: effect of sleep-wake state. J Physiol. 2003;550:899-910.,1919 Mezzanotte WS, Tangel DJ, White DP. Waking genioglossal electromyogram in sleep apnea patients versus normal controls (a neuromuscular compensatory mechanism). J Clin Invest. 1992;89:1571-9. Os contribuintes adicionais para a obstrução das vias aéreas durante a sedação com pentobarbital intravenoso em crianças com AOS moderada incluem o palato mole grande e adenoides e tonsilas grandes.2020 Arens R, McDonough JM, Costarino AT, et al. Magnetic resonance imaging of the upper airway structure of children with obstructive sleep apnea syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2001;164:698-703.

A área seccional e o diâmetro anteroposterior das vias aéreas foram medidos como mínimo e máximo, que representam as dimensões durante a inalação e exalação, respectivamente. Isso foi feito para interpretar as mudanças relativas nas vias aéreas durante o ciclo respiratório. A taxa de aquisição da imagem pico de 800 ms foi feita e permitiu uma amostragem randômica durante o ciclo respiratório. A segmentação do tamanho das vias aéreas durante o ciclo de respiração e o uso do tamanho de pico e do tamanho mínimo evidenciaram a necessidade de sincronização com o ciclo respiratório. A via aérea é maior durante a expiração e menor durante a inspiração, a não ser que língua/mandíbula protuberante esteja presente e a via aérea seja mais dinâmica na AOS.2121 Abbott MB, Donnelly LF, Dardzinski BJ, et al. Obstructive sleep apnea: MR imaging volume segmentation analysis. Radiology. 2004;232:889-95.

O calibre basal das vias aéreas é um fator importante na dinâmica do movimento das vias aéreas e está relacionado com a interação entre a estrutura do fluxo de ar e os tecidos moles circundantes.2222 Mihaescu M, Murugappan S, Gutmark E, et al. Computational fluid dynamics analysis of upper airway reconstructed from magnetic resonance imaging data. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2008;117:303-9. Dessa forma, as porções mais estreitas das vias aéreas são mais importantes na indução do colapso das vias aéreas do que os segmentos de maior calibre das vias aéreas. A mudança do tamanho máximo para o mínimo durante uma respiração está fisiologicamente relacionada com a respiração e o maior grau na SD está associado tanto à AOS quanto ao tamanho menor. O resultado final é um desempenho funcional significativamente menor e maior fadiga observada na musculatura inspiratória em pacientes com AOS.2323 Chien MY, Wu YT, Lee PL, et al. Inspiratory muscle dysfunction in patients with severe obstructive sleep apnoea. Eur Respir J. 2010;35:373-80.

Existem algumas limitações em nosso estudo. Primeiro, embora o tamanho da amostra possa limitar a nossa significância estatística, especialmente nas mensurações da área nasofaríngea do grupo com doses altas de DEX (poder post hoc de 71%), os nossos resultados preliminares são relevantes na definição e aplicação de intervenções para melhorar os resultados das vias aéreas em crianças submetidas à sedação fora do centro cirúrgico. Segundo, todos os pacientes com SD em nosso estudo tinham AOS de moderada a grave. Os resultados podem ser diferentes na minoria dos pacientes com SD sem AOS. Embora fosse ideal avaliar pacientes com SD sem AOS como um terceiro grupo, a disponibilidade de um número adequado de pacientes com SD fazendo exame de RM das vias aéreas para indicações não AOS é um importante fator limitante. Terceiro, o escore médio de sedação em crianças com SD foi significativamente maior durante a indução, em comparação com crianças com VAN, e pode ter afetado as mensurações durante a dose baixa de DEX. Embora a UMSS capture alterações na profundidade da sedação, a incapacidade de a escala discriminar níveis moderados e profundos de sedação pode limitar a sua utilidade em tais situações.2424 Malviya S, Voepel-Lewis T, Tait AR. A comparison of observational and objective measures to differentiate depth of sedation in children from birth to 18 years of age. Anesth Analg. 2006;102:389-94.

Conclusões

As crianças com SD com AOS apresentaram reduções significativas nas dimensões anatômicas das vias aéreas em comparação com as crianças com VAN sob sedação com DEX, o que corrobora nossa hipótese. A redução relativa nas dimensões das vias aéreas é igual tanto com dose baixa quanto com dose alta de DEX, o que sugere que as diferenças observadas são características da SD, e não devidas às diferenças na sedação. Essas alterações são mais significativas nos pontos mais estreitos nas vias aéreas nasofaríngea e retroglossal.

References

  • 1
    Parker SE, Mai CT, Canfield MA, et al. Updated National Birth Prevalence estimates for selected birth defects in the United States, 2004-2006. Birth Defects Res A: Clin Mol Teratol. 2010;88:1008-16.
  • 2
    Shete MM, Stocks RM, Sebelik ME, et al. Effects of adeno-tonsillectomy on polysomnography patterns in Down syndrome children with obstructive sleep apnea: a comparative study with children without Down syndrome. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2010;74:241-4.
  • 3
    Guimaraes CV, Donnelly LF, Shott SR, et al. Relative rather than absolute macroglossia in patients with Down syndrome: implications for treatment of obstructive sleep apnea. Pediatr Radiol. 2008;38:1062-7.
  • 4
    Uong EC, McDonough JM, Tayag-Kier CE, et al. Magnetic resonance imaging of the upper airway in children with Down syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2001;163:731-6.
  • 5
    Brown KA. Outcome, risk, and error and the child with obstructive sleep apnea. Paediatr Anaesth. 2011;21:771-80.
  • 6
    Nelson LE, Lu J, Guo T, et al. The alpha2-adrenoceptor agonist dexmedetomidine converges on an endogenous sleep-promoting pathway to exert its sedative effects. Anesthesiology. 2003;98:428-36.
  • 7
    Hsu YW, Cortinez LI, Robertson KM, et al. Dexmedetomidine pharmacodynamics: Part I: Crossover comparison of the respiratory effects of dexmedetomidine and remifentanil in healthy volunteers. Anesthesiology. 2004;101:1066-76.
  • 8
    Mahmoud M, Gunter J, Donnelly LF, et al. A comparison of dexmedetomidine with propofol for magnetic resonance imaging sleep studies in children. Anesth Analg. 2009;109:745-53.
  • 9
    Mahmoud M, Radhakrishman R, Gunter J, et al. Effect of increasing depth of dexmedetomidine anesthesia on upper airway morphology in children. Paediatr Anaesth. 2010;20:506-15.
  • 10
    Mahmoud M, Jung D, Salisbury S, et al. Effect of increasing depth of dexmedetomidine and propofol anesthesia on upper airway morphology in children and adolescents with obstructive sleep apnea. J Clin Anesth. 2013;25:529-41.
  • 11
    Malviya S, Voepel-Lewis T, Tait AR, et al. Depth of sedation in children undergoing computed tomography: validity and reliability of the University of Michigan Sedation Scale (UMSS). Br J Anaesth. 2002;88:241-5.
  • 12
    R Core Team. R: a language and environment for statistical computing. Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Computing; 2013.
  • 13
    Dyken ME, Lin-Dyken DC, Poulton S, et al. Prospective polysomnographic analysis of obstructive sleep apnea in Down syndrome. Arch Pediatr Adolesc Med. 2003;157:655-60.
  • 14
    Hillman DR, Walsh JH, Maddison KJ, et al. Evolution of changes in upper airway collapsibility during slow induction of anesthesia with propofol. Anesthesiology. 2009;111:63-71.
  • 15
    Donnelly LF, Shott SR, LaRose CR, et al. Causes of persistent obstructive sleep apnea despite previous tonsillectomy and adenoidectomy in children with Down syndrome as depicted on static and dynamic cine MRI. AJR Am J Roentgenol. 2004;183:175-81.
  • 16
    Fricke BL, Donnelly LF, Shott SR, et al. Comparison of lingual tonsil size as depicted on MR imaging between children with obstructive sleep apnea despite previous tonsillectomy and adenoidectomy and normal controls. Pediatr Radiol. 2006;36:518-23.
  • 17
    Fung E, Witmans M, Ghosh M, et al. Upper airway findings in children with Down syndrome on sleep nasopharyngoscopy: case-control study. J Otolaryngol Head Neck Surg. 2012;41:138-44.
  • 18
    Fogel RB, Trinder J, Malhotra A, et al. Within-breath control of genioglossal muscle activation in humans: effect of sleep-wake state. J Physiol. 2003;550:899-910.
  • 19
    Mezzanotte WS, Tangel DJ, White DP. Waking genioglossal electromyogram in sleep apnea patients versus normal controls (a neuromuscular compensatory mechanism). J Clin Invest. 1992;89:1571-9.
  • 20
    Arens R, McDonough JM, Costarino AT, et al. Magnetic resonance imaging of the upper airway structure of children with obstructive sleep apnea syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2001;164:698-703.
  • 21
    Abbott MB, Donnelly LF, Dardzinski BJ, et al. Obstructive sleep apnea: MR imaging volume segmentation analysis. Radiology. 2004;232:889-95.
  • 22
    Mihaescu M, Murugappan S, Gutmark E, et al. Computational fluid dynamics analysis of upper airway reconstructed from magnetic resonance imaging data. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2008;117:303-9.
  • 23
    Chien MY, Wu YT, Lee PL, et al. Inspiratory muscle dysfunction in patients with severe obstructive sleep apnoea. Eur Respir J. 2010;35:373-80.
  • 24
    Malviya S, Voepel-Lewis T, Tait AR. A comparison of observational and objective measures to differentiate depth of sedation in children from birth to 18 years of age. Anesth Analg. 2006;102:389-94.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2014
  • Aceito
    26 Nov 2014
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org