Acessibilidade / Reportar erro

Efeitos do bloqueio do plano transverso abdominal sobre o consumo de analgésico e anestésico durante histerectomia abdominal total: um estudo randômico e controlado

Resumo

Justificativa e objetivos:

O bloqueio do plano transverso abdominal é um método de bloqueio periférico que tem sido usado com sucesso para alívio da dor após histerectomia abdominal total. No entanto, os efeitos da combinação do bloqueio do plano transverso abdominal e da anestesia geral sobre a necessidade de analgésico e anestésico ainda não estão claros. Este estudo randômico e controlado com placebo tem como objetivo avaliar os efeitos do bloqueio do plano transverso abdominal sobre o consumo de analgésico e anestésico durante histerectomia abdominal total sob anestesia geral.

Métodos:

Foram randomizadas em dois grupos 66 mulheres submetidas à histerectomia abdominal total para receber apenas anestesia geral (grupo controle) ou associada a bloqueio do plano transverso abdominal com 20 mL de bupivacaína a 0,25% (grupo plano transverso abdominal). O consumo de remifentanil e sevoflurano no período intraoperatório foi registrado. Também avaliamos a dor pós-cirurgia, náusea, qualidade dos escores de recuperação e necessidade de analgésico de resgate durante as 24 horas de pós-operatório.

Resultados:

O consumo total de remifentanil e sevoflurano foi significativamente menor no grupo plano transverso abdominal, respectivamente, média (DP): 0,130 (0,25) vs. 0,094 (0,02) mcg.kg-1.min-1; p < 0,01 e 0,295 (0,05) vs. 0,243 (0,06) mL.min-1; p < 0,01. No pós-operatório, os escores de dor foram significativamente reduzidos no grupo plano transverso abdominal logo após a cirurgia; mediana (intervalo): 6 (2-10) vs. 3 (0-5); p < 0,001, em 2 h (5 [3-9] vs. 2,5 [0-6]; p < 0,001), em 6 h (4 [2-7] vs. 3 [0-6], p < 0,001), em 12 h (3,5 [1-6] vs. 2 [1-5]; p = 0,003). As pacientes do grupo plano transverso abdominal apresentaram escores QoR-40 significativamente maiores: 190,5 (175-197) vs. 176,5 (141-187); p < 0,001).

Conclusão:

A combinação de bloqueio do plano transverso abdominal e anestesia geral pode proporcionar um consumo reduzido de opioides e anestésicos e melhorar a dor pós-cirúrgica e a qualidade dos escores de recuperação em pacientes submetidas à histerectomia abdominal total.

PALAVRAS-CHAVE
Anestesia geral; Anestesia, regional; Bloqueio do plano transverso abdominal; Histerectomia

Abstract

Background and objectives:

A transversus abdominis plane block is a peripheral block method that has been used successfully for pain relief after total abdominal hysterectomy. However, the effects of the combination of the transversus abdominis plane block and general anesthesia on analgesic and anesthetic requirements remain unclear. This randomized placebo-controlled study is aimed to evaluate the effects of transversus abdominis plane block on analgesic and anesthetic consumption during total abdominal hysterectomy under general anesthesia.

Methods:

Sixty-six women undergoing total abdominal hysterectomy were randomized into two groups to receive general anesthesia alone (control group) or with transversus abdominis plane block using 20 mL of 0.25% bupivacaine (transversus abdominis plane group). Intraoperative remifentanil and sevoflurane consumption were recorded. We also evaluated the postoperative pain, nausea, quality of recovery scores and rescue analgesic requirement during postoperative 24 hours.

Results:

The total remifentanil and sevoflurane consumption is significantly lower in transversus abdominis plane group; respectively mean (SD) 0.130 (0.25) vs. 0.094 (0.02) mcg.kg-1.min-1; p < 0.01 and 0.295 (0.05) vs. 0.243 (0.06) mL.min-1; p < 0.01. In the postoperative period, pain scores were significantly reduced in transversus abdominis plane group soon after surgery; median (range) 6 (2-10) vs. 3 (0-5); p < 0.001, at 2 h (5 [3-9] vs. 2.5 [0-6]; p < 0.001), at 6 h (4 [2-7] vs. 3[0-6], p < 0.001), at 12 h (3.5 [1-6] vs. 2 [1-5]; p = 0.003). The patients in the transversus abdominis plane group had significantly higher QoR-40 scores 190.5 (175-197) vs. 176.5 (141-187); p < 0.001).

Conclusion:

Combining transversus abdominis plane block with general anesthesia can provide reduced opioid and anesthetic consumption and can improve postoperative pain and quality of recovery scores in patients undergoing total abdominal hysterectomy.

KEYWORDS
Anesthesia, general; Anesthesia, regional; Transversus abdominis plane block; Hysterectomy

Introdução

Melhorar a qualidade do tratamento perioperatório em pacientes cirúrgicos e um objetivo importante do anestesista. Balancear a anestesia com agentes anestésicos e analgésicos é a técnica preferida para manter a estabilidade durante procedimentos cirúrgicos. A combinação mais usada é a de anestésicos inalatórios com medicamentos opioides que são aceitos como agentes benéficos que previnem a resposta a estímulos nocivos. Mesmo que esses agentes apresentem alguns efeitos indesejáveis, como recuperação prolongada da anestesia, náusea e vômito, disfunção intestinal, depressão respiratória, aumento da dor no pós-operatório, aumento da poluição ambiental e custo de saúde.11 Guignard B, Bossard AE, Coste C, et al. Acute opioid tolerance: intraoperative remifentanil increases postoperative pain and morphine requirement. Anesthesiology. 2000;93:409-17.

2 Gan TJ, Meyer T, Apfel CC, et al. Consensus guidelines for managing postoperative nausea and vomiting. Anesth Analg. 2003;97:62-71.

3 Kurz A, Sessler DI. Opioid-induced bowel dysfunction: pathophysiology and potential new therapies. Drugs. 2003;63:649-71.

4 Lee LA, Caplan RA, Stephens LS, et al. Postoperative opioid induced respiratory depression: a closed claims analysis. Anesthesiology. 2015;122:659-65.
-55 Epstein RH, Dexter F, Maguire DP, et al. Economic and environmental considerations during low fresh gas flow volatile agent administration after change to a nonreactive carbon dioxide absorbent. Anesth Analg. 2016;122:996-1006. Portanto, minimizar o consumo de anestésico e analgésico no período intraoperatório é a meta central dos médicos no perioperatório.

Com a crescente evidência sobre as complicações pós-operatórias relacionadas à analgesia neuraxial e a segurança da anestesia regional periférica guiada por ultrassonografia, a analgesia multimodal com bloqueio de nervos periférico tornou-se mais popular.66 Belavy D, Janda M, Baker J, et al. Epidural analgesia is associated with an increased incidence of postoperative complications in patients requiring an abdominal hysterectomy for early stage endometrial cancer. Gynecol Oncol. 2013;131:423-9. O bloqueio do plano transverso abdominal (TAP) é um método de bloqueio periférico que anestesia os nervos somáticos subjacentes à parede abdominal, que são um componente importante da dor durante as incisões abdominais.77 Rafi AN. Abdominal field block: a new approach via the lumbar triangle. Anaesthesia. 2001;56:1024-6. O bloqueio TAP foi usado com sucesso para alívio da dor após histerectomia total abdominal (HTA).88 Carney J, McDonnell JG, Ochana A, et al. The transversus abdominis plane block provides effective postoperative analgesia in patients undergoing total abdominal hysterectomy. Anesth Analg. 2008;107:2056-60. No entanto, os efeitos da combinação de bloqueio TAP e anestesia geral sobre a necessidade de analgésicos e anestésicos ainda não estão claros.

De acordo com nossa pesquisa, este estudo randômico e controlado é o primeiro com foco nos efeitos do bloqueio TAP sobre o consumo de analgésicos e anestésicos durante os procedimentos para HTA. Nossa hipótese foi que o bloqueio TAP diminuiria a necessidade de remifentanil e sevoflurano em pacientes submetidos à HTA. O objetivo secundário deste estudo foi avaliar a qualidade da recuperação e a dor, náusea e vômito no pós-operatório.

Material e métodos

Este estudo foi feito como ensaio clínico prospectivo, randômico, cego, em grupo paralelo e controlado por placebo em pacientes submetidos à HTA. Este estudo foi aprovado pelo Conselho de Ética em Pesquisa Clínica da Universidade de Gaziosmanpasa (14-KAEK-155, 22/07/2014) e registrado em www.clinicaltrials.gov (NCT02296619).

Após obter a assinatura em termo de consentimento informado de todos os pacientes, recrutamos pacientes com estado físico ASA I e II, de acordo com a classificação da Sociedade Americana de Anestesiologistas, entre 18-65 anos, agendados para HTA eletiva no Hospital da Escola de Medicina da Universidade de Gaziosmanpasa. A elegibilidade para a participação foi avaliada e determinada por um anestesiologista não envolvido no estudo. Os pacientes que apresentaram alergia aos anestésicos locais, aqueles com abuso ou dependência de drogas e tendências hemorrágicas foram excluídos do estudo. Os pacientes foram randomizados em dois grupos (grupo TAP ou controle) em uma proporção de 1:1, com uma tabela aleatória gerada por computador. A designação do grupo atribuída ao paciente foi extraída de envelopes opacos lacrados pelo anestesista que fez os bloqueios TAP e que não estava envolvido na coleta de dados adicionais ou na assistência aos pacientes. Os pacientes e as equipes de cirurgia e anestesia responsáveis pelo atendimento ao paciente foram cegados para as designações dos grupos.

Neste estudo, os pacientes não receberam pré-medicação antes da operação. Todos foram monitorados com eletrocardiografia, oximetria de pulso, capnografia, termômetro, pressão arterial não invasiva e índice bispectral (BIS) na sala de cirurgia e receberam a indução padrão da anestesia com propofol intravenoso (1 mg.kg-1) e fentanil (1 mcg.kg-1). Após o relaxamento muscular com rocurônio (0,5 mg.kg-1), a intubação traqueal foi feita e a ventilação mecânica foi aplicada enquanto mantinha o CO2 exalado no fim da expiração entre 30 e 35 mmHg.

Após a intubação, o bloqueio TAP bilateral guiado por ultrassom (MyLab Gold, Easote, Gênova) foi feito nos pacientes designados para o grupo de bloqueios TAP, conforme descrito por Hebbard et al.99 Hebbard P, Fujiwara Y, Shibata Y, et al. Ultrasound-guided transversus abdominis plane (TAP) block. Anaesth Intensive Care. 2007;35:616-7. O abdome oblíquo externo, o abdome interno oblíquo e os músculos transversais abdominais foram visibilizados com um transdutor linear de ultrassom de 6-18 MHz e 20 mL de bupivacaína a 0,25% foram injetados na área entre os músculos interno oblíquo e transverso abdominal de cada lado através de uma agulha de bloqueio ecogênico de 90 mm (Pajunk, Geisingen, Alemanha). A visibilização bilateral do plano transverso abdominal com um transdutor de ultrassom sem injeção de droga também foi feita nos pacientes designados para o grupo controle.

Quinze minutos após o bloqueio TAP ou procedimento de controle, a equipe de anestesia foi trocada por outra equipe cega para a alocação do paciente e a incisão da pele foi permitida. A anestesia foi mantida com sevoflurano em mistura de oxigênio-ar (50%) a uma taxa de fluxo de 3 L.min-1. Sevoflurano foi iniciado com uma concentração de 2% e ajustado para obter um nível adequado de anestesia, titulou-se a concentração de acordo com o monitoramento do BIS (BIS XP, A-2000, Versão 3.31, Aspect Medical Systems, Newton, Mass, EUA) para manter o valor BIS entre 40 e 60 durante a cirurgia. A concentração de sevoflurano foi alterada em 0,2 unidades quando o valor BIS foi > 60 ou < 40 por mais de 1 min. A infusão de remifentanil foi iniciada em 0,1 mcg.kg-1.min-1 e a dose foi ajustada a cada 5 min para manter o valor da pressão arterial média (PAM) dentro de 20% do valor basal, mas não inferior a 60 mmHg, e a frequência cardíaca dentro de 20% do valor basal, mas não inferior a 50 batimentos.min-1. A dose de remifentanil foi alterada em incrementos de 0,02 mcg.kg-1.min-1, se necessário. Em caso de hipotensão, hipertensão, bradicardia ou taquicardia persistir por mais de 2 min, apesar do ajuste de remifentanil, efedrina (5 mg) era administrada intravenosamente para hipotensão, atropina (0,5 mg) para bradicardia, trinitrato de glicerol (0,1 mg) para hipertensão arterial e metoprolol (1 mg) para taquicardia.

Aproximadamente 30 minutos antes de finalizar a operação, todos os pacientes receberam paracetamol (1 g) por via intravenosa.

No fim da cirurgia, sevoflurano e remifentanil foram interrompidos e o bloqueador muscular foi antagonizado com neostigmina (0,04 mg.kg-1) e atropina (0,01 mg.kg-1).

Todos os pacientes foram admitidos em sala de recuperação pós-anestesia (SRPA) no fim da cirurgia e monitorados por um enfermeiro cegado para o grupo do paciente. A dor do paciente foi avaliada com uma escala visual analógica (VAS) de 10 cm e morfina foi administrada em incrementos de 2 mg até uma dose total de 15 mg, quando o escore VAS era > 4.

Náusea e vômito no pós-operatório (NVPO) foram tratados com ondansetrona (4 mg) até uma dose total de 16 mg, conforme necessário. Os pacientes foram transferidos para os quartos de acordo com os critérios institucionais de alta da SRPA e a equipe de anestesia avaliou os pacientes durante as primeiras 24 horas (h) de pós-operatório. Todos os pacientes receberam um protocolo analgésico padrão, consistiu em 1 g de sódio metamizol a cada 8 h e morfina (0,05 mg.kg-1) como analgésico de resgate quando VAS > 4.

O desfecho primário foi o consumo total de remifentanil no intraoperatório registrado durante a cirurgia. O outro desfecho primário foi o consumo total de sevoflurano, calculado como mL.min-1 com o uso dos fluxos de gás fresco registrados e a concentração aplicada do sevoflurano, inclusive a duração durante a cirurgia, de acordo com a seguinte fórmula descrita anteriormente por Biro:1010 Biro P. Calculation of volatile anaesthetics consumption from agent concentration and fresh gas flow. Acta Anaesthesiol Scand. 2014;58:968-72. agente de fluido volátil (mL) = [fluxo de gás fresco (mL.dk-1) × concentração do agente volátil (Vol%) × duração da anestesia (min)] / [volume de gás saturado (mL.mL-1) × 100].

As variáveis hemodinâmicas no intraoperatório foram avaliadas a partir da pressão arterial não invasiva e das frequências cardíacas durante a anestesia. Os desfechos secundários foram dor no pós-operatório e NVPO nos momentos zero (15 min após a extubação), 2, 6, 12 e 24 h, que foram registrados pela equipe de anestesia sem conhecimento do grupo do paciente. A dor foi avaliada com a escala VAS e NVPO foi medido com uma escala Likert de 5 pontos (1: sempre a 5: nunca). O outro desfecho secundário relativo à qualidade da recuperação foi avaliado pelo Questionário de Qualidade da Recuperação-40 (QoR-40) 24 h após a cirurgia. O QoR-40 foi desenvolvido por Myles et al. e recentemente validado e traduzido para a língua turca.1111 Myles PS, Weitkamp B, Jones K, et al. Validity and reliability of a postoperative quality of recovery score: the QoR-40. Br J Anaesth. 2000;84:11-5.,1212 Karaman S, Arici S, Dogru S, et al. Validation of the Turkish version of the quality of recovery-40 questionnaire. Health Qual Life Outcomes. 2014;12:8. O QoR-40 é um questionário de autoavaliação que usa escala Likert de 5 pontos (1: em nenhum momento a 5: o tempo todo) composto por 40 itens com cinco subescalas, inclusive estado emocional (nove itens), conforto físico (12 itens), suporte ao paciente (sete itens), independência física (cinco itens) e dor (sete itens). O escore total pode variar de 40 a 200.

Com base em um estudo anterior, estimamos o consumo total de remifentanil no intraoperatório e o desvio-padrão (DP).1313 Jokela R, Ahonen J, Tallgren M, et al. Premedication with pregabalin 75 or 150 mg with ibuprofen to control pain after day-case gynaecological laparoscopic surgery. Br J Anaesth. 2008;100:834-40. Em seguida, aventamos a hipótese de que o consumo total de remifentanil no intraoperatório poderia ser reduzido em 30% nos pacientes do bloqueio TAP. Calculamos que seria necessário um mínimo de 26 pacientes por grupo, assumiram-se um erro do Tipo 1 (dois lados) de 0,05 (α = 0,05) e uma potência de 0,80 (β = 0,02). Recrutamos 66 pacientes para obter um poder adequado em caso de desistência de pacientes.

Todas as análises estatísticas foram feitas com o software SPSS versão 20.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). As estatísticas descritivas expressas em média (± DP) para dados contínuos, como mediana (intervalo) para dados ordinais ou como frequências para dados categóricos. A normalidade foi testada com o teste de Kolmogorov-Smirnov de uma amostra. As variáveis contínuas foram comparadas com testes t para amostras independentes se normalmente distribuídas. Caso contrário, com testes U de Mann-Whitney. As variáveis categóricas foram analisadas com o teste do qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fischer. As medidas repetidas foram avaliadas com a análise de variância de medidas repetidas. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

Resultados

Foram avaliados 70 pacientes agendados para HTA entre novembro de 2014 e fevereiro de 2016 quanto à elegibilidade para participar e 66 foram inscritos no estudo. O diagrama de fluxo Consorte para o estudo é mostrado na figura 1.

Figura 1
Fluxograma do estudo.

Os pacientes e as características demográficas no perioperatório foram comparáveis nos dois grupos (tabela 1). Em todos os pacientes, as camadas da parede abdominal foram facilmente visibilizadas e o bloqueio TAP feito após uma tentativa sem complicações no grupo TAP.

Tabela 1
Características demográficas e operacionais

A dose total de remifentanil no intraoperatório é apresentada como mcg.kg-1.min-1 e o consumo de remifentanil foi significativamente maior no grupo controle (0,13 vs. 0,094 mcg.kg-1.min-1; p < 0,01) (tabela 2). A dose total de sevoflurano também foi significativamente maior no grupo controle (0,295 vs. 0,243 mL.min-1; p <0,05) (tabela 2). Não houve diferença estatisticamente significativa entre as variáveis hemodinâmicas dos dois grupos (frequência cardíaca e PAM) em qualquer momento (Anova de dois fatores de medidas repetidas; p = 0,207 para frequência cardíaca e p = 0,466 para PAM).

Tabela 2
Consumo cumulativo de anestésico e analgésico no intraoperatório

Os escores VAS do grupo TAP foram significativamente menores nos momentos 0, 2, 6 e 12 h, mas não em 24 h (tabela 3). O consumo cumulativo de morfina na SRPA foi 0 (0-6) mg no grupo TAP e 4 (0-12) mg no grupo controle (p < 0,001). O grau de necessidade de analgésico de resgate foi significativamente maior no grupo controle (2 [0-4] no grupo controle vs. 0 [0-2] no grupo TAP, p < 0,001). Não houve diferença significativa em relação aos escores de NVPO entre os grupos (3,4 [2-5] vs. 3,4 [1-5]; p = 0.9).

Tabela 3
Escores VAS dos pacientes no pós-operatório

Os pacientes do grupo TAP tiveram uma média significativamente maior no QoR-40 global, no conforto físico, independência física, dor, estado emocional e nos escores de suporte 24 h pós-HTA em comparação com os controles (tabela 4).

Tabela 4
Dimensões e escores globais do QoR-40

Discussão

Este estudo controlado e randômico demonstrou que um bloqueio TAP combinado com anestesia geral manteve reduzido o consumo de opioides e anestésicos no intraoperatório nos pacientes submetidos à HTA. O bloqueio TAP também melhorou a qualidade de recuperação 24 h após a cirurgia e os escores de dor no pós-operatório durante as primeiras 6 h, com redução da necessidade de analgésicos de resgate.

A histerectomia é um dos procedimentos cirúrgicos ginecológicos mais comumente feitos e pode causar dor considerável no pós-operatório, decorrente dos efeitos compostos de múltiplos fatores. O componente parietal da dor após uma intervenção transabdominal provém da incisão cirúrgica na parede abdominal e dos aferentes sensoriais que situados no plano transverso abdominal podem ser bloqueados com o método de bloqueio TAP.88 Carney J, McDonnell JG, Ochana A, et al. The transversus abdominis plane block provides effective postoperative analgesia in patients undergoing total abdominal hysterectomy. Anesth Analg. 2008;107:2056-60. Vários estudos demonstraram a eficácia analgésica desse bloqueio para dor no pós-operatório em pacientes submetidos à histerectomia.88 Carney J, McDonnell JG, Ochana A, et al. The transversus abdominis plane block provides effective postoperative analgesia in patients undergoing total abdominal hysterectomy. Anesth Analg. 2008;107:2056-60.,1414 Gasanova I, Grant E, Way M, et al. Ultrasound-guided transversus abdominal plane block with multimodal analgesia for pain management after total abdominal hysterectomy. Arch Gynecol Obstet. 2013;288:105-11.,1515 De Oliveira GS, Milad MP, Fitzgerald P, et al. Transversus abdominis plane infiltration and quality of recovery after laparoscopic hysterectomy: a randomized controlled trial. Obstet Gynecol. 2011;118:1230-7. No entanto, a redução no consumo intraoperatório de opioides com o bloqueio TAP durante a cirurgia abdominal foi investigada em poucos estudos.1616 El-Dawlatly AA, Turkistani A, Kettner SC, et al. Ultrasound-guided transversus abdominis plane block: description of a new technique and comparison with conventional systemic analgesia during laparoscopic cholecystectomy. Br J Anaesth. 2009;102:763-7.

17 Mukhtar K, Khattak I. Transversus abdominis plane block for renal transplant recipients. Br J Anaesth. 2010;104:663-4.
-1818 Bhattacharjee S, Ray M, Ghose T, et al. Analgesic efficacy of transversus abdominis plane block in providing effective perioperative analgesia in patients undergoing total abdominal hysterectomy: a randomized controlled trial. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2014;30:391-6. Bhattacharjee et al.1818 Bhattacharjee S, Ray M, Ghose T, et al. Analgesic efficacy of transversus abdominis plane block in providing effective perioperative analgesia in patients undergoing total abdominal hysterectomy: a randomized controlled trial. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2014;30:391-6. avaliaram a necessidade de fentanil no intraoperatório como desfecho secundário em seu estudo e mostraram que o bloqueio TAP feito preventivamente reduziu o consumo de opioides (fentanil) no intraoperatório em comparação com o placebo, semelhantemente aos nossos resultados. Nesse estudo, o que diferiu do nosso, o consumo de anestésico não foi avaliado. Em outro estudo, demonstrou-se que a necessidade de fentanil foi significativamente reduzida durante a histerectomia abdominal no grupo com bloqueio TAP pré-incisão.1919 Amr YM, Amin SM. Comparative study between effect of pre-versus post-incisional transversus abdominis plane block on acute and chronic post-abdominal hysterectomy pain. Anesth Essays Res. 2011;5:77-82. No entanto, esse estudo não forneceu informação sobre o consumo de gás anestésico.1919 Amr YM, Amin SM. Comparative study between effect of pre-versus post-incisional transversus abdominis plane block on acute and chronic post-abdominal hysterectomy pain. Anesth Essays Res. 2011;5:77-82. De acordo com nossa pesquisa, não há estudo clínico randômico que apresente uma redução da necessidade de sevoflurano com o bloqueio TAP preventivo durante HTA. Por outro lado, Kokulu et al.2020 Kokulu S, Bakı ED, Kaçar E, et al. Effect of transversus abdominis plane block on cost of laparoscopic cholecystectomy anesthesia. Med Sci Monit. 2014;20:2783-7. mostraram que tal bloqueio poderia modular o consumo anestésico durante a colecistectomia laparoscópica. Durante a cirurgia, para garantir a estabilidade hemodinâmica, a analgesia adequada é obrigatória. Isso pode ser fornecido por uma anestesia satisfatória com o balanceamento de drogas anestésicas e analgésicas. Além disso, sabe-se que a anestesia regional preventiva pode modular a necessidade de anestésicos e analgésicos durante a cirurgia.1818 Bhattacharjee S, Ray M, Ghose T, et al. Analgesic efficacy of transversus abdominis plane block in providing effective perioperative analgesia in patients undergoing total abdominal hysterectomy: a randomized controlled trial. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2014;30:391-6.,1919 Amr YM, Amin SM. Comparative study between effect of pre-versus post-incisional transversus abdominis plane block on acute and chronic post-abdominal hysterectomy pain. Anesth Essays Res. 2011;5:77-82. Além disso, Tsuchiya et al.2121 Tsuchiya M, Takahashi R, Furukawa A, et al. Transversus abdominis plane block in combination with general anesthesia provides better intraoperative hemodynamic control and quicker recovery than general anesthesia alone in high-risk abdominal surgery patients. Minerva Anestesiol. 2012;78:1241-7. aplicaram o bloqueio TAP em associação com anestesia geral em cirurgia abdominal de alto risco e descobriram que isso proporcionava melhor controle hemodinâmico no intraoperatório do que a anestesia geral isolada com consumo reduzido de sevoflurano. Recentemente, Abu Elyazed et al.2222 Abu Elyazed MM, Mostafa SF, Abdullah MA, et al. The effect of ultrasound-guided transversus abdominis plane (TAP) block on postoperative analgesia and neuroendocrine stress response in pediatric patients undergoing elective open inguinal hernia repair. Paediatr Anaesth. 2016;26:1165-71. concluíram que o bloqueio TAP poderia ser o fator de atenuação da resposta ao estresse neuroendócrino induzida pela cirurgia. Adicionalmente, vários estudos mostraram que os anestésicos locais poderiam reduzir a CAM dos agentes anestésicos.2323 Granier M, Dadure C, Bringuier S, et al. Intranasal lidocaine plus naphazoline nitrate improves surgical conditions and perioperative analgesia in septorhinoplasty surgery. Can J Anaesth. 2009;56:102-8.,2424 Goktas U, Isik D, Kati I, et al. Effects of lidocaine infiltration on cost of rhinoplasty made under general anesthesia. J Craniofac Surg. 2011;22:2176-8. Portanto, em nosso estudo, sugerimos que a redução do consumo de sevoflurano pode advir de dois motivos: 1) do bloqueio TAP que impede o efeito sobre a transmissão dos impulsos sensoriais e a resposta ao estresse neuroendócrino induzido pela cirurgia; 2) do efeito da redução do anestésico local sobre o valor da CAM do agente anestésico.

Além disso, no presente estudo, confirmamos o efeito benéfico de um bloqueio TAP sobre a dor durante as primeiras 6 h de pós-operatório. A necessidade de opioides no pós-operatório também foi maior no grupo controle e NVPO não foi diferente entre os grupos, o que confirma relatos anteriores.88 Carney J, McDonnell JG, Ochana A, et al. The transversus abdominis plane block provides effective postoperative analgesia in patients undergoing total abdominal hysterectomy. Anesth Analg. 2008;107:2056-60.,1818 Bhattacharjee S, Ray M, Ghose T, et al. Analgesic efficacy of transversus abdominis plane block in providing effective perioperative analgesia in patients undergoing total abdominal hysterectomy: a randomized controlled trial. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2014;30:391-6. O consumo de opioides e anestésicos no intraoperatório é um fator de risco importante para NVPO, a menos que existam outras propriedades determinantes que possam incluir fatores específicos do paciente e cirúrgico.22 Gan TJ, Meyer T, Apfel CC, et al. Consensus guidelines for managing postoperative nausea and vomiting. Anesth Analg. 2003;97:62-71. Portanto, o efeito antecipado sobre NVPO pode não aparecer no presente estudo. Apesar de o efeito do bloqueio TAP não ter sido útil para NVPO, uma melhoria da qualidade nos escores de recuperação 24 h após a cirurgia foi observada em nosso estudo. Embora a relação de NVPO com a insatisfação e o desconforto do paciente seja notável, De Oliveira et al.1515 De Oliveira GS, Milad MP, Fitzgerald P, et al. Transversus abdominis plane infiltration and quality of recovery after laparoscopic hysterectomy: a randomized controlled trial. Obstet Gynecol. 2011;118:1230-7. apresentaram uma correlação linear inversa entre o consumo de opioides e a qualidade da recuperação com um consumo de antiemético similar após histerectomias laparoscópicas. Essas descobertas sustentam a importância do tratamento da dor na qualidade da recuperação do paciente.

Há várias limitações neste estudo. Primeiro, as operações foram feitas por dois cirurgiões diferentes, mas que usaram a mesma técnica. Segundo, os fatores de risco dos pacientes para NVPO no pré-operatório não foram avaliados. Terceiro, para evitar o viés, não avaliamos a perda de sensação na parede abdominal após o bloqueio TAP no fim da cirurgia, o que poderia levar à conscientização sobre a alocação do grupo do paciente.

Conclusão

Em pacientes submetidos à HTA, a combinação de um bloqueio TAP guiado por ultrassom e anestesia geral pode proporcionar um menor consumo de opioides e anestésicos e pode melhorar a dor no pós-operatório e a qualidade dos escores de recuperação.

Agradecimentos

Ao departamento de financiamento. O resumo deste estudo foi apresentado em ARUD 2017 Balkan States Anesthesia Days - IV, 2017, Sarajevo, Bósnia e Herzegovina.

References

  • 1
    Guignard B, Bossard AE, Coste C, et al. Acute opioid tolerance: intraoperative remifentanil increases postoperative pain and morphine requirement. Anesthesiology. 2000;93:409-17.
  • 2
    Gan TJ, Meyer T, Apfel CC, et al. Consensus guidelines for managing postoperative nausea and vomiting. Anesth Analg. 2003;97:62-71.
  • 3
    Kurz A, Sessler DI. Opioid-induced bowel dysfunction: pathophysiology and potential new therapies. Drugs. 2003;63:649-71.
  • 4
    Lee LA, Caplan RA, Stephens LS, et al. Postoperative opioid induced respiratory depression: a closed claims analysis. Anesthesiology. 2015;122:659-65.
  • 5
    Epstein RH, Dexter F, Maguire DP, et al. Economic and environmental considerations during low fresh gas flow volatile agent administration after change to a nonreactive carbon dioxide absorbent. Anesth Analg. 2016;122:996-1006.
  • 6
    Belavy D, Janda M, Baker J, et al. Epidural analgesia is associated with an increased incidence of postoperative complications in patients requiring an abdominal hysterectomy for early stage endometrial cancer. Gynecol Oncol. 2013;131:423-9.
  • 7
    Rafi AN. Abdominal field block: a new approach via the lumbar triangle. Anaesthesia. 2001;56:1024-6.
  • 8
    Carney J, McDonnell JG, Ochana A, et al. The transversus abdominis plane block provides effective postoperative analgesia in patients undergoing total abdominal hysterectomy. Anesth Analg. 2008;107:2056-60.
  • 9
    Hebbard P, Fujiwara Y, Shibata Y, et al. Ultrasound-guided transversus abdominis plane (TAP) block. Anaesth Intensive Care. 2007;35:616-7.
  • 10
    Biro P. Calculation of volatile anaesthetics consumption from agent concentration and fresh gas flow. Acta Anaesthesiol Scand. 2014;58:968-72.
  • 11
    Myles PS, Weitkamp B, Jones K, et al. Validity and reliability of a postoperative quality of recovery score: the QoR-40. Br J Anaesth. 2000;84:11-5.
  • 12
    Karaman S, Arici S, Dogru S, et al. Validation of the Turkish version of the quality of recovery-40 questionnaire. Health Qual Life Outcomes. 2014;12:8.
  • 13
    Jokela R, Ahonen J, Tallgren M, et al. Premedication with pregabalin 75 or 150 mg with ibuprofen to control pain after day-case gynaecological laparoscopic surgery. Br J Anaesth. 2008;100:834-40.
  • 14
    Gasanova I, Grant E, Way M, et al. Ultrasound-guided transversus abdominal plane block with multimodal analgesia for pain management after total abdominal hysterectomy. Arch Gynecol Obstet. 2013;288:105-11.
  • 15
    De Oliveira GS, Milad MP, Fitzgerald P, et al. Transversus abdominis plane infiltration and quality of recovery after laparoscopic hysterectomy: a randomized controlled trial. Obstet Gynecol. 2011;118:1230-7.
  • 16
    El-Dawlatly AA, Turkistani A, Kettner SC, et al. Ultrasound-guided transversus abdominis plane block: description of a new technique and comparison with conventional systemic analgesia during laparoscopic cholecystectomy. Br J Anaesth. 2009;102:763-7.
  • 17
    Mukhtar K, Khattak I. Transversus abdominis plane block for renal transplant recipients. Br J Anaesth. 2010;104:663-4.
  • 18
    Bhattacharjee S, Ray M, Ghose T, et al. Analgesic efficacy of transversus abdominis plane block in providing effective perioperative analgesia in patients undergoing total abdominal hysterectomy: a randomized controlled trial. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2014;30:391-6.
  • 19
    Amr YM, Amin SM. Comparative study between effect of pre-versus post-incisional transversus abdominis plane block on acute and chronic post-abdominal hysterectomy pain. Anesth Essays Res. 2011;5:77-82.
  • 20
    Kokulu S, Bakı ED, Kaçar E, et al. Effect of transversus abdominis plane block on cost of laparoscopic cholecystectomy anesthesia. Med Sci Monit. 2014;20:2783-7.
  • 21
    Tsuchiya M, Takahashi R, Furukawa A, et al. Transversus abdominis plane block in combination with general anesthesia provides better intraoperative hemodynamic control and quicker recovery than general anesthesia alone in high-risk abdominal surgery patients. Minerva Anestesiol. 2012;78:1241-7.
  • 22
    Abu Elyazed MM, Mostafa SF, Abdullah MA, et al. The effect of ultrasound-guided transversus abdominis plane (TAP) block on postoperative analgesia and neuroendocrine stress response in pediatric patients undergoing elective open inguinal hernia repair. Paediatr Anaesth. 2016;26:1165-71.
  • 23
    Granier M, Dadure C, Bringuier S, et al. Intranasal lidocaine plus naphazoline nitrate improves surgical conditions and perioperative analgesia in septorhinoplasty surgery. Can J Anaesth. 2009;56:102-8.
  • 24
    Goktas U, Isik D, Kati I, et al. Effects of lidocaine infiltration on cost of rhinoplasty made under general anesthesia. J Craniofac Surg. 2011;22:2176-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2016
  • Aceito
    28 Dez 2017
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org