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Comparação de resíduos de gases anestésicos em salas de operação com ou sem sistema de exaustão em hospital universitário brasileiro

Resumo

Justificativa e objetivos

A exposição ocupacional aos resíduos de gases anestésicos em salas de operação (SO) sem sistema ativo de exaustão tem sido associada a efeitos adversos à saúde. Assim, o objetivo do estudo foi comparar os resíduos dos anestésicos inalatórios isoflurano e sevoflurano em SO com e sem sistema de exaustão.

Método

Concentrações residuais de isoflurano e sevoflurano foram mensuradas por analisador infravermelho em diferentes locais (próximo à área respiratória do auxiliar de enfermagem e do anestesiologista e próximo à estação de anestesia) e em dois momentos (30 e 120 min após o início da cirurgia) em ambos os tipos de SO.

Resultados

Todas as concentrações de isoflurano e sevoflurano nas SO sem sistema de exaustão foram mais elevadas em relação ao valor limite recomendado pelos EUA (2 partes por milhão), independentemente do local e momento avaliados. Nas SO com sistema de exaustão, as concentrações médias de isoflurano ficaram dentro do limite de exposição, exceto para as mensurações próximas à estação de anestesia, independentemente dos momentos avaliados. Para o sevoflurano, as concentrações excederam o valor limite em todos locais de medição e nos dois momentos.

Conclusões

A exposição a ambos os anestésicos excedeu o limite internacional nas SO sem sistema de exaustão. Nas SO com sistema de exaustão, as concentrações de sevoflurano, e em menor extensão, as de isoflurano excederam o valor limite recomendado. Dessa forma, o sistema de exaustão das SO analisado no presente estudo diminuiu as concentrações dos anestésicos, embora não tenha reduzido a valores internacionalmente recomendados.

PALAVRAS-CHAVE
Anestésicos inalatórios; Salas cirúrgicas; Poluição do ar em ambientes fechados; Exposição ocupacional

Abstract

Background and objectives

Occupational exposure to waste anesthetic gases in operating room without active scavenging system has been associated with adverse health effects. Thus, this study aimed to compare the trace concentrations of the inhalational anesthetics isoflurane and sevoflurane in operating room with and without central scavenging system.

Method

Waste concentrations of isoflurane and sevoflurane were measured by infrared analyzer at different locations (near the respiratory area of the assistant nurse and anesthesiologist and near the anesthesia station) and at two times (30 and 120 min after the start of surgery) in both operating room types.

Results

All isoflurane and sevoflurane concentrations in unscavenged operating room were higher than the US recommended limit (2 parts per million), regardless of the location and time evaluated. In scavenged operating room, the average concentrations of isoflurane were within the limit of exposure, except for the measurements near the anesthesia station, regardless of the measurement times. For sevoflurane, concentrations exceeded the limit value at all measurement locations and at both times.

Conclusions

The exposure to both anesthetics exceeded the international limit in unscavenged operating room. In scavenged operating room, the concentrations of sevoflurane, and to a lesser extent those of isoflurane, exceeded the recommended limit value. Thus, the operating room scavenging system analyzed in the present study decreased the anesthetic concentrations, although not to the internationally recommended values.

KEYWORDS
Inhaled anesthetics; Operating rooms; Indoor air pollution; Occupational exposure

Introdução

A exposição ocupacional a concentrações residuais de anestésicos inalatórios (voláteis) em salas de operação (SO) sem sistema de exaustão tem sido associada a efeitos adversos à saúde, como cefaleia, irritabilidade, alterações neurocomportamentais e danos no material genético.11 Costa Paes ER, Braz MG, Lima JT, et al. DNA damage and antioxidant status in medical residents occupationally exposed to waste anesthetic gases. Acta Cir Bras. 2014;29:280-6.

Embora a relação causa-efeito ainda não tenha sido estabelecida, agências de vários países desenvolvidos recomendam valores limite de exposição aos gases anestésicos para minimizar os riscos à saúde. O Instituto Nacional de Segurança Ocupacional e Saúde (NIOSH),22 NIOSH - NIOSH pocket guide for chemical hazards. The National Institute for Occupational Safety and Health of The United States of America; 1994. dos Estados Unidos, recomenda o valor de 2 partes por milhão (ppm) como limite de exposição ocupacional aos anestésicos inalatórios halogenados.

Os anestésicos halogenados são os agentes mais usados mundialmente na anestesia inalatória. Uma medida de potência anestésica refere-se à concentração alveolar mínima (CAM). Em pacientes adultos, o halogenado sevoflurano tem CAM aproximada de 2%; maior do que a do isoflurano, de 1,2%.33 Nickalls R, Mapleson W. Age-related iso-MAC charts for isoflurane, sevoflurane and desfurane in man. Br J Anaesth. 2003;91:170-4.

O uso de anestésicos inalatórios requer a exaustão desses gases para redução tanto da contaminação ambiental das SO quanto dos profissionais ocupacionalmente expostos. Entretanto, sistemas de exaustão adequados nas SO são incomuns na maioria dos hospitais de países em desenvolvimento; mesmo com a presença de sistema de exaustão de gases em SO nesses países, ainda há grandes diferenças em relação à eficiência entre os sistemas em países desenvolvidos e em desenvolvimento.44 Wiesner G, Harth M, Szulc R, et al. A follow-up study on occupational exposure to inhaled anaesthetics in Eastern European surgeons and circulating nurses. Int Arch Occup Environ Health. 2001;74:16-20.

Devido à importância do tema e ausência de dados nacionais, este trabalho inédito teve como objetivo comparar as concentrações residuais dos anestésicos isoflurano e sevoflurano nas SO sem e com sistema de exaustão de gases em hospital público universitário.

Método

O Comitê de Ética em Pesquisa local aprovou o estudo (4440-2012), o qual foi realizado em hospital que tem centro cirúrgico com 13 SO, sete delas sem sistema de exaustão, com somente um aparelho de ar condicionado, e seis com sistema de exaustão (parcial) com apenas 25% de ar externo limpo (portanto com 75% de recirculação de ar), com sete trocas de ar por hora. Em relação às estações de anestesia, não havia sistema de exaustão exclusivo para os anestésicos inalatórios.

O estudo foi conduzido nas SO, sempre com a mensuração dos resíduos anestésicos durante a primeira anestesia geral do dia, sob manutenção anestésica com isoflurano ou sevoflurano, em 24 pacientes com intubação traqueal com balonete, o qual foi preenchido com pressão de selo mínima para prevenção de vazamento de ar durante a ventilação artificial.

Tanto as concentrações de isoflurano quanto de sevoflurano foram utilizadas em torno de 1 CAM, conforme a necessidade do paciente, com fluxo de gases frescos (FGF) de 2 L/min em circuito respiratório circular com absorvedor de CO2, de acordo com os procedimentos de rotina em nosso hospital. A estação de anestesia Fabius GS Premium da Dräger (Alemanha) foi usada em todas as SO.

Um analisador de gases anestésicos portátil (InfraRan 4-Gas Anesthetic Specific Vapor Analyzer, Wilks Enterprise, EUA) foi usado para mensurar as concentrações residuais de ambos os anestésicos. O analisador detecta as concentrações anestésicas em tempo real por infravermelho e o limite de detecção do equipamento varia de 0 a 50 ppm para os anestésicos halogenados. As amostras de ar foram mensuradas em três locais: na área de respiração do auxiliar de enfermagem e do anestesiologista e próximo ao circuito respiratório da estação de anestesia (figs. 1 e 2). As amostras foram coletadas em dois momentos, após 30 min e 120 min do início da cirurgia.

Figura 1
Diagrama das salas de operação com aparelho de ar condicionado, sem sistema de exaustão dos gases e trocas de ar. Os números indicam os locais de mensuração das concentrações residuais dos anestésicos inalatórios.

Figura 2
Diagrama das salas de operação com aparelho de ar condicionado central e com sistema de exaustão dos gases (7 trocas de ar/hora). Os números indicam os locais de mensuração das concentrações residuais dos anestésicos inalatórios.

As concentrações residuais médias foram calculadas para cada anestésico inalatório em ambos os momentos, nos três locais de mensuração e de acordo com o tipo de SO. Aplicou-se o teste t de Student para comparação de momentos, tipos de SO e anestésicos, e o teste de ANOVA para comparação dos locais de medição para cada anestésico, para cada momento e tipo de SO. Níveis de significância menores do que 5% foram considerados significantes.

Resultados

As concentrações residuais médias de isoflurano e sevoflurano medidas nas SO são apresentadas na tabela 1. Em relação aos locais de medição, os valores das concentrações residuais nas áreas do auxiliar de enfermagem e do anestesiologista, assim como da estação de anestesia, não diferiram para os dois anestésicos, independentemente do tipo da SO (p> 0,05), com os maiores valores próximos ao aparelho de anestesia.

Tabela 1
\Concentrações residuais de isoflurano (Iso) e sevoflurano (Sevo) (média e desvio-padrão) em partes por milhão (ppm) no ar ambiente de salas de operação com e sem sistema de exaustão de gases. As mensurações foram feitas em três diferentes locais aos 30 min e 120 min do início da cirurgia

As concentrações de ambos os anestésicos foram maiores nas SO sem sistema de exaustão em todos os locais mensurados e nos momentos aferidos quando comparadas com as das SO com sistema de exaustão (p< 0,001). Houve aumento significante nas concentrações tanto de isoflurano quanto de sevoflurano aos 120 min de cirurgia comparados com os 30 min somente nas SO sem sistema de exaustão e em todos os locais de medição (p< 0,01).

As concentrações de sevoflurano foram significativamente maiores do que as de isoflurano aos 120 min nas áreas de respiração do auxiliar de enfermagem e do anestesiologista nas SO com sistema de exaustão (p= 0,02).

Discussão

O presente estudo demonstrou que: (i) a utilização dos anestésicos inalatórios isoflurano e sevoflurano nas SO sem sistema de exaustão resultou em concentrações residuais médias que excederam em grande proporção os valores de 2 ppm recomendados pelo NIOSH; (ii) as SO com sistema de exaustão tiveram concentrações residuais médias de isoflurano menores do que a recomendada pelo NIOSH em dois dos três locais de aferição; e (iii) as SO com sistema de exaustão tiveram concentrações residuais médias de sevoflurano que excederam os limites recomendados pelo NIOSH em todos os locais aferidos.

Assim, o monitoramento das concentrações dos gases anestésicos halogenados em SO com e sem sistema de exaustão, como evidenciado em nosso estudo, demonstrou o papel fundamental do sistema de exaustão das SO na remoção dos gases anestésicos, reduzindo tanto a poluição anestésica quanto a exposição ocupacional, principalmente em relação ao isoflurano. Sistemas de exaustão modernos de SO consistem em sistema de fluxo laminar com, no mínimo, 15 trocas de ar por hora, sem recirculação de ar.55 AIA - American Institutes of Architects. Guidelines for construction and equipment of hospitals and medical facilities; 1992. Com o uso de sistemas adequados de exaustão, trabalhos na literatura mostraram que as concentrações médias de resíduos de isoflurano44 Wiesner G, Harth M, Szulc R, et al. A follow-up study on occupational exposure to inhaled anaesthetics in Eastern European surgeons and circulating nurses. Int Arch Occup Environ Health. 2001;74:16-20.,66 Hobbhahn J, Hoerauf K, Wiesner G, et al. Waste gas exposure during desflurane and isoflurane anaesthesia. Acta Anaesthesiol Scand. 1998;42:864-7. e sevoflurano77 Byhahn C, Heller K, Lischke V, et al. Surgeon's occupational exposure to nitrous oxide and sevoflurane during pediatric surgery. World J Surg. 2001;25:1109-12. ficaram abaixo de 2 ppm. Entretanto, o sistema de exaustão de gases presente nas SO de nosso centro cirúrgico é considerado parcial, uma vez que gera somente sete trocas de ar por hora, com recirculação do ar, com sistema de fluxo turbulento. Dessa forma, essa tecnologia menos efetiva pode explicar as maiores concentrações residuais observadas de sevoflurano, mas não de isoflurano. Devido à sua baixa potência anestésica, o sevoflurano deve ser administrado em CAM duas vezes superior à do isoflurano, o que aumenta a possibilidade de maior concentração residual desse agente nas SO.

Vazamentos de anestésicos inalatórios da estação de anestesia também podem ter contribuído para as concentrações residuais de anestésicos. De fato, as maiores concentrações de sevoflurano e de isoflurano foram encontradas próximas ao circuito respiratório da estação de anestesia, apesar de não se terem constatado vazamentos da estação de anestesia Dräger Fabius. Deve-se também considerar que as estações de anestesia mais modernas apresentam menor possibilidade de vazamentos, pois há necessidade de realização do teste de fuga previamente ao uso do equipamento.88 Tokumine J, Nitta K, Higa T, et al. Leakage in anesthesia circuits-a comparison between 1998 and 2005 investigations. Masui. 2007;56:453-8. Outras causas de contaminação das SO incluem falha no desligamento de válvulas de controle de fluxo, "lavagem" do circuito respiratório com alto FGF, vazamento do anestésico inalatório durante o preenchimento dos vaporizadores, uso de tubo traqueal sem balonete e uso de alto FGF (≥ 3 L/min).99 Oliveira CRD. Exposição ocupacional a resíduos de gases anestésicos. Rev Bras Anestesiol. 2009;59:110-24.

Certamente, mais esforços são necessários a fim de se diminuir a exposição aos anestésicos inalatórios. O monitoramento frequente das concentrações residuais dos gases anestésicos nas SO deve ser o primeiro passo a ser dado para conhecimento dos valores da exposição ocupacional no local de trabalho. A instalação e o funcionamento adequados do sistema de exaustão das SO e o uso de novas estações de anestesia, além do treinamento de pessoal no correto manuseio da estação de anestesia, também são medidas essenciais para redução dos níveis de exposição ocupacional.1010 Sartini M, Ottria G, Dallera M, et al. Nitrous oxide pollution in operating theatres in relation to the type of leakage and the number of efficacious air exchanges per hour. J Prev Med Hyg. 2006;47:155-9. Adicionalmente, a redução de FGF (≤ 1 L/min) é especialmente importante em ambiente sem adequado sistema ativo de exaustão.1111 Imberti R, Preseglio I, Imbriani M, et al. Low flow anaesthesia reduces occupational exposure to inhalation anaesthetics. Environmental and biological measurements in operating room personnel. Acta Anaesthesiol Scand. 1995;39:586-91. Além disso, a substituição do uso de anestésicos inalatórios por anestésicos venosos, quando possível, deve ser considerada quando o centro cirúrgico não tem sistema adequado para remoção dos resíduos de gases anestésicos.44 Wiesner G, Harth M, Szulc R, et al. A follow-up study on occupational exposure to inhaled anaesthetics in Eastern European surgeons and circulating nurses. Int Arch Occup Environ Health. 2001;74:16-20.

Em conclusão, nosso estudo demonstrou elevadas concentrações residuais de isoflurano e sevoflurano em SO sem sistema de exaustão que excedem consideravelmente os valores limites recomendados por agência internacional. Nas SO com sistema parcial de exaustão, as concentrações dos anestésicos halogenados são menores do que nas SO sem sistema de exaustão, mas, ainda assim, a exposição, principalmente ao sevoflurano, excede o limite recomendado.

  • Financiamento
    Este estudo foi financiado pelos processos n° 2013/05084-8 e n° 2013/21130-0, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e pelo processo n° 471604/2013-5, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). G.A.S.C. recebeu Bolsa de Iniciação Científica da Pró-Reitoria de Pesquisa (PROPe)/Unesp.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    8 Set 2016
  • Aceito
    24 Jan 2017
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