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Manutenção do equilíbrio entre a pressão das vias aéreas e a pressão intracraniana em paciente com estenose traqueal submetido à craniotomia: relato de caso

Resumo

Justificativa e objetivos:

Estenose traqueal é uma doença rara, mas de risco, e a anestesia em paciente com estenose traqueal é um desafio para os anestesiologistas. Manter os parâmetros hemodinâmicos estáveis e a ventilação são questões importantes em neuroanestesia. Qualquer aumento da pressão de pico das vias aéreas e da ETCO2 resultará em aumento da pressão intracraniana, o que deve ser evitado durante craniotomias. A estenose traqueal pode ser uma razão para o aumento da pressão das vias aéreas.

Relato de caso:

Descrevemos o caso de um paciente submetido à craniotomia com estenose traqueal.

Conclusão:

A preparação detalhada para a intubação, estabilizar a dinâmica das vias aéreas e tomar a decisão certa para a cirurgia foram pontos importantes. Manter um bom equilíbrio entre a dinâmica cerebral e a dinâmica das vias aéreas foi a pérola deste caso.

PALAVRAS-CHAVE
Craniotomia; Estenose traqueal; Pressão intracraniana

Abstract

Background and objectives:

Tracheal stenosis is a rare but a life-threatening condition and anesthesia of a patient with tracheal stenosis is challenging for anesthesiologists. Maintaining stable hemodynamics and ventilation parameters are important issues in neuroanesthesia. Any increase in airway peak pressure and ETCO2 will result in increase in intracranial pressure which must be avoided during craniotomies. Tracheal stenosis could be a reason for increased airway pressure.

Case report:

We described a patient undergoing craniotomy with tracheal stenosis.

Conclusion:

Detailed preparation for intubation, to stabilize airway dynamics and to make the right decision for the surgery were important points. To maintain of a good balance between cerebral dynamics and airway dynamics were the pearls of this case.

KEYWORDS
Craniotomy; Tracheal stenosis; Intracranial pressure

Introdução

Estenose traqueal é uma condição rara, mas potencialmente fatal, que pode ser causada por problemas congênitos, lesões pós-intubação, trauma, tumores intratraqueais ou compressão por tumores extratraqueais.11 Koshkareva Y, Gaughan JP, Soliman AM. Risk factors for adult laryngotracheal stenosis: a review of 74 cases. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2007;116:206-10. A anestesia em pacientes com estenose traqueal é um desafio para os anestesiologistas. Além disso, o manejo anestésico de pacientes submetidos à craniotomia requer atenção especial para manter a hemodinâmica cerebral estável. Depois de receber o consentimento para a publicação, descrevemos aqui o caso de uma paciente com estenose traqueal submetida à craniotomia para o tratamento de uma massa supratentorial.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 58 anos, admitida em nosso hospital por problemas de visão causados por uma massa intracraniana. A história da paciente incluía estenose traqueal devido a intubação prolongada em 1999 e implante de stent traqueal em 2000. Posteriormente, a paciente desenvolveu desconforto respiratório e o stent foi removido em 2005 a pedido dela. Desde então, a paciente apresenta dispneia, ortopneia e capacidade limitada ao esforço. Após obter o consentimento da paciente, a avaliação pré-operatória foi feita. O exame físico revelou sons pulmonares ásperos e a gasometria arterial indicou oxigenação levemente deficiente (pO2, 58; SpO2, 91%; pCO2, 41,9; FiO2, 0,21). Os resultados da espirometria em posição sentada foram pouco confiáveis porque a paciente foi pouco cooperativa. A tomografia computadorizada de tórax revelou estenose traqueal com início 2 cm distal das pregas vocais e penetração de 2 cm na traqueia. Após a entrada na sala de cirurgia, o monitoramento de rotina foi iniciado. Estávamos preparados para uma intubação difícil (tamanhos diferentes de laringoscópios, máscaras laríngeas, broncoscópios, conjunto para traqueostomia). A anestesia foi induzida com Pentotal, ventilação segura com máscara foi estabelecida e rocurônio foi administrado. A laringoscopia permitiu a visualização da estenose logo abaixo das pregas vocais e o escore de Cormack-Lehane era I. Na primeira tentativa de intubação, um tubo de nº 7 não passou pela estenose. Então, tentamos tubos de números 6 e 5,5. Evitamos usar um tubo menor porque o aumento da pressão das vias aéreas poderia comprometer a pressão cerebral. Decidimos avaliar os parâmetros de ventilação com um tubo de nº 5,5. Embora o tubo não pudesse ultrapassar a estenose, a ventilação da paciente podia ser controlada de forma adequada. O volume corrente foi de 400 mL, frequência de 14.min-1, pressão de pico de 27 mmHg e ETCO2 de 35 mmHg. Acompanhamos os valores da pressão de pico e da ETCO2 e, porque esses valores estavam estáveis, decidimos permitir a cirurgia. Todos os parâmetros mantiveram-se estáveis durante a cirurgia. Após a cirurgia, a paciente foi extubada com segurança com sugamadex e acompanhada na unidade de terapia intensiva (UTI). A gasometria arterial estava dentro dos limites normais. A paciente permaneceu na UTI por dois dias antes da transferência.

Discussão

Este caso foi um caso de estenose localizada 2 cm distal das pregas vocais que podia ser facilmente visualizada com a laringoscopia. Depois de preparar o equipamento adequado para intubação difícil e tentar estabelecer a via aérea com vários tamanhos de tubos, um tubo adequado para manter a pressão das vias aéreas aceitável foi encontrado. Depois de tentar passar um tubo de nº 5,5, não tentamos um tubo de tamanho menor para não aumentar a pressão de pico das vias aéreas. Em vez disso, decidimos controlar as pressões, de acordo com o apresentado no ventilador. A pressão de pico foi mantida a 27 mmHg e ETCO2 a 35-38. Após monitorar esses valores por algum tempo, permitimos que os cirurgiões fizessem a cirurgia, que transcorreu sem intercorrências.

Havíamos planejado criar uma traqueostomia sob a estenose, caso ocorresse algum problema com as pressões das vias aéreas. Porém, essa não era a nossa primeira opção, porque esse é um procedimento mais invasivo e complicado.

Manter a hemodinâmica cerebral durante a craniotomia é importante no campo da neuroanestesia. O manejo adequado das variáveis hemodinâmicas é a pedra angular da anestesia para pacientes submetidos à craniotomia e inclui a manipulação da pressão arterial, da pressão das vias aéreas e do fluxo sanguíneo cerebral. Além disso, a dinâmica intracraniana está relacionada à dinâmica respiratória. Quando a ETCO2 aumenta em associação com qualquer alteração da função respiratória, a vasodilatação cerebral ocorre, a pressão intracraniana aumenta e compromete o metabolismo cerebral. Obter uma dinâmica respiratória estável é importante na craniotomia.22 Wijayatilake DS, Shepherd SJ, Sherren PB. Updates in the management of intracranial pressure in traumatic brain injury. Curr Opin Anesthesiol. 2012;25:540-7.

A estenose traqueal após intubação foi reconhecida pela primeira vez como um fenômeno em 1880, após MacEwen instituir a intubação endotraqueal prolongada em quatro pacientes com obstrução das vias aéreas superiores.33 MacEwen W. Clinical observations on the introduction of tracheal tubes by the mouth instead of performing tracheotomy or laryngotomy. Br Med J. 1880;2:122-4. A intubação prolongada pode resultar em estenose traqueal em vários níveis dentro da traqueia.44 Poetker DM, Ettema SL, Blumin JH, et al. Association of airway abnormalities and risk factors in 37 subglottic stenosis patients. Otolaryngol Head Neck Surg. 2006;135:434-7. Outros fatores que promovem a estenose incluem: uma história de intubação ou traqueostomia anterior, uso excessivo de corticosteroides, idade avançada, efeito do estrogênio em pacientes do sexo feminino, insuficiência respiratória grave, refluxo gastroesofágico grave, doença autoimune, apneia obstrutiva do sono e radioterapia para câncer de laringe e orofaringe.11 Koshkareva Y, Gaughan JP, Soliman AM. Risk factors for adult laryngotracheal stenosis: a review of 74 cases. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2007;116:206-10.

A estenose pode ocorrer em qualquer local a partir do nível do tubo endotraqueal, mas os locais mais comuns são a área de contato entre o manguito do tubo endotraqueal e a parede traqueal. As diretrizes da Sociedade Americana de Anestesiologistas para o manejo de via aérea difícil prioriza os problemas das vias aéreas extratorácicas e podem não ser úteis para o tratamento de pacientes com estenose traqueal intratorácica.55 Isono S, Kitamura Y, Asai T, et al. Case scenario: perioperative airway management of a patient with tracheal stenosis. Anesthesiology. 2010;112:970-8.

Em pacientes com estenose traqueal, o anestesiologista deve estar preparado para o manejo de via aérea e intubação difíceis e ter à disposição equipamentos especializados. O anestesiologista deve estar sempre preparado e ter outros planos em caso de falha. Diferentes tamanhos de tubos endotraqueais, vários dispositivos supraglóticos e equipamentos de broncoscopia e traqueostomia devem estar prontos para o manejo das vias aéreas.

Manter os parâmetros hemodinâmicos e ventilatórios estáveis é importante no campo da neuroanestesia. Qualquer aumento da pressão de pico das vias aéreas e da ETCO2 resultará em aumento da pressão intracraniana, o que deve ser evitado durante craniotomias. A estenose traqueal pode aumentar a pressão das vias aéreas. Os pacientes com estenose traqueal submetidos à craniotomia requerem uma atenção especial a esse respeito. Uma preparação cuidadosa para possíveis via aérea e intubação difíceis, a estabilização da dinâmica das vias aéreas e uma atenção especial ao momento da cirurgia são importantes.

References

  • 1
    Koshkareva Y, Gaughan JP, Soliman AM. Risk factors for adult laryngotracheal stenosis: a review of 74 cases. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2007;116:206-10.
  • 2
    Wijayatilake DS, Shepherd SJ, Sherren PB. Updates in the management of intracranial pressure in traumatic brain injury. Curr Opin Anesthesiol. 2012;25:540-7.
  • 3
    MacEwen W. Clinical observations on the introduction of tracheal tubes by the mouth instead of performing tracheotomy or laryngotomy. Br Med J. 1880;2:122-4.
  • 4
    Poetker DM, Ettema SL, Blumin JH, et al. Association of airway abnormalities and risk factors in 37 subglottic stenosis patients. Otolaryngol Head Neck Surg. 2006;135:434-7.
  • 5
    Isono S, Kitamura Y, Asai T, et al. Case scenario: perioperative airway management of a patient with tracheal stenosis. Anesthesiology. 2010;112:970-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    1 Jun 2014
  • Aceito
    2 Out 2014
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