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Efeito da melatonina sobre o efeito colateral de sonolência diurna da gabapentina em pacientes adultos com dor neuropática O estudo foi realizado no Hacettepe University Hospital.

Resumo

Justificativa e objetivos:

Gabapentina é um agente antiepiléptico, amplamente utilizado para o tratamento da dor neuropática. Embora conhecida por ser bem-tolerada, sonolência e tontura são os seus efeitos adversos mais frequentes. Neste estudo, nosso objetivo foi avaliar o efeito da melatonina sobre o efeito colateral de sonolência diurna da gabapentina, a qualidade do sono e a intensidade da dor em pacientes com dor neuropática.

Métodos:

Os pacientes que sofriam de "dor neuropática" e com prescrição para receber terapia com gabapentina foram divididos aleatoriamente em dois grupos. O Grupo 1 recebeu 3 mg de melatonina e 900 mg de gabapentina por via oral, o Grupo 2 recebeu uma cápsula de placebo correspondente e 900 mg de gabapentina. A escala de sonolência de Epworth (ESS), o índice de qualidade do sono de Pittsburgh para avaliação da qualidade do sono (PSQI) e a escala de avaliação verbal (VRS) foram aplicados nos dias 0, 10 e 30 de tratamento. A necessidade de medicamentos analgésicos adicionais foi registrada.

Resultados:

Oitenta pacientes foram incluídos no estudo; idade, sexo, quantidade de analgésico adicional consumida e os escores basais de ESS, PSQI e VRS foram semelhantes entre os grupos. Os escores ESS, PSQI e VRS do Grupo 1 foram significativamente menores que os do Grupo 2 no décimo dia de tratamento (p = 0,002, p = 0,003, p = 0,002, respectivamente). No trigésimo dia de tratamento, os escores ESS e VRS foram significativamente menores no Grupo 1 (p = 0,002, p = 0,008, respectivamente). No entanto, os escores PSQI não diferiram significativamente entre os grupos (p = 0,0566).

Conclusões:

A suplementação de melatonina melhorou de forma rápida e significativa o efeito colateral de sonolência diurna da gabapentina, mas a qualidade do sono dos pacientes com dor neuropática foi semelhante entre os grupos.

PALAVRAS-CHAVE
Gabapentina; Melatonina; Dor neuropática; Sono

Abstract

Background and objectives:

Gabapentin is an antiepileptic drug. Widely used for the management of neuropathic pain. Although it is known to be well tolerated, somnolence and dizziness are the most frequent adverse effects. In this study, we aimed to evaluate the effect of melatonin on daytime sleepiness side effect of gabapentin, sleep quality and pain intensity of patients with neuropathic pain.

Methods:

Patients suffering from "neuropathic pain" and planed to receive gabapentin therapy were randomly divided into two groups. Group 1 received melatonin 3 mg and gabapentin 900 mg orally, group 2 received matching placebo capsule and gabapentin 900 mg. The Epworth Sleepiness Scale, the Pittsburgh sleep quality index for assessment of sleep quality and Verbal Rating Scale were completed at the 0th, 10th and 30th days of treatment. Additive analgesic drug requirements were recorded.

Results:

Eighty patients were enrolled to the study; age, gender, ratio of additive analgesic consumption, baseline Epworth Sleepiness Scale, Pittsburg Sleep Quality index and Verbal Rating Scale scores were similar between the groups. Epworth Sleepiness Scale scores, Pittsburgh sleep quality index scores and Verbal Rating Scale scores in Group 1 were significantly lower than group 2 at the 10th day of treatment (p = 0.002, p = 0.003, p = 0.002 respectively). At the 30th day of treatment, Epworth Sleepiness Scale scores and Verbal Rating Scale scores were significantly lower in Group 1 (p = 0.002, p = 0.008 respectively). However, Pittsburgh sleep quality index scores did not significantly differ between the groups (p = 0.0566).

Conclusions:

Melatonin supplementation rapidly and significantly improved daytime sleepiness side-effect of gabapentin, however sleep quality of the patients with neuropathic pain was similar between groups.

KEYWORDS
Gabapentin; Melatonin; Neuropathic pain; Sleep

Introdução

A dor neuropática (DN) foi definida como "a dor causada por uma lesão ou doença do sistema somatossensorial" pela Associação Internacional para o Estudo da Dor e compreende uma grande variedade de distúrbios centrais e periféricos. Acredita-se que sua prevalência seja de aproximadamente 7% na população geral.11 Jensen TS, Baron R, Haanpaa M, et al. A new definition of neuropathic pain. Pain. 2011;152:2204-5. Os pacientes com DN podem apresentar uma variedade de fenômenos clínicos de perda sensorial (dormência) e ganho sensorial (alodinia), cujos padrões exatos variam entre pessoas e doenças.22 Wiffen PJ, Derry S, Bell RF, et al. Gabapentin for chronic neuropathic pain in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2017;6:CD007938. A dor neuropática pode afetar não apenas a qualidade de vida dos pacientes por anos, mas também pode estar associada a sintomas como depressão, ansiedade e distúrbios do sono.33 Blackburn-Munro G, Blackburn-Munro RE. Chronic pain, chronic stress and depression: coincidence or consequence? J Neuroendocinol. 2001;13:1009-23. A dor crônica e o distúrbio do sono geralmente ocorrem simultaneamente e têm relações multidirecionais entre si.44 Castro CM, Lee KA, Bliwise DL, et al. Sleep patterns and sleep-related factors between caregiving and non-caregiving women. Behav Sleep Med. 2009;7:164-79.

As abordagens multimodais, inclusive psicoterapia e fisioterapia, bem como os agentes farmacológicos, são geralmente usados para o manejo da DN. Os gabapentinoides (gabapentina e pregabalina) são a base atual da terapia farmacológica. A gabapentina é uma droga antiepiléptica que demonstrou eficácia em vários ensaios clínicos anteriores.22 Wiffen PJ, Derry S, Bell RF, et al. Gabapentin for chronic neuropathic pain in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2017;6:CD007938.,55 Finnerup NB, Sindrup SH, Jensen TS. The evidence for pharmacological treatment of neuropathic pain. Pain. 2010;150:573-81. Embora conhecida por ser bem tolerada, a sonolência e a tontura são seus efeitos adversos mais frequentes e que levam os pacientes a descontinuar o tratamento.66 Chadwick D. The evidence for pharmacological treatment of neuropathic pain. Lancet. 1994;343:89-91.

A melatonina é um hormônio circadiano produzido na glândula pineal durante a noite. Sabe-se que tem efeitos analgésicos e antidepressivos.77 Claustrat B, Brun J, Chazot G. The basic physiology and pathophysiology of melatonin. Sleep Med. 2005;9:11-24.

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Neste estudo, nosso objetivo primário foi avaliar o efeito da melatonina sobre o efeito colateral de sonolência diurna da gabapentina e a qualidade do sono em pacientes com dor neuropática. Nosso objetivo secundário foi avaliar o efeito da melatonina sobre a atenuação da dor neuropática.

Métodos

Após a aprovação do Comitê de Ética institucional, o estudo foi conduzido como um ensaio randômico, duplo-cego e controlado por placebo em um hospital universitário terciário. Assinatura em termo de consentimento informado foi obtida de todos os participantes incluídos. O ensaio está registrado no Australia New Zealand Clinical Trials Registry sob a identificação: ACTRN12618000522213. A escala LANSS (Leeds Assessment of Neuropathic Symptoms and Signs Pain Scale) e o questionário DN4 (Neuropathique 4 Questionnaire) foram usados para a triagem de DN. Os pacientes com escore LANSS >12 e escore DN4 > 4 foram diagnosticados com DN e incluídos no estudo. Os critérios de exclusão foram presença da síndrome de apneia do sono, doença hepática avançada, doença renal crônica, níveis anormais de hormônios tireoidianos, anemia, atual consumo de gabapentina ou terapia para insônia e diagnóstico de DN devido a qualquer tipo de malignidade. A randomização sequencial foi feita com um software destinado para tal e os pacientes foram alocados em dois grupos com base nessa randomização: Grupo 1 (melatonina+/recebeu melatonina) e Grupo 2 (melatonina-/não recebeu melatonina).

Todos os pacientes receberam terapia oral com gabapentina. No primeiro dia: 300 mg; no segundo: 600 mg (300 mg duas vezes por dia); no terceiro: 900 mg (300 mg, três vezes por dia) e subsequentemente: 900 mg (300 mg, três vezes por dia). Os pacientes do Grupo 1 (melatonina+) receberam 3 mg de melatonina por via oral 60 minutos antes de dormir a partir do primeiro dia de tratamento com gabapentina, enquanto os pacientes do Grupo 2 (melatonina-) receberam cápsulas semelhantes de placebo por 30 dias. Os medicamentos terapêuticos foram preparados pelo departamento de farmácia do hospital universitário, de acordo com os regulamentos das Boas Práticas Para a Composição de Alimentos e Medicamentos (FDA). Um calendário com duas caixas para cada medicamento do estudo em cada dia foi entregue a todos os pacientes. Os pacientes foram solicitados a preencher as caixas relacionadas se tivessem tomado seus medicamentos naquele dia. Os calendários foram verificados no décimo e 30º dias para monitorar a adesão à terapia. Todos os pacientes foram avaliados no décimo e 30º dias de tratamento pelo mesmo anestesiologista, cegado para a designação dos grupos de estudo.

Durante o processo de avaliação, a Escala de Sonolência de Epworth (ESS)1313 Izci B, Ardic S, Firat H, et al. Reliability and validity studies of the Turkish version of the Epworth Sleepiness Scale. Sleep Breath. 2008;12:161-8. e o Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI)1414 Aslan O, Sanisoglu Y, Akyol M, et al. Subjective sleep quality of cancer patients. J BUON. 2010;15:708-14. foram usados para avaliar a saúde do sono. Além disso, a Escala de Avaliação Verbal (VRS) foi usada para avaliar a dor. Para a ESS, o ponto de corte foi determinado em 10 e um escore acima de 10 foi aceito como "sonolência diurna excessiva". Para o PSQI, o ponto de corte foi estabelecido em 5 e um escore acima de 5 foi aceito como "pacientes com insônia primária".1313 Izci B, Ardic S, Firat H, et al. Reliability and validity studies of the Turkish version of the Epworth Sleepiness Scale. Sleep Breath. 2008;12:161-8.

Todos os pacientes foram diretamente indagados sobre queixas de dor de cabeça, tontura, náusea, vômito, agressão, fadiga, sonolência e parestesia no início do estudo, no décimo e no 30º dias do tratamento.

Análise estatística

O tamanho da amostra do estudo foi calculado com base em um estudo-piloto com cinco pacientes em cada grupo. Os pacientes receberam cápsulas de melatonina ou de placebo durante 10 dias e as diferenças nos escores ESS entre os dias 0-10 foram registradas. Assumindo um nível de significância bilateral de 0,05 com um poder de 0,80, 36 participantes por grupo de tratamento seriam necessários para fornecer uma diferença significativa dos escores ESS entre os grupos. Considerando uma taxa de abandono de 10%, 40 participantes por grupo foram incluídos no estudo.

A análise estatística foi feita usando o programa SPSS (versão 15.0, SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Os valores foram expressos em média ± desvio-padrão ou porcentagens. Os grupos foram comparados em parâmetros paramétricos com o teste t de amostras independentes e em parâmetros não paramétricos com o teste U de Mann-Whitney. A porcentagem foi calculada em presença e ausência no grupo com o teste do qui-quadrado de Pearson. Um valor de p < 0,05 foi aceito como estatisticamente significante.

Resultados

Noventa pacientes foram inscritos no estudo. Seis deles não atenderam aos critérios de inclusão e quatro recusaram participar. Consequentemente, 80 foram incluídos no estudo; 40 foram randomizados para o Grupo 1 (melatonina) e 40 para o Grupo 2 (sem melatonina) (fig. 1). No primeiro grupo, 14 pacientes (35%) apresentaram DN devido à estenose espinhal lombar, 12 (30%) apresentaram falha no alívio da dor após cirurgia lombar, 10 (25%) eram portadores de diabetes melito e quatro (10%) desenvolveram DN pós-trauma. No segundo grupo, 16 pacientes (40%) apresentaram DN devido à estenose espinhal lombar, 12 (30%) eram portadores de diabetes melito, 10 (25%) apresentaram falha no alívio da dor após cirurgia lombar e dois (5%) apresentaram lesão do nervo devido a trauma. Idade, sexo, proporção adicional de consumo de analgésicos, escores basais de dor (VRS), médias dos escores PSQI e ESS eram similares entre os grupos (tabela 1) (fig. 1).

Tabela 1
Características basais dos participantes

Figura 1
Diagrama de fluxo.

No início do tratamento com gabapentina, 36 pacientes queixaram-se de "sonolência diurna excessiva" (escore ESS > 10): 19 (47,5%) no Grupo 1 e 17 (42,5%) no Grupo 2. No décimo dia de tratamento, dois (5%) pacientes do Grupo 1 apresentaram "sonolência diurna excessiva", com escore médio na ESS de 6,10 ± 2,01, e no Grupo 2, 12 (30%) apresentaram "sonolência diurna excessiva", com escore médio na ESS de 8,00 ± 2,96. A diferença nos escores médios da ESS foi estatisticamente significativa (p = 0,002). No 30º dia de tratamento, nenhum dos pacientes apresentou escore ESS acima de 10. Os escores médios na ESS foram 3,60 ± 0,96 e 4,28 ± 0,91 no Grupo 1 e Grupo 2, respectivamente. A diferença foi estatisticamente significativa entre os grupos (p = 0,002) (tabela 2). Em ambos os grupos, os escores médios da ESS no décimo e no 30º dias foram significativamente menores em comparação com os escores basais (p < 0,001).

Tabela 2
Escala de Sonolência de Epworth (ESS) dos pacientes

O escore PSQI médio no décimo dia de tratamento foi calculado em 4,63 ±0,81 no Grupo 1 e 5,23 ±0,95 no Grupo 2. A diferença nos escores PSQI entre os grupos foi estatisticamente significativa (p = 0,003). Entretanto, no 30º dia de tratamento, os escores médios do PSQI no Grupo 1 (3,20 ± 0,52) e no Grupo 2 (3,30 ± 0,76) foram semelhantes (p = 0,566) (tabela 3). Em ambos os grupos, as médias dos escores PSQI no décimo e 30º dias melhoraram significativamente em comparação com os escores PSQI basais (p < 0,001).

Tabela 3
Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI) dos pacientes

No décimo dia de tratamento, o escore médio VRS dos pacientes diminuiu de 7,43 ± 1,06 para 4,85 ± 0,86 no Grupo 1 e de 7,53 ± 0,96 para 5,55 ± 0,99 no Grupo 2. Houve uma diferença significativa entre as médias dos escores VRS dos grupos (p = 0,002). No 30º dia de tratamento, a média do escore VRS foi de 3,33 ± 0,73 no Grupo 1 e de 3,88 ± 0,91 no Grupo 2. Da mesma forma, a diferença entre os grupos foi estatisticamente significativa (p = 0,008) (tabela 4).

Tabela 4
A Escala de Avaliação Verbal (VRS) dos pacientes

Os efeitos colaterais observados nos grupos na fase basal foram semelhantes no início da terapia com gabapentina. No décimo e 30º dias do tratamento, todos os efeitos colaterais diminuíram em comparação com a fase basal e as taxas foram semelhantes entre os grupos (tabela 5).

Tabela 5
Os efeitos colaterais observados nos grupos em diferentes momentos

Discussão

Na literatura atual, este é o primeiro estudo a avaliar a eficácia da suplementação externa de melatonina sobre a sonolência diurna – efeito colateral de gabapentina. Nossos resultados mostram que a suplementação de melatonina rápida significativamente melhorou a sonolência diurna causada por gabapentina e a QoS dos pacientes com DN. Além disso, a melatonina atenuou com sucesso os escores de dor dos pacientes durante todo o tratamento com gabapentina.

Em vários estudos, os pacientes com DN são solicitados a definir a interferência relacionada à dor na qualidade de vida relacionada à saúde e, consequentemente, experimentam problemas como depressão, medo e distúrbios do sono.1515 O'Connor AB. Neuropathic pain: quality-of-life impact, costs and cost effectiveness of therapy. Pharmacoeconomics. 2009;27:95-112.,1616 Argoff CE. The coexistence of neuropathic pain, sleep, and psychiatric disorders: a novel treatment approach. Clin J Pain. 2007;23:15-22. Infelizmente, sabemos que existe uma complexa relação entre os distúrbios do sono e a DN; a baixa qualidade do sono (QoS) pode exacerbar a percepção de dor e, por sua vez, a dor pode exacerbar a má QoS.1717 Biyik Z, Solak Y, Atalay H, et al. Gabapentin versus pregabalin in improving sleep quality and depression in hemodialysis patients with peripheral neuropathy: a randomized prospective crossover trial. Int Urol Nephrol. 2013;45:831-7. Em modelo experimental de rato, Narita et al. relataram um aumento da vigília e uma diminuição do movimento ocular não rápido durante o sono sob um estado de dor neuropática produzido pela ligação do nervo ciático. Os autores determinaram um aumento dos transportadores GABA (ácido γ-aminobutírico) ligados à membrana nos astrócitos positivos e à proteína glial fibrilar ácida ativada no córtex cingulado e uma rápida diminuição dos níveis de GABA extracelular na mesma área após a despolarização. Com esse experimento, eles tentaram explicar o mecanismo da insônia em pacientes com DN.1818 Narita M, Niikura K, Nanjo-Niikura K, et al. Sleep disturbances in a neuropathic pain-like condition in the mouse are associated with altered GABAergic transmission in the cingulate cortex. Pain. 2011;152:1358-72. Como resultado desse fenômeno, a melhoria da QoS ganha uma importância vital no manejo de pacientes com DN. Muitos autores sugeriram avaliar rotineiramente a QoS na prática clínica, entretanto os distúrbios do sono normalmente continuam a ser subdiagnosticados e subtratados.1919 Roth T, van Seventer R, Murphy TK. The effect of pregabalin on pain-related sleep interference in diabetic peripheral neuropathy or postherpetic neuralgia: a review of nine clinical trials. Curr Med Res Opin. 2010;26:2411-9.

No presente estudo, 45% dos pacientes apresentavam "sonolência diurna excessiva"; de acordo com a avaliação da ESS e do PSQI, os escores médios estavam acima de 5 em ambos os grupos no início do tratamento com gabapentina. Esse resultado provavelmente indica uma complicação muito frequente e séria da DN. Por outro lado, Melikoglu et al. relataram índices ainda maiores de distúrbios do sono em seu estudo. Os autores avaliaram similarmente a QoS pelo PSQI em pacientes com DN e 80% dos pacientes apresentaram má QoS, independentemente da causa da DN.2020 Melikoglu MA, Celik A. Does neuropathic pain affect the quality of sleep?. Eurasian J Med. 2017;49:40-3.

A melatonina (N-acetil-5-metoxitriptamina) é o principal hormônio produzido pela glândula pineal durante os períodos noturnos para determinar corretamente o ritmo circadiano de sono-vigília, motivo pelo qual foi usada anteriormente para melhorar a sonolência noturna em estudos clínicos com crianças e adultos.2121 Gringras P, Nir T, Breddy J, et al. Efficacy and safety of pediatric prolonged-release melatonin for insomnia in children with autism spectrum disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2017;56:948-57.,2222 Scheer FA, Morris CJ, Garcia JI, et al. Repeated melatonin supplementation improves sleep in hypertensive patients treated with beta-blockers: a randomized controlled trial. Sleep. 2012;35:1395-402. No estudo feito por Scheer et al., a suplementação de melatonina foi usada para melhorar o sono em pacientes hipertensos tratados com betabloqueadores. Relatou-se que a melatonina aumenta o tempo total de sono em 37 min e aumenta a eficiência do sono em 7,6%.2222 Scheer FA, Morris CJ, Garcia JI, et al. Repeated melatonin supplementation improves sleep in hypertensive patients treated with beta-blockers: a randomized controlled trial. Sleep. 2012;35:1395-402. Da mesma forma, Gringras et al.2121 Gringras P, Nir T, Breddy J, et al. Efficacy and safety of pediatric prolonged-release melatonin for insomnia in children with autism spectrum disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2017;56:948-57. relataram que crianças com transtorno do espectro autista dormiam 57,5 min a mais durante a noite após 13 semanas de tratamento com melatonina de liberação prolongada. Mas todos esses estudos avaliaram a qualidade do sono "noturno" dos pacientes. Como a melatonina desempenha um papel significativo na regulação do ritmo circadiano e do ciclo vigília-sono, levantamos a hipótese de que a melatonina pode melhorar a "sonolência diurna" que ocorre como uma complicação do tratamento com gabapentina em pacientes com DN. Após 10 dias de tratamento com melatonina ± gabapentina, a percentagem de queixa de sonolência diminuiu de 47,5% para 5% no Grupo 1. No Grupo 2, entretanto, a queixa de sonolência diminuiu apenas de 42,5% para 30% e essa redução não foi estatisticamente significativa. Esses resultados foram consonantes com o objetivo primário deste estudo, demonstraram o efeito estatisticamente significativo de melatonina versus placebo sobre a queixa de sonolência diurna do tratamento com gabapentina. No 30º dia de tratamento, esse efeito tornou-se semelhante em ambos os grupos. Sonolência e tontura são os efeitos colaterais mais frequentes da terapia com gabapentina e são conhecidos por ser transitórios.2323 Beydoun A, Uthman BM, Sackellares JC. Gabapentin: pharmacokinetics, efficacy, and safety. Clin Neuropharmacol. 1995;18:469-81. Portanto, não é surpreendente que a queixa de sonolência diurna tenha se tornado semelhante entre os grupos no 30º dia de tratamento. Porém, a atenuação precoce dessas queixas tem grande importância; sonolência e tontura também são os efeitos colaterais mais comuns de gabapentina, levam à suspensão da terapia em muitos casos.2323 Beydoun A, Uthman BM, Sackellares JC. Gabapentin: pharmacokinetics, efficacy, and safety. Clin Neuropharmacol. 1995;18:469-81. A administração de melatonina pode melhorar a consistência do tratamento com gabapentina e diminuir rapidamente essas queixas no período inicial do tratamento.

Em nosso estudo, os escores PSQI dos pacientes caíram drasticamente no décimo e 30º dias em ambos os grupos, mas a redução no décimo dia foi mais significativa no Grupo 1. No estudo conduzido por Zhang et al.,2424 Zhang W, Chen XY, Su SW, et al. Exogenous melatonin for sleep disorders in neurodegenerative diseases: a meta-analysis of randomized clinical trials. Neurol Sci. 2016;37:57-65. nove ensaios clínicos randômicos que compararam melatonina e placebo para distúrbios do sono em distúrbios neurodegenerativos foram analisados. Nessa metanálise, relatou-se que melatonina melhorou os escores PSQI em pacientes com doença de Alzheimer e doença de Parkinson. Assim, os escores PSQI de nossos pacientes no décimo dia são semelhantes aos da literatura atual, embora os escores PSQI dos grupos tenham sido semelhantes no 30º dia de tratamento. Acreditamos que a razão mais plausível seja a atenuação efetiva da dor proporcionada pelo tratamento com gabapentina em ambos os grupos.

Na última revisão da Cochrane, Wiffen et al.22 Wiffen PJ, Derry S, Bell RF, et al. Gabapentin for chronic neuropathic pain in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2017;6:CD007938. relataram que o resultado de pelo menos 50% de redução da intensidade da dor foi considerado como um resultado útil do tratamento pelos pacientes e a obtenção desse grau de alívio da dor foi associada a importantes efeitos benéficos sobre a interferência do sono, fadiga, depressão e qualidade de vida. No presente estudo, o tratamento com gabapentina proporcionou redução de mais de 50% da intensidade da dor no Grupo 1 e redução de aproximadamente 50% no Grupo 2, o que significa que gabapentina conseguiu atenuar a dor neuropática no 30º dia em ambos os grupos. O alívio eficaz da dor pode, consequentemente, melhorar a QoS durante a noite.

Em estudos anteriores, tanto clínicos quanto com modelos animais experimentais, descobriu-se que a melatonina representa um efeito positivo no controle da dor.1111 Hussain SA, Al-Khalifa II, Jasim NA, et al. Adjuvant use of melatonin for treatment of fibromyalgia. J Pineal Res. 2011;50:267-71.,2525 Borsani E, Buffoli B, Bonazze V, et al. Single administration of melatonin modulates the nitroxidergic system at the peripheral level and reduces thermal nociceptive hypersensitivity in neuropathic rats. Int J Mol Sci. 2017;18:2143-60. Em um estudo recente, Wang et al.2626 Wang YS, Li YY, Cui W, et al. Melatonin Attenuates Pain Hypersensitivity and decreases astrocyte-mediated spinal neuroinflammation in a rat model of oxaliplatin-induced pain. Inflammation. 2017;40:2052-61. investigaram o papel da administração sistêmica de melatonina na dor induzida por oxaliplatina em modelo experimental de ratos. Os autores relataram que melatonina intraperitoneal aliviou de modo significativo a alodínia mecânica e a hiperalgesia térmica no grupo de recebeu oxaliplatina (veículo). A avaliação imuno-histoquímica mostrou que a oxaliplatina induziu um aumento significativo das imunodensidades da Proteína Ácida Fibrilar Glial (GFAP) e que a melatonina diminuiu de modo significativo a sobrerregulação das expressões de GFAP induzida pela oxaliplatina.2626 Wang YS, Li YY, Cui W, et al. Melatonin Attenuates Pain Hypersensitivity and decreases astrocyte-mediated spinal neuroinflammation in a rat model of oxaliplatin-induced pain. Inflammation. 2017;40:2052-61. Os resultados de nossos pacientes foram semelhantes aos da literatura atual. No décimo e 30º dias de tratamento, os escores VRS do grupo melatonina+ foram significativamente menores. No entanto, a diferença entre os grupos não apresenta importância clínica.

Embora estudos anteriores não tenham relatado preocupações com a segurança no uso de melatonina para distúrbios do sono em diferentes grupos de pacientes,2727 Bourne RS, Mills GH, Minelli C. Melatonin therapy to improve nocturnal sleep in critically ill patients: encouraging results from a small randomised controlled trial. Crit Care. 2008;12:R52.,2828 Wade A, Downie S. Prolonged release melatonin in the treatment of primary insomnia: evaluation of the age cut-off for short- and long-term response. Curr Med Res Opin. 2011;17:1567-72. em um estudo recente Liu et al. relataram que a melatonina aumentava a agressão reativa em voluntários saudáveis do sexo masculino.2929 Liu J, Zhong R, Xiong W, et al. Melatonin increases reactive aggression in humans. Psychopharmacology (Berl). 2017;234:2971-8. No presente estudo, as queixas de agressão dos pacientes diminuíram de 30% para 5% no Grupo 1 e de 27% para 7,5% no Grupo 2 após 30 dias de tratamento. A razão mais plausível dessa diferença é o estado de saúde dos pacientes. Liu et al. avaliaram voluntários saudáveis, enquanto nossos pacientes sofriam de DN e distúrbios do sono. O manejo eficaz da dor e dos distúrbios do sono provavelmente proporcionou uma melhoria na agressão dos pacientes.

A administração de melatonina não foi associada a quaisquer efeitos colaterais importantes no presente estudo, confirmou que é bem tolerada. Portanto, acreditamos que é seguro usar a melatonina como adjuvante para reduzir a complicação de sonolência diurna do tratamento com gabapentina.1111 Hussain SA, Al-Khalifa II, Jasim NA, et al. Adjuvant use of melatonin for treatment of fibromyalgia. J Pineal Res. 2011;50:267-71.,3030 Ulugol A, Dokmeci D, Guray G, et al. Antihyperalgesic, but not antiallodynic, effect of melatonin in nerve-injured neuropathic mice: Possible involvements of the L-arginine-NO pathway and opioid system. Life Sci. 2006;78:1592-7.

A principal limitação de nosso estudo é a grande variedade de doenças que causam DN. As diferenças intervariáveis entre as doenças podem interferir nos resultados deste estudo. Futuros estudos com doenças específicas devem ser conduzidos para fornecer uma visão mais clara do papel da melatonina na dor neuropática e distúrbios do sono.

Em conclusão, a melatonina pode reduzir os efeitos colaterais da gabapentina na sonolência diária; portanto, pode ser útil em pacientes com dor neuropática tratada com gabapentina para adesão ao tratamento.

  • O estudo foi realizado no Hacettepe University Hospital.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2018
  • Aceito
    21 Ago 2018
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