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Variáveis bucodentais negligenciadas durante anestesia geral e internação em Unidade de Terapia Intensiva de população pediátrica

DIVERSOS

Variáveis bucodentais negligenciadas durante anestesia geral e internação em Unidade de Terapia Intensiva de população pediátrica

Karim Poorsattar Bejeh MirI; Arash Poorsattar Bejeh MirII

IMir; MD; Médico Autônomo, Chefe do Departamento de Pediatria, Amir Mazandarani General Hospital, Sari, Irã

IIMir; Estudante de Odontologia, Comitê de Pesquisa em Estudos Odontológicos (CPEO), Universidade de Ciências Médicas Babol, Ganj Afrooz Ave, Babol, Mazandaran Province, Irã

Correspondência para Correspondência para: Arash Poorsattar Bejeh Mir Dentistry Student Research Committee (DSRC) Babol University of Medical Sciences Ganj Afrooz Ave Babol Mazandaran Province, Irã E-mail: arashpoorsattar@yahoo.com

Unitermos: ANESTESIOLOGIA, Educação; Ferimentos e Lesões; Odontologia; TERAPIA INTENSIVA; VENTILAÇÃO, pneumonia.

COMENTÁRIO

O trauma dentário perianestesia não é incomum. Sua incidência pode ser de 0,02-0,07% até 12,1% dos casos em anestesia geral (AG)1. Há relato de que a incidência geral de trauma bucal atinge 7% dos indivíduos submetidos à AG2. De fato, intubação traqueal de emergência e equipes menos experientes podem aumentar a chance de traumatismo em tecidos orais duros e moles3. A maioria dos traumas dentários durante AG ocorre na tentativa de intubação (75%), extubação (16%) e na fase de recuperação (9%)4.

O trauma dentário pode ser leve (fraturas de esmalte ou luxação dentária) ou grave (fraturas de coroa e avulsão dentária). O deslocamento anterior do côndilo mandibular que leva a uma posição de bloqueio da articulação temporomandibular, as lesões da língua e uma variedade de lesões causadas por pressão sobre os tecidos moles da cavidade oral também são relatados1,5.

Durante a vida, a dentição passa por três fases de desenvolvimento: decídua (de 6 meses a 6 anos), mista (6 a 12 anos) e permanente (12 anos em diante)6. Há relato de que os incisivos superiores são mais afetados durante a intubação4. Esses dentes são unirradiculares e têm uma área de superfície baixa em comparação com os dentes posteriores, que são multirradiculares e têm uma área de superfície muito maior em torno das raízes no interior do osso alveolar. As lesões traumáticas de incisivos superiores podem ser explicadas por forças não intencionais exercidas sobre os dentes quando o anestesiologista usa esses dentes como um fulcro para guiar a lâmina do laringoscópio, especialmente durante as tentativas difíceis e anteriormente fracassadas4.

Quando a criança termina a dentição decídua e entra na fase de transição da dentição mista, por volta dos 6-8 anos, o incisivo permanente subjacente exerce sua força eruptiva e "amolece" o decíduo correspondente6. Isso pode ser um desafio tanto para a criança quanto para o intensivista, por causa da alta probabilidade de avulsão da dentição decídua, com chance de dano posterior aos dentes permanentes, ou excesso de força e da tentativa errada de reimplantar o dente. Outra consideração especial em crianças pequenas é a presença da "síndrome da mamadeira" ou cárie precoce da infância (CPI)1. Essa síndrome é decorrente da longa exposição aos líquidos com altos teores de açúcar, especialmente à noite, durante os primeiros 18-48 meses de idade. Os incisivos superiores e os molares inferiores são os mais afetados, enquanto os incisivos inferiores são poupados, por causa da função protetora da língua1. Esses dentes com cáries rampantes e extensas são mais suscetíveis ao trauma mecânico e mais propensos a rachar ou à avulsão1.

Os pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) correm um risco bem maior de sofrer traumas dentários do que os pacientes adultos, por causa da formação de suas raízes imaturas e da possibilidade de terem os dentes subluxados durante a fase de dentição7. O médico deve estar ciente dos riscos adicionais ao tentar intubar um paciente pediátrico com má oclusão Classe II (isto é, protrusão maxilar) e deslocamento maxilar excessivo7 ou dentes frontais anormalmente grandes e com extrusão acentuada, os chamados "dentes de coelho". Além da força exercida na intubação ou extubação, a aspiração vigorosa das secreções próximas aos dentes posteriores, os danos causados pela pressão sobre os tecidos adjacentes durante a inserção da máscara laríngea (ML), o espasmo do músculo masseter oriundo dos tremores causados pela hipotermia e a forte oclusão contra os dentes antagonistas ou sonda endoendotraqueal (SET) devem ser considerados. Portanto, a intubação, extubação e aspiração devem ser feitas com muito cuidado. Se a criança tiver um dente mole e avulsão ou aspiração forem consideradas, uma sutura cuidadosa (fio de seda 3-0) do dente afetado ao dente firme adjacente em torno das coroas dos dentes pode evitar avulsão e aspiração1.

É claro que a remoção mecânica ineficiente e a má higiene bucal em unidades de terapia intensiva aumentam as placas bacterianas. A placa bacteriana tem mais de 300 espécies de microorganismos incorporados em uma matriz extracelular6,8. A placa bacteriana, quando não removida, pode causar gengivite em menos de dez dias, com progressão subsequente para periodontite como um estágio mais grave e profundo da doença. Além disso, dentro das primeiras 48 horas de internação em unidades de terapia intensiva, a flora bucal sofre uma mudança de bactérias aeróbias gram-positivas para bastonetes gram-negativos anaeróbioss mais patogênicos6. O aumento da placa bacteriana aumenta o risco de pneumonia associada à ventilação (PAV). A taxa de VAP é de 11,6 por 1.000 dias de ventilação mecânica em UTIP nos Estados Unidos6,8. Há controvérsia na literatura em relação ao efeito da higiene oral sobre a incidência de PAV causada por intervenção farmacológica ou não farmacológica8. De acordo com uma recente revisão sistemática e meta-análise, a PVA pode ser reduzida com o uso de assepsia bucal com clorexidina (grau de recomendação B), escovas de dente, pastas de dente e cotonetes (grau de recomendação D)5. Outras intervenções farmacológicas, como bicarbonato de sódio, soro fisiológico e Listerine (antisséptico bucal a base de fenóis), ainda são questões não resolvidas e não podem ser recomendados para administração de rotina. Além disso, a passagem de sondas nasogátricas e endotraqueais mantem a boca inevitavelmente aberta e xerostomia pode ocorrer. Medicamentos comuns, como diuréticos, anticolinérgicos, anticonvulsivantes e possível desidratação podem agravar a xerostomia e mucosite6.

Atualmente, a Associação Americana de Terapia Intensiva em Enfermagem (AACN) recomenda o exame da cavidade oral a cada 8 horas. Esse exame pode incluir a atenção aos dentes BRUSED (do termo em Inglês para: B, bleeding; R, redness; U, ulceration; S, saliva; H, halitosis; E, external factors and D, debris): S: sangramento, V: vermelhidão, U: ulceração, S: saliva, H: halitose, F: fatores externos, que incluem fitas adesivas e sondas e D: detritos9. A profilaxia para úlcera péptica é rotineiramente prescrita em UTIP. No entanto, o grande estresse emocional e sistêmico prejudicial à saúde periodontal é simplesmente ignorado. O estresse afeta negativamente a saúde periodontal10. Além disso, uma relação bidirecional entre periodontite e doenças sistêmicas foi identificada. A periodontite pode induzir vasculopatia pela invasão direta de bactérias no endotélio ou promover cascatas de citoquinas inflamatórias, tais como IL-1 e TNF-α11. Essa cascata pode agravar as doenças associadas aos radicais livres existentes e elevar o nível de óxido nítrico com prováveis consequências hipotensivas de choque séptico11,12.

Diante de um trauma dentário não intencional, o médico deve estar ciente de que o dente decíduo avulsionado não deve ser reimplantado por causa de possíveis danos ao broto subjacente permanente, ou dente em erupção. Se houver vulsão de um dente permanente, o dente deve ser mantido na coroa (a raiz não deve ser tocada para não reduzir as células mais importantes para o prognóstico do ligamento periodontal) e ser reimplantado dentro de 30 minutos, se possível. O melhor meio disponível para manter o dente avulsionado é o leite fresco e frio ou soro fisiológico, enquanto uma consulta de emergência é solicitada. Os dentes avulsionados não devem ser lavados com soluções desinfetantes13-15. Se muitas horas se passaram desde a avulsão do dente ou o dente avulsionado não for encontrado, os pais devem estar cientes do problema. O espaço deve ser preservado por um mantenedor de espaço para não ser ocupado pela inclinação dos dentes adjacentes e manter o espaço para um tratamento futuro mais definitivo feito por volta dos 18 anos16.

Em conclusão, parece que muitos aspectos da saúde bucal são negligenciados pela atenção exclusiva aos procedimentos para salvar vidas, em detrimento das práticas de preservação de órgãos. Cursos mais abrangentes e dedicados ao problema para colegas de outras subespecialidades ou enfermeiros envolvidos na assistência ao paciente pediátrico em estado crítico podem proporcionar mais conhecimento profissional a respeito dos diferentes estágios de dentição, complicações durante a intubação endotraqueal que podem causar danos em tecidos bucais duros e moles17 e opções de conduta na ocorrência de lesões traumáticas. Recomendamos uma consulta odontológica especializada em casos de doenças graves ou internações prolongadas em UTIP ou após a alta. Estudos prospectivos futuros e em larga escala sobre saúde periodontal em crianças internadas em UTIP ajudariam a esclarecer essa questão de forma mais precisa.

Submetido em 28 de outubro de 2011.

Aprovado para publicação em 9 de novembro de 2011.

Recebido do Comitê de Pesquisa em Estudos Odontológicos (CPEO), Universidade de Ciências Médicas Babol, Ganj Afrooz Ave, Babol, Mazandaran Province, Irã.

(Mir é um título da Língua Árabe, derivado de Emir ou Amir, com honraria no Irã - N.T.)

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  • Correspondência para:

    Arash Poorsattar Bejeh Mir
    Dentistry Student Research Committee (DSRC) Babol University of Medical Sciences
    Ganj Afrooz Ave Babol
    Mazandaran Province, Irã
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2012
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