Acessibilidade / Reportar erro

Anestesia em criança com síndrome de Jarcho-Levin: relato de caso

RESUMO

A síndrome de Jarcho-Levin é um distúrbio raro que apresenta várias anomalias vertebrais e costais. Deformidades graves e fusões anormais das costelas e vértebras causam insuficiência respiratória e pneumonia. Apresentamos um caso de anestesia em paciente com síndrome de Jarcho-Levin para refluxo vesicuretral.

Palavras-chave:
Anestesia; Criança; Síndrome de Jarcho-Levin

ABSTRACT

Jarcho Levin syndrome is a rare disorder. There are various vertebral and costal anomalies. Severe deformities and abnormal fusion of ribs and vertebrae cause respiratory insufficiency and pneumonia. We present anaesthesia in a patient with Jarcho Levin syndrome for vesicoureteral reflux.

Keywords:
Anaesthesia; infant; Jarcho Levin syndrome

Introdução

A síndrome de Jarcho-Levin é um distúrbio raro descrito pela primeira vez por Jarcho e Levin em 1938.11. Jarcho S, Levin PM. Hereditary malformation of the vertebral bodies. Johns Hopkins Med J. 1938;62:216-26. A prevalência é de 0,25/10.00022. Teli M, Hosalkar H, Gill I, Noordeen H. Spondylocostal dysostosis. Spine. 2004;29:1447-51. e as anomalias vertebrais são as principais características. Há várias anomalias vertebrais e costais. Hemivértebras, agenesia vertebral, vértebra em formato de borboleta, vértebra hipoplásica e defeitos da fusão costovertebral são observados com frequência.22. Teli M, Hosalkar H, Gill I, Noordeen H. Spondylocostal dysostosis. Spine. 2004;29:1447-51. and 33. Bannykh SI, Emery SC, Gerber JK. Aberrant Pax1 and Pax9 expression in Jarcho-Levin syndrome: report of two Cau- casian siblings and literature review. Am J Med Genet. 2003;120:241-6. Defeitos do tubo neural, cardiovasculares, geniturinários e distúrbios de órgãos parenquimatosos podem acompanhar a síndrome.

Hidrocefalia, hidroureteronefrose meningomielocele, defeito septal atrial, defeito septal ventricular, agenesia-hipoplasia renal, rim policístico, atresia anal, herniamento diafragmático, fístula esofágica, divertículo de Meckel e úvula bífida estão entre as anomalias relatadas.44. Kansal R, Mahore A, Kukreja S. Jarcho-Levin syndrome with diastematomyelia: a case report and review of literature. J Pediatr Neurosci. 2011;6:141-3. As deformidades graves e fusões anormais das costelas e vértebras causam insuficiência respiratória e infecções recorrentes do trato respiratório.55. Roberts AP, Conner AN, Tolmie JL, et al. Spondylothorasic and spondylocostal dysostosis. J Bone Joint Surg Br. 1988;70:123-6. Não há literatura sobre anestesia em caso de síndrome de Jarcho-Levin. Apresentamos nosso método de anestesia em paciente com síndrome de Jarcho-Levin submetido à cirurgia para refluxo vesicuretral acompanhada de anomalias vertebrais, hidrocefalia, forame oval patente e defeito septal atrial secundário.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, dois meses, 6 kg. Nasceu via parto vaginal espontâneo, pesava 2.900 g, de mãe bípara com 29 anos. A síndrome de Jarcho-Levin foi diagnosticada. Forame oval patente, defeito septal atrial secundário e hidrocefalia, além de anomalias costais e vertebrais, foram detectados no período de acompanhamento (Figura 1 andFigura 2). Uma operação foi planejada para a paciente com indicação de refluxo vesicuretral. Estertores bilaterais foram detectados durante o exame físico pré-operatório. Sopro sistólico foi detectado ao exame cardiovascular. A paciente apresentava grau 3 no escore de Mallampati. As funções sensorial e motora estavam normais ao exame neurológico. Os testes laboratoriais pré-operatórios de rotina estavam normais. A paciente foi monitorada com eletrocardiograma e saturação periférica de oxigênio na sala de operação. As preparações para paciente com via aérea difícil foram feitas antes da anestesia geral. Como a ventilação via máscara estava normal, a indução via máscara com oxigênio e sevoflurano foi feita. Remifentanil IV (0,5 µg/kg) foi administrado. Lidocaína (1 mg/kg) foi aplicada para inibir os reflexos das vias aéreas. Máscara laríngea de tamanho 1 foi inserida. Anestesia foi mantida com concentrações de sevoflurano a 2,5-3%, oxigênio a 50% e óxido nitroso a 50%. Logo após o início da operação, por meio do fechamento de NO2, remifentanil (0,5 µg/kg) foi adicionalmente administrado. Supositório de paracetamol após a indução da anestesia e tramadol IV (0,5 mg/kg) no período pós-operatório foram administrados para manter a analgesia. Após 45 min de acompanhamento em sala de recuperação pós-operatória, a paciente foi transferida para a clínica de cirurgia pediátrica.

Figura 1
Presença de defeitos de fusão costovertebrais nas costelas 6-10 à direita e 7-10 à esquerda.

Figura 2
Presença de anomalia de vértebras em borboleta na vértebra torácica.

Discussão

A síndrome de Jarcho-Levin é um distúrbio congênito raro caracterizado por anomalias vertebrais distintas. Anomalias vertebrais e defeitos da fusão costovertebral resultam em uma cavidade torácica menor e insuficiência respiratória. Os pacientes frequentemente apresentam sérios problemas respiratórios por causa de pneumonia ou doença pulmonar do tipo restritiva, que na maioria dos casos leva à mortalidade precoce.22. Teli M, Hosalkar H, Gill I, Noordeen H. Spondylocostal dysostosis. Spine. 2004;29:1447-51. and 55. Roberts AP, Conner AN, Tolmie JL, et al. Spondylothorasic and spondylocostal dysostosis. J Bone Joint Surg Br. 1988;70:123-6. Anomalias das vias aéreas centrais também são observadas nessa síndrome. Cavidade torácica menor, maturação pulmonar inadequada, infecções do trato respiratório inferior e problemas das vias aéreas complicam a anestesia necessária para qualquer tipo de operação em pacientes infantis com síndrome de Jarcho-Levin.66. Schulman M, Gonzalez MT, Bye MR. Airway abnormalities in Jarcho-Levin syndrome: a report of two cases. J Med Genet. 1993;30:875-6. Em nosso caso, a paciente apresentava sérias anomalias vertebrais (Figura 1 and Figura 2). A paciente havia se recuperado de pneumonia pós-natal, mas estertores inspiratórios e secreções nas vias respiratórias ainda persistiam. A indução foi feita por inalação via máscara e o procedimento cirúrgico foi feito sob anestesia via máscara laríngea, sem necessidade de intubação. Como a paciente não foi intubada, o uso de relaxante muscular foi evitado para minimizar as prováveis complicações no período pós-operatório. A máscara laríngea (ML) foi descoberta em 1980 e, a partir de então, é amplamente usada na prática anestesiológica. A ML tem sido usada com sucesso especialmente em pacientes difíceis de intubar.77. Brain AIJ. The laryngeal mask airway: a possible new resolu- tion to airway problems in the emergency situation. Arch Emerg Med. 1984;1:229-32. 88. Geze S, Cekic B, Ulusoy H, Erturk E. The use of laryn- geal mask airway for surgical tracheotomy in a neonate with Pierre Robin syndrome: a case report. Ir J Med Sci. 2011;180: 297-8. 99. Hara Y, Hirota K, Fukuda K. Successful airway management with use of a laryngeal mask airway in a patient with CHARGE syn- drome. J Anesth. 2009;23:630-2 [Epub November 2009]. and 1010. Kiernan F, Crowe S. Safe use of the classic laryngeal mask airway and endotracheal intubation in general anaesthesia for a patient with Mowat-Wilson syndrome. Paediatr Anaesth. 2009;19:174-5. Em nosso caso, a ML foi usada para anestesia geral em paciente submetida à cirurgia de refluxo vesicuretral, por causa da hidroureteronefrose. Os anestésicos e agentes analgésicos de ação curta em anestesia via ML foram vantajosos para a segurança em nosso caso. Não houve comprometimento respiratório no pós-operatório. Há relatos na literatura que indicam que a ML garante uma via aérea satisfatória em pacientes submetidos à anestesia geral. Em nossa clínica, a anestesia via ML já havia sido feita com sucesso em paciente com síndrome de Pierre-Robin submetido à traqueotomia. Na literatura, há relato de que a inserção da ML foi feita com conforto e sucesso em pacientes difíceis de intubar. Hara et al. relataram que a ML foi um método promissor para a anestesia em paciente com síndrome Charge e anomalias das vias aéreas.1010. Kiernan F, Crowe S. Safe use of the classic laryngeal mask airway and endotracheal intubation in general anaesthesia for a patient with Mowat-Wilson syndrome. Paediatr Anaesth. 2009;19:174-5. Não foi possível encontrar na literatura dados relevantes sobre anestesia em paciente com síndrome de Jarcho-Levin. Supomos que a falta de dados seja por causa do mau prognóstico da doença por causa da insuficiência respiratória que leva à mortalidade precoce no período infantil e torna qualquer operação sob anestesia geral impossível. Recentemente, cuidados médicos mais inovadores melhoraram o prognóstico da síndrome de Jarcho-Levin e pacientes tiveram a chance de ser submetidos a cirurgias indicadas para vários problemas. A ML foi avaliada como um método promissor de anestesia em nossa paciente com síndrome de Jarcho-Levin.

References

  • 1. Jarcho S, Levin PM. Hereditary malformation of the vertebral bodies. Johns Hopkins Med J. 1938;62:216-26.
  • 2. Teli M, Hosalkar H, Gill I, Noordeen H. Spondylocostal dysostosis. Spine. 2004;29:1447-51.
  • 3. Bannykh SI, Emery SC, Gerber JK. Aberrant Pax1 and Pax9 expression in Jarcho-Levin syndrome: report of two Cau- casian siblings and literature review. Am J Med Genet. 2003;120:241-6.
  • 4. Kansal R, Mahore A, Kukreja S. Jarcho-Levin syndrome with diastematomyelia: a case report and review of literature. J Pediatr Neurosci. 2011;6:141-3.
  • 5. Roberts AP, Conner AN, Tolmie JL, et al. Spondylothorasic and spondylocostal dysostosis. J Bone Joint Surg Br. 1988;70:123-6.
  • 6. Schulman M, Gonzalez MT, Bye MR. Airway abnormalities in Jarcho-Levin syndrome: a report of two cases. J Med Genet. 1993;30:875-6.
  • 7. Brain AIJ. The laryngeal mask airway: a possible new resolu- tion to airway problems in the emergency situation. Arch Emerg Med. 1984;1:229-32.
  • 8. Geze S, Cekic B, Ulusoy H, Erturk E. The use of laryn- geal mask airway for surgical tracheotomy in a neonate with Pierre Robin syndrome: a case report. Ir J Med Sci. 2011;180: 297-8.
  • 9. Hara Y, Hirota K, Fukuda K. Successful airway management with use of a laryngeal mask airway in a patient with CHARGE syn- drome. J Anesth. 2009;23:630-2 [Epub November 2009].
  • 10. Kiernan F, Crowe S. Safe use of the classic laryngeal mask airway and endotracheal intubation in general anaesthesia for a patient with Mowat-Wilson syndrome. Paediatr Anaesth. 2009;19:174-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2012
  • Aceito
    19 Dez 2012
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org