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Padrões e processos na evolução do tamanho do corpo em carnívoros (Mammalia) da América do Sul

Patterns and processes in body size evolution of south american carnivores

Resumos

Nos últimos anos, muitos modelos têm sido propostos a fim de ligar os processos microevolutivos aos padrões macroevolutivos. Dentre estes, o movimento Browniano e o processo Ornstein-Uhlenbeck (O-U) têm sido utilizados, respectivamente, para modelar a evolução de um caráter quantitativo sob efeito de deriva genética e seleção estabilizadora. Uma vez que esses processos produzem curvas diferentes de relação entre variância interespecífica e tempo de divergência, eles podem ser distinguidos através de correlogramas filogenéticos. Neste trabalho, padrões no tamanho do corpo de 17 espécies de Carnívora sul-americanos foram analisados através de correlogramas filogenéticos, construídos com índices I de Moran em quatro classes de distância no tempo. O correlograma observado foi comparado a 400 correlogramas obtidos através de simulações dos dois processos (movimento Browniano e O-U) sobre a filogenia das espécies analisadas (obtida através de dados moleculares). O correlograma indica que existe autocorrelação filogenética até cerca de 8 milhões de anos, tempo a partir do qual as espécies passam a ser independentes para essa variável. Um modelo autoregressivo indica que cerca de 74% da variação nesse caráter pode ser atribuída à estrutura filogenética nos dados. O padrão observado é compatível com um processo de seleção estabilizadora, o que é esperado considerando a correlação do tamanho do corpo com diversos caracteres ecológicos e de história de vida, que impõem restrições à sua evolução.

carnívoros; tamanho do corpo; filogenia; autocorrelação; correlogramas; seleção estabilizadora


In the last few years, many models have been proposed to link microevolutionary processes to macroevolutionary patterns, defined by comparative data analysis. Among these, Brownian motion and Ornstein-Uhlenbeck (O-U) processes have been used to model, respectively, genetic drift and stabilizing selection. Since these models produce different curves of pairwise variance between species against time since divergence, different profiles in phylogenetic correlograms must appear. In this paper, we analyzed variation in body weight among 17 species of South American carnivores by means of phylogenetic correlograms, constructed using Moran's I coefficients in four distance classes. Phylogeny among species was based on molecular data. The observed correlogram was then compared with 400 simulated correlograms of Brownian motion and O-U over the same phylogeny. The observed correlogram indicates a phylogenetic gradient up to 8 mya, when coefficients tend to stabilize, and autoregressive model indicates that around 74% of the interspecific variance in body size can be explained by phylogenetic inertia. This is expected by considering that body size is usually correlated with many ecological and life-history traits, being subjected to many constraints that can be modeled by O-U process expressing stabilizing selection.

carnivores; body size; phylogeny; autocorrelation; correlograms; stabilizing selection


PADRÕES E PROCESSOS NA EVOLUÇÃO DO TAMANHO DO CORPO EM CARNÍVOROS (MAMMALIA) DA AMÉRICA DO SUL

DINIZ-FILHO, J. A. F.1 e VIEIRA, C. M.2

1Departamento de Biologia Geral, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Goiás, C.P. 131, CEP 74001-970, Goiânia, GO

2Departamento de Biologia, Universidade Estadual de Anápolis (UNIANA)

Correspondência para: José Alexandre Felizola Diniz-Filho, Departamento de Biologia Geral, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Goiás, C.P. 131, CEP 74001-970, Goiânia, GO, e-mail: diniz@icb1.ufg.br

Recebido em 04/03/98 – Aceito em 15/04/98 – Distribuído em 30/11/98

(Com 5 figuras)

ABSTRACT

Patterns and processes in body size evolution of south american carnivores

In the last few years, many models have been proposed to link microevolutionary processes to macroevolutionary patterns, defined by comparative data analysis. Among these, Brownian motion and Ornstein-Uhlenbeck (O-U) processes have been used to model, respectively, genetic drift and stabilizing selection.

Since these models produce different curves of pairwise variance between species against time since divergence, different profiles in phylogenetic correlograms must appear. In this paper, we analyzed variation in body weight among 17 species of South American carnivores by means of phylogenetic correlograms, constructed using Moran's I coefficients in four distance classes. Phylogeny among species was based on molecular data.

The observed correlogram was then compared with 400 simulated correlograms of Brownian motion and O-U over the same phylogeny. The observed correlogram indicates a phylogenetic gradient up to 8 mya, when coefficients tend to stabilize, and autoregressive model indicates that around 74% of the interspecific variance in body size can be explained by phylogenetic inertia.

This is expected by considering that body size is usually correlated with many ecological and life-history traits, being subjected to many constraints that can be modeled by O-U process expressing stabilizing selection.

Key words: carnivores, body size, phylogeny, autocorrelation, correlograms, stabilizing selection.

RESUMO

Nos últimos anos, muitos modelos têm sido propostos a fim de ligar os processos microevolutivos aos padrões macroevolutivos. Dentre estes, o movimento Browniano e o processo Ornstein-Uhlenbeck (O-U) têm sido utilizados, respectivamente, para modelar a evolução de um caráter quantitativo sob efeito de deriva genética e seleção estabilizadora.

Uma vez que esses processos produzem curvas diferentes de relação entre variância interespecífica e tempo de divergência, eles podem ser distinguidos através de correlogramas filogenéticos. Neste trabalho, padrões no tamanho do corpo de 17 espécies de Carnívora sul-americanos foram analisados através de correlogramas filogenéticos, construídos com índices I de Moran em quatro classes de distância no tempo.

O correlograma observado foi comparado a 400 correlogramas obtidos através de simulações dos dois processos (movimento Browniano e O-U) sobre a filogenia das espécies analisadas (obtida através de dados moleculares). O correlograma indica que existe autocorrelação filogenética até cerca de 8 milhões de anos, tempo a partir do qual as espécies passam a ser independentes para essa variável. Um modelo autoregressivo indica que cerca de 74% da variação nesse caráter pode ser atribuída à estrutura filogenética nos dados. O padrão observado é compatível com um processo de seleção estabilizadora, o que é esperado considerando a correlação do tamanho do corpo com diversos caracteres ecológicos e de história de vida, que impõem restrições à sua evolução.

Palavras-chave: carnívoros, tamanho do corpo, filogenia, autocorrelação, correlogramas, seleção estabilizadora.

INTRODUÇÃO

Uma grande atenção tem sido dispensada, nos últimos anos, à análise dos processos microevolutivos (seleção, deriva e mutação), atuando em caracteres quantitativos, especialmente em termos de como obter estimativas de sua importância relativa a partir de dados comparativos (Felsenstein, 1988; Martins, 1994; Hansen & Martins, 1996). Esses métodos passaram a ser mais utilizados a partir do desenvolvimento de técnicas moleculares de reconstrução filogenética, que permitem estimativas tanto dos padrões de cladogênese quanto do tempo de divergência entre as espécies (Gittleman et al., 1996; Purvis, 1996).

Dentre os modelos estatísticos propostos para simular a evolução de caracteres quantitativos, dois têm recebido maior atenção. O primeiro é o movimento Browniano, que tem sido utilizado para modelar a evolução por um processo aleatório de deriva genética (Felsenstein, 1985, 1988; Lynch, 1990; Martins, 1994). Nesse modelo, a mudança no caráter estudado ocorre com uma taxa constante e não é direcional. A relação entre a variância interespecífica (Vb) e o tempo de divergência entre as espécies (t) é dada por:

Vb = bt + e

em que b é o parâmetro (a taxa de evolução) e e é o termo residual do modelo. Essa relação linear entre Vb e t, produzida pelo movimento Browniano, também é esperada por outros processos de evolução, incluindo seleção direcional constante ao longo de todo o clado ou seleção em ambientes flutuando aleatoriamente, com respostas rápidas do caráter em estudo.

Por outro lado, a evolução de caracteres complexos, controlados por sistemas poligênicos e submetidos a diversas pressões seletivas (especialmente seleção estabilizadora) é melhor modelada por um processo Ornstein-Uhlenbeck (O-U) (Felsenstein, 1988; Martins, 1994; Hansen & Martins, 1996). Nesse modelo, as mudanças evolutivas produzidas pela deriva são contrabalanceadas por uma força de restrição, que força o caráter de volta ao ponto central de variação. Nesse caso, a relação entre Vb e t é exponencial e dada por:

Vb = s2 / 2a (1 – exp(–2at)) + e

em que s2 é a variância da mudança evolutiva por um processo estocástico e a é a força de restrição da seleção estabilizadora. Uma das propriedades importantes do processo O-U é que existe uma tendência a reduzir a importância dos eventos passados de variação do caráter, reduzindo assim o nível de "inércia filogenética" (Felsenstein, 1988).

Esses dois processos tendem a gerar padrões filogenéticos no caráter estudado ao longo de espécies relacionadas, que podem ser detectados através de diversos métodos (Harvey & Pagel, 1992). A principal implicação desses padrões é que o teste das correlações entre as variáveis torna-se mais complexo, pois é necessário corrigir os efeitos da inércia filogenética. A probabilidade de erro Tipo I (aceitar a correlação quando ela de fato não existe) passa a ser consideravelmente maior nos casos de forte inércia filogenética, pois a correlação entre os caracteres pode indicar apenas covariação de ambos com a filogenia (Felsenstein, 1985; Cheverud et al., 1985; Gittleman & Luh, 1992; Martins, 1996).

Uma vez que os dois processos (O-U e movimento Browniano) produzem curvas diferentes de relação entre Vb e t, eles podem ser potencialmente distintos através de correlogramas filogenéticos (Gittleman & Kot, 1990; Gittleman et al., 1996). Correlogramas filogenéticos são gráficos que relacionam uma medida qualquer de autocorrelacão, expressando similaridade ou dissimilaridade entre espécies, ao tempo de divergência entre elas. Embora os correlogramas tenham sido utilizados apenas para detectar padrões filogenéticos nos dados, o trabalho teórico recente de Hansen & Martins (1996) mostra que eles podem ser utilizados também como uma maneira preliminar de inferir processos evolutivos atuando sobre o caráter.

O objetivo deste trabalho é analisar a variação interespecífica no tamanho do corpo de carnívoros (Mammalia) da América do Sul, aplicando os métodos de autocorrelação filogenética a fim de detectar padrões e fazer inferências sobre os processos microevolutivos possivelmente envolvidos nessa variação.

MATERIAL E MÉTODOS

Foi analisada em dezessete espécies de carnívoros (Mammalia) da América do Sul a variação no tamanho do corpo. Essas espécies foram escolhidas em função da existência de uma filogenia molecular que expressa suas relações de forma detalhada, baseadas em dados de hibridização de DNA e distâncias imunológicas (Wayne et al., 1989) (Fig. 1). Dados médios de peso do corpo para essas espécies foram obtidos em Gittleman (1989), Fonseca et al. (1996) e Emmons (1997), seguindo a classificação de Wilson & Reeder (1993).


Os padrões filogenéticos no tamanho (peso) do corpo foram analisados inicialmente através de correlogramas filogenéticos (Gittleman & Kot, 1990; Gittleman et al., 1996), que expressam as variações na semelhança entre pares de espécies em função do tempo de divergência entre elas. O índice I de Moran foi utilizado para definir essa semelhança, e é dado por:

I = (n/S) SiSj Wij (yi – )( yj – ) / Si (yi – )2

em que n é o número de espécies, y é a variável analisada (peso do corpo), é a média de y, Wij é o valor 1 ou zero (conectividade), indicando se o par de distâncias da matriz simétrica de distâncias filogenéticas (definidas com base no cladograma da Fig. 1) está ou não dentro da classe k, e S é a soma de elementos de conectividades em cada classe de distância. Autocorrelações positivas e significativas, em uma dada classe de distância, indicam similaridade de espécies, enquanto autocorrelações negativas indicam dissimilaridade máxima (extremos de variação). O valor do índice I de Moran sob a hipótese nula de ausência de autocorrelação é dado por –1/(n – 1). Procedimentos detalhados para estabelecer a significância estatística do I de Moran são apresentados por Sokal & Oden (1978) e Diniz-Filho (1998). Para este estudo, os índices I de Moran foram estimados em 4 classes de tempo (em milhões de anos) ao longo da filogenia: 0–8, 8–12, 12–52, 52–60. A distribuição irregular dos intervalos de classe é conseqüência da distribuição das distâncias filogenéticas (Fig. 2), visando equilibrar o número de pares de distância utilizados para o cálculo de cada índice, tornando-os assim mais comparáveis.


A fim de obter uma avaliação geral de como os processos de evolução modelados por movimento Browniano e O-U aparecem nos correlogramas filogenéticos, 200 simulações foram realizadas sobre a filogenia dos carnívoros. Assim, foi possível comparar o correlograma observado aos obtidos nas simulações dos dois processos, conduzidas sobre a mesma topologia. Essas simulações foram realizadas no programa PDAP, versão 2.0 (Phenotypic Diversity Analysis Program, Jones et al., 1993), utilizando a mesma média e variância do caráter original (peso do corpo). Cada simulação foi então analisada através de correlogramas filogenéticos, nas mesmas classes definidas para a análise dos dados observados, através do programa AUTOPHY, escrito em linguagem Basic. Os correlogramas obtidos a partir dos dois processos foram então comparados, analisando as estatísticas dos índices I em cada classe, e através do cálculo da correlação linear de Pearson entre o valor de I e o centro da classe de distância, para cada simulação.

Como os correlogramas detectaram um padrão filogenético significativo para o tamanho do corpo em Carnívora da América do Sul, é de interesse também caracterizar o quanto da variação total no caráter pode ser atribuída à filogenia (inércia filogenética). Foi realizada então uma análise de autoregressão filogenética (Cheverud et al., 1985; Gittleman & Kot, 1990; Martins 1996), que objetiva particionar o valor total de um caráter (T) em um componente filogenético (P), que expressa a parte da variação compartilhada entre as espécies, e em um componente específico (S), que contém a parte da variação única (equivalente a uma autapomorfia) de cada espécie, de modo que:

T = P + S

Correlações entre os componentes S de vários caracteres são independentes da inércia filogenética e podem indicar respostas correlacionadas à seleção ao longo da história do grupo. Essa partição pode ser realizada através do modelo linear:

y = rWy + e

em que y é o vetor do caráter estudado (tamanho corpóreo), r é o coeficiente autoregresssivo, e é o resíduo do modelo linear e cada elemento da matriz W é dado por:

Wij = 1/Dija

em que Dij é o elemento da matriz D de distâncias filogenéticas e o a é um termo de correção introduzido por Gittleman & Kot (1990), a fim de gerar uma relação não-linear entre distância filogenética e ponderação no cálculo do r, sendo portanto equivalente ao a do processo O-U. O termo rWy expressa o valor de P, enquanto que e é equivalente ao S. Esse modelo é ajustado através de uma equação de máxima verossimilhança, e o coeficiente de determinação, expressando a proporção da variação atribuída à filogenia, é dado por:

R2 = 1 – s2e / s2T

em que é a variância do resíduo e s2T é a variância total.

RESULTADOS

O correlograma filogenético observado para as 17 espécies de carnívoros da América do Sul (Fig. 3; Tabela 1) indica a existência de autocorrelação positiva significativa apenas para a primeira classe de distância no tempo (0–8 milhões de anos). Espécies separadas por esse intervalo de tempo, portanto, tendem a ser semelhantes para o caráter estudado, considerando a variação total entre as espécies. A partir dessa classe, os índices deixam de ser significativos e se estabilizam próximo ao valor esperado sob a hipótese nula de ausência de autocorrelação.


Os correlogramas obtidos pelas simulações dos dois processos (movimento Browniano e O-U) (Fig. 4) são semelhantes, de um modo geral, diferindo apenas nos detalhes relativos à mediana e à freqüência de coeficientes significativos em cada classe (Tabela 1). Os dois indicam um declínio monotônico dos coeficientes, embora esse declínio seja mais acentuado no movimento Browniano, com valores de I de Moran mais elevados na primeira e na última classe de distância. Para quantificar essa relação entre diminuição do índice I de Moran nas classes de distância filogenética sucessivamente maiores, foram analisadas também as distribuições de freqüência dos coeficientes de correlação de Pearson entre os índices I e o ponto médio das classes (Fig. 5). As duas distribuições são significativamente diferentes pelo teste U de Mann-Whitney (c2 = 5,007, com 1 grau de liberdade; P = 0,025), havendo, portanto, correlações negativas mais freqüentes nos correlogramas produzidos por movimento Browniano.



Corroborando as análises anteriores, o coeficiente autoregressivo r, estimado inicialmente com a igual a 1,0, foi igual a 0,859. O coeficiente de determinação R2 foi igual a 73,54%, de modo que grande parte da variação no tamanho do corpo pode ser atribuída à relação filogenética entre as espécies (inércia filogenética). A introdução do parâmetro a no modelo, estimado em 0,090, aumentou muito pouco o valor estimado do r (para 0,862, com R2 = 78,87%). Esse pequeno aumento corrobora o trabalho de Martins (1996), que mostra que esse parâmetro adicional só se torna efetivo em grandes tamanhos de amostra (n > 100 espécies).

DISCUSSÃO

O correlograma observado para as espécies de carnívoros da América do Sul indica que existe um padrão filogenético no tamanho do corpo apenas na menor classe de distância (0-8 milhões de anos), sendo que essa similaridade em função do tempo desaparece rapidamente. Esse perfil é um forte indicativo de um processo de seleção estabilizadora (Hansen & Martins, 1996), que tem sido modelado através de um processo O-U.

Entretanto, as simulações dos dois processos ao longo da filogenia dos carnívoros são similares, diferindo em grau de declínio do I em relação à distância filogenética (estimado pelas correlações de Pearson). Isso indica que a força de restrição do processo de seleção estabilizadora real pode ser bem maior que a utilizada para as simulações pelo processo O-U neste estudo. De qualquer modo, embora os dois processos analisados neste estudo sejam relativamente simples e não possam representar todos os eventos genéticos e microevolutivos envolvidos na diferenciação de um caráter complexo, como tamanho do corpo, eles podem fornecer indicações iniciais sobre a sua importância relativa.

O primeiro aspecto importante é que o correlograma observado para o tamanho do corpo nos carnívoros não segue um padrão semelhante ao obtido através de movimento Browniano. O movimento Browniano tem sido utilizado principalmente para modelar evolução por deriva genética e/ou seleção direcional com flutuações aleatórias do ambiente em pequenas escalas de tempo (Hansen & Martins, 1996). Esses dois processos microevolutivos dificilmente seriam os mais importantes na diferenciação interespecífica do tamanho do corpo no grupo, considerando o caráter estudado e as grandes escalas de tempo envolvidas. O tamanho do corpo é uma das características mais importantes dos organismos, estando correlacionada com muitos outros caracteres ecológicos, comportamentais e de história de vida, tais como densidade populacional, idade de maturação sexual, dimorfismo sexual, número de descendentes, área de distribuição geográfica, área de vida, padrões de comportamento social, dentre outros (La Barbera, 1989; Gittleman 1985, 1989; Geffen et al., 1996). Assim, é improvável que, em grandes escalas de tempo, ele evolua por um simples processo de deriva aleatória. Mesmo em escalas menores, processos de seleção estabilizadora estão normalmente envolvidos na evolução desse caráter (Lynch, 1990; Spicer, 1993).

Os correlogramas têm sido utilizados, desde o trabalho de Gittleman & Kot (1990), como uma técnica para detectar padrões filogenéticos nos dados. Entretanto, o trabalho teórico de Hansen & Martins (1996) sugere a possibilidade de que eles podem ser também aplicados para fazer inferências sobre processos microevolutivos atuando na diferenciação das espécies. A vantagem dessa abordagem sobre outros métodos utilizados em genética quantitativa e biologia evolutiva é que apenas os dados comparativos, normalmente disponíveis para os zoólogos (valores das espécies e sua relação filogenética), são necessários para as inferências. Os modelos propostos por Lynch (1990) e Turelli et al. (1988), por exemplo, necessitam da ocorrência de estimativas sobre a variação intraespecífica, herdabilidade do caráter e taxas de entrada de mutações aditivas na população.

Em relação ao método de taxas proposto por Martins (1994), baseado nos contrastes filogenéticos de Felsenstein (1985), a vantagem dos correlogramas reside no fato de que topologias completamente resolvidas não são estritamente necessárias, já que as distâncias filogenéticas são particionadas em classes.

Neste estudo foi possível descartar que a evolução do tamanho do corpo tenha ocorrido por um processo simples aleatório, característico do movimento Browniano. Embora as simulações do processo O-U, para seleção estabilizadora, também tenham detectado gradientes com grande monotonicidade entre similaridade interespecífica e tempo, é provável que a forma do correlograma observado seja produzida por um aumento no parâmetro a do processo, ou que a evolução do grupo tenha ocorrido de forma mais pontuada (sensu Gould & Eldredge, 1977) do que gradual. Entretanto, o teste de um processo de evolução pontuada com base em dados comparativos é difícil, pois exige o conhecimento de todos os eventos de especiação no grupo estudado (Hansen & Martins, 1996). De qualquer forma, a adoção da hipótese de que um processo de seleção estabilizadora atuou fortemente na diferenciação do tamanho do corpo entre as espécies de carnívoros é conservativa.

O ajuste do modelo auto-regressivo aos dados mostra que grande parte da variação pode ser explicada pela estrutura filogenética das espécies. Esse padrão foi também detectado para outros grupos de organismos (Cheverud et al., 1985; Gittleman et al., 1996). Gittleman et al. (1996) encontraram que cerca de 76% na variação do tamanho do corpo pode ser explicada pela filogenia, para 39 espécies de carnívoros de todo o mundo (incluindo algumas da América do Sul). Esse valor é muito semelhante aos observados para as espécies analisadas neste estudo (73,54% e 78,87%). A principal implicação desses valores elevados de inércia filogenética no caráter é que as correlações entre caracteres ecológicos e de história de vida com o tamanho do corpo, ao longo dessas espécies, podem estar claramente viesadas pela estrutura filogenética nos dados. Nesses casos, os valores de S, em substituição aos valores totais (T), devem ser utilizados na estimativa das correlações a fim de corrigir esse viés (Cheverud et al., 1985; Martins, 1996).

Assim, é possível concluir que o tamanho do corpo dos Carnívoros da América do Sul está estruturado ao longo da filogenia, e que a forma do correlograma sugere que um processo de seleção estabilizadora está envolvido na diferenciação desse caráter. Correlações com outros caracteres devem, portanto, estar baseadas em métodos comparativos a fim de evitar correlações espúrias que possam sugerir adaptações e respostas evolutivas às condições ambientais que de fato não existem.

Em termos metodológicos, os correlogramas filogenéticos podem ser úteis para realizar inferências sobre os processos evolutivos atuando na diferenciação entre as espécies, utilizando-se dados que são normalmente utilizados pelos biólogos e combinando estudos em ecologia, morfologia e sistemática filogenética.

Agradecimentos — Agradecemos a Luis Maurício Bini, Sérgio Furtado dos Reis, Carlos Eduardo Ramos de Sant'Ana, Fernanda Silva Bonfim, Leandro Silveira e Anah Tereza de Almeida Jácomo, pelas valiosas discussões sobre métodos quantitativos em Biologia Comparada e sobre sistemática, ecologia e evolução de carnívoros sul-americanos. Nosso programa de pesquisas em Ecologia e Evolução tem sido constantemente apoiado pelo CNPq, CAPES e FUNAPE/PRPPG, UFG.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2001
  • Data do Fascículo
    Nov 1998

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 1998
  • Aceito
    15 Abr 1998
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