Open-access Efeitos do Exercício na Força Muscular, Fadiga e Capacidade Aeróbica em Pacientes com Doença Óssea do Mieloma Múltiplo: Revisão Sistemática da Literatura

RESUMO

Introdução:  O mieloma múltiplo (MM) é um câncer onco-hematológico caracterizado pela dor óssea e lesões osteolíticas ou doença óssea (DO) no MM, que impactam na qualidade de vida e funcionalidade desses indivíduos. Embora existam revisões sobre a eficácia de programas de exercício em pacientes com MM, não há estudos com recorte específico para os acometidos com DO.

Objetivo:  Evidenciar os efeitos de programas de exercícios na função muscular, capacidade aeróbica e fadiga em pacientes com DO do MM.

Método:  Revisão sistemática registrada no PROSPERO (CRD42024515745) que seguiu os critérios PRISMA. Buscaram-se ensaios clínicos randomizados nas bases de dados PEDro, MEDLINE/PubMed, Cochrane Library, Scopus e CINAHL, sem restrições de idioma ou data de publicação. Descritores e palavras-chave incluíram "mieloma múltiplo" e "exercício". A qualidade metodológica foi avaliada usando a escala PEDro e o risco de viés pela ferramenta Risk of Bias 2.0.

Resultados:  Três ensaios clínicos randomizados foram incluídos, com um total de 219 participantes, 160 apresentaram DO, incluindo indivíduos de ambos os sexos. Os protocolos de exercícios eram semelhantes, combinando exercícios de intensidade moderada e individualizados para cada paciente. Como resultado, houve melhora significativa na fadiga e força muscular. As pontuações de qualidade metodológica variaram de cinco a sete.

Conclusão:  Esta revisão evidencia que exercícios físicos podem melhorar a força muscular e reduzir a fadiga em pacientes com MM que possuem lesões ósseas.

Palavras-chave:
Mieloma Múltiplo/terapia; Terapia por Exercício/métodos; Fadiga/prevenção & controle; Reabilitação; Revisão Sistemática

ABSTRACT

Introduction:  Multiple myeloma (MM) is an oncohematological cancer, characterized by bone pain and osteolytic lesions or myeloma bone disease (BD), which impacts the quality of life and functionality of these individuals. Although there are reviews on the effectiveness of exercise programs in patients with MM, there are no studies specifically focused on those with BD.

Objective:  To evidence the effects of exercise programs on muscle function, aerobic capacity, and fatigue in patients with BD from MM.

Method:  Systematic review registered in PROSPERO (CRD42024515745) that followed the PRISMA criteria. We searched for randomized controlled trials in the PEDro, MEDLINE/PubMed, Cochrane Library, Scopus, and CINAHL databases, without restrictions on language or publication date. Descriptors and keywords included "multiple myeloma" and "exercise". Methodological quality was assessed using the PEDro scale and the risk of bias by the Risk of Bias 2.0 tool.

Results:  Three randomized controlled trials were included, with 219 participants, 160 of whom presented BD, including individuals of both sexes. The exercise protocols were similar, combining moderate-intensity exercises individualized for each patient. As a result, there was a significant improvement in fatigue and muscle strength. Methodological quality scores ranged from five to seven.

Conclusion:  This review highlights that physical exercise can improve muscle strength and reduce fatigue in patients with MM who have bone lesions.

Key words:
Multiple Myeloma/therapy; Exercise Therapy/methods; Fatigue/prevention & control; Rehabilitation; Systematic Review

RESUMEN

Introducción:  El mieloma múltiple (MM) es un cáncer oncohematológico caracterizado por dolor óseo y lesiones osteolíticas o enfermedad ósea en mieloma múltiple (EO), que impactan en la calidad de vida y funcionalidad de estos individuos. Aunque existen revisiones sobre la eficacia de programas de ejercicio en pacientes con MM, no hay estudios específicos para aquellos afectados por EO.

Objetivo:  Evidenciar los efectos de programas de ejercicio en la función muscular, capacidad aeróbica y fatiga en pacientes con EO por MM.

Método:  Revisión sistemática registrada en PROSPERO (CRD42024515745) que siguió los criterios PRISMA. Se buscaron ensayos clínicos aleatorizados en las bases de datos PEDro, MEDLINE/PubMed, Cochrane Library, Scopus y CINAHL, sin restricciones de idioma o fecha de publicación. Los descriptores y palabras clave incluyeron "mieloma múltiple" y "ejercicio". La calidad metodológica se evaluó usando la escala PEDro y el riesgo de sesgo con Risk of Bias 2.0.

Resultados:  Se incluyeron tres ensayos clínicos aleatorizados, con un total de 219 participantes, 160 presentaban EO, incluyendo individuos de ambos sexos. Los protocolos de ejercicio eran similares, combinando ejercicios de intensidad moderada e individualizados para cada paciente. Como resultado, hubo una mejora significativa en la fatiga y fuerza muscular. Las puntuaciones de calidad metodológica variaron entre cinco y siete.

Conclusión:  Esta revisión evidencia que el ejercicio físico puede mejorar la fuerza muscular y reducir la fatiga en pacientes con mieloma múltiple que presentan lesiones óseas.

Palabras clave:
Mieloma Múltiple/terapia; Terapia por Ejercicio/métodos; Fatiga/prevención & control; Rehabilitación; Revisión Sistemática

INTRODUÇÃO

O mieloma múltiplo (MM) é uma neoplasia incurável com origem em células plasmáticas, responsáveis pela produção e liberação de imunoglobulinas monoclonais ou proteínas M1. Os dados epidemiológicos destacam uma incidência ampliada entre indivíduos do sexo masculino, indivíduos afrodescendentes e aqueles com idade superior a 60 anos2. Em virtude da fisiopatologia subjacente do MM e das intervenções terapêuticas, pacientes acometidos exibem um espectro clínico caracterizado por disfunção na reabsorção óssea, comprometimento renal, hemoptise, anemia, fadiga, perda de peso, hipercalcemia e fraturas ósseas2,3.

Aproximadamente 80% dos pacientes com MM manifestam lesões líticas evidentes em radiografias esqueléticas, enquanto outros 5% exibem osteopenia identificada por meio de densitometria óssea4. Há significativamente mais lesões líticas no esqueleto axial do que no esqueleto apendicular. As áreas frequentemente comprometidas incluem as vértebras, crânio, arcos costais, pelve, e segmentos proximais do úmero e fêmur5. Essas fraturas impactam significativamente a qualidade de vida e estão associadas à dor crônica e, frequentemente, às deficiências motoras.

Entre as abordagens terapêuticas para as manifestações ósseas da doença, destaca-se a cinesioterapia, que pode conferir benefícios significativos na funcionalidade desse grupo de pacientes6. Conforme descrito pela Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), a funcionalidade engloba todas as funções corporais, atividades e participação, abrangendo e correlacionando fatores tanto intrínsecos quanto extrínsecos ao indivíduo7.

Em relação às funções corporais, um estudo transversal indicou que força muscular e capacidade aeróbica de pacientes com MM estavam abaixo dos valores de referência8. Concomitantemente, Larsen et al.9 evidenciaram que pacientes recém-diagnosticados com MM apresentam uma função física inferior quando comparados a dados normativos e de outras populações com câncer, sendo essa disparidade especialmente atribuída à presença de doença óssea (DO), dor e ocorrência de fraturas. Essas repercussões são mais pronunciadas em pacientes idosos, nos quais a função física está intrinsecamente vinculada aos níveis de funcionalidade e independência, abrangendo diversos elementos da aptidão física, como resistência, força, flexibilidade, equilíbrio e capacidade aeróbica. Dessa forma, o baixo condicionamento físico pode predizer incapacidades relacionadas às atividades de vida diária e consequente impacto na qualidade de vida10.

Portanto, a identificação precoce do declínio físico e a implementação de estratégias preventivas, como a prática regular de atividade física, tornam-se cruciais para otimizar o prognóstico da doença e preservar a funcionalidade e qualidade de vida desses indivíduos. Uma revisão de literatura anterior já documentou a eficácia e aplicabilidade de programas de exercícios em pacientes com MM6, entretanto, não há estudos com recorte para a população que possui DO, também não foram avaliados desfechos relacionados à função física.

Diante desse cenário, o objetivo desta revisão é avaliar os efeitos de programas de exercícios na função muscular, capacidade aeróbica e fadiga de pacientes diagnosticados com MM que apresentam DO.

MÉTODO

Revisão sistemática da literatura que seguiu critérios delineados pelo guideline Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)11 e o protocolo desta revisão foi registrado na base de dados para estados de revisão sistemática PROSPERO12, sob registro CRD42024515745. Conforme a estratégia PICO, foram considerados: P (paciente) = indivíduos com MM, I (intervenção) = exercícios, C (comparação) = cuidados usuais, O (outcome/desfecho) = fadiga, força muscular periférica e capacidade aeróbica.

Para a seleção dos estudos, foram incluídos artigos completos do tipo ensaio clínico randomizado controlado (ECR), incluindo estudos de viabilidade, que investigaram o efeito de programas de exercício para pacientes com DO decorrente do MM com ênfase na melhora da função muscular, capacidade aeróbica e fadiga. Vale ressaltar que a população não precisava ser composta exclusivamente por pacientes com DO. Os estudos elegíveis deveriam avaliar desfechos na funcionalidade, englobando parâmetros como força muscular, capacidade aeróbica e fadiga relacionada ao câncer. Foram excluídos artigos que não evidenciaram a participação de pacientes com DO ou cujas amostras não eram exclusivamente constituídas por indivíduos com MM.

Para a elaboração deste estudo, foi conduzida uma extensa pesquisa nas bases de dados Physiotherapy Evidence Database (PEDro)13, MEDLINE/PubMed, Cochrane Library, Scopus e CINAHL. Para garantir uma busca abrangente, não houve restrição quanto ao ano de publicação ou idioma. A busca foi feita por meio dos descritores e sinônimos de "Multiple myeloma" e "Exercise", previamente designados pelo sistema Medical Subject Headings (MeSH), e conectados pelos operadores booleanos OR e AND. A estratégia completa de busca nas bases de dados está descrita no Quadro 1.

Quadro 1
Estratégia completa de busca nas bases de dados

Dois revisores independentes e cegos conduziram a seleção dos artigos durante o período de fevereiro a julho de 2024. Inicialmente, a triagem foi realizada por meio da leitura de títulos e resumos, e, posteriormente, os artigos incluídos foram submetidos a uma leitura na íntegra, sendo verificada a sua conformidade com os critérios de elegibilidade estabelecidos. Os revisores extraíram independentemente os dados dos estudos publicados usando uma tabela padrão. Nessa tabela, foram contemplados aspectos relacionados à população do estudo, tipo de intervenção empregada, instrumentos e dispositivos utilizados para avaliar os efeitos na função muscular e capacidade aeróbica antes e após a intervenção, bem como os resultados obtidos.

Para avaliar a qualidade dos artigos, foi aplicada a escala de qualidade PEDro13 que possui 11 critérios. Entre os critérios avaliados, a escala avalia se os critérios de elegibilidade foram descritos, como foi realizada a alocação dos sujeitos, se houve cegamento e como foi feita a análise dos dados. Cada critério contemplado corresponde a um ponto e, destes, o critério 1 não é considerado na pontuação por avaliar a validade externa do estudo, portanto, a pontuação máxima que esses estudos poderiam receber seria 10 pontos13. Assim, estudos com pontuação entre 8 e 10 foram considerados de excelente qualidade; entre 6 e 7 são consideradas de boa qualidade; aqueles com pontuações entre 4 e 5, de qualidade razoável; e os com pontuação inferior a 4, de baixa qualidade14.

A avaliação do risco de viés foi conduzida de forma independente por dois revisores, utilizando a ferramenta Revised Cochrane Risk of Bias 2.0 (RoB 2.0)15 como referência, fornecida pela Cochrane Collaboration. Para medir os possíveis riscos de viés, a RoB 2.0 analisa os seguintes aspectos de um ECR: viés no processo de randomização, desvios da intervenção planejada, viés por dados ausentes, viés na mensuração dos desfechos e viés no relato dos desfechos16. Cada domínio é classificado como de baixo risco de viés, com algumas preocupações ou de alto risco de viés. A avaliação final do estudo é determinada pela pior classificação obtida em qualquer domínio, de modo que, se um único domínio for considerado de alto risco, o estudo como um todo será classificado dessa forma.

RESULTADOS

Entre os 526 artigos identificados nas bases de dados, 153 foram eliminados por serem estudos duplicados. Após a análise de títulos e resumos, 11 artigos foram considerados elegíveis para leitura do texto na íntegra. Adicionalmente, foi realizada pesquisa de citações por busca manual e, a partir desse método, foi incluído mais um estudo. Por fim, apenas três estudos preencheram os critérios de inclusão estabelecidos, conforme descrito na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma da busca e seleção dos artigos

Ao final, os estudos selecionados somaram uma amostra total de 219 participantes, de ambos os sexos, na qual a maioria dos pacientes apresentava DO do MM (n=160; 73%). A faixa etária dos participantes variou entre 35 e 86 anos, com predominância do sexo masculino. Em ambas as categorias, observou-se uma prevalência significativamente maior de pacientes com DO em comparação com aqueles sem esse quadro clínico1719. Entretanto, os participantes estavam em diferentes estádios do câncer. Um dos estudos foi realizado com recém-diagnosticados18, o segundo com pacientes submetidos a transplante de células-tronco19 e o último com sobreviventes que completaram o tratamento há pelo menos seis semanas17.

O programa de exercícios não foi comparado a nenhuma outra intervenção e, dessa forma, o grupo controle seguiu com cuidados de rotina17,19 ou adicionalmente recebeu educação em saúde18.

Os artigos incluídos (Tabela 1) utilizaram os seguintes instrumentos para avaliar os desfechos de interesse deste estudo: o questionário Functional Assessment of Chronic Illness Therapy – Fatigue (FACIT-F)17,19 para avaliar fadiga; dinamômetro manual1719, para força de preensão palmar; teste de 10 repetições máximas (10RM)17, teste de sentar e levantar (TSL)18,19 e dinamômetro18, para força muscular de membros inferiores; e o consumo de oxigênio pico (VO2pico) estimado17 e teste de caminhada de 6 minutos (TC6)18,19, para capacidade aeróbica.

Tabela 1
Delineamento dos estudos selecionados para a revisão sistemática sobre programas de exercícios para pacientes com doença óssea relacionada ao mieloma múltiplo

A força muscular periférica apresentou melhora significativa em dois estudos após o período de intervenção17,19, embora no ECR de Larsen et al.18 o grupo controle tenha superado significativamente o grupo intervenção (exercício) no TSL em diferentes momentos da avaliação. Não houve melhora na força de preensão manual em nenhum dos artigos incluídos1719. Apenas dois ECR avaliaram fadiga, em um deles houve melhora significativa19, enquanto no outro, o programa de exercícios demonstrou pouco efeito17. Por fim, os achados divergiram sobre a capacidade aeróbica após a intervenção, apresentando aumento estatisticamente significativo em um dos estudos18 e incremento da mediana da distância percorrrida quando avaliada pelo TC617, mas sem diferença estatisticamente significativa no estudo que avaliou o VO2pico17.

Quanto à qualidade metodológica, dois estudos selecionados apresentaram qualidade boa, um foi considerado razoável, conforme a escala PEDro, variando entre 5 e 7 pontos (Tabela 2).

Tabela 2
Avaliação da qualidade metodológica pela escala PEDro dos artigos que aplicaram programas de exercícios para pacientes com doença óssea relacionada ao mieloma múltiplo

Em relação ao risco de viés, dois estudos apresentaram algumas preocupações em relação à análise geral e um dos estudos apresentou alto risco de viés (Figura 2). Os domínios mais comprometidos foram desvio da intervenção pretendida, mensuração dos desfechos e descrição dos resultados. O estudo de viabilidade de McCourt et al.19 demandou ajustes no protocolo de pesquisa em razão da pandemia da covid-19, incluindo mudança nos métodos de avaliação.

Figura 2
Avaliação do risco de viés por domínios da Risk of Bias 2.0

DISCUSSÃO

Intervenções de exercício físico têm sido estudadas para melhorar a função física e a qualidade de vida em pacientes com DO do MM, mostrando efeitos benéficos na força muscular e na mobilidade20. Esta revisão demonstrou que programas de exercícios podem ser eficazes na melhora da função física desses pacientes, principalmente em relação à força muscular de membros inferiores e à promoção de benefícios para a fadiga. Os estudos compararam os programas de exercícios com cuidados usuais e orientações para a prática de atividade física no grupo controle e combinaram exercícios aeróbicos com exercícios resistidos e/ou funcionais que ocorriam de forma supervisionada ou individualmente em casa1719.

Os programas de exercícios seguiram as recomendações para a atividade física para essa população com intensidade moderada por dois ou três dias não consecutivos por semana21. Apesar de a prescrição de treino ser personalizada para cada participante, a progressão de carga e dos exercícios aeróbicos também foram semelhantes, considerando os resultados do teste 10RM e a frequência cardíaca máxima prevista. Por fim, a frequência de exercícios dos estudos também foi igual, iniciando com três vezes por semana nos primeiros três meses e progredindo para até quatro vezes na semana no período seguinte1719.

Todos os estudos inclusos não observaram diferença entre os grupos para força de preensão manual1719 e, adicionalmente, Larsen et al.18 observaram redução significativa em pacientes recém-diagnosticados após 6 e 12 meses de intervenção comparado à fase inicial. Entretanto, o período de intervenção deste estudo foi o mais curto (10 semanas) comparado aos demais e não observou melhora na força muscular de membros inferiores, com declínio após seis meses9. Por outro lado, Koutokidis et al.17 implementaram um protocolo de exercícios de seis meses que apresentou melhora significativa do nível da força muscular da perna nos primeiros três meses, no segundo trimestre de intervenção e após 12 meses, indicando os benefícios a longo prazo do exercício. Um estudo piloto de braço único com sobreviventes de MM tratados, em que metade da amostra apresentava DO grave, também relatou significativa melhora na força de membros superiores e inferiores após seis meses por meio de um programa de exercícios combinados22.

O TSL também é uma medida funcional para força de membros inferiores e em dois ECR os pacientes apresentaram melhor desempenho em relação à avaliação inicial, porém sem atingir significância estatística na comparação entre os grupos18,19. Porém, outro estudo com pacientes diagnosticados com leucemia submetidos a um programa multimodal, incluindo exercícios combinados e suporte nutricional, apontou melhora significativa, em favor do grupo intervenção, para esse mesmo desfecho23. Dessa forma, torna-se evidente o efeito positivo na força muscular e, por tratar-se de uma população idosa, o fortalecimento imediato e a longo prazo é essencial tanto para a manutenção da funcionalidade quanto para prevenir o risco de queda e reduzir a morbimortalidade desse grupo.

A capacidade aeróbica de pacientes com DO é significativamente reduzida em comparação com a população geral e pode ser atribuída a vários fatores associados ao MM, incluindo destruição óssea, dor, anemia e fadiga, que afetam negativamente a função física18. Nos estudos desta revisão, a capacidade aeróbica foi avaliada pelo TC618,19 e pelo VO2pico17.

Com relação ao TC6, embora tenha sido observada melhora no grupo intervenção, a diferença não foi estatisticamente significativa, com maiores melhoras da distância durante a fase de reabilitação e após 11 meses18,19. Esses achados vão ao encontro de outros dois ECR de Alibhai et al.24 e Coleman et al.25, na qual os pacientes onco-hematológicos do grupo exercício apresentaram aumento no TC6, mas sem diferença significativa comparado ao grupo controle. Em contrapartida, os estudos de Jarden et al.23 e Knols et al.26 investigaram os efeitos de um programa de exercícios multimodais de 12 semanas em pacientes com neoplasias hematológicas, evidenciando uma melhora significativa no desempenho do TC6.

Um dos ECR analisou o VO2pico estimado para avaliar a capacidade aeróbica que apresentou melhora aparente sem significância estatística aos três meses (p=0,08), o que não foi observado aos seis meses (p=0,27)17. De maneira semelhante, um estudo que também aplicou um programa de exercícios combinados em pacientes com MM não encontrou diferença significativa no VO2pico após três meses e seis meses de intervenção22. Dessa forma, o efeito do exercício na capacidade aeróbica foi inconclusivo, considerando a utilização de diferentes medidas e a divergência de resultados encontrados nos artigos incluídos e outros estudos.

Utilizando o questionário FACIT-F, McCourt et al.19 observaram melhora significativa na fadiga do grupo intervenção, quando comparado ao grupo controle, enquanto o segundo estudo encontrou pouco efeito nessa variável, porém, ao realizar uma análise exploratória com uma amostra que tinha fadiga clínica antes da intervenção17. O estudo de Groeneveldt et al.22, que também utilizou exercícios combinados como intervenção em pacientes com MM e DO, encontrou melhora significativa na fadiga após três meses e após seis meses de intervenção utilizando o mesmo instrumento de avaliação. Esses resultados contrariam os achados de dois ECR em que os pacientes com MM apresentaram piora da fadiga, o que, segundo os autores, pode ser justificado pela crescente quantidade de tratamentos mieloablasivos25,27.

Entretanto, os achados desta revisão coincidem com os resultados de uma revisão com metanálise, que relatou melhora significativa da fadiga por meio de exercícios aeróbicos em pacientes com neoplasias hematológicas28. A fadiga oncológica é um sintoma subjetivo e multifatorial, sujeita a influência de fatores como estilo de vida e fase do tratamento, o que pode justificar também a divergência entre alguns dos achados nos estudos. Ademais, por meio da análise de correlação na linha de base, Koutoukidis et al.17 observaram que os participantes que relataram mais fadiga tinham menor VO2pico (p<0,001) e força de pernas (p=0,017), indicando a correlação negativa entre o nível de fadiga e função física dessa população.

As limitações encontradas nesses estudos foram o tamanho da amostra19, divergência no tempo de acompanhamento das participantes1517, a taxa de desistência dos participantes1719, as adaptações no protocolo de intervenção e a avaliação em razão da pandemia da covid-1919.

Os achados desta revisão são úteis para auxiliar no planejamento terapêutico dos pacientes com MM e lesões osteolíticas visando melhorar a função muscular e capacidade aeróbica e, consequentemente, a sua qualidade de vida. Considerando que frequentemente os sobreviventes de MM sofrem com deformidades persistentes, dor crônica e mobilidade reduzida decorrentes da destruição óssea, pode-se hipotetizar os benefícios da prática de atividade física para melhorar a mobilidade e a capacidade funcional, além de reduzir o risco de quedas e melhorar a saúde óssea21,29. Dessa forma, os programas de exercício devem ser recomendados desde o momento do diagnóstico, pois é uma intervenção não farmacológica segura e baseada em evidências.

O presente estudo apresentou como limitações a escassez de ensaios clínicos sobre o tema com esse recorte populacional, a qualidade dos estudos e a impossibilidade da realização de metanálise, visto que os instrumentos de avaliação dos estudos incluídos foram heterogêneos, de forma que o estudo apresenta apenas a análise qualitativa dos desfechos. Assim, evidencia-se a necessidade de mais ensaios clínicos para avaliar o efeito do exercício nos desfechos analisados e outros, como equilíbrio e coordenação, visando tornar essa evidência mais confiável.

CONCLUSÃO

Esta revisão sistemática destaca os benefícios dos programas de exercícios na melhoria da função muscular de membros inferiores e potenciais benefícios relacionados à fadiga em pacientes com lesões osteolíticas do MM. Os achados foram inconclusivos em relação à capacidade aeróbica.

  • FONTES DE FINANCIAMENTO
    Não há.

DECLARAÇÃO DISPONIBILIDADE DE DADOS

Todos os conteúdos subjacentes ao texto do artigo estão contidos no manuscrito.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Out 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2025
  • Aceito
    27 Ago 2025
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