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Cartas ao Editor

Cartas ao Editor

Senhor Editor,

Recentemente publicado no Boletim do Conselho Federal de Medicina, de autoria do ilustre professor paranaense Dr. Iseu Affonso da Costa, esta biografia descreve com particular clareza a vida do Prof. René Favaloro.

Gostaria de sua avaliação quanto à publicação em nossa Revista. Recebi verbalmente a autorização do Prof. Iseu para esta minha solicitação.

Luiz Fernando Kubrusly

Cirurgião do Hospital Santa Cruz ¾ Curitiba, PR, Brasil; Presidente da Regional do Paraná da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular e Membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular

René Geronimo Favaloro

Deus me perdoará. Este é o seu ofício - Heine

A tragédia encerrou a vida de René Geronimo Favaloro, em 29 de julho de 2000.

É conhecida por todos sua contribuição à cirurgia cardíaca, ao introduzir o enxerto aorto-coronário no tratamento da insuficiência coronariana, em 1967. Entretanto, a apreciação integral de sua personalidade só é possível acompanhando-lhe a vida, passo a passo, desde seus anos acadêmicos em La Plata, até o lance final, em Buenos Aires.

Este argentino, descendente de italianos, católico, arrebatado patriota, viveu, sempre, dominado pelo ideal de liberdade e justiça. O amor pela liberdade ¾ ele mesmo escreveu ¾ foi o motivo predominante que o levou ao "exílio interno" em Jacinto Aráuz, em La Pampa, onde exerceu a medicina rural, juntamente com seu irmão Juan José.

O interregno em Jacinto Aráuz trouxe-lhe a profunda satisfação de realizar sua vocação profissional, ao atender à pobre população rural de sua Pátria.

Desde seus anos acadêmicos em La Plata, atraíra-o a cirurgia torácica, liderada na Argentina pelos irmãos Finochietto, e que passara a incluir a cirurgia cardiovascular.

Decidiu, então, rumar para os Estados Unidos, onde, por influência de seu velho amigo e mestre Mainetti, foi aceito na Cleveland Clinic. Seu desempenho como Residente em Cleveland foi exemplar, e passou a médico efetivo da instituição após "uma carreira inesquecível", conforme a expressão de seu chefe, Donald Effler.

De seu longo trabalho em associação com Mason Sonnes, o criador da cineangiocoronariografia, resultou o bypass aorto-coronário, que revolucionou a terapêutica da isquemia miocárdica.

O sucesso foi imediato e os anos seguintes foram de fastígio, seu nome tornou-se mundialmente famoso, sendo procurado na Clínica por doentes de todos os continentes. Requisitado internacionalmente para operar, proferir conferências e participar de congressos, parecia ter atingido tudo que pudesse desejar.

Aos 47 anos, ele mesmo reconheceu, a decisão lógica e realista seria permanecer em Cleveland. Mas o jovem Favaloro, que um dia deixara seu país para aprender e voltar para servir seus compatriotas e dedicar-se a ensinar os jovens médicos, não havia desaparecido dentro da celebridade cirúrgica.

O destino que escolheu foi enfrentar mais uma decisão crucial: "voltar para a Argentina e dedicar o último terço de sua vida a criar um centro torácico e cardiovascular em Buenos Aires". Foi o que fez.

A Fundação Favaloro tornou-se o maior centro de prática e treinamento de cirurgia torácica e cardiovascular em seu país.

Era um homem político e sua extraordinária atividade cirúrgica não o alheou das preocupações sociais. Não aceitou posições de governo, para as quais foi instado, mas sua posição exerceu forte influência no País, após a derrocada do peronismo.

O sucesso que a Fundação Favaloro alcançou inicialmente, graças ao empenho integral do prestígio que o grande cirurgião lhe garantiu, foi, com o tempo, sendo tragado pelas areias movediças de um sistema social de assistência à saúde inadequado e inviável. Ele nunca se conformou com o triste quadro de não poder prestar o tratamento que sabia ser necessário aos seus pacientes desvalidos.

Amargurava-lhe a crise financeira, de sua Instituição, tanto mais que ela era parte do quadro geral de uma política social e econômica que julgava ruinosa para o País.

Assim, o jovem impetuoso e otimista para tanto vencera, enfrentava o início da senectude com uma perspectiva angustiada e desalentadora.

Favaloro cumpriu, integralmente, a missão de vida a que se propôs.

Sua morte traz à mente as palavras de Richard Bach: "Eis o teste para saber se sua missão na Terra está terminada. Se você está vivo, ela não está terminada".

Iseu Affonso da Costa

Professor Emérito da Universidade Federal do Paraná; Membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Fev 2001
  • Data do Fascículo
    Set 2000
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