Acessibilidade / Reportar erro

Lesão bilateral dos óstios coronários na sífilis cardiovascular: relato de caso

Resumos

A sífilis é uma doença infecciosa que se desenvolve em estágios e pode acometer o sistema cardiovascular e neurológico. Em 30% dos pacientes não tratados, a sífilis desenvolve sua forma terciária. Relatamos o caso de um homem de 46 anos, admitido por edema pulmonar agudo por cardiopatia isquêmica com bloqueio completo do ramo esquerdo, submetido a terapia fibrinolítica com sucesso. Angiografia coronária mostrou lesão ostial de 90% na artéria coronária esquerda e oclusão do óstio da artéria coronária direita. Os títulos de VDRL foram de 1/128. O paciente foi submetido a revascularização do miocárdio e recebeu alta após tratamento antibiótico com penicilina cristalina.

Sífilis cardiovascular; Aortite; Coronariopatia; Edema pulmonar; Infarto do miocárdio


Syphilis is an infectious disease occurring through a series of frequently overlapping stages. It can impair the cardiovascular and neurological system. In 30% of the non treated patients, syphilis develops your tertiary form. We report a case of a 46-year-old male patient admitted due to edema pulmonary and acute coronary syndrome with left bundle branch block, submitted to fibrinolytic therapy successfully. Coronary angiography showed a 90% ostial lesion of left main coronary artery and occlusion of the right coronary artery ostium. VDRL was titrated to 1/128. The patient was undergone to CABG and was discharged after treatment with crystalline penicillin.

Syphilis, cardiovascular; Aortitis; Coronary disease; Pulmonary edema; Myocardial infarction


RELATO DE CASO

Lesão bilateral dos óstios coronários na sífilis cardiovascular: relato de caso

Mauricio de Nassau MachadoI; Percival F. TrindadeII; Rafael Carlos MirandaIII; Lilia Nigro MaiaIV

IEspecialização; Cardiologista-chefe da Unidade de pós-operatório da Cirurgia Cardíaca do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto

IIEspecialização; cardiologista assistente da Unidade Coronária e pós-operatório da Cirurgia Cardíaca do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto

IIIEspecialização; cardiologista assistente da Unidade Coronária e pós-operatório da Cirurgia Cardíaca do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto

IVDoutorado; Cardiologista-chefe da Unidade Coronária do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Mauricio de Nassau Machado Av. Brigadeiro Faria Lima, 5544 São Pedro - São José do Rio Preto SP - Brasil - CEP 15090-000 E-mail: maunmac@gmail.com

RESUMO

A sífilis é uma doença infecciosa que se desenvolve em estágios e pode acometer o sistema cardiovascular e neurológico. Em 30% dos pacientes não tratados, a sífilis desenvolve sua forma terciária. Relatamos o caso de um homem de 46 anos, admitido por edema pulmonar agudo por cardiopatia isquêmica com bloqueio completo do ramo esquerdo, submetido a terapia fibrinolítica com sucesso. Angiografia coronária mostrou lesão ostial de 90% na artéria coronária esquerda e oclusão do óstio da artéria coronária direita. Os títulos de VDRL foram de 1/128. O paciente foi submetido a revascularização do miocárdio e recebeu alta após tratamento antibiótico com penicilina cristalina.

Descritores: Sífilis cardiovascular. Aortite. Coronariopatia. Edema pulmonar. Infarto do miocárdio.

INTRODUÇÃO

A sífilis é uma doença infecciosa transmitida principalmente por via sexual e que pode ter diversas apresentações clínicas em suas várias fases [1]. Aortite sifilítica e, principalmente, lesão dos óstios coronários com leito distal normal são apresentações raramente vistas atualmente [2], sendo também incomum lesões ostiais levarem a infarto agudo do miocárdio [3]. Apesar da sífilis cardiovascular não ser uma condição freqüente, ela deve ser considerada nos casos de lesões ostiais isoladas.

Relatamos o caso de um paciente do sexo masculino, 46 anos, sem fatores de risco para doença arterial coronária aterosclerótica, admitido por edema agudo do pulmão e provável cardiopatia isquêmica. Angiografia coronária mostrou lesão ostial de 90% na artéria coronária esquerda e oclusão do óstio da artéria coronária direita. FTA-abs foi reagente e os títulos de VDRL foram de 1/128. O paciente foi submetido à revascularização do miocárdio e recebeu alta após tratamento antibiótico com penicilina cristalina.

RELATO DO CASO

Homem de 46 anos, atendido com quadro de dispnéia rapidamente progressiva iniciada em repouso e associada a sudorese fria e chiado no peito. Ex-tabagista, negou outros antecedentes pessoais patológicos.

No exame físico de admissão, apresentava pressão arterial de 130/70 mmHg, freqüência cardíaca de 143 bpm, freqüência respiratória de 29 irpm, com saturação de oxigênio pela oximetria de pulso de 74% e ausculta pulmonar com crepitações em todos os campos pulmonares.

O eletrocardiograma mostrou distúrbio de condução pelo ramo esquerdo, que foi presumido ser recente e o edema agudo pulmonar (EAP) foi considerado como secundário à cardiopatia isquêmica, sendo o paciente submetido a terapia fibrinolítica com estreptoquinase três horas após o início dos sintomas, com reversão do quadro pulmonar e estabilização clínica.

Os exames laboratoriais de admissão mostraram elevação da troponina T (2,030 ng/mL - VR < 0,01 ng/mL), CK-MB (61 UI/L - VR < 25 UI/L) e proteína C reativa (2,55 mg/mL - VR < 0,5 mg/mL). O ecocardiograma bidimensional mostrou acinesia dos segmentos médio e basal da parede anterior e hipocinesia dos segmentos médio e basal da parede ântero-septal. A função sistólica global do VE, avaliada pelo índice de contratilidade segmentar da ASE (American Society of Echocardiography), mostrou escore de 1,23. O mapeamento do fluxo em cores identificou refluxos aórtico e mitral discretos.

A angiografia coronária mostrou lesão de 90% no óstio da artéria coronária esquerda e oclusão do óstio da artéria coronária direita, sem lesões no leito coronário distal (Figura 1).


O paciente negou doenças sexualmente transmissíveis de que tivesse tido conhecimento ou feito tratamento específico. O VDRL foi reagente em títulos de 1/128 e o FTA-abs foi reagente. As sorologias para fator reumatóide, fator antinúcleo, hepatite B e C e HIV foram não-reagentes. O exame do líquor mostrou VDRL, hemaglutinação e imunofluorecência indireta não reagentes.

Iniciado tratamento com penicilina cristalina IV na dose de 24 milhões de UI por dia e não houve exacerbação das lesões. O paciente foi submetido a cirurgia de revascularização do miocárdio com suporte circulatório com balão intra-aórtico com implante da artéria torácica interna esquerda para artéria descendente anterior e enxerto de safena para artérias primeira marginal esquerda e artéria coronária direita sem intercorrências cirúrgicas.

O estudo anatomopatológico de fragmento de aorta retirado no ato cirúrgico mostrou reação inflamatória com infiltrado linfocitário peri-vascular (vasa vasorum), compatível com aortite sifilítica (Figura 2).


Ecocardiograma não mostrou alterações em relação ao exame pré-operatório. Recebeu alta hospitalar após 21 dias de tratamento com penicilina cristalina intravenosa, assintomático do ponto de vista cardiovascular e com boa evolução da ferida operatória.

DISCUSSÃO

No caso relatado, a presença de lesão ostial à angiografia coronária levantou a suspeita de aortite em um paciente sem fatores de risco para doença coronária aterosclerótica. Apesar de não haver uma história prévia de doença sexualmente transmissível, o diagnóstico de aortite sifilítica com comprometimento ostial coronário foi feito pela presença de altos títulos de VRDL e FTA-abs positivo, além de achados angiográficos e histopatológicos compatíveis com a doença.

A sífilis é uma doença infecciosa que se desenvolve em estágios seqüenciais, podendo permanecer latente por vários anos e, na sua forma terciária, pode acometer o sistema cardiovascular e neurológico [1]. Em aproximadamente 30% dos pacientes não tratados, a sífilis terciária se manifesta entre 10 a 30 anos após a infecção primária [4].

Há quatro categorias de doença cardiovascular sifilítica: 1 - aortite sifilítica não complicada, 2 - aneurisma aórtico sifilítico, 3 - valvulite aórtica sifilítica com regurgitação aórtica e, 4 - estenose sifilítica de óstio coronário [5].

Em uma análise de 2105 angiografias de pacientes com doença arterial coronária, Thompson [6] encontrou incidência de 0,14% de lesões ostiais bilaterais, sem doença no leito coronário distal, todas em mulheres com VDRL não reagentes.

Na fase terciária da sífilis, a aorta é afetada em cerca de 50% dos casos, sendo a formação de aneurismas saculares e o estreitamento ostial coronário as manifestações clínicas mais comuns da aortite sifilítica [7].

Apesar da aortite sifilítica e dos aneurismas micóticos representarem a maioria das desordens inflamatórias da aorta nos relatos de autópsias [5], eles têm sido relativamente incomuns nas séries de patologia cirúrgica. Em estudo de Homme et al. [2], realizado em 513 pacientes consecutivos submetidos a ressecção cirúrgica da aorta ascendente, macroscopicamente, arterite foi encontrada em 6,4% dos pacientes e achados microscópicos compatíveis com aortite em 11,1%. Em nenhum dos casos foi diagnosticada aortite sifilítica.

Lesão ostial coronária pode ser vista em até 26% dos pacientes com aortite sifilítica, mas é incomum que lesões ostiais levem a infarto agudo do miocárdio [3,8,9]. Pacientes com lesão coronária ostial bilateral sem doença arterial coronária distal e aqueles com aneurismas de aorta ascendente devem ser triados para sífilis. Apesar de baixa associação com sífilis cardiovascular, exame do líquor deve ser realizado para se afastar neurosífilis e pesquisa de outras doenças sexualmente transmissíveis, incluindo HIV, também devem ser consideradas [10].

Apesar de pouco freqüente, a aortite sifilítica deve ser suspeitada e pesquisada em pacientes com lesões de óstio coronário.

Artigo recebido em 17 de dezembro de 2007

Artigo aprovado em 18 de fevereiro de 2008

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP, São José do Rio Preto, SP, Brasil.

  • 1. Clark EG, Danbolt N. The Oslo study of the natural history of untreated syphilis; an epidemiologic investigation based on a restudy of the Boeck-Bruusgaard material; a review and appraisal. J Chronic Dis. 1955;2(3):311-44.
  • 2. Homme JL, Aubry MC, Edwards WD, Bagniewski SM, Shane-Pankratz V, Kral CA, et al. Surgical pathology of the ascending aorta: a clinicopathologic study of 513 cases. Am J Surg Pathol. 2006;30(9):1159-68.
  • 3. Kennedy JL, Barnard JJ, Prahlow JA. Syphilitic coronary artery ostial stenosis resulting in acute myocardial infarction and death. Cardiology. 2006;105(1):25-9.
  • 4. Rockwell DH, Yobs AR, Moore Jr MB. The Tuskegee study of untreated syphilis: the 30th year of observation. Arch Intern Med. 1964;114:792-8.
  • 5. Heggtveit HA. Syphilitic aortitis. A clinicopathologic autopsy study of 100 cases, 1950 to 1960. Circulation 1964;29:346-55.
  • 6. Thompson R. Isolated coronary ostial stenosis in women. J Am Coll Cardiol. 1986;7(5):997-1003.
  • 7. Corso RB, Kraychete N, Nardeli S, Moitinho R, Ourives C, Barbosa PJ, et al. Aneurisma luético de arco aórtico roto, complicado pela oclusão de vasos braquiocefálicos e acidente vascular encefálico isquêmico: relato de caso tratado cirurgicamente. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2002;17(2):63-9.
  • 8. Ferrari AH, Miyagui T, Praxedes IK, Soares WT. Luetic ostial mesoaortitis and myocardial infarction. A case report. Arq Bras Cardiol. 1986;46(6):421-4.
  • 9. Carneiro RC, Lion MF, Oliveira PR, San Juan S. Syphilitic coronary ostial obstruction. Arq Bras Cardiol. 1976;29(3):235-9.
  • 10. Tong SY, Haqqani H, Street AC. A pox on the heart: five cases of cardiovascular syphilis. Med J Aust. 2006;184(5):241-3.
  • Endereço para correspondência:
    Mauricio de Nassau Machado
    Av. Brigadeiro Faria Lima, 5544
    São Pedro - São José do Rio Preto
    SP - Brasil - CEP 15090-000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      18 Fev 2008
    • Recebido
      17 Dez 2007
    Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular Rua Afonso Celso, 1178 Vila Mariana, CEP: 04119-061 - São Paulo/SP Brazil, Tel +55 (11) 3849-0341, Tel +55 (11) 5096-0079 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: bjcvs@sbccv.org.br