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Tratamento cirúrgico da ectopia cordis: relato de três casos e revisão da literatura

Surgical repair of ectopia cordis: report of three cases and a review of the literature

Resumos

Entre 1985 e 1990, três neonatos portadores de ectopia cordis (EC) foram admitidos no InCor - FMUSP; dois com defeito do tipo tóraco-abdominal e um do tipo torácico. Todas as crianças tinham anomalias cardíacas associadas: atresia tricúspide tipo I-A, ausência de artérias pulmonares centrais e colaterais sistêmico-pulmonares (um paciente); comunicação interventricular (CIV) e comunicação interatrial (CIA) (um paciente); CIA (um paciente). Uma criança não foi operada, devido a infecção e laceração da artéria pulmonar, indo a óbito por sangramento. As duas outras foram operadas, na tentativa de se recobrir o coração com pele; uma foi a óbito no 1º dia de pós-operatório, por baixo débito (BD); a outra teve evolução mais longa, indo a óbito no 141º dia de pós-operatório, causado por insuficiência respiratória. A longa evolução desse último paciente deveu-se a um defeito cardíaco de pouca repercussão hemodinâmica (CIA) e à colaboração de um cirurgião plástico na equipe cirúrgica. Este trabalho relata esses três casos e faz uma suscinta revisão da literatura.

ectopia cordis


Between 1985 and 1990, three neonates with ectopia cordis (EC) were admitted to the InCor - FMUSP; two had thoracoabdominal type and one thoracic type. All patients had associated cardiac anomalies: tricuspid atresia type I-A, abscence of central pulmonary arteries and systemic-pulmonary collaterals (one patient); ventricular septal defect (VSD) and atrial septal defect (ASD) (one patient); ASD (one patient). One child was not operated upon, due to infection in pulmonary artery laceration, with death caused by bleeding. The others were operated upon in order to provide a skin coverage; one died in low cardiac output on the early postoperative period; the other died on the 141 st day of postoperative period, caused by respiratory failure. This long evolution was possibly due to a cardiac defect with no significant repercussion (ASD) and to a contribution of a plastic surgeon. This paper describes these three cases and makes a brief review of the literature.

ectopia cordis


Tratamento cirúrgico da ectopia cordis: relato de três casos e revisão da literatura

Surgical repair of ectopia cordis: report of three cases and a review of the literature

Arlindo A. RisoI; Miguel Barbaro-MarcialI; Orlando LudoviciI; Deipara M. A. MachadoI; Munir EbaidI; José Otávio C. Auler Júnior; Geraldo VerginelliI; Adib D. JateneI

IDo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para separatas Endereço para separatas: Arlindo Riso Divisão Cirúrgica Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 05403 São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Entre 1985 e 1990, três neonatos portadores de ectopia cordis (EC) foram admitidos no InCor - FMUSP; dois com defeito do tipo tóraco-abdominal e um do tipo torácico. Todas as crianças tinham anomalias cardíacas associadas: atresia tricúspide tipo I-A, ausência de artérias pulmonares centrais e colaterais sistêmico-pulmonares (um paciente); comunicação interventricular (CIV) e comunicação interatrial (CIA) (um paciente); CIA (um paciente). Uma criança não foi operada, devido a infecção e laceração da artéria pulmonar, indo a óbito por sangramento. As duas outras foram operadas, na tentativa de se recobrir o coração com pele; uma foi a óbito no 1º dia de pós-operatório, por baixo débito (BD); a outra teve evolução mais longa, indo a óbito no 141º dia de pós-operatório, causado por insuficiência respiratória. A longa evolução desse último paciente deveu-se a um defeito cardíaco de pouca repercussão hemodinâmica (CIA) e à colaboração de um cirurgião plástico na equipe cirúrgica. Este trabalho relata esses três casos e faz uma suscinta revisão da literatura.

Descritores: ectopia cordis, cirurgia.

ABSTRACT

Between 1985 and 1990, three neonates with ectopia cordis (EC) were admitted to the InCor - FMUSP; two had thoracoabdominal type and one thoracic type. All patients had associated cardiac anomalies: tricuspid atresia type I-A, abscence of central pulmonary arteries and systemic-pulmonary collaterals (one patient); ventricular septal defect (VSD) and atrial septal defect (ASD) (one patient); ASD (one patient). One child was not operated upon, due to infection in pulmonary artery laceration, with death caused by bleeding. The others were operated upon in order to provide a skin coverage; one died in low cardiac output on the early postoperative period; the other died on the 141 st day of postoperative period, caused by respiratory failure. This long evolution was possibly due to a cardiac defect with no significant repercussion (ASD) and to a contribution of a plastic surgeon. This paper describes these three cases and makes a brief review of the literature.

Descriptors: ectopia cordis, surgery.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 DOBELL, A. R. C.; WILLIAMS, H. B.; LONG, R. W. - Staged repair of ectopia cordis. J. Pediat. Surg., 17: 353-358, 1982.

2 ESCOBAR, M.; FRANÇA, N. A. C.; LOBO, F.; MARKMAN FILHO, B.; MAIA, F.; LAGES, E. A.; MARKMAN, P.; BUARQUE, F.; OLIVEIRA, S.; BARBOSA, J. M. M.; LIMA, R. - Ectopia cordis: a respeito de um caso. Rev. Norte-Nordeste Cir. Cardiovasc., 1: 19-22, 1988.

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5 KAPLAN, L. C.; MATSOUKA, R.; GILBERT, E. F.; OPITZ, J. M.; KURNIT, D. M. - Ectopia cordis and cleft sternum: evidence for mechanical teratogenesis following rupture of the Clorion or Yolk sac. Am. J. Med. Genet., 21:187-199, 1985.

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7 LECA, F.; THIBERT, M.; KHOURY, W.; FERMONT, L.; LABORDE, F.; DUMEZ, Y. - Extrathoracic heart (ectopia cordis): report of two cases and review of the literature. Int. J. Cardiol., 22: 221-228, 1989.

8 MILLHOUSE, R. F. & JOOS, H. A. - Extrathoracic ectopia cordis: report of cases and review of literature. Am. Heart. J., 57: 443-444, 1987.

9 MUELLER, G. & SCHALLER, A. - Ectopia cordis cervicalis: a case report. Tetralogy, 25: 277-281, 1982.

10 POULIAS, G. E.; RAFTOPOULUS, J.; POLEMIS, L.: SKOUTAS, B.; KATSOULI, R. - Total thoracic ectopia cordis with complete abscence of sternum and pericardium and double diverticulum. J. Cardiovasc. Surg., 23: 75-78, 1982.

11 ULMER, H. E.; STOLZ, W.; KUHL, G.; MECHTERSHEIMER, G. - Ectopia Cordis: Bericht ueber einen praenatal diagnotizierten Fall und eine kurze Uebersicht ueber die Literatur. Monatsschr. Kinderheilkd., 137: 468-471, 1989.

Trabalho realizado no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil.

Apresentado ao 18º Congresso Nacional de Cirurgia Cardíaca. Rio de Janeiro, RJ, 5 e 6 de abril, 1991.

Discussão

DR. LUIZ CARLOS BENTO DE SOUZA

São Paulo, SP

A oportunidade de ter analisado o texto deste trabalho evidenciou ser o mesmo uma revisão cuidadosa de um tema raramente apresentado. Este comentário tem a finalidade de concordar e dar suporte às conclusões elaboradas, principalmente aquelas relativas à conduta, onde o esquema seqüencial do tratamento (cobertura do órgão protegendo-o de infecção, diagnóstico e correção da cardiopatia com reconstrução da parede torácica auxiliado por cirurgião plástico) parece ser a a melhor conduta. A nossa experiência resume-se a dois casos, que foram operados no 2º dia de vida, com ectopia tipo torácica, com ausência de esterno e portadores de cardiopatia. No primeiro caso, tentou-se a cobertura do órgão com pele, porém a distorção e a angulação dos vasos da base foram a causa mortis nas primeiras horas de pós-operatório. No 2º caso, os sinais infecciosos eram muito evidentes. Resolveu-se recobrir o órgão após dissecção da pele com membrana de pericárdio bovino, colocando-se cateteres para lavagem contínua com solução de povidine (2%). Faleceu no 2º dia de pós-operatório, em insuficiência respiratória. Acho que a possibilidade em se conseguir algum resultado deva ser nos casos de ectopia do tipo toracoabdominal, por facilitar mais a reconstrução da parede, e naqueles em que a cardiopatia por mais benigna (CIA, CIV, divertículo do VE). Meus cumprimentos ao Dr. Arlindo e seus colaboradores.

DR. RICARDO DE CARVALHO LIMA

Recife, PE

Inicialmente, gostaríamos de nos congratular com os autores, pela excelente apresentação. Ao nosso ver, o valor deste trabalho encontra-se em trazer para discussão patologia extremamente rara, acontecendo numa freqüência abaixo de 1 por 100.000 nascimentos. O trabalho aqui relatado faz minuciosa descrição dos casos apresentados, bem como uma atualizada revisão da literatura. Concordamos com os autores, quanto à dificuldade para se definir "ectopia cordis", sendo a definição dada por Kanagasuntheram e Versin a mais abrangente. A classificação de: cervical, toracocervical, torácica, toracoabdominal (síndrome de Cantrell) e abdominal nos parece bem satisfatória. Dos cinco tipos o mais freqüentes é a torácica, comprometendo 60% dos casos. A "ectopia cordis" tem sido descrita em outros animais mamíferos e aves. Patten acredita que o defeito se estabeleça em torno da terceira semana de desenvolvimento do feto. Na nossa experiência, no período de julho de 1976 a março de 1990, tivemos a oportunidade de receber no Unitorax - Unidade de Tratamento Cardiotorácico, Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco, duas crianças portadoras de "ectopia cordis". Ambas tiveram o diagnóstico na fase pré-natal através de ultrassonografia de rotina para avaliação da gestação. O caso de número 1 era do tipo torácica e, no caso de número 2, foi observada ectopia tipo toracoabdominal. Em ambos os casos, foi possível a colocação do coração dentro do tórax, sendo necessário o uso de material protético em um paciente e, no outro, recobrir o coração com rotação do músculo peitoral direito e esquerdo e aproximação da pele. No primeiro paciente, o pós-operatório foi tumultuado, vindo a falecer na 12º hora de pós-operatório. A necropsia revelou severa cardiopatia associada, coração univentricular tipo ventrículo direito com hipoplasia do arco aórtico. No segundo paciente, as primeiras 48 horas foram bastante animadoras, com o paciente mantendo excelentes condições hemodinâmicas; no entanto, após esse período, o quadro clínico deteriorou devido a sepsis, vindo o paciente a falecer na 80º hora de pós-operatório. Neste caso, o coração era inteiramente normal. Acreditamos que apesar da alta mortalidade desta malformação é possível, com o auxílio do diagnóstico na fase pré-natal através da ultrassonografia, preciso diagnóstico dos defeitos associados, adequada técnica cirúrgica, participação do cirurgião plástico na equipe e extremo cuidado com infecção, obter-se êxito para tão desafiante defeito. Para finalizarmos, gostaríamos de, mai uma vez, parabenizar a equipe de cirurgia cardíaca do Instituto do Coração de São Paulo.

DR. RISO

(Encerrando)

Agradeço os comentários do Dr. Luiz Carlos e, principalmente, a apresentação dos casos por ele acompanhados. Esses exemplos reforçam as dificuldades e os desafios encontrados por aqueles que se propõem a tratar esses pacientes. Ao Dr. Ricardo, gostaria de agradecer pelo enriquecimento a este estudo, através dos comentários sobre a literatura. Concordamos também com os fatores citados que poderão alterar a mortalidade, ressaltando o diagnóstico pré-natal e o auxílio do cirurgião plástico.

  • 1 DOBELL, A. R. C.; WILLIAMS, H. B.; LONG, R. W. - Staged repair of ectopia cordis. J. Pediat. Surg, 17: 353-358, 1982.
  • 2 ESCOBAR, M.; FRANÇA, N. A. C.; LOBO, F.; MARKMAN FILHO, B.; MAIA, F.; LAGES, E. A.; MARKMAN, P.; BUARQUE, F.; OLIVEIRA, S.; BARBOSA, J. M. M.; LIMA, R. - Ectopia cordis: a respeito de um caso. Rev. Norte-Nordeste Cir. Cardiovasc, 1: 19-22, 1988.
  • 3 GLASS, R. B. & FERNBACH, S. K. - Ectopia cordis and radiographic changes of a new surgical repair technique: case report. Clin. Radiol, 38: 443-444, 1987.
  • 4 JONES, A. F.; McGRATH, R. L.; EDWARDS, S. M.; LILLY, J. R. - Immediate operation for ectopia cordis. Ann. Thorac. Surg, 28: 484-486, 1979.
  • 5 KAPLAN, L. C.; MATSOUKA, R.; GILBERT, E. F.; OPITZ, J. M.; KURNIT, D. M. - Ectopia cordis and cleft sternum: evidence for mechanical teratogenesis following rupture of the Clorion or Yolk sac. Am. J. Med. Genet, 21:187-199, 1985.
  • 6 KHOURY, M. J.; CORDERO, J. F.; RASMUSSEN, S. - Ectopia cordis, midline defects and chromosome normalities: an epidemiologic perspective. Am. J. Med. Genet., 30: 811-817, 1988.
  • 7 LECA, F.; THIBERT, M.; KHOURY, W.; FERMONT, L.; LABORDE, F.; DUMEZ, Y. - Extrathoracic heart (ectopia cordis): report of two cases and review of the literature. Int. J. Cardiol, 22: 221-228, 1989.
  • 8 MILLHOUSE, R. F. & JOOS, H. A. - Extrathoracic ectopia cordis: report of cases and review of literature. Am. Heart. J, 57: 443-444, 1987.
  • 9 MUELLER, G. & SCHALLER, A. - Ectopia cordis cervicalis: a case report. Tetralogy, 25: 277-281, 1982.
  • 10 POULIAS, G. E.; RAFTOPOULUS, J.; POLEMIS, L.: SKOUTAS, B.; KATSOULI, R. - Total thoracic ectopia cordis with complete abscence of sternum and pericardium and double diverticulum. J. Cardiovasc. Surg, 23: 75-78, 1982.
  • 11 ULMER, H. E.; STOLZ, W.; KUHL, G.; MECHTERSHEIMER, G. - Ectopia Cordis: Bericht ueber einen praenatal diagnotizierten Fall und eine kurze Uebersicht ueber die Literatur. Monatsschr. Kinderheilkd, 137: 468-471, 1989.
  • Endereço para separatas:

    Arlindo Riso
    Divisão Cirúrgica
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44
    05403 São Paulo, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 1991
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