Open-access O financiamento federal do esporte de alto rendimento no Ciclo Olímpico e Paralímpico Rio 2016

The federal funding for high performance sport at Rio 2016 Olympic and Paralympic Cycle

Los fondos federales del deporte de alto rendimiento en el Ciclo Olímpico y Paralímpico Rio 2016

RESUMO

O objetivo foi analisar o financiamento e o gasto público federal do Esporte de Alto Rendimento (EAR) no Ciclo Rio 2016. Trata-se de uma pesquisa com abordagem quanti-qualitativa, a partir da análise dos documentos coletados no Portal Transparência no Esporte e no Portal da Legislação do Governo Federal. No Ciclo Rio 2016, o Governo Federal criou diferentes dispositivos políticos e legais que buscaram alçar o Brasil à potência esportiva; eles refletiram diretamente sobre o financiamento federal do EAR. Os principais recursos do EAR do Ciclo Rio 2016 foram de patrocínio das estatais federais, concursos prognósticos e loterias para entidades esportivas, Lei de Incentivo ao Esporte e recursos do Ministério do Esporte.

Palavras-chave: Políticas públicas; Financiamento esportivo; Esporte de alto rendimento; Jogos Rio 2016

ABSTRACT

The objective was to analyze the funding and federal public spending on High Performance Sport (HPS) in the Rio 2016 Cycle. This is a research with quantitative and qualitative approach, based on the analysis of documents collected from the Portal Transparência no Esporte and the Portal da Legislação do Governo Federal. In the Rio 2016 Cycle, the Federal Government created different political and legal provisions that sought to elevate Brazil a sports power, they reflected directly on the federal funding of the HPS. The Rio 2016 Cycle's main HPS resources were sponsored byfederal state-owned companies, prognostic contests and lotteries for sports entities, Lei de Incentivo ao Esporte (Sports Incentive Law) and resources from the Brazilian Ministry of Sports.

Keywords: Public policies; Sports financing; High performance sport; Rio 2016 Games

RESUMEN

El objetivo fue analizar la financiación y el gasto público federal del Deporte de Alto Rendimiento (DAR) en el ciclo Río 2016. Esta es una investigación con enfoque cuantitativo y cualitativo, a partir del análisis de los documentos recopilados en el Portal Transparência no Esporte y en el Portal da Legislação do Governo Federal. En el Ciclo Río 2016, el Gobierno Federal creó diferentes disposiciones políticas y legales que buscaban elevar a Brasil a potencia deportiva, reflexionaron directamente sobre la financiación federal del DAR. Los principales recursos del DAR en el Ciclo Río 2016 fueron el patrocinio de empresas estatales federales, concursos de pronóstico y loterías para entidades deportivas, la Ley de Incentivo al Deporte y recursos del Ministerio de Deportes.

Palabras-clave: Políticas públicas; Financiamiento deportivo; Deporte de alto rendimiento; Juegos Río 2016

INTRODUÇÃO

No dia 2 de outubro de 2009, a cidade do Rio de Janeiro, no Brasil, foi escolhida como sede dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 (Jogos Rio 2016). A vitória aconteceu depois de três tentativas frustradas, em 2004, 2008 e 2012, e gerou uma demanda para o governo brasileiro de criar diferentes dispositivos políticos para possibilitar a sua participação nos Jogos Rio 2016 (Santos et al., 2012; Matias e Mascarenhas, 2017).

Em 2010, a III Conferência Nacional do Esporte (CNE) foi convocada com o objetivo de discutir o Plano Decenal do Esporte e Lazer (PDEL) – “Por um time chamado Brasil: 10 pontos em 10 anos para projetar o Brasil entre os 10 mais”. A tônica foi planejar a política esportiva brasileira, tendo como foco o Esporte de Alto Rendimento (EAR) e a participação nos Jogos Rio 2016. A discussão da III CNE se distanciou do que foi debatido na I e II CNE, quando o direito ao esporte e a construção do Sistema Nacional de Esporte foram as temáticas centrais (Castelan, 2011).

Os elementos supracitados reverberaram na construção do Plano Plurianual (PPA) – 2012-2015, que tinha como objetivo transformar o Brasil em uma potência esportiva mundialmente reconhecida, com apoio à preparação de atletas, qualificação da gestão e melhoria e articulação das infraestruturas (Brasil, 2012).

Como preparação para o Jogos Rio 2016, o Programa Bolsa Atleta foi alterado a partir da Lei nº 12.395/2011, tendo criado a categoria Atleta Pódio destinada aos atletas de modalidades individuais olímpicas e paralímpicas e a categoria Atleta de Base. O Programa Bolsa Atleta já contava com as categorias Estudantil, Atleta Nacional, Atleta Internacional e Atleta Olímpico ou Paraolímpico. Na referida legislação, foram criados o Programa Cidade Esportiva – destinado aos municípios brasileiros incentivadores do EAR – e a Rede Nacional de Treinamento (Brasil, 2011)

Em 2012, foi lançado o Plano Brasil Medalhas, cujo objetivo era “[...] colocar o Brasil entre os 10 primeiros países nos Jogos Olímpicos e entre os cinco primeiros nos Jogos Paraolímpicos do Rio de Janeiro [...]. Além disso, se destina a formar novas gerações de atletas das modalidades e estruturar centros de treinamentos [...]” (Brasil, 2019b). Para isso, a proposta previa R$ 1 bilhão adicional de recursos para o esporte, tendo como fonte o Ministério do Esporte (ME) e o patrocínio das empresas estatais (Rede Nacional do Esporte, 2019).

O Ciclo Olímpico e Paralímpico dos Jogos Rio 2016 (Ciclo Rio 2016) ganhou destaque na literatura científica. Figuerôa et al. (2013) buscaram apresentar um panorama do EAR – planejamento, programas, ações e financiamento – no contexto da organização dos Jogos Rio 2016. Matias e Mascarenhas (2017) discutiram sobre a influência dos megaeventos esportivos, na agenda política esportiva, com ênfase no planejamento, arranjo institucional, ordenamento jurídico e financiamento. Macedo (2018) buscou identificar a relação entre as receitas recebidas pelas confederações brasileiras e os resultados obtidos nos Jogos Rio 2016.

Do ponto de vista do financiamento e gasto, no período do Ciclo Rio 2016, Ferreira et al. (2018) avaliaram o esporte paralímpico de 2008 a 2016. Carneiro (2018), Carneiro et al. (2019) e Castro e Mezzadri (2019) analisaram as diferentes fontes de financiamento do Ciclo. Não há estudo que tenha analisado especificamente o financiamento e o gasto com o Ciclo Rio 2016, embora ciclos olímpicos anteriores tenham sido analisados por Teixeira et al. (2017a).

Santos et al. (2012) analisaram a política adotada pelo Brasil no Ciclo Olímpico Rio 2016 e apontaram que não bastava o investimento financeiro para ser uma potência olímpica. Estamos de acordo com os autores, contudo compreendemos que analisar os diferentes recursos que foram direcionados para o EAR no Ciclo Rio 2016 é uma chave interpretativa importante para se compreender aquilo que foi priorizado pelo Governo Federal na política de EAR no Ciclo Rio 2016, sendo necessários recursos financeiros para que as diferentes ações fossem materializadas.

Tendo por base as diferentes ações desenvolvidas pelo Governo Federal para que o EAR se fortalecesse no Ciclo Rio 2016 e a falta de estudos sobre seu financiamento e gasto, temos como objetivo analisar o financiamento e gasto público federal do EAR no Ciclo Rio 2016.

METODOLOGIA

Este estudo apresenta abordagem quanti-qualitativa e se apoiou em levantamento documental. O recorte temporal compreende os anos de 2013 a 2016 (Ciclo Rio 2016). A coleta de dados foi realizada no Portal Transparência no Esporte (Transparência no Esporte, 2019) para analisar o financiamento e o gasto com EAR no Ciclo Rio 2016, no Portal da Legislação do Governo Federal para identificar as legislações que deram sustentação ao EAR, e nos portais do Comitê Olímpico Internacional (COI) e do Comitê Paralímpico Internacional (CPI) para pontuar os resultados do Brasil nos Jogos Rio 2016 (Brasil, 2019a).

A análise dos dados foi realizada com base na proposta metodológica desenvolvida por Carneiro e Mascarenhas (2018) a partir de três indicadores sobre o financiamento e gasto com esporte: a) fontes de financiamento – visa compreender a origem dos recursos, analisando as legislações e as diferentes fontes; b) magnitude do gasto – busca analisar o montante gasto em cada ano, a partir de análise longitudinal; e c) direção do gasto – investiga o direcionamento dos recursos, estabelecendo o que foi priorizado.

Os dados financeiros utilizados foram deflacionados pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), calculado pela Fundação Getúlio Vargas, a preços de dezembro de 2016, haja vista a necessidade de atualizar os valores para comparações longitudinais, eliminando os efeitos da inflação e da desvalorização da moeda. Para realizar este processo, foi utilizada a ferramenta Calculadora Cidadã, disponibilizada pelo Banco Central do Brasil (BCB, 2019).

DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS

O financiamento do esporte brasileiro acontece por diferentes fontes de financiamento: orçamentária, provenientes do orçamento público federal; extraorçamentária, recursos que não transitam pelo orçamento federal; e gastos tributários, desonerações tributárias e isenções fiscais (Mascarenhas, 2016; Carneiro, 2018; Carneiro et al., 2019). Na Tabela 1, apresentamos as diferentes fontes e subfontes do financiamento do EAR ao longo do Ciclo Rio 2016.

Tabela 1
Fontes e subfontes de recursos federais para o EAR no Ciclo Rio 2016.

A principal fonte de financiamento para o Ciclo Rio 2016 foi a extraorçamentária, com 68,60%, seguida pela de gasto tributário (18,34%) e a orçamentária (13,06%). Essa proporção de financiamento das três fontes seguiu a tendência de financiamento do EAR nos Governos Lula e Dilma (Carneiro e Mascarenhas, 2018).

De 2013 a 2016, houve oscilação nos recursos destinados ao EAR. Esta oscilação é reflexo da conjuntura política e econômica que fizeram parte do Governo Dilma a partir de 2013 (Carneiro, 2018). A seguir, vamos analisar cada uma das fontes e subfontes de financiamento do EAR.

Na fonte extraorçamentária, a subfonte com mais recursos foi a de patrocínios sem incentivo fiscal das estatais federais1, com o direcionamento para diferentes ações: competições, confederações, clubes, equipes e atletas (Transparência no Esporte, 2019). Esta subfonte foi regulamentada pelo Decreto nº 6.555/2008, tendo estabelecido que as ações de patrocínio estatal devem ser acompanhadas pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Os recursos desta subfonte representaram 51,57% da fonte extraorçamentária e 35,38% de todo o gasto com EAR no Ciclo Rio 2016.

O financiamento do esporte via estatais federais não é recente, o estudo de Veronez (2007) aponta que isso já ocorria pelo menos desde 1997. De acordo com Pereira (2017), com a criação do Plano Brasil Medalhas, aprofundou-se a relação das empresas estatais com o patrocínio esportivo e principalmente com as confederações de esportes olímpicos. Além disso, durante os Governos Lula e Dilma, houve ativismo das empresas estatais, como protagonistas na dinâmica macroeconômica, elemento que reverberou no aumento de gasto para o EAR (Pereira, 2017).

Na Tabela 2, apresentamos o gasto das estatais sem incentivo fiscal ao EAR no Ciclo Rio 2016. A CEF concentrou 61,76% dos recursos da subfonte, seguida da Petrobras (16,68%), Correios (13,32%) e BB (5,47%). No Plano Brasil Medalhas, havia 8 empresas estatais participantes – BB, Banco do Nordeste, BNDES, CEF, Correios, Eletrobrás, Infraero e Petrobras. Como pode ser visto na Tabela 2, as 7 primeiras fizeram parte do Plano. Pereira (2017) constatou que as empresas que participaram do Plano já patrocinavam o EAR, mas houve aumento de recursos para esta subfonte a partir de 2013.

Tabela 2
Patrocínio das empresas estatais sem incentivo fiscal ao EAR no Ciclo Rio 2016.

A segunda subfonte com mais recursos foi a de concursos prognósticos e loterias, isto é, recursos recebidos pelos Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e Comitê Brasileiro de Clubes (CBC). Há diferentes legislações que são a base legal desta subfonte, inclusive estabelecendo os percentuais que recebem: Lei nº 9.615/1998, alterada pelas Lei nº 10.264/2001 (Lei Agnelo/Piva), Lei nº 12.395/2011 e Lei nº 13.146/2015; Decreto nº 7.984/2013; Lei nº 11.345/2006 (Lei da Timemania); e Lei nº 13.155/2015.

O COB e o CPB distribuem recursos para as confederações, enquanto o CBC encaminha por editais recursos para os clubes esportivos. Almeida e Marchi (2010) analisaram os recursos repassados do COB para as confederações e descobriram que havia confederações dominantes – que recebiam mais recursos – e as dominadas – que recebiam menos recursos –, e que a distribuição seguia os seguintes critérios: visibilidade da modalidade, reconhecimento do público, organização administrativa, resultados em competições internacionais etc.

É importante situar que desde as primeiras legislações esportivas há recursos públicos garantidos para as entidades de administração esportiva, o que tem sido aprofundado e gerado uma dependência para viabilizar as políticas de EAR (Carneiro, 2018). Entretanto, o Tribunal de Contas da União (Brasil, 2015) identificou uma série de desvios nos recursos recebidos pelo COB, CPB, CBC e confederações, apontando fragilidade no controle de gasto e uso deles como se fossem privados.

A referida subfonte representou 47,47% da fonte extraorçamentária e 32,57% de todo o gasto com EAR no Ciclo Rio 2016. Houve crescimento desta subfonte de 2013 a 2015, com pequena queda em 2016, conforme Tabela 3.

Tabela 3
Gasto das entidades de administração esportiva no Ciclo Rio 2016.

De acordo com a Tabela 3, a entidade de administração esportiva que mais recebeu recursos foi o COB, representando 66,17% dos recursos da subfonte, o CPB recebeu 17,24% e o CBC abarcou 16,59%. Os recursos do COB e CBC aumentaram de 2013 a 2015 e diminuíram em 2016, já os do CPB aumentaram seguidamente, tendo ocorrido grande crescimento em 2016. O aumento dos recursos do CPB e a diminuição daqueles do COB são oriundos da alteração da Lei Pelé pela Lei nº 13.146/2015, pois o CPB, até 2015, recebia 15% e o COB angariava 85% dos recursos de concursos prognósticos e loteria, a partir de 2016, o CPB passou a receber 37,04% e o COB 62,96%. A Lei nº 12.395/2011 garantiu que 0,5% dos recursos de concursos prognósticos e loterias do ME passassem a ser do CBC a partir de 2013.

O COB é a única instituição que discrimina em seus relatórios as ações financiadas com os recursos de concursos prognósticos e loterias. É possível identificar que o principal gasto foi com a manutenção da entidade. O ME por meio da Portaria nº 1/2014 definiu que o COB e o CPB podem gastar no máximo 30% com despesas administrativas e o CBC no máximo 20%, percentual que foi respeitado pelo COB no período. As ações de preparação técnica, eventos esportivos, programas e projetos de fomento e manutenção de atletas estiveram voltadas à preparação dos atletas para competirem.

Da fonte extraorçamentária, a subfonte que menos recebeu recursos foi a de contribuição sobre salários e transferências de atletas profissionais pagos pelas entidades de prática esportiva para a assistência social e educacional. Ela representou apenas 0,92% dos recursos da fonte, e ao longo do Ciclo Rio 2016 os recursos foram aumentando. Os recursos são recebidos pela Federação das Associações de Atletas Profissionais (FAAP) e foram garantidos pela Lei Pelé, tendo sofrido alteração pela Lei nº 12.395/2011, que apontou que a FAAP recolherá 0,5% do valor que compõe o salário mensal dos atletas profissionais e 0,8% do valor das transferências nacionais e internacionais de atletas. Estes recursos são direcionados a atender uma perspectiva de assistência social e educacional dos atletas. De acordo com Carneiro (2018), a FAAP encontra dificuldade em receber estes recursos, tendo que recorrer à justiça.

Os recursos de gastos tributários foram a segunda fonte que mais financiou o EAR no Ciclo Rio 2016. Esses recursos são desonerações tributárias e isenções fiscais que estão relacionadas a um conjunto de medidas legais de financiamento público não orçamentário das políticas públicas (Salvador, 2015).

Da fonte de gastos tributários, a subfonte protagonista foi de isenção fiscal de patrocínios e doações de pessoas físicas e jurídicas no apoio direto ao esporte, o que representou 99,88% de todo o gasto tributário e 18,36% do gasto com EAR no Ciclo Rio 2016. Os recursos desta subfonte foram criados a partir da Lei nº 11.438/2006, conhecida como Lei de Incentivo ao Esporte (LIE), que possibilita deduzir 6% do imposto devido na Declaração de Ajuste Anual de Pessoa Física e 1% do imposto devido sobre o lucro real de Pessoa Jurídica. Na avaliação do Tribunal de Contas da União (Brasil, 2009, p. 2), LIE é “[...] uma forma simplificada de utilização de recursos públicos, pois a tais valores não se aplicam os trâmites e controles orçamentários estabelecidos, sendo executados diretamente por organizações não governamentais ou entes governamentais fora da esfera federal.”.

A maior parte dos recursos da LIE foram direcionados para o EAR (Matias et al., 2015; Carneiro et al., 2019), sendo isso uma infringência legal daquilo que foi definido na legislação. Para Carneiro et al. (2019), o maior interesse em direcionar patrocínios para o EAR tem relação com a maior visibilidade que esta dimensão do esporte proporciona para as empresas. Além disso, Matias et al. (2015) colocam que o maior gasto para a EAR esteve atrelado à agenda governamental de ampliar recursos para tornar o país uma potência esportiva.

Outra subfonte de gastos tributários para o esporte foi a de isenção de tributos nas importações de bens recebidos como premiação em evento esportivo realizado no exterior e de bens e materiais consumidos, distribuídos ou utilizados em evento esportivo no Brasil, o que representou 0,12% dos gastos tributários no Ciclo Rio 2016. Esta subfonte foi instituída pela Lei nº 11.488/2007, tendo estabelecido a isenção de diferentes tributos.

A subfonte de gasto tributário que menos teve recursos foi a de isenção de impostos na fabricação nacional e importação de equipamentos e materiais esportivos, com cerca de 0,01% dos gastos tributários, ela teve valores apenas em 2013. A base legal dela é a Lei nº 10.451/2002, alterada pela Lei nº 12.649/2012, que estabeleceu a isenção de tributos de equipamentos ou materiais esportivos para competições – Jogos Olímpicos, Paraolímpicos, Pan e Parapan-Americanos, Nacionais e Mundiais –, treinamento e preparação de atletas e equipes brasileiras.

No Ciclo Rio 2016, a fonte com menos recursos foi a orçamentária, conforme Tabela 1, o que contraria a ideia de que o orçamento público é a expressão mais visível do fundo público na concretização das ações esportivas, conforme discutido por Carneiro (2018).

A base legal dos recursos do orçamento federal é a Portaria nº 42/1999 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que estabelece a classificação funcional-programática. No âmbito do esporte e lazer, há a função “Desporto e Lazer” que agrega três subfunções “Desporto de Rendimento”, “Desporto Comunitário” e “Lazer”, que podem ser combinadas com outras funções. No Ciclo Rio 2016, todos os recursos orçamentários de EAR identificados foram para a função “Desporto e Lazer” e suas subfunções, se vinculando só ao ME2.

A subfonte de recursos ordinários (impostos em geral) para a função “Desporto e Lazer” foi a que teve mais recursos, ela representou 83,21% da fonte orçamentária e 10,87% de todo o gasto com EAR no Ciclo Rio 2016. Ao longo do tempo os recursos desta subfonte foram diminuindo, conforme Tabela 1.

A subfonte de contribuições sobre concursos prognósticos e loterias para a função “Desporto e Lazer” compôs 16,79% da fonte orçamentária e 2,19% do gasto no Ciclo Rio 2016. Ao longo do tempo, a subfonte foi aumentando seus valores, aumento esse justificado pela criação de novos concursos prognósticos e loterias e pelo Plano Brasil Medalhas. Há três diferentes legislações que estabeleceram este tipo de recurso para o ME, a Lei Pelé, a Lei da Timemania e a Lei nº 13.155/2015. De acordo com Carneiro (2018), a referida subfonte apresenta vinculação, isto é, a legislação definiu os percentuais que devem ser direcionados ao ME.

Na Tabela 4, apresentamos o direcionamento da fonte orçamentária no Ciclo Rio 2016. Como pode ser visto, houve 4 ações voltadas ao EAR. A que teve mais recursos foi a de “Concessão de Bolsa Atleta”, ela se refere ao Programa Bolsa Atleta (PBA), a primeira política federal que beneficiou financeiramente os atletas diretamente (Corrêa et al., 2014). O PBA foi instituído pela Lei nº 10.891/2004, regulamentado pela Lei nº 5.342/2005 e alterado pela Lei nº 12.395/2011.

Tabela 4
Direcionamento da fonte orçamentária para EAR no Ciclo Rio 2016 – série 2013-2016.

O gasto com PBA representou 71,97% de todo o recurso orçamentário com EAR no período. Carneiro (2018) aponta que o PBA foi a principal ação do EAR realizada pelo ME. Os recursos do PBA variaram ao longo do tempo, contudo não reverberou diretamente na quantidade de bolsas concedidas, pois, em 2013, foram 6.604 bolsas, em 2014, foram 7.437 bolsas, em 2015, foram 7.132 bolsas e, em 2016, foram 7.295 bolsas. Ao longo dos 4 anos analisados, foram concedidas 28.468 bolsas (Brasil, 2019c). Teixeira et al. (2017b) demonstram que o PBA possibilitou uma melhor participação dos atletas brasileiros nos Jogos Olímpicos, mas criticam que os recursos do PBA são destinados prioritariamente para atletas prontos.

A segunda ação com mais recursos foi a de “Preparação de atletas e capacitação de recursos humanos para o esporte de alto rendimento”, que representou 22,86% dos recursos orçamentários. Esta foi uma das principais ações financiadas pelo ME (Carneiro, 2018).

A terceira ação com mais recursos – representou 3,68% do gasto orçamentário – foi a de “Implementação e desenvolvimento da política nacional de controle de dopagem”, com aumento no Ciclo Rio 2016. Os recursos para essa ação se deram pelo ME de 2014 a 2018, fruto da realização dos Jogos Rio 2016.

A ação com menos recursos foi a de “Implantação e modernização de infraestrutura para o esporte de alto rendimento”, seus recursos representaram apenas 1,40% dos recursos orçamentários no Ciclo Rio 2016. Os valores oscilaram bastante, tendo ano em que não houve recursos para esta ação; isto foi uma situação corriqueira desta ação no orçamento do ME (Carneiro, 2018).

Mesmo com todo o esforço do Governo Federal para que o EAR contasse com mais recursos, o Brasil não obteve os resultados projetados pelo PDEL e Plano Brasil Medalhas. Nos Jogos Olímpicos, o Brasil ficou na 13ª posição, com 19 medalhas (7 ouros, 6 pratas e 6 bronzes) e, nos Jogos Paralímpicos, ficou na 8ª posição, com 72 medalhas (14 ouros, 29 pratas e 29 bronzes) (COI, 2019; CPI, 2019). O Brasil teve seu melhor resultado na história dos Jogos Olímpicos, mas não nos Jogos Paralímpicos, já que, nos Jogos de Londres 2012, conseguiu 21 medalhas de ouro e ficou na 7ª posição (CPI, 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Governo Federal buscou possibilitar que o Brasil melhorasse seus resultados nos Jogos Rio 2016, o que foi concretizado parcialmente. Assim, houve diferentes dispositivos políticos e legais, que foram consubstanciados, e que reverberaram diretamente no financiamento do EAR para o Ciclo Rio 2016.

Para o EAR no Ciclo Rio 2016, houve recursos das fontes orçamentária, extraorçamentária e gastos tributários. A principal fonte de recursos foi a extraorçamentária, a partir do patrocínio sem incentivo fiscal das estatais federais e repasses sobre concursos prognósticos e loterias para entidades esportivas. A principal estatal federal patrocinadora do esporte foi a CEF, com destaque também para a Petrobras e Correios, que direcionaram recursos para competições, atletas, equipes, confederações esportivas e clubes. A entidade esportiva que mais recebeu recursos de concursos prognósticos e loterias foi o COB, que direciona seus gastos para gestão administrativa e participação dos atletas em competições.

No que se refere à fonte de gastos tributários, a subfonte principal foi de isenção fiscal de patrocínios e doações no apoio direto ao esporte via LIE. Na fonte orçamentária, a principal subfonte foi de recursos ordinários para a função “Desporto e Lazer”, tendo relevância a subfonte de contribuições sobre concursos prognósticos e loterias para a função “Desporto e Lazer”. A centralidade de gasto com esta fonte foi o PBA.

Os recursos de EAR do Ciclo Rio 2016 foram, principalmente, de patrocínio das estatais federais, concursos prognósticos e loterias para entidades esportivas, LIE e recursos do ME. Houve intervenção do Governo Federal para que estas fontes ficassem mais volumosas, como foi o caso do Plano Brasil Medalhas.

O foco do estudo foi realizar uma análise mais geral do EAR no Ciclo Rio 2016, novos estudos são necessários para aprofundarem sobre as diferentes fontes de financiamento e o direcionamento do gasto no Ciclo Rio 2016, além de pesquisas longitudinais que analisem e comparem os diferentes Ciclos Olímpicos e Paralímpicos.

  • FINANCIAMENTO
    O presente trabalho não contou com apoio financeiro de nenhuma natureza para sua realização.
  • 1 As estatais também podem fazer patrocínios via Lei de Incentivo ao Esporte, compondo a fonte de gastos tributários.
  • 2 Foi solicitado ao Ministério da Defesa, por meio do Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão, o gasto orçamentário com EAR, contudo foram apresentadas informações que não possibilitavam identificar o seu gasto específico com EAR, assim, não foi possível agregar este gasto no Ciclo Rio 2016.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    27 Dez 2019
  • Aceito
    14 Fev 2020
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