RESUMO
Os esteroides anabolizantes devem ser consumidos nos casos em que se atenta à alimentação e ao treino e desde que prescritos por profissionais qualificados. O presente estudo objetivou apontar os fatores influenciadores do consumo de esteroides anabolizantes e analisar a perceção acerca dos benefícios e malefícios do seu consumo. O grupo de estudo compreendeu 22 clientes de um Health Club da cidade de Viseu. Recorreu-se a entrevistas individuais semiestruturadas para a recolha de dados e, posteriormente, à análise de conteúdo. Os participantes consomem por auto prescrição, destacando a melhoria da performance no treino, assim como o aumento da força e densidade musculares, o alívio de dores articulares e recuperações mais rápidas no pós-treino como principais causas de consumo.
Palavras-chave: Esteroides anabolizantes; Estilos de vida; Suplementos alimentares; Treino
ABSTRACT
Anabolic steroids should be consumed in cases that pay attention to food and training and if they are prescribed by qualified professionals. The present study aimed to point out the influencing factors of anabolic steroid consumption and to analyze the perception of their consumption’s benefits and harms. The study group comprised 22 clients of a Health Club in the city of Viseu. Semi-structured individual interviews were used for data collection and, subsequently, content analysis. Participants consume by self-prescription, highlighting training performance improvement, as well as the increase in muscle strength and density, the relief of joint pain and faster post-workout recoveries as the main causes of consumption.
Keywords: Anabolic steroids; Lifestyles; Dietary supplements; Training
RESUMEN
Los esteroides anabólicos deben consumirse siempre que sean recetados por profesionales cualificados. El presente estudio tuvo como objetivo señalar los factores que influyen en el consumo de esteroides anabólicos y analizar la percepción de los beneficios y perjuicios de su consumo. El grupo de estudio estuvo formado por 22 clientes de un Health Club de la ciudad de Viseu. Para la recolección de datos y el análisis de contenido se utilizaron entrevistas individuales semiestructuradas. Los participantes consumen por auto prescripción, destacando la mejora del rendimiento en el entrenamiento, así como el aumento de la fuerza y densidad muscular, el alivio del dolor articular y las recuperaciones post-entrenamiento más rápidas como las principales causas de consumo.
Palabras clave: Esteroides anabólicos; Estilo de vida; Suplementos dietéticos; Adiestramiento
INTRODUÇÃO
O culto do corpo é, desde tempos remotos, uma premente preocupação diretamente influenciada pela sociedade e, paralelamente, visa, em muitas situações, uma (maior e melhor) aceitação social. Tal sucede, de acordo com Armstrong et al. (2018), com os padrões de beleza atualmente definidos e aceites por uma grande parte da sociedade e muito influenciada pelos respetivos pares, conduzindo-os à experimentação de diferentes métodos de obtenção do “corpo escultural”. Destacando-se o desporto como principal veículo para atingir esta finalidade, na crescente procura do corpo “perfeito” (Ferreira et al., 2007), a modalidade de musculação sofreu um natural e substancial aumento no número de praticantes e, a título de exemplo, atualmente mais de 50% dos desportistas brasileiros são praticantes de culturismo (Carvalho e Farias, 2022).
A admiração do “físico” é diretamente condicionada pelos meios de comunicação (social e grupal), como tal, os padrões de pressão (in)diretamente exercidos nos jovens contribuem para que estes recorram à utilização de diversos suplementes alimentares com o intuito de acelerar a melhoria da sua imagem corporal. Admitindo uma visão multifacetada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e Ambiental - ANVISA (2022) define estes suplementos como substâncias que se destinam a pessoas que, embora normal e aparentemente saudáveis, possuem défices específicos na sua dieta e que atuam para suprir essas necessidades, como complementos de nutrição. Todavia, esta situação ideal não está a ser alcançada em relação a todas as substâncias e nutrientes e nem a todos os grupos populacionais devido, designadamente, aos seus estilos de vida.
Silva e Souza (2016) apontam o aumento natural do número e tipologia de tais produtos como a compreensível causa da controvérsia que se tem gerado em torno desta matéria, no que concerne ao contraste entre benefício, risco e possível efeito, assim como na dificuldade de interpretação e entendimento destas substâncias pelas nuances visíveis na respetiva rotulagem e esclarecimento de funções.
De entre as categorias de suplementos, Bahrke (2015) destacam os esteroides anabolizantes (EA) na qualidade de derivados sintéticos de testosterona, no sentido de promover a hipertrofia muscular e melhorar o desempenho no treino (Andrade, 2016). Emboras estas substâncias se tenham destacado, em termos de consumo, sobretudo nos públicos brasileiro e americano, a sua utilização é inegavelmente universal (Carvalho e Farias, 2022), na medida em que se tem verificado o consumo por parte de uma porção significativa da população em geral e não apenas exclusiva de atletas (Kanayama et al., 2020; Mustafa et al., 2021; Patt et al., 2020).
Com o intuito de produzir efeitos androgénicos, promovendo um incremento das características secundárias masculinas (Castillo et al., 2021; Piacentino et al., 2015), os EA tiveram a sua incursão inicial no domínio da Medicina, com fins terapêuticos, no tratamento de diversas enfermidades (Boff, 2010). Carregosa e Faro (2016) destacam a sua utilização e prescrição racional numa classe curativa de baixo risco, embora cautelosa pelo conhecimento destes agentes disruptores endócrinos. O efeito androgénico está intimamente relacionado com o sistema reprodutor masculino, sendo responsável pelo desenvolvimento do mesmo e inerentes caracteres secundários, pelo que a fração anabólica promove a captação de nitrogénio e, por conseguinte, o aumento da síntese proteica nos tecidos (Araújo e Silva, 2021). Por sua vez, o aumento proteico influencia o ganho de massa muscular e promove a redução da gordura corporal como maior eficácia, enquanto possibilita reduzir o catabolismo de glicocorticoides (Piacentino et al., 2015).
De acordo com Frati et al. (2015), as mais frequentes vias de administração dos EA são a oral e a transdérmica (injetável no músculo), sendo esta última a mais adotada por fisiculturistas e halterofilistas, embora tendem a intercalar as formas de administração supracitadas em períodos que variam entre os 120 dias a um ano. Ainda que tendam a estimular a produção de novas fibras musculares, para além dos benefícios estéticos que visivelmente ressaltam, os EA são desaconselhados por Chegeni et al. (2021) e Reis (2023), devido aos inúmeros malefícios que comportam para a saúde. O último autor enfatiza mesmo que o recurso a estas substâncias, sem prescrição e o devido acompanhamento clínico, pode induzir a alterações cardíacas e doenças crónicas, para além de intoxicação no fígado.
Numa análise mais pormenorizada, o Conselho Federal de Medicina (2023) aponta aos EA no tratamento de patologias como anemia, osteoporose e hipogonadismo. A perda de massa magra é também assinalada, sobretudo nos casos em que se verifica uma quantidade insuficiente de nitrogénio no organismo. Não obstante, Ganesan et al. (2023) destacam os possíveis efeitos secundários que os EA produzem. Concretamente nos homens, o consumo destas substâncias está associado ao aumento e inflamação da próstata, atrofia testicular, impotência e/ou disfunção erétil, calvície precoce e dor mamária. Já nas mulheres, os EA podem provocar, entre outras complicações, o aumento do número de pelos corporais, irregularidade do ciclo menstrual, voz grossa, ausência de menstruação, ondas de calor e alterações na pele.
Com efeito, Gallo (2023) refere que o consumo de EA não é recomendado a crianças, grávidas, homens com cancro da próstata ou pacientes cancerígenos generalizados e/ou com condições inflamatórias no fígado ou rins. Da mesma forma, estas substâncias não devem ser utilizadas por pacientes em tratamento com anticoagulantes, pelo nunca será demais referir que também este autor corrobora com a prescrição e inerente acompanhamento médico, como ação profilática ao desenvolvimento de eventuais patologias. Nas linhas de pensamento anterior e de acordo com a variedade de opiniões manifestamente demarcada entre os agentes de exercício e saúde, o presente estudo visa percecionar as motivações dos utilizadores de EA para o seu consumo, assim como o conhecimento que os mesmos possuem acerca dos benefícios e malefícios da utilização destes suplementos.
MÉTODO
Uma vez tratar-se da análise de perceções, ou seja, da investigação de ideias, da descoberta de significados nas ações dos consumidores, admitindo a existência de múltiplas interpretações sob a forma de construções mentais e sociais (Creswell, 1998; Guba, 1990; Mertens, 1998; Tuckman, 2012), experiencialmente localizadas e que dão sentido às suas experiências e ao mundo em que são vividas, a temática e objetividade do estudo conduziram ao emprego de um processo de índole qualitativa por apresentar, entre outras vantagens, a de recolher informação que não se consume como possível noutras fontes ou formas de investigação (Santos e Lima, 2019). O objetivo deste método é o de permitir que a investigação possa recolher e, posteriormente, refletir sobre comportamentos ou hábitos dos sujeitos, grupos ou comunidades analisadas.
Participantes
Foram selecionados 22 clientes de um Health Club da cidade de Viseu, com idades compreendidas entre os 18 e 36 anos. Os critérios de inclusão prendem-se com a idade, tempo de prática de atividade física em Health Club e consumo de EA. Com efeito, excluíram-se os sujeitos com idades abaixo da mínima legal (considerada de maioridade) no que concerne aos quesitos de impedimento legal para o consumo de suplementos alimentares e outras substâncias, considerando-se os praticantes de musculação há, pelo menos cinco anos e que consomem, ou já consumiram, EA.
Instrumentos de recolha de dados
Para o efeito supracitado recorreu-se à técnica de entrevista que, nesta conjuntura, representa o meio privilegiado para aferir acerca do contexto social e emocional dos entrevistados (Santos e Lima, 2019). Optou-se pela tipologia semiestruturada, tendo sido construído um guião-referencial para a colocação de questões abertas, de modo que a entrevista não decorresse, nem de forma rígida, nem totalmente livre, ao mesmo tempo concedendo liberdade ao entrevistado para apresentar as suas respostas de forma natural e com linguagem mais informal.
A este propósito, denotou-se preocupação em elaborar questões relevantes para os objetivos da investigação, direcionadas à captação de informação a ser categorizada posteriormente, com o intuito de aferir a fidelidade da mesma. Para tal, procedeu-se a um processo inicial de codificação, ou seja, de atribuição de códigos a trechos de texto que representassem ideias ou temas específicos da investigação, de modo a refletir o conteúdo dos dados a tratar à posteriori. Por sua vez, os conjuntos de códigos semelhantes foram depois agrupados em dimensões com maior amplitude, as quais foram sujeitas a dois processos de validação, interno e externo.
No que concerne à validação interna, recorreu-se à técnica de triangulação, através da utilização de fontes de dados diversas para analisar a consistência das categorias. Com efeito, analisaram-se outras entrevistas efetuadas previamente por autores cujo escopo se assemelhasse ao da presente investigação, ou seja, adotou-se o sistema de comparação da literatura.
Seguidamente, procedeu-se ao processo de validação por pares, através da partilha de categorias e interpretações com os participantes, com a intenção de aumentar a inteligibilidade e compreensão das mesmas e, sobretudo, da sua representatividade. Por fim, existiu ainda espaço para o processo de validação externa, por meio da discussão com especialistas, para obter feedback acerca da adequação das categorias. O grupo foi constituído por três especialistas na área da análise de conteúdo, com o grau de Doutor e a exercer funções de docência e investigação em duas instituições superiores públicas de renome nacionais.
Suportados nos racionais supracitados, o guião apresentou duas dimensões que visam perspetivar: (i) fatores influenciadores do consumo de EA; (ii) conhecimento dos benefícios e malefícios do consumo de EA. Posteriormente, procedeu-se à análise de conteúdo que, de acordo com Bardin (2011, p. 49), se define como “um conjunto de técnicas de análise de comunicações que visa obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos, a descrição do conteúdo das mensagens indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção destas mensagens”. A análise de conteúdo é, portanto, uma técnica de tratamento de dados recolhidos a partir da realização de entrevistas que visa ajudar o investigador a descrever e a interpretar o que foi narrado pelo entrevistado, salientando os pontos fortes da sua narrativa acerca da temática em estudo. A análise de conteúdo desenvolveu-se em três fases: (i) pré-análise; (ii) exploração do material e (iii) tratamento dos dados, inferência e interpretação dos resultados.
Procedimentos
O pedido de colaboração foi efetuado via correio eletrónico, primeiramente endereçado ao gerente do Health Club, de modo a obter a anuência da instituição para o efeito. O conteúdo da informação revelou: (i) a apresentação do tema do estudo; (ii) o enquadramento do procedimento metodológico a aplicar no âmbito dos objetivos do estudo; (iii) a descrição pormenorizada das condições dos procedimentos a utilizar no âmbito das entrevistas (salvaguarda da confidencialidade e anonimato da instituição e participantes que constituíram a população-alvo do estudo, escolha da data da entrevista, duração máxima da entrevista, formato a utilizar para a entrevista e pedido para a autorização da gravação da entrevista para efeitos de validação da mesma).
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Antes de serem confrontados com as questões que se prendem com as dimensões de análise, os inquiridos divulgaram que a primeira vez, referente ao uso de EA, decorreu em tenra idade, concretamente entre os 20 e 25 anos de idade. A faixa etária dos nossos participantes é assim mais elevada quando confrontada com a apurada no estudo de Ferreira et al. (2007), pelo que os participantes do seu estudo, na faixa situada entre os 15 e 18 anos de idade, já recorriam a estas substâncias para maximizar o seu rendimento desportivo. Não obstante, aproxima-se das faixas etárias reveladas nos estudos de Silva e Moreau (2003) e Iriart e Andrade (2002), entre 25 e 29 anos de idade e 17 e 37 anos de idade, respetivamente. Resultados semelhantes foram obtidos por Oliveira e Cavalcante (2018), constatando na sua pesquisa que 71,7% dos usuários possuem entre 18 e 25 anos de idade.
Um padrão de idade começa a emergir, denotando-se neste público específico a enorme valorização atribuída à aparência, ou seja, a dimensão física passa a ser objeto de admiração e “consumo” ditado pelos padrões de estética socialmente aceites. A imagem corporal projetada pelos meios de comunicação social reflete símbolos incorporados e altamente valorizados pelos indivíduos, os quais se consubstanciam em magreza, musculatura avultada ou definida (Frois et al., 2011). Santos et al. (2006) afirmam que o corpo é atualmente aceite como objeto de modelação e alteração pelas características estéticas que encerra, motivo que conduz à procura dos EA como agentes modeladores dessa mudança, no desejo e na procura desse corpo “ideal”.
Destacou-se igualmente o facto de a utilização de EA estar maioritariamente associado aos participantes do sexo masculino, (78%), face a uma margem reduzida de mulheres (22%). De facto, é vincada a relação estabelecido entre as variáveis “sexo” e “consumo de EA”, na medida em que inúmeros estudos revelam o predomínio dos homens no que concerne ao consumo destas substâncias. Constituem exemplos desta tendência, os estudos conduzidos por Martins et al. (2023), Dias et al. (2022), Markovicz (2019), Moretti et al. (2018) e Cardoso et al. (2017). O facto de os estudos supracitados terem sido conduzidos em países diferentes revela que, não obstante as dissemelhanças sociais e culturais presentes nos diversos contextos, os dados seguem perfis similares de uso de EA aos encontrados no presente estudo. Ainda que prevaleça um hábito comumente associado ao público masculino, as mulheres procuram também opções análogas para os processos de hipertrofia e/ou ganho de força, sobretudo pelas que praticam musculação, algo que se deve à similar insatisfação referente ao conceito de “corpo ideal” (Silva & Moreau, 2003).
Num nível mais profundo, de acordo com as dimensões em análise, a primeira questão efetuada aos participantes do nosso estudo prendeu-se com o(s) motivo(s) que conduziu(iram) ao consumo de EA. Estes destacaram a melhoria da performance no treino como principal causa, nomeadamente o “aumento da força e densidade musculares”, assim como o “alívio de dores nas articulações” e “recuperações mais rápidas no pós-treino”. Na medida em que nos situamos no domínio de praticantes regulares de atividade física, possuidores de hábitos saudáveis e que pretendem evitar o sedentarismo, depreende-se que o uso de EA parece estar associado a um público que menor necessidade tem do seu consumo, uma vez que mantem um estilo de vida ativo e saudável, tendência igualmente destacada nos estudos de Martins et al. (2023) ou Moretti et al. (2018). De igual modo, quando estratificamos a tendência permanece, uma vez que os utilizadores de EA treinam mais vezes por semana do que os ex-utilizadores (Silva e Moreau, 2003). Os nossos entrevistados justificaram praticar atividade física apontando à saúde como principal fim a atingir, pelo que dados semelhantes foram obtidos por Benvenuto et al. (2017) e Silva e Ferreira (2014).
Não obstante, “obter resultados mais rapidamente” foi também relevado pelos nossos inquiridos, referindo-se sobretudo ao ganho de massa muscular e inerente perda de gordura, pelo que estas implicações são corroboradas pelos estudos de Macedo et al. (2018) ou Moreira et al. (2014). Porém, esta não é uma causa recente, pois Eisenberg et al. (2012) haviam já reportado a relação vincada entre o consumo de EA e a hipertrofia muscular, mais comum em homens que em mulheres, 74,7% e 25,3% respetivamente.
Alerta-se para uma preocupação premente nesta propensão, partilhando da opinião de Carvalho e Farias (2022), assim como de Silva et al. (2002), que remete para o facto de a utilização de EA ser preferida em detrimento dos potenciais efeitos nocivos para a saúde que o consumo destas substâncias pode trazer.
Como terceira causa mais apontada, os inquiridos aportaram a mudanças estéticas, intimamente relacionadas com o aumento da libido e/ou elevação dos níveis de confiança, fatores igualmente realçados nos estudos de Chang et al. (2018) e Liu e Wu, (2019). Esta preocupação com a estética corporal, incentivada pelos meios de comunicação social, pelos pares e outras fontes não habilitadas, têm tornado o consumo do mesmo crescente (Martins et al., 2023). Os autores revelaram que os consumidores de EA parecem acreditar nos resultados que os produtos prometem alcançar, concretamente 35,1% dos respondentes no estudo citado.
A última questão intrínseca à primeira dimensão de análise acomodou a designação no que diz respeito à utilização de EA(s). Neste âmbito, os respondentes elegeram o “Durateston” e a “Trembolona” como suplementos de eleição, sendo utilizados de forma individual e/ou combinada, esta última forma a surgir proporcionalmente ao aumento do número de treinos e intensidade (dispêndio energético). De facto, Martins et al. (2023) apontam que aproximadamente 76% dos utilizadores de EA considera o seu treino “intenso”, com dados a revelar uma frequência de treinos entre três a cinco vezes por semana, com cerca de duas horas de duração por treino, conduzindo a um substancial gasto energético, justificando não apenas o consumo, mas também a combinação dos suplementos. De acordo com os autores, 36,2% associa mais de dois tipos de suplementos, porém, diferentes dos obtidos no nosso estudo, neste caso proteína e creatina (ou outros suplementos ricos em carboidratos).
Embora o estudo de Markovicz (2019) tenha revelado o consumo dos suplementos obtidos no nosso estudo, respetivamente 21,6% e 62,1%, apontou também consumos de outros EA, entre os quais se destacaram: “Stanozolol” (45,9%), “Propionato” (40%), “Oxandrolona” (27%) e “Deca durabolin” (18%), no caso do género masculino. No seio do género feminino, destacou a “Oxandrolona” (36%), “Primabolam” (21%), “Propianato” (15%) e “Stanozolol” (15%). Previamente, Iriart e Andrade (2002) e Barquilha (2009) haviam verificado que a escolha recaía sobre “Durateston”, “Deca durabolin” e “Winstrol”. Por seu lado, Abrahin e Sousa (2013) citaram, como mais utilizadas, os suplementos “Durateston”, “Deca durabolin” e “Oxandrolona”.
No referente ao conhecimento dos inquiridos acerca dos benefícios e malefícios do consumo de EA (segunda dimensão de análise), naturalmente pretendemos analisar a sua perceção acerca dos eventuais perigos para a saúde que os suplementos podem trazer, visto os fatores influenciadores do consumo destas substâncias terem coincidido com os benefícios já alinhavados na primeira dimensão de análise. Nesta linha de pensamento, os participantes do nosso estudo revelaram malefícios de índole diversa, ou seja, quer física (lesões musculares por inadequada preparação dos tecidos face ao aumento desproporcional de massa muscular, acne, infertilidade e estrias), quer mental (distúrbios emocionais).
Oliveira e Cavalcante (2018) enfatizaram, como efeitos adversos no género masculino, para além da infertilidade já evidenciada, hipertrofia prostática, tumores de próstata e impotência associada, enquanto nas mulheres, engrossamento de voz e irregularidade menstrual. Independente do género, os autores destacaram calvície, acne (de novo evidenciada) e disfunções hepáticas. Agrava o facto de todos os nossos participantes confidenciaram conhecer antecipadamente os malefícios que poderiam advir do consumo de EA, dados que vão ao encontro do estudo realizado por Nogueira et al. (2015), apontando 81% dos seus participantes. O paradigma atual é diferente do vivido no passado, no qual a apropriação antecipada da informação era escassa e inadequada, na maioria dos casos proveniente de relatos de terceiras ou por experiência própria pós-consumo (Conceição et al., 1999; Green et al., 2001).
CONCLUSÕES
Num contingente atual, assoberbado pela tecnologia e disponibilidade e variabilidade dos meios de comunicação, é alarmante percecionar a negligência que rodeia o consumo de EA. A falta de orientação origina um risco de saúde através do consumo indiscriminado e, crê-se, sem o real conhecimento das consequências que daí possam advir. Por seu lado, o conhecimento dos efeitos que estas substâncias provocam parece ser subestimado em detrimento da procura do “belo”, isto é, do(s) padrão(ões) de aceitação social que conduz(em) os praticantes, sobretudo os mais jovens, a colocar-se em perigo sem acompanhamento médico ou a criar resistência na procura de ajuda clínica, mesmo depois de sofrerem com a sua utilização. Deste modo, urge alertar a sociedade, num processo de educação clínico-desportivo, no sentido de maximizar os benefícios pretendidos e minimizar os riscos associados, para os quais poderão contribuir (grandemente) os exames clínicos e laboratoriais e estudos nesta área de intervenção. Apesar da prudência requerida nas inferências enunciadas, limitada pela dimensão da amostra, acreditamos que a perceção da forma como estas variáveis se manifestam nos comportamentos dos consumidores constitua um forte alicerce na melhoria da sua saúde, na procura de cada vez melhores e mais saudáveis hábitos de prática, daí a necessidade de replicação de estudos neste âmbito, com uma transversalidade amostral de maior escala.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos adicionalmente ao Centro de Estudos em Educação e Inovação (CI&DEI) e ao Politécnico de Viseu pelo apoio prestado.
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FINANCIAMENTO
Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto Refª UIDB/05507/2020 com o identificador DOI https://doi.org/10.54499/UIDB/05507/2020.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Set 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
24 Nov 2023 -
Aceito
17 Jul 2024