RESUMO
O artigo analisa o fenômeno da corpolatria na Educação Física, focando nos desafios enfrentados por professores com deficiência física. Este estudo é um ensaio teórico que utiliza uma abordagem crítica, investigando como os marcadores sociais de diferença geram opressão e exclusão, a partir da interseccionalidade. O ensaio reflete a temática com base na conceituação teórica da interseccionalidade e em resultados de pesquisas recentes. Evidenciam-se estigmas e preconceitos contra esses profissionais. Conclui-se que valorizar a diversidade corporal e a competência profissional é crucial para promover um ambiente inclusivo e equitativo na Educação Física.
Palavras-chave:
Educação Física; Interseccionalidade; Deficiência; Corpolatria
ABSTRACT
The article analyzes the phenomenon of corpolatry in Physical Education, focusing on the challenges faced by teachers with physical disabilities. This study is a theoretical essay that uses a critical approach, investigating how social markers of difference generate oppression and exclusion, based on intersectionality. The essay reflects the theme based on the theoretical conceptualization of intersectionality and results of recent research. Stigmas and prejudices against these professionals are evident. It is concluded that valuing body diversity and professional competence is crucial to promoting an inclusive and equitable environment in Physical Education.
Keywords:
Physical Education; Intersectionality; Deficiency; Corpolatry
RESUMEN
El artículo analiza el fenómeno de la corpolatría en Educación Física, centrándose en los desafíos que enfrentan los docentes con discapacidad física. Este estudio es un ensayo teórico que utiliza un enfoque crítico, investigando cómo los marcadores sociales de diferencia generan opresión y exclusión, a partir de la interseccionalidad. El ensayo refleja la temática a partir de la conceptualización teórica de la interseccionalidad y resultados de investigaciones recientes. Los estigmas y prejuicios contra estos profesionales son evidentes. Se concluye que valorar la diversidad corporal y la competencia profesional es crucial para promover un ambiente inclusivo y equitativo en la Educación Física.
Palabras clave:
Educación Física; Interseccionalidad; Discapacidad; Corpolatría
INTRODUÇÃO
A relação entre corpo e sociedade sempre foi complexa e multifacetada, refletindo normas culturais e transformações históricas. Desde a Antiguidade, passando pela Idade Média e Renascimento, até a contemporaneidade, o corpo humano tem sido objeto de culto, controle e representação, variando conforme os valores e necessidades de cada época. Na atualidade, essa relação assume novos contornos, onde o corpo não é apenas um receptáculo biológico, mas uma construção social, econômica e política. Segundo Prado e Trisotto (2008), é essencial desnaturalizar a abordagem do corpo centrada em elementos biológicos e anatômico-fisiológicos, para problematizar sua construção em termos sociais, econômicos e políticos.
O conceito de “corpolatria” emerge como um fenômeno distintivo da era contemporânea, caracterizado pelo culto exagerado ao corpo esteticamente perfeito. Este culto não é apenas uma preocupação com a saúde física, mas uma busca incessante por um ideal de beleza imposto pela sociedade (Senne, 2004). Essa busca desenfreada pelo corpo ideal gera frustrações constantes e ações muitas vezes invasivas, impulsionadas por uma sociedade que valoriza a aparência acima de tudo.
Esse cenário é agravado pela pressão midiática e social, que transforma o corpo em uma mercadoria a ser exibida e consumida. A mídia desempenha um papel crucial na perpetuação desse ideal, promovendo imagens de corpos perfeitos que influenciam a percepção e o comportamento dos indivíduos. A estética corporal torna-se um valor de troca, onde o investimento no corpo é visto como uma forma de aumentar o valor social e individual. Lúcia Santaella (2004) observa que essa busca incessante pelo corpo ideal leva à insatisfação pessoal, uma vez que o modelo de corpo perfeito promovido pela mídia é inatingível para a maioria das pessoas. Esse descompasso entre expectativa e realidade gera um ciclo vicioso de frustração e busca por soluções rápidas e muitas vezes prejudiciais.
O culto ao corpo na contemporaneidade também impacta diretamente a prática profissional na área de Educação Física. Os profissionais enfrentam o desafio de lidar com alunos que buscam atingir padrões estéticos muitas vezes inatingíveis e pouco saudáveis. Conforme a pesquisa de Castro e Timm (2020), que investigou como o processo da corpolatria se apresenta na contemporaneidade e como os profissionais da Educação Física estão lidando com esse fenômeno, identificou-se que essa é uma preocupação percebida pelos profissionais.
No contexto das academias, esse fenômeno é particularmente evidente. Os professores de Educação Física frequentemente lidam com alunos dispostos a cometer excessos para alcançar determinados objetivos estéticos. Esse comportamento é alimentado por influenciadores digitais e pelo marketing do mercado fitness, que muitas vezes priorizam a aparência em detrimento a saúde dos praticantes. No estudo de Iriart et al. (2009), apontou-se que a prática da musculação e o uso de anabolizantes, tanto entre usuários de classe média quanto populares, são motivados sobretudo por razões estéticas. A insatisfação com o corpo real em comparação ao padrão ideal disseminado pela mídia, o receio de ser desvalorizado ou excluído do grupo de pares, o capital simbólico associado ao corpo “trabalhado” e o imediatismo na obtenção dos resultados favorecem o uso de anabolizantes.
Paralelo a esse cenário de corpo “padrão,” que é culturalmente construído e muitas vezes não questionado, a (des)valorização de um corpo com deficiência adiciona uma camada de complexidade. Indivíduos com deficiência física desafiam os padrões tradicionais de corpo “perfeito” e ficam vulneráveis à exclusão e preconceito, muitas vezes sendo subvalorizados tanto social quanto profissionalmente. Esses corpos, por não atenderem aos padrões contemporâneos de beleza e performance física, acabam enfrentando barreiras adicionais (Santos, 2019).
Na minha experiência como docente universitário no curso de bacharelado em Educação Física, lecionei para uma aluna cadeirante. Sua deficiência foi decorrente de uma paralisia dos membros inferiores causada por uma patologia. Imerso neste contexto, algumas inquietações nortearam estudos que realizei nessa temática: Como se dá o exercício da profissão de um professor com deficiência física, bacharel em Educação Física, em academias? Como será sua inserção no mercado de trabalho? Como foram as trajetórias de formação desses professores? (Santos, 2019, 2023; Santos e Franco, 2023). Os estudos mencionados deslocam a visão hegemônica sobre o corpo e a Educação Física como forma de espetáculo e eficiência, para dar lugar a outras possibilidades de abordagem do corpo.
A interseccionalidade, um conceito teórico desenvolvido para compreender as múltiplas formas de opressão e discriminação que se sobrepõem e interagem, será utilizada como uma abordagem analítico-política para analisar esses fenômenos. Amplamente discutida por autoras como Patricia Hill Collins e Carla Akotirene, a interseccionalidade permite uma análise mais profunda das complexidades sociais que moldam as experiências de grupos marginalizados (Collins, 2022; Akotirene, 2022). No contexto da Educação Física, a interseccionalidade oferece uma lente para (re)pensar como a deficiência física interage com outras dimensões da identidade, afetando significativamente a vida e a carreira dos profissionais nesta área. Essa tensão é exacerbada pela lógica da corpolatria, que não só invisibiliza corpos diferentes, mas também os subalterniza.
O objetivo deste artigo é problematizar a questão do corpo na contemporaneidade, com um foco especial no profissional de Educação Física com deficiência física. A partir de um ensaio teórico e crítico, à luz dos resultados de pesquisas realizadas sobre o professor de Educação Física com deficiência física, busca-se analisar como os marcadores sociais da diferença podem produzir efeitos de opressão, exclusão, violência e preconceito nas experiências pessoais em diversos contextos. Pretende-se proporcionar uma contribuição ao debate sobre o corpo com deficiência física na atuação profissional em Educação Física, (des)construindo conceitos e padrões que (in)visibilizam as pessoas com deficiência física na atuação profissional.
REPENSANDO A ESTÉTICA E A CAPACIDADE: A (IN)VISIBILIZAÇÃO DE CORPOS COM DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO FÍSICA
Na contemporaneidade, a espetacularização do corpo diferente como forma de horror foi modificada, não tendo mais caráter punitivo ou de castigo divino. No entanto, a corpolatria, que molda a identidade exterior contemporânea, também rejeita o corpo que foge dos padrões estéticos idealizados. A corpolatria é uma forma atual de representação do corpo que reforça o culto à estética. A busca incessante pela melhor aparência estética ou pelo tipo físico idealizado tornou-se um fenômeno sociocultural, muitas vezes mais significativo do que a própria satisfação econômica, afetiva ou profissional (Santos, 2019).
Entende-se por corpolatria uma espécie de “patologia na contemporaneidade”, caracterizada pela preocupação e cuidados extremos com o próprio corpo, não no sentido da saúde, mas no narcisismo da aparência e embelezamento físico (Senne, 2004). No cenário atual, o corpo tornou-se o local de concretização do bem-estar através da forma e da manutenção da juventude. Em uma sociedade onde a felicidade está frequentemente ligada à aparência, status e bem-estar, o corpo tornou-se um objeto de constante investimento e preocupação (Le Breton, 2013). O corpo representa muitos valores e significados na vida das pessoas, adquirindo um valor social importante. Santos (1990) afirma que a corpolatria limita o corpo a uma condição de valor de uso e troca, onde investir no corpo é aumentar seu valor simbólico.
Na contemporaneidade, o culto ao corpo perfeito, longe de ser uma preocupação com a saúde, é uma busca incessante por um ideal estético que, paradoxalmente, se afasta do real significado de bem-estar. A corpolatria, enquanto fenômeno cultural, impõe uma normatização do corpo que exclui aqueles que fogem aos padrões estéticos hegemônicos, invisibilizando e subalternizando corpos com deficiência. Essa lógica de exclusão se revela de maneira contundente no campo da Educação Física, onde o corpo do profissional é, muitas vezes, avaliado mais pela aparência do que pela competência.
A questão que emerge é: como esse culto ao corpo ideal impacta diretamente a prática profissional de educadores com deficiência? E mais, como ele perpetua estruturas de opressão dentro de uma área que deveria ser voltada à promoção da saúde e inclusão? Profissionais de Educação Física com deficiência não apenas enfrentam barreiras físicas, como a falta de acessibilidade nos espaços de trabalho, mas são confrontados com estereótipos estéticos que questionam sua capacidade técnica. Essa exclusão estética pode se apresentar como uma forma insidiosa de marginalização, que se oculta sob o pretexto da “performance” e “capacidade”.
Ao examinar essa questão, percebemos que a corpolatria desumaniza ao transformar corpos em objetos de consumo. Para os professores de Educação Física com deficiência, isso significa lutar contra uma visão capacitista que perpetua a exclusão. A sociedade os vê como “inadequados” para o campo que privilegia a estética, mas essa visão superficial negligencia a riqueza de suas experiências e habilidades.
Para professores de Educação Física com deficiência, a corpolatria impõe desafios problematizações a serem (re)pensadas. O ideal de corpo perfeito não apenas invisibiliza corpos diferentes, mas também subalterniza aqueles que não se enquadram nesse padrão. A expectativa estética sobre profissionais de Educação Física pode levar à marginalização e preconceito contra aqueles com deficiência física. Estudos mostram que esses profissionais enfrentam estigmas e barreiras significativas em seu campo de atuação, frequentemente questionados sobre sua competência e capacidade profissional (Grenier et al., 2014, De Paula Santos e Franco, 2023).
A pesquisa de Grenier et al. (2014) explora como a deficiência pode marginalizar professores de Educação Física, ao mesmo tempo que permite destacar suas habilidades de maneiras inesperadas, como no caso de um estagiário de Educação Física que também era um atleta de hóquei. A construção social da capacidade na Educação Física pode reforçar a hegemonia da capacidade, excluindo aqueles que não se conformam com as concepções normais de capacidade (Bryant e Curtner-Smith, 2008). Portanto, (re)pensar a inclusão não é apenas uma questão de acessibilidade física, mas de romper com as normas estéticas que continuam a subjugar corpos divergentes. O desafio é criar um ambiente em que a diversidade corporal seja celebrada, não tolerada.
A percepção do corpo do professor de Educação Física é muitas vezes influenciada por estereótipos estéticos. Um estudo que investigou as percepções dos alunos sobre a prática profissional de uma professora de Educação Física com deficiência física conclui que as percepções dos alunos acerca da atuação da professora evidenciam aspectos capacitistas e se apresentam carregadas de estigma e preconceito (Santos, 2023). Isso ilustra como a corpolatria pode afetar negativamente a inclusão e a valorização de profissionais com deficiência.
Além disso, a falta de acessibilidade nas academias e espaços de prática de atividade física agrava a exclusão desses profissionais (Santos, 2023). Estudos apontam que a ausência de infraestrutura Adequada impede a participação plena de pessoas com deficiência, reforçando sua exclusão social e profissional (Diniz, 2007, Santos, 2023). A pesquisa de Bryant e Curtner-Smith (2008) indica que, mesmo quando alunos são ensinados por professores com deficiência, a percepção sobre a eficácia desses profissionais pode ser influenciada pela aparência física, refletindo a influência persistente da corpolatria.
A valorização da estética corporal impõe um modelo de corpo que exclui e marginaliza aqueles que não se enquadram nos padrões de beleza hegemônicos. A supervalorização da juventude e do corpo ideal tornou-se um mandamento ligado ao sucesso e à felicidade. Hillesheim e Cappellari (2019) destaca que a mídia orienta e interpela o cotidiano das pessoas, participando ativamente na produção de identidades e subjetividades. Esse processo pode gerar adoecimento na sociedade contemporânea, que ultrapassa limites para atingir a normatização do corpo padrão (Santaella, 2004).
O estudo de Santos (2023) direciona o foco para o professor de Educação Física objetivando investigar a atuação de uma professora com deficiência física, que atua como personal trainer em uma academia de ginástica. Como resultados foi identificado uma profissão e um ambiente de trabalho atravessado pelo preconceito e pelo estereótipo, principalmente, no que diz respeito à estética do corpo. O estudo considerou que há uma tensão entre o preconceito velado e a posição de negação, desse preconceito, pela profissional.
A inclusão de profissionais com deficiência nesse contexto exige uma reflexão crítica sobre os padrões estéticos vigentes e a construção de uma prática pedagógica que valorize a diversidade corporal e a competência profissional, independente da condição física. Como podemos (re)pensar sobre as barreiras impostas pela corpolatria e promover, de certa maneira, a inclusão de profissionais com deficiência física na Educação Física? Quais são as estratégias necessárias para desmantelar os preconceitos estéticos que ainda prevalecem nesse campo?
A literatura existente chama atenção para a necessidade de refletir sobre essas práticas de exclusão e subalternização das pessoas com deficiência na atuação profissional, questionando e promovendo a inclusão de todos os profissionais (Grenier et al., 2014; Dantas, 2011). Nesse sentido, é fundamental que a sociedade avance na valorização da competência profissional das pessoas com deficiência, questionando os estigmas associados ao corpo com deficiência e proporcionando um ambiente inclusivo e equitativo para todos.
A INTERSECCIONALIDADE NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA E A MARGINALIZAÇÃO DE CORPOS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA
A interseccionalidade é um conceito teórico desenvolvido para compreender as múltiplas formas de opressão e discriminação que se sobrepõem e interagem, influenciando a vida dos indivíduos. Este conceito, amplamente discutido por autoras como Patricia Hill Collins e Carla Akotirene, permite uma análise mais profunda das complexidades sociais que moldam as experiências de grupos marginalizados. Collins (2022) define a interseccionalidade como a forma pela qual categorias sociais como raça, gênero, classe e deficiência interagem em múltiplos níveis, resultando em desigualdades complexas. Akotirene (2022) complementa essa visão ao enfatizar que a interseccionalidade é crucial para desvelar as camadas de opressão que estruturam a sociedade e afetam a vida dos indivíduos de maneira diferenciada.
A interseccionalidade é uma ferramenta metodológica poderosa para entender as múltiplas camadas de opressão que estruturam a vida de indivíduos marginalizados, como é o caso de profissionais de Educação Física com deficiência. Ao analisar a interseção entre deficiência, gênero, raça e classe social, é possível identificar como essas categorias se combinam para intensificar as formas de discriminação enfrentadas por esses indivíduos. O corpo com deficiência, que já é invisibilizado pela lógica capacitista, torna-se ainda mais subalternizado quando se considera o impacto dessas outras categorias sociais.
A lógica contemporânea da corpolatria exacerba essa marginalização, criando um ambiente em que os profissionais de Educação Física com deficiência são constantemente forçados a provar sua competência, não apenas por suas habilidades, mas pela aparência de seus corpos. Ao mesmo tempo, ela oferece um caminho para resistência, ao demonstrar que essas opressões não podem ser tratadas de forma isolada.
No campo da Educação Física, a interseccionalidade oferece uma perspectiva interessante para compreender como a deficiência física interage com outras dimensões da identidade, impactando profundamente a vida e a carreira dos profissionais dessa área. A lógica da corpolatria exacerba essa tensão, invisibilizando e subalternizando corpos que não se enquadram nos padrões estéticos idealizados. Profissionais de Educação Física com deficiência física são frequentemente vistos como menos capazes, não por falta de competência técnica, mas por não atenderem aos critérios estéticos dominantes. A pesquisa de Grenier et al. (2014) reforça essa percepção, destacando que professores de Educação Física com deficiência enfrentam constantes questionamentos sobre sua capacidade profissional. Esse preconceito estético constitui uma forma de discriminação que desvaloriza a experiência e as habilidades desses profissionais, perpetuando sua exclusão e marginalização.
A interseccionalidade ilumina as múltiplas opressões enfrentadas por esses profissionais e oferece caminhos para resistência e transformação. Akotirene (2022) destaca a importância de desenvolver políticas inclusivas que reconheçam a complexidade das identidades. Para os profissionais de Educação Física com deficiência, isso significa criar ambientes de trabalho que valorizem a diversidade corporal. A perspectiva inclusiva desconstrói estereótipos e promove o reconhecimento das experiências individuais, desafiando padrões estéticos e valorizando a competência profissional. Estudos como os de Santos (2023) e Grenier et al. (2014) são fundamentais para evidenciar as barreiras enfrentadas por esses profissionais e para pavimentar o caminho rumo a políticas e práticas mais inclusivas.
Além disso, é fundamental examinar criticamente o papel das instituições educacionais e do mercado de trabalho na perpetuação dessas desigualdades. Como as instituições educacionais podem promover uma cultura inclusiva que valorize a diversidade corporal? É imperativo questionar como as políticas públicas podem ser aprimoradas para garantir a inclusão efetiva de profissionais com deficiência no mercado de trabalho. Essas são questões que emergem da análise interseccional e que demandam uma reflexão crítica e uma ação coordenada.
A interseccionalidade contribui significativamente para questionar e problematizar a deficiência no campo da Educação Física, pois revela como as diversas formas de opressão se interconectam. Santos (2023) aponta que professores de Educação Física com deficiência enfrentam um duplo estigma: a discriminação por sua deficiência e a pressão social para atender aos padrões estéticos dominantes na área. Esse duplo desafio resulta em barreiras significativas para sua aceitação e sucesso profissional.
A pesquisa de Grenier et al. (2014) destaca que o preconceito contra professores com deficiência não é apenas estético, mas interseccional. O estigma de ser deficiente se combina com a pressão estética. A interseccionalidade, assim, não apenas ajuda a entender essas múltiplas opressões, mas também nos desafia a (re)pensar políticas e práticas inclusivas que vão além de simples adaptações físicas. Ao problematizar o papel das instituições e do mercado de trabalho na perpetuação dessas desigualdades, a interseccionalidade nos convida a questionar como as políticas públicas podem ser mais eficazes em promover a inclusão de profissionais com deficiência.
A lógica do corpo contemporâneo, amplamente influenciada pela corpolatria, acentua essas barreiras ao valorizar a aparência física em detrimento das competências e habilidades profissionais. Akotirene (2022) argumenta que a interseccionalidade pode desmantelar essas normas estéticas excludentes, ao enfatizar a importância de políticas inclusivas que considerem as diversas formas de opressão enfrentadas pelos indivíduos. Isso é essencial para a criação de ambientes de trabalho e educacionais mais equitativos.
O estudo de Horta et al. (2023) sobre a emergência da interseccionalidade nos debates sobre deficiência ressalta a necessidade de políticas educacionais que contemplem as múltiplas dimensões da identidade dos estudantes e profissionais com deficiência. Os autores sugerem que uma abordagem interseccional pode garantir que as políticas públicas e as práticas institucionais sejam verdadeiramente inclusivas e equitativas, considerando as diversas formas de opressão que esses indivíduos enfrentam.
Além disso, a interseccionalidade evidencia como as normas sociais e culturais sobre o corpo ideal impactam negativamente a autoimagem e a autoestima dos profissionais com deficiência. Isso é especialmente claro no estudo de Grenier et al. (2014), que demonstra que os profissionais de Educação Física com deficiência são frequentemente desvalorizados e subestimados, não devido à falta de competência, mas por não se adequarem aos padrões estéticos dominantes. A interseccionalidade, portanto, proporciona uma ferramenta crítica para desafiar e transformar essas percepções.
Promovendo uma compreensão mais complexa e detalhada das opressões interseccionais, a interseccionalidade pode auxiliar na criação de um ambiente mais inclusivo e acolhedor para todos os profissionais de Educação Física com deficiência física. Isso é crucial para garantir que todos os indivíduos tenham a oportunidade de alcançar seu pleno potencial e contribuir significativamente para a sociedade.
A pesquisa de Santos (2023), que investigou a atuação de uma personal trainer cadeirante, revelou como o preconceito e o estereótipo ainda são barreiras significativas. A negação desses aspectos por parte da profissional entrevistada indica uma tensão constante entre a autoaceitação e a pressão social por conformidade estética. Essa dinâmica reflete a necessidade de abordagens interseccionais que não apenas reconheçam, mas também desafiem e transformem as estruturas opressivas.
Outro ponto crucial é a análise crítica das normas estéticas contemporâneas e suas implicações para profissionais com deficiência. No artigo “O que é necessário para que a Interseccionalidade possa vir a ser?” argumenta-se que as políticas inclusivas devem ir além do reconhecimento superficial da diversidade e abordar as raízes estruturais das desigualdades (Conceição, 2021). Isso implica na criação de programas educacionais e de treinamento que desafiem as normas estéticas e promovam a valorização da competência e da diversidade corporal.
No artigo “Uma Análise Crítica sobre os Antecedentes da Interseccionalidade” enfatiza-se que a interseccionalidade deve ser aplicada como uma ferramenta para desconstruir as hierarquias sociais que marginalizam indivíduos com deficiência (Kyrillos, 2020). A pesquisa sugere que a inclusão efetiva depende da capacidade de identificar e abordar as múltiplas formas de opressão que se entrelaçam para perpetuar a exclusão.
Por fim, é essencial que a sociedade adote uma postura proativa na promoção da inclusão. Isso envolve não apenas a implementação de políticas que combatam a discriminação, mas também a educação contínua, em todas as esferas sociais. Conforme sugere Akotirene (2022), a verdadeira inclusão só será alcançada quando reconhecermos e valorizarmos todas as formas de ser e existir, desafiando as normas sociais que perpetuam a exclusão e a marginalização.
REFLEXÕES FINAIS
A análise crítica sobre a corpolatria e a interseccionalidade no campo da Educação Física revela questões profundamente enraizadas que impactam profissionais com deficiência física de maneira significativa. A corpolatria, caracterizada pela obsessão com o corpo perfeito e esteticamente idealizado, impõe padrões que invisibilizam e subalternizam corpos que não se enquadram nas normas hegemônicas de beleza. Este fenômeno perpetua a exclusão e a marginalização de indivíduos com deficiência, reforçando estereótipos que desvalorizam suas habilidades e competências profissionais.
A interseccionalidade, como ferramenta teórica oferece uma perspectiva crucial para compreender e enfrentar essas opressões. Collins (2022) ressalta a importância de reconhecer como categorias sociais como raça, gênero, classe e deficiência interagem para criar desigualdades complexas. Akotirene (2022) sublinha a necessidade de desvelar as camadas de opressão que estruturam a sociedade, afetando a vida dos indivíduos de maneira diferenciada. No contexto da Educação Física, essa abordagem permite problematizar as múltiplas formas de discriminação enfrentadas por profissionais com deficiência.
A corpolatria, ao privilegiar padrões estéticos rígidos, contribui para a marginalização de profissionais com deficiência física, questionando sua capacidade e competência não pela falta de habilidades, mas pela aparência. Estudos como os de Grenier et al. (2014) e Santos (2023) destacam que esses profissionais enfrentam estigmas e preconceitos significativos em seu campo de atuação. Essa realidade evidencia a necessidade de uma reconfiguração das práticas e políticas no ambiente de trabalho e nas instituições educacionais para valorizar a diversidade corporal e a competência profissional.
A abordagem interseccional revela como as normas sociais e culturais sobre o corpo ideal afetam negativamente a autoimagem e a autoestima dos profissionais com deficiência. A lógica da corpolatria exacerba essas barreiras ao valorizar a aparência física acima das competências e habilidades profissionais. Akotirene (2022) argumenta que a interseccionalidade pode ajudar a desmantelar essas normas estéticas excludentes ao enfatizar a importância de políticas inclusivas que considerem as diversas formas de opressão que os indivíduos enfrentam.
A inclusão de profissionais com deficiência no campo da Educação Física exige uma reflexão crítica sobre os padrões estéticos vigentes e a construção de uma prática pedagógica que valorize a diversidade corporal e a competência profissional. Portanto, a importância de uma abordagem interseccional para enfrentar a opressão e a exclusão no campo da Educação Física é inegável. É necessário promover uma cultura que valorize a diversidade corporal e a competência profissional, desafiando os padrões estéticos que perpetuam a marginalização. Somente assim será possível criar ambientes verdadeiramente inclusivos e equitativos, onde todos os profissionais possam ser reconhecidos e valorizados por suas habilidades e contribuições.
AGRADECIMENTOS
À Fundação Presidente Antônio Carlos de Conselheiro Lafaiete, através do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Inclusão- NEPSI/ UNIPAC Lafaiete.
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O presente texto foi aprovado para integrar o Dossiê do Volume 46 de 2024; contudo, devido a problemas, não foi possível publicá-lo nesse volume.
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FINANCIAMENTO
O presente trabalho não contou com apoio financeiro de nenhuma natureza para sua realização.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Fev 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
22 Maio 2024 -
Aceito
18 Set 2024