Open-access Os desafios para a promoção da saúde no SUS: análise do financiamento federal de custeio do Programa Academia da Saúde de 2021 a 2024

The challenges for health promotion in the SUS: analysis of the federal funding for the Academia da Saúde Program from 2021 to 2024

Los desafíos para la promoción de la salud en el SUS: análisis de la financiación federal del Programa Academia de la Salud de 2021 a 2024

RESUMO

O Programa Academia da Saúde (PAS), uma estratégia de promoção da saúde, tem no financiamento um desafio. Assim os objetivos foram apresentar o número de polos construídos, credenciados e pagos, bem como analisar a evolução temporal e a distribuição regional e nacional do custeio do PAS, de 2021 e 2024. Por meio de estudo descritivo exploratório, de característica quantitativa, verificou-se o aumento do número de polos construídos, com o mesmo não ocorrendo em relação aos credenciados. O valor total anual dos recursos de custeio foi de até R$50,1 milhões e a região Nordeste teve a maior proporção de polos credenciados e pagos. Em conclusão, foram reveladas sérias limitações para efetivar os objetivos do PAS, em especial o baixo número de polos credenciados.

Palavras-chave:
Política de saúde; Políticas, planejamento e administração em saúde; Financiamento dos sistemas de saúde; Práticas corporais

ABSTRACT

The Health Academy Program (PAS), a health promotion strategy, faces financing as a challenge. Therefore, the objectives were to present the number of centers built, accredited and funded, as well as to analyze the temporal evolution and the regional and national distribution of PAS funding from 2021 to 2024. Through an exploratory descriptive study with a quantitative approach, an increase in the number of centers built was observed, although the same was not true for accredited centers. The total annual funding reached up to BRL 50.1 million, with the Northeast region having the highest proportion of accredited and funded centers. In conclusion, significant limitations were revealed in achieving the objectives of the PAS, particularly the low number of accredited centers.

Keywords:
Health policy; Health policy, planning and management; Health system financing; Body practices

RESUMEN

El Programa Academia de la Salud (PAS) enfrenta desafíos relacionados con el financiamiento. Por lo tanto, los objetivos fueron presentar el número de centros construidos, acreditados y financiados, así como analizar la evolución temporal y la distribución regional y nacional del financiamiento del PAS entre 2021 y 2024. A través de un estudio descriptivo exploratorio con un enfoque cuantitativo, se observó un aumento en el número de centros construidos, aunque esto no se reflejó en los centros acreditados. El financiamiento anual total alcanzó hasta R$ 50,1 millones, siendo la región Nordeste la que presentó la mayor proporción de centros acreditados y financiados. En conclusión, se revelaron limitaciones significativas para alcanzar los objetivos del PAS.

Palabras-clave:
Política de salud; Políticas, planificación y administración en salud; Financiación de los sistemas de salud; Practicas corporales

INTRODUÇÃO

A Promoção da Saúde, no presente texto, é compreendida a partir dos processos relacionados à vida das pessoas que busquem abarcar as complexidades relacionadas à saúde e às múltiplas possibilidades de atuar para o alcance de maiores gradações desta dimensão vital (Carvalho et al., 2022a). Nesse sentido, se caracteriza como forma de produzir saúde, na perspectiva individual e coletiva, requerendo articulação intra e intersetorial para enfrentamento das iniquidades em saúde.

Portanto, nesta compreensão, não se resume a atividades coletivas, educativas, ou de concepções idealísticas e inalcançáveis relacionadas às condições de vida, assim como de esforços direcionados a mudança de comportamentos a partir de prescrições descontextualizadas que invisibilizam as estruturas de opressão, marcadores sociais de diferença e a vulnerabilização de determinados grupos populacionais. Pode ser operacionalizada nos serviços de saúde e nas redes de proteção social, com maior possibilidade de alcançar sua finalidade quando conta com ampla participação e controle social (Brasil, 2017a; Carvalho et al., 2020; Parreira, 2021).

O Programa Academia da Saúde (PAS), instituído em 2011, é uma das estratégias para o fortalecimento de ações de promoção da saúde na Atenção Primária à Saúde (APS) do Sistema Único de Saúde (SUS). O PAS foi criado a partir de experiências municipais de promoção das práticas corporais e atividades físicas (PCAF) e tem como base conceitual os princípios e as diretrizes do SUS e das Políticas Nacionais de Atenção Básica (PNAB) e de Promoção da Saúde (PNPS) (Brasil, 2018), com destaque para a concepção ampliada de saúde e para os valores de equidade, autonomia, empoderamento e protagonismo dos sujeitos (Carvalho et al., 2020). Assim, o PAS objetiva, além da promoção da saúde, contribuir para a integralidade do cuidado a partir da implantação de espaços públicos conhecidos como polos, que integram a rede da APS e são dotados de infraestrutura, equipamentos e profissionais qualificados (Brasil, 2018). Para que os objetivos do PAS sejam alcançados, o seu financiamento torna-se uma das principais questões a serem debatidas, visando ao aperfeiçoamento do programa.

O subfinanciamento crônico do SUS é reconhecido como um dos principais desafios para a consecução da saúde como direito e dever do Estado (Paim, 2018; Funcia, 2019), o que foi agravado pela Emenda Constitucional nº 95/2016 (EC 95). A EC 95, que ficou conhecida como ‘teto de gastos’, estipulou, a partir do ano de 2017, limites para as despesas primárias de diferentes órgãos, entre eles o Ministério da Saúde, por vinte exercícios financeiros (Brasil, 2016b). Cabe destacar que as políticas de austeridade fiscal, como o ‘teto de gastos’, de base neoliberal, promovem uma redução do financiamento público da saúde que impactam negativamente os indicadores de saúde (Paes-Sousa et al., 2019), sendo revelado que no Brasil, entre 2015 e 2019, houve uma redução das despesas em saúde nos municípios (Maia et al., 2024) e a diminuição de 12% no número de atendimentos ambulatoriais do SUS (Mendes, 2022).

Atualmente o debate sobre o financiamento das políticas públicas gira principalmente em torno do Regime Fiscal Sustentável, conhecido como ‘novo’ arcabouço fiscal (Brasil, 2023a), criado para substituir a EC 95. Esse regime refere-se a um mecanismo de controle do endividamento que tem enfoque no equilíbrio entre arrecadação e despesas. A premissa é de que regras fiscais relacionadas à gestão responsável dos recursos públicos são fundamentais para manter a confiança na capacidade do governo de honrar seus compromissos, criando condições para o crescimento econômico, em especial relacionados às políticas públicas para atender as necessidades da população (Brasil, 2023a). Relacionado ao arcabouço fiscal vigente, destaca-se que a proposta do governo federal de corte de gastos públicos preservou o piso constitucional da saúde (Trindade, 2024).

Da questão macro do financiamento do SUS para a especificidade do PAS, Carvalho e Vieira (2022) apresentaram o panorama do financiamento federal entre 2011 e 2020 e foi identificado o desafio da implementação, já que não houve estabilidade ou crescimento sustentado de recursos de investimento e de custeio, o que impôs restrições ao fortalecimento do PAS. Assim, os objetivos deste estudo foram: a) apresentar o número de polos construídos, credenciados e pagos; b) analisar a evolução temporal e a distribuição regional e nacional do financiamento de custeio do PAS, no período entre 2021 e 2024.

A relevância está na atualização dos dados apresentados previamente na literatura (Carvalho e Vieira, 2022) e na inclusão de informações sobre a distribuição macrorregional, com a ampliação das evidências sobre o financiamento das políticas de promoção da saúde e das PCAF no SUS. Isso poderá subsidiar o debate sobre a criação da Política Nacional de Práticas Corporais e Atividades Físicas no SUS - PNPCAF (Brasil, 2024k; CBCE, 2024).

MÉTODOS

Delineamento

Trata-se de estudo descritivo exploratório, de característica quantitativa, de abrangência nacional e com análise da distribuição macrorregional do financiamento de custeio do PAS, no período entre janeiro de 2021 a dezembro de 2024. Justifica-se a abordagem descritiva considerando que o financiamento das políticas de promoção da saúde e das PCAF ainda é um tema pouco investigado e que o uso de diferentes e complementares Sistemas de Informação em Saúde (SIS) permite retratar um cenário amplo sobre a implementação do PAS no período selecionado, complementando análise anterior (Carvalho e Vieira, 2022).

Fontes dos dados

Os dados foram extraídos de diferentes fontes:

  1. O valor total nominal de recursos de custeio e o número de polos do PAS credenciados foram obtidos por meio de consulta no sistema e-Gestor Atenção Primária à Saúde – ‘Relatórios APS’ – ‘Gerência APS’. Foram consultados os dados por ano de todas as unidades federativas. O e-Gestor APS apresenta informações sobre os programas e serviços da APS para apoiar a gestão estadual e municipal por meio da plataforma WEB. Possui acesso público, no qual estão disponíveis relatórios públicos e demais informações para os gestores, sem a necessidade de login e senha (Brasil, 2024a);

  2. O valor total nominal de recursos de custeio transferidos pela gestão federal à municipal foi obtido por meio de consulta ao Fundo Nacional de Saúde (FNS) - Painel de Informações - ‘Repasses Fundo a Fundo’. Os dados foram consultados por ano com a aplicação de filtro do programa ‘Apoio à manutenção dos polos do Academia da Saúde’. O painel de informações de repasses fundo a fundo do FNS disponibiliza informações sobre o custeio, investimentos e financiamento no âmbito do SUS, sendo o gestor financeiro dos recursos destinados a financiar as despesas correntes e de capital do Ministério da Saúde (Brasil, 2024b);

  3. As informações sobre o número de polos construídos, incluindo os similares, que são estruturas de programas municipais de PCAF já existentes e que foram consideradas como polos do programa para fins de custeio, foram obtidas por meio de consulta ao painel ElastiCNES – ‘panorama geral’. Os dados foram consultados por ano com a aplicação dos filtros ‘competências’, ‘tipo de estabelecimento’ e ‘status’. Esse painel fornece informações sobre a disponibilidade de serviços de saúde, formas de acesso e funcionamento que subsidiem a tomada de decisão, o planejamento, a programação de ações de saúde (Brasil, 2024c).

Os dados foram extraídos inicialmente em outubro e, posteriormente nos meses de dezembro de 2024 e janeiro de 2025, especificamente para atualização dos dados referentes as competências de novembro e dezembro de 2024. Em janeiro de 2025 houve a confirmação por meio de nova extração dos dados de todo o período abrangido pela pesquisa. Após a extração dos dados, a tabulação foi realizada, por meio de planilha do software Microsoft Excel®, de forma cegada, a partir de prévia pactuação, por dois autores com experiência na gestão do SUS. Posteriormente os dados tabulados foram comparados e não foram encontradas divergências.

É importante esclarecer que apesar do montante de recursos de custeio, a priori, ter que ser coerente com o quantitativo de polos pagos, pode haver diferença já que existe uma salvaguarda nas normativas do SUS relacionadas à disponibilidade de recursos para o pagamento, por exemplo quando há contingenciamento de recursos do orçamento federal (Brasil, 2024d). Além disso, na gestão pública interfederativa, é possível que os valores devidos em um ano sejam quitados no ano seguinte, como forma de restos a pagar (despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro) (Brasil, 2024j). Na prática, em relação ao financiamento do SUS e do PAS, o recurso de custeio que um município fez juz em 2021, por exemplo, poderá ser pago em 2022. Contudo, para fins de cálculos e análises, os valores correntes por ano são essenciais para o acompanhamento do financiamento das políticas públicas. Considerando as fontes usadas e o perfil de acesso por meio de relatórios públicos, quando ocorre diferença entre os valores aos quais os municípios fizeram jus e o real valor transferido, não é possível identificar quais polos que atenderam as condições normativas e deixaram de receber recursos de custeio, o que foge ao escopo da presente pesquisa.

Variáveis analisadas

Foram analisadas as seguintes variáveis, número de polos: a) construídos; b) credenciados; c) pagos; d) valor total nominal de recursos de custeio; e) ano; f) macrorregião brasileira.

Considerando que os dados foram obtidos em diferentes SIS, é preciso diferenciar:

  • Polos construídos: aqueles cadastrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e ativos (fonte: ElastiCNES – Brasil, 2024c);

  • Polos credenciados: aqueles que podem receber recursos caso atendam às condições normativas (fonte: eGestor - Brasil, 2024a);

  • Polos pagos: aqueles que fazem jus ao recebimento dos recursos de custeio (fonte: eGestor - Brasil, 2024a);

  • Recursos de custeio: montante de recursos transferidos pela gestão federal à municipal (fonte: FNS - Brasil, 2024b).

Em complemento, considerando as variações mensais existentes no número de polos construídos, credenciados e pagos, foi utilizada a média anual para expressar o número de polos por ano em cada uma dessas categorias de variáveis. Cabe destacar que essas variações estão relacionadas à conclusão de obras, a interrupções no pagamento pelo não atendimento das normativas e ao credenciamento e/ou descredenciamento de polos ao PAS.

Análises estatísticas

Para analisar a evolução temporal e a distribuição macrorregional foram realizadas análises estatísticas descritivas.

Aspectos éticos e legais

Os dados foram obtidos de fontes secundárias e de domínio público, não sendo necessária a submissão do estudo aos organismos de apreciação ética do sistema CEP/CONEP.

RESULTADOS

Ao longo do período analisado houve uma ampliação de 11,7% no número de polos construídos. No que tange ao número de polos credenciados, os anos de 2022 e de 2024 foram os que apresentaram respectivamente o maior e o menor número (Figura 1). Foi revelado uma redução de 6,3 pontos percentuais na proporção entre o número de polos credenciados e o de construídos entre 2021 e 2024, sendo de 51,2% em 2021, 50,8% em 2022, 48,1% em 2023 e 44,9% em 2024.

Figura 1
Número de polos construídos e credenciados, no Brasil, no período entre 2021 e 2024. Fonte: Autoria própria baseado em dados do eGestor e elastiCNES (Brasil, 2024a, c).

Em relação à distribuição regional do número de polos credenciados e pagos foi revelado um padrão semelhante ao longo do período analisado, com maior concentração do número de polos credenciados e pagos na região Nordeste, seguida pelas regiões Sudeste, Sul, Norte e Centro-Oeste (Tabela 1).

Tabela 1
Número de polos credenciados e pagos no Brasil e macrorregiões, no período entre 2021 e 2024.

Em relação à proporção entre o número de polos pagos e o número de polos credenciados, foi demonstrado que mais de 80% dos polos receberam os recursos de custeio no Brasil e em todas as macrorregiões brasileiras ao longo do período analisado, exceto no ano de 2022. No Brasil, a média da proporção entre o número de polos pagos e credenciados no período de 2021 a 2024 foi de 83,3%. A região que apresentou a maior média da proporção entre o número de polos credenciados e pagos foi a região Sudeste (85,6%), seguida pela região Norte (84,6%), Centro-Oeste (83,2%), Nordeste (83,1%) e Sul (79,8%). O detalhamento do valor da proporção anual entre o número de polos credenciados e pagos, no Brasil e macrorregiões, pode ser visto na Figura 2.

Figura 2
Proporção entre o número de polos pagos e o de credenciados ao Programa Academia da Saúde, no Brasil e macrorregiões, no período entre 2021 e 2024. Fonte: Autoria própria baseado em dados do eGestor (Brasil, 2024a).

Com relação ao valor total de custeio do PAS, foi revelado que o valor médio anual de custeio, no período entre 2021 e 2024, foi de aproximadamente R$48,5 milhões. Além disso, foi demonstrado que 2023 e 2022 foram respectivamente os anos com maior e menor montante de recursos pagos no Brasil, sendo observado uma retração no valor anual de custeio em 2022 (R$44,4 milhões), com ampliação do financiamento em 2023 (R$50,1 milhões) no Brasil.

No que tange a distribuição regional dos recursos de custeio, foi revelado que a região Nordeste foi a que recebeu o maior montante de recursos, seguida pela região Sudeste, Sul, Norte e Centro-Oeste. Ademais, constatou-se que todas as macrorregiões brasileiras apresentaram uma retração no valor total de recursos de custeio no ano de 2022 (Figura 3).

Figura 3
Valor nominal total (em milhões) de recursos de custeio do Programa Academia da Saúde, no Brasil e macrorregiões, no período entre 2021 e 2024. Fonte: Autoria própria baseado em dados do eGestor (Brasil, 2024a).

Em complemento, o montante total de recursos de custeio transferidos à gestão municipal foi semelhante ao encontrado no eGestor, exceto no ano de 2021. O valor total, em milhões, identificado no FNS foi de R$45,6 (diferença de 9,5%) em 2021, R$43,4 (diferença de 2,2%) em 2022, R$50,1 (sem diferença) em 2023 e R$49,2 (diferença de 0,6%) em 2024.

DISCUSSÃO

Em atenção aos objetivos de apresentar o número de polos construídos, credenciados e pagos e analisar a evolução temporal e a distribuição regional e nacional do financiamento de custeio do PAS, no período entre 2021 e 2024, os principais achados do estudo foram:

  1. houve aumento do número de polos construídos, chegando a aproximadamente 3.450 em 2024;

  2. houve variação no número de polos credenciados, os quais tiveram em 2022 o maior quantitativo, com aproximadamente 1.700 polos;

  3. a proporção entre o número de polos credenciados em relação ao de construídos ficou em torno de 50% ao longo do período analisado;

  4. a proporção entre o número de polos pagos em relação ao de credenciados, no Brasil e nas macrorregiões, ficou acima de 80% ao longo de todo o período analisado, exceto em 2022;

  5. o valor total anual dos recursos de custeio foi em torno de R$ 45 a 50 milhões, sendo 2023 o ano que apresentou o maior valor de financiamento de custeio;

  6. a região Nordeste apresentou a maior proporção entre o número de polos pagos e o de credenciados, seguida pelas regiões Sudeste, Sul, Norte e Centro-Oeste. As regiões Nordeste e Centro-Oeste receberam respectivamente o maior e o menor valor de custeio do PAS.

Apesar de não haver parâmetros, é possível considerar que o número de polos construídos do PAS em 2024, em torno de 3.450, é alta quando comparamos com as metas existentes nos instrumentos de planejamento governamental geral e do SUS, a saber, o Plano Plurianual (PPA) e o Plano Nacional de Saúde (PNS) para o período de 2024-2027, que estabelecem o custeio de 3.000 polos do PAS até o final da sua vigência (Brasil, 2024e; 2023b).

Contudo, fica evidente que esta meta está longe de ser alcançada ao cotejarmos com o número de polos credenciados em 2024, perto de 1.550. Ou seja, apesar do aumento do número de polos construídos, não houve uma ampliação proporcional nos credenciamentos, de forma que apenas cerca da metade dos polos do PAS está apta a receber recursos federais de custeio. Isso compromete o funcionamento adequado com vistas a efetivar ações de promoção da saúde, entre elas, as PCAF para os usuários do SUS.

Um ponto, a priori positivo sobre o financiamento de custeio do PAS, se refere à proporção entre o número de polos pagos em relação aos credenciados, que ficou acima de 80% em três dos quatro anos do período analisado, no Brasil e nas macrorregiões. Em especial quando comparada a outra importante iniciativa de promoção da saúde e das PCAF, a qual no primeiro ano de implementação (até 2023) não passou de 38% (Carvalho et al., 2025b). Contudo, esse dado precisa ser relativizado, uma vez que em torno de 1.900 polos do PAS não estão aptos a receber recursos federais de custeio.

Em relação aos valores nominais anuais, que variaram entre R$44,4 a R$50,1 milhões, estudos anteriores apontaram que em 2020 os recursos de custeio foram de R$50,9 e em torno de R$46,0 milhões em 2018 e 2019 (Carvalho e Vieira, 2022; Carvalho et al., 2024). Ainda, é relevante lembrar que em um dos anos houve diferença para o montante efetivamente transferido para os municípios.

Logo, não houve aumento no período analisado na presente pesquisa e chama atenção a redução do valor de custeio em 2022. Isso pode estar relacionado à redução de recursos gerais do orçamento do SUS, na ordem de dezenas de bilhões de reais, devido ao fim das verbas de urgência repassadas para enfrentamento da Covid-19, da maior demanda pós pandemia e da ausência de metas relacionadas ao PAS e à promoção das PCAF nos instrumentos de planejamento e gestão do SUS no âmbito federal entre 2020 a 2023 (Vieira e Carvalho, 2024).

Na perspectiva orçamentária, vislumbra-se um aumento caso o valor proposto no Projeto de Lei Orçamentária da União (PLOA) de 2025 seja ratificado no texto legislativo (LOA), totalizando R$ 62,3 milhões (Brasil, 2024f). Vale ressaltar que ter orçamento aprovado não significa que o financiamento será ampliado, pois isso dependerá de novos credenciamentos pelo Ministério da Saúde e da efetivação das condições normativas pelos municípios para o recebimento dos recursos de custeio.

Visando demonstrar a insuficiência de recursos para alcançar as metas estabelecidas no PPA e no PNS 2024-2027, será necessário um financiamento anual de custeio de 108,0 milhões, considerando o valor atual de custeio mensal por polo. Cabe destacar que tais metas não são novas e já foram redimensionadas, sendo inferiores às estabelecidas no Plano Nacional de enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) 2011-2022 e no PNS 2016-2019, que previam respectivamente o custeio de 4.500 e 3.500 polos do PAS (Brasil, 2011, 2016a).

Soma-se a isto o fato de o valor mensal de custeio por polo do PAS manter-se “congelado” desde a sua criação em 2011, a saber: R$3.000 (Brasil, 2017b), sendo considerado insuficiente frente aos reais custos para a realização das atividades (Carvalho e Vieira, 2022). Ainda que o financiamento do SUS seja tripartite, quanto maior for a indução do Ministério da Saúde por meio do cofinanciamento federal, maior é a possibilidade de complementação de recursos pelos municípios, especialmente no que tange à promoção das PCAF, tendo em vista que há poucas iniciativas de cofinanciamento pela gestão estadual (Carvalho et al., 2022b).

É possível assumir que os desafios no financiamento do PAS se devem à interpretação de órgãos de controle de que suas ações não deveriam ser consideradas como ações e serviços públicos de saúde (ASPS) (Brasil, 2012a) à luz da Lei Complementar nº 141/2012, que regulamentou os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde nas esferas de governo, e consequentemente seus recursos não são contabilizados no piso constitucional da saúde (Brasil, 2012b). É urgente reformar esta interpretação, considerando a relevância das ações do PAS para a saúde da população brasileira, em especial para a promoção das PCAF e da alimentação saudável, pois sem isso, a necessária e urgente atualização do valor do recurso custeio se torna mais distante. Inclusive, em 2017, a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Economia emitiu parecer favorável à consideração do PAS como despesa em ASPS, desde que atendidas algumas condicionalidades relacionadas ao funcionamento em consonância com os princípios e diretrizes do SUS, por exemplo, ser de acesso universal, igualitário e gratuito, estar inserido nos Planos de Saúde e ser financiada com recursos dos fundos de saúde (Brasil, 2017c).

É importante registrar, ainda que não faça parte do escopo da presente pesquisa, que as mudanças quanto à origem dos recursos para fomento do PAS fez com que o financiamento para a construção de polos passasse a ocorrer exclusivamente por meio de emenda parlamentar, o que limitou a expansão do PAS (Tusset et al., 2020a; Carvalho e Vieira, 2022), uma vez que o pleito por polos pode estar desconexo do planejamento sanitário, configurando uma espécie de barganha política. O financiamento público de políticas de saúde por meio de emendas parlamentares, que no caso do PAS se refere à construção dos polos, retira a autonomia do poder executivo em vincular os recursos às políticas públicas prioritárias e ao plano de governo, além de resultarem na redução e assimetrias na alocação dos recursos, principalmente na APS do SUS (Silva et al., 2024; Ulinski et al., 2024).

Ainda, é possível inferir que essas mudanças representaram entraves para os municípios manterem os polos, já que muitas obras se convertem em “elefantes brancos” ou equipamentos inativos, uma vez que não acessam o recurso de custeio e não possuem possibilidades ou prevêem em seu planejamento os recursos para implementação do polo após término da construção. Tusset et. al (2020a) demonstram que, a partir de 2012, a mudança na forma de financiamento do PAS, que deixou de ser contabilizada no piso constitucional via orçamento direto do Ministério da Saúde, impactou na definição e tomada de decisão dos municípios contemplados, levando a redução de escolhas de cunho técnico e estratégico, para escolhas “eleitoreiras” e partidárias.

As disparidades regionais encontradas, com as regiões Nordeste e Sudeste tendo o maior volume de recursos e a maior proporção de polos credenciados e pagos estão alinhadas com outros achados relacionados ao PAS e ações correlatas, pois são regiões que têm respectivamente maior concentração de profissionais de educação física e mais atividades coletivas de PCAF (Vieira et al., 2023; Carvalho et al., 2025a). Tais fatos potencialmente estão relacionados a existência de programas pioneiros, com mais de 20 anos de existência, de promoção da saúde e das PCAF nessas regiões como o Academia da Cidade (PAC) em Recife - PE e Belo Horizonte - MG, o Serviço de Orientação ao Exercício (SOE) em Vitória - ES que, inclusive, serviram de fonte de inspiração para a criação do PAS (Brasil, 2018).

Além do que foi retratado até aqui, a fragilidade do PAS pode ser ratificada por exemplo tendo em vista o PLOA de 2023, no qual o valor previsto era insuficiente para a continuidade do financiamento do PAS ao longo do ano em dois de cada três polos credenciados. Oportunamente, houve recomposição orçamentária na LOA de 2023 (Carvalho et al., 2024).

É importante situar esse debate no contexto mais geral, no qual a ampliação de políticas e programas voltadas à agenda de promoção da saúde sofreu diversos retrocessos e reveses, especialmente a partir de 2016, pela intensificação de medidas de austeridade fiscal, bem como pelo cenário pandêmico da Covid-19 (Pasquim et al., 2023; Vieira e Carvalho, 2024). A desarticulação e retrocessos em outros programas e ações no SUS, como a extinção de financiamento específico para equipes multiprofissionais a partir de 2020, que em grande parte dos municípios com polos do PAS contavam com a atuação destas equipes para o desenvolvimento das ações, é outro exemplo que acarretou na redução de 17,2% nas equipes multiprofissionais no quadriênio (2018-2022) (Nobre et al., 2023).

Assim, os desafios intra e extra especificidades do PAS mostram a necessidade e urgência de um debate amplo e a partir dele proposições e decisões políticas para que o programa possa atingir o seu pleno potencial tendo em vista ser uma estratégia oportuna que tem apresentado resultados importantes quanto à prevenção de DCNTs e à promoção de modos de vida saudáveis (Tusset et al., 2020b; Silva et al., 2021, 2023). Recentemente diferentes programas do SUS tiveram ampliação do número de serviços, equipes e de recursos (Brasil, 2024g, h), evidenciando ser também uma possibilidade para o PAS.

Como limitações deste estudo destacam-se que não foi realizada análise de outros elementos como o número de municípios, de habitantes, de cobertura da APS, entre outros indicadores, para uma melhor comparação entre as macrorregiões. E o curto período de análise, porém os achados do presente estudo complementam os resultados de estudos prévios e possibilitam identificar a ausência de mudanças, a partir da gestão de um novo governo federal em 2023 e da retomada de metas relacionadas ao PAS nos instrumentos de planejamento e gestão do SUS. Além da fidedignidade e tempestividade dos dados do SIS, por exemplo, o cadastro de polos do PAS no CNES, contudo em apresentação do Ministério da Saúde em novembro de 2024, os dados trazidos são condizentes com os que coletamos (Brasil, 2024i), permitindo acreditar na sua acurácia.

Dentre as potencialidades do estudo destacam-se a análise da distribuição regional do financiamento de custeio do PAS, o que possibilita a compreensão das disparidades regionais relacionadas à implementação do programa. Além disso, a atualização das informações apresentadas possibilitam maior transparência sobre o financiamento, visando a qualificação da gestão e o fortalecimento das ações de defesa da causa (advocacy), especialmente no contexto de interrupção dos ciclos de monitoramento do PAS que eram realizados e divulgados pelo Ministério da Saúde, sendo a última edição referente ao ano de 2019 (Brasil, 2022).

CONSIDERAÇÕES

Ao longo do período estudado, verificou-se que há um importante quantitativo de polos do PAS construídos, mas sem credenciamento, o que impossibilita o recebimento dos recursos federais de custeio. Dos que estão credenciados, a maioria atende os critérios normativos e recebe regularmente os recursos de custeio mensais.

Ainda, evidencia-se uma estabilização quanto à destinação de recursos ao programa, contudo isso não deve ser considerado como um avanço, pois demonstra que esse programa não está inserido na agenda de prioridades. Vale destacar que o investimento em políticas e ações voltadas aos cuidados primários e de promoção da saúde tem potencial de reduzir a prevalência e agravamento de DCNTs, assim como outros benefícios como a qualidade de vida, socialização etc, sendo que a ampliação do PAS em territórios desassistidos e com vazio assistencial se mostra oportuna, especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste.

Em suma, a inexistência de uma política específica relacionada às PCAF - PNPCAF, com a qual o PAS tem uma relação “umbilical”, somado ao fato de não ser considerado ASPS, significam sérias limitações para efetivar os objetivos do programa. Assim, considerando que o piso da saúde foi preservado no arcabouço fiscal vigente, dentre as disputas no orçamento do SUS, defende-se ser o momento de reformar a interpretação atual relacionada aos recursos do PAS para passar a ser considerado como ASPS de forma a ampliar seu financiamento.

Por fim, cabe destacar a existência de um conjunto de SIS, com dados abertos e relatórios públicos, que permitem o monitoramento e avaliação de informações sobre as ações, programas, políticas e serviços de saúde, inclusive sobre o financiamento, o que contribui para maior transparência, desenvolvimento de pesquisas e para o fortalecimento do controle social no SUS.

  • FINANCIAMENTO
    Os autores declaram que não houve financiamento.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Ago 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2025
  • Aceito
    26 Maio 2025
Creative Common - by 4.0
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