Acessibilidade / Reportar erro

Associação entre aptidão cardiorrespiratória percebida e função do assoalho pélvico em mulheres

Association between Physical Fitness Perception and Pelvic Floor Function in Women

Asociación entre la percepción de la condición cardiorrespiratoria y la funcióndel suelo pélvico en mujeres

Resumo

A musculatura do assoalho pélvico (AP) exerce importante papel na estabilização pélvico-lombar durante atividades funcionais.

Objetivo:

Verificar a associação entre aptidão cardiorrespiratória percebida e a função do AP no controle por idade.

Métodos:

Foram avaliadas 269 mulheres adultas com a Escala de Capacidade Percebida e exame da função muscular do AP por palpação.

Resultados:

70,2% das mulheres conseguiam manter apenas uma caminhada por 30 minutos. Aproximadamente 46,9% tinham contração objetiva fraca do AP. Estiveram associados a uma melhor função do assoalho pélvico: aptidão cardiorrespiratória percebida (conseguir correr por 30 minutos) e não apresentar queixas de perdas de urina no dia a dia e durante a prática de atividade física.

PALAVRAS-CHAVE
Assoalho pélvico; Atividade física; Força muscular; Aptidão física

Abstract

Pelvic floor (PF) muscles play an important role in stabilizing lumbar-pelvic area during functional activities.

Objective:

To investigate the association between the rating of perceived capacity and pelvic floor function controlling age.

Methods:

We evaluated 269 adult women with the Rating of Perceived Capacity and perineal muscle function palpation exam.

Results:

70.2% of the women could just keep walking for 30 minutes. Approximately 4% failed to perform the contraction of the PF muscles and 46.9% had an objectively weak contraction. A better PF muscle function was associated with perceived cardiorespiratory fitness (being able to run for 30 minutes), not presenting complains of urine loss during daily life and during physical activity.

KEYWORDS
Pelvic floor; Physical activity; Muscle strength; Physical fitness

Resumen

La musculatura del suelo pélvico (SP) ejerce un importante rol en la estabilización pélvico-lumbar en las actividades funcionales.

Objetivo:

Verificar la asociación entre percepción de la condición física y función del SP controlada por edad.

Métodos:

Se evaluó a 269 mujeres adultas con la Escala de Capacidad Percibida y el examen de función de la musculatura del suelo pélvico por palpación.

Resultados:

El 70,2% de las mujeres consiguieron mantener solamente una caminata de 30 minutos. Aproximadamente el 46,9% tenía una contracción objetiva débil del SP. Una mejor función del SP se asoció con la percepción de la condición cardiorrespiratoria (conseguir correr durante 30 minutos) y no manifestar quejas de pérdida de orina en el día a día y durante la práctica de las actividades físicas.

PALABRAS CLAVE
Suelo pélvico; Actividad física; Fuerza muscular; Condición física

Introdução

A capacidade física percebida é uma medida subjetiva que consiste em estimar a aptidão cardiorrespiratória sem a necessidade de testes de esforço. É usada para estimar os níveis de aptidão cardiorrespiratória, o que torna essa estratégia uma opção viável em pesquisa epidemiológica, por conta da simples aplicabilidade e do baixo custo em campo (Maranhão Neto et al., 2008Maranhão Neto GA, Leon ACMP, Farinatti PTV. Equivalência transcultural de três escalas utilizadas para estimar a aptidão cardiorrespiratória: estudo em idosos. Cad. Saúde Pública. 2008;24:2499-510.). Tal medida foi avaliada quanto as suas qualidades psicométricas e equivalência transcultural, apresentaram um coeficiente de concordância linear de 0,78 (0,55-1,00) e um coeficiente de correlação interclasse de 0,8 (0,50-0,93) (Maranhão Neto et al., 2008Maranhão Neto GA, Leon ACMP, Farinatti PTV. Equivalência transcultural de três escalas utilizadas para estimar a aptidão cardiorrespiratória: estudo em idosos. Cad. Saúde Pública. 2008;24:2499-510.). A aptidão cardiorrespiratória está relacionada com vários aspectos de saúde, é um marcador objetivo da prática de atividade física, uma vez que é, primariamente, determinada pela prática dessa (Hoehner et al., 2011Hoehner CM, Handy SL, Yan Y, Blair SN, Berrigan D. Association between neighborhood walkability, cardiorespiratory fitness and body-mass index. Soc Sci Med. 2011;73:1707-16.).

A prática de exercícios físicos regulares pode influenciar a função do assoalho pélvico (AP), uma vez que age positivamente no mecanismo da continência (Townsend et al., 2008Townsend MK, Danforth KN, Rosner B, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. Physical activity and incident urinary incontinence in middle-aged women. J Urol. 2008;179:1012-6.). Os exercícios físicos influenciam na manutenção do peso corporal e na prevenção da obesidade (Townsend et al., 2008Townsend MK, Danforth KN, Rosner B, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. Physical activity and incident urinary incontinence in middle-aged women. J Urol. 2008;179:1012-6.). A obesidade pode causar elevação crônica da pressão intra-abdominal, enfraquecimento das estruturas de suporte pélvico e, consequentemente, aumentam o risco para desenvolver incontinência urinária (IU) (Townsend et al., 2008Townsend MK, Danforth KN, Rosner B, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. Physical activity and incident urinary incontinence in middle-aged women. J Urol. 2008;179:1012-6.). Assim, a prática de atividade física moderada em longo prazo pode reduzir o risco de desenvolver IU, especialmente de esforço, por meio da manutenção do peso corporal (Bø, 2004Bø K. Urinary incontinence, pelvic floor dysfunction, exercise, and sport. Sports Med. 2004;34:451-64.).

Embora os níveis elevados de atividade física, como em atletas de elite, possam induzir à incontinência em algumas mulheres, questiona-se a respeito dos efeitos da atividade física moderada sobre a função do assoalho pélvico (Townsend et al., 2008Townsend MK, Danforth KN, Rosner B, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. Physical activity and incident urinary incontinence in middle-aged women. J Urol. 2008;179:1012-6.). Foi demonstrado que em mulheres nulíparas, com sintomas de incontinência urinária de esforço, o exercício físico intenso (90 minutos intervalado) origina uma redução da pressão da contração da musculatura do assoalho pélvico, com consequente fadiga dessa musculatura (Ree et al., 2007Ree ML, Nygaard I, Bø K. Muscular fatigue in the pelvic floor muscles after strenuous physical activity. Acta Obstet Gynecol Scand. 2007;86:870-6.).

Os estudos que relacionam a função do assoalho pélvico com o exercício físico são contraditórios (Bø, 2004Bø K. Urinary incontinence, pelvic floor dysfunction, exercise, and sport. Sports Med. 2004;34:451-64.). Enquanto para a maioria dos músculos de controle voluntário do corpo humano existem padrões esperados de funcionalidade (Quartly et al., 2010Quartly E, Hallam T, Kilbreath S, Refshauge K. Strength and endurance of the pelvic floor muscles in continent women: an observational study. Physiotherapy. 2010;96:311-6.), pouco se sabe sobre a função dos músculos do assoalho pélvico (AP) em mulheres sem incontinência urinária. Contudo, autores afirmam que mulheres continentes apresentam maior força e resistência dessa musculatura quando comparadas com mulheres incontinentes (Thompson et al., 2006Thompson JA, O'Sullivan PB, Briffa NK, Neumann P. Altered muscle activation patterns in symptomatic women during pelvic floor muscle contraction and Valsalva manouevre. Neurourol Urodyn. 2006;25:268-76.).

A manutenção de uma boa aptidão cardiorrespiratória é necessária para as atividades de vida diária, está relacionada à manutenção de bons níveis de funcionalidade em mulheres idosas (Krause et al., 2007Krause MP, Buzzachera CF, Hallage T, Pulner SB, Silva SG. Influência do nível de atividade física sobre a aptidão cardiorrespiratória em mulheres idosas. Rev Bras Med Esporte. 2007;13:97-102.). Da mesma forma, a musculatura do assoalho pélvico exerce papel na estabilização pélvico-lombar durante as atividades funcionais (Sapsford, 2004Sapsford R. Rehabilitation of pelvic floor muscles utilizing trunk stabilization. Man Ther. 2004;9:3-12.), tem função sinérgica à musculatura abdominal (Sapsford et al., 2001Sapsford RR, Hodges PW, Richardson CA, Cooper DH, Markwell SJ, Jull GA. Co-activation of the abdominal and pelvic floor muscles during voluntary exercises. Neurourol Urodyn. 2001;20:31-42.). Os eventos que ocorrem durante a vida da mulher, como a gravidez, o parto, o aumento de peso, a menopausa e o envelhecimento, acabam por afetar a força dos músculos do assoalho pélvico e outras estruturas que dão suporte aos órgãos pélvicos (Phillips e Monga, 2005Phillips C, Monga A. Childbirth and the pelvic floor: "the gynaecological consequences". Reviews in Gynaecological Practice. 2005;5:15-22.). Diante desse contexto, o objetivo foi verificar a relação entre a medida subjetiva de capacidade física e a função da musculatura do assoalho pélvico em mulheres adultas e controlar idade, IMC e paridade.

Material e métodos

Estudo transversal do tipo descritivo correlacional feito junto à unidade de referência no Combate ao Câncer de Florianópolis, SC, Brasil. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado de Santa Catarina (nº. 156/2010) e seguiu os critérios da resolução do Conselho Nacional de Saúde 169/1996.

Amostra

Participaram 269 mulheres maiores de 18 anos, não gestantes e que procuravam a unidade para o exame de rastreamento do câncer de colo uterino de novembro de 2010 a dezembro de 2011. A idade das participantes não foi delimitada, uma vez que o objetivo do estudo foi identificar o perfil das mulheres adultas que frequentavam esse centro de referência em Florianópolis, sem hora marcada, para tal exame nas tardes de quinta feira, dia em que havia espaço disponível na instituição para as avaliações. Foram excluídas as gestantes, mulheres com idade inferior a 18 anos, com doenças que comprometessem a deambulação ou neurológicas. Dado que foram avaliadas todas as mulheres que aceitavam participar do estudo e que frequentaram a instituição no dia das coletas e período de realização do estudo, não foi efetuado cálculo amostral.

Procedimentos

As participantes foram abordadas coletivamente na sala de espera, onde foram apresentados a proposta e os procedimentos da pesquisa e, com auxílio de um painel com elementos gráficos, explicavam-se os procedimentos da coleta. A seguir, cada mulher foi avaliada individualmente por meio da escala de capacidade percebida e da avaliação funcional do AP.

Para verificar a capacidade percebida aplicou-se a Escala de Capacidade Percebida (Rating of Perceived Capacity), desenvolvida por Wisén, Farazdaghi e Wohlfart (2002)Wisén A, Farazdaghi R, Wohlfart B. A novel rating scale to predict maximal exercise capacity. Eur J Appl Physiol. 2002;87:350-7. e validada no Brasil por Maranhão Neto et al. (2008)Maranhão Neto GA, Leon ACMP, Farinatti PTV. Equivalência transcultural de três escalas utilizadas para estimar a aptidão cardiorrespiratória: estudo em idosos. Cad. Saúde Pública. 2008;24:2499-510., que apresentou no teste e reteste um coeficiente de concordância linear de 0,78 (0,55-1,00) e um coeficiente de correlação interclasses de 0,8 (0,50-0,93). Essa escala é composta por uma lista de atividades em que o participante seleciona o que é capaz de fazer por um período mínimo de 30 minutos (fig. 1). Foi escolhida por ser recomendada em situações de campo nas quais medidas diretas são difíceis de obter, como no caso de um ambiente clínico.

Figura 1
Escala de capacidade percebida (Maranhão Neto et al., 2008Maranhão Neto GA, Leon ACMP, Farinatti PTV. Equivalência transcultural de três escalas utilizadas para estimar a aptidão cardiorrespiratória: estudo em idosos. Cad. Saúde Pública. 2008;24:2499-510.).

Como variáveis de controle, foram obtidas medidas antropométricas (massa corporal, altura, circunferência da cintura), dados obstétricos (número de gestações) e sociodemográficos (idade, escolaridade e estado marital). As variáveis ocorrência de episódios de perda de urina no dia a dia e durante a prática de atividade física foram obtidas por meio do autorrelato das participantes, por meio das perguntas com respostas dicotômicas: "Você costuma perder urina? Sim/não"; "Você costuma perder urina ao praticar atividade física? Sim/não". Tais variáveis, segundo a literatura, podem ter influência sobre a condição do assoalho pélvico e da aptidão cardiorrespiratória (Caetano et al., 2007Caetano AS, Tavares MCGCF, Lopes MHBM. Incontinência urinária e a prática de atividades físicas. Rev Bras Med Esporte. 2007;13:270-4.).

A avaliação da função muscular perineal foi feita com o teste de observação e palpação vaginal por ser de baixo custo e simples aplicação (Dumolin e Hay-Smith, 2010Dumoulin C, Hay-Smith J. Pelvic floor muscle training versus no treatment, or inactive control treatments, for urinary incontinence in women. Cochrane Database Syst Rev. 2010:CD005654.). Nesse teste a paciente permanece posicionada na postura ginecológica desnuda da cintura para baixo. O examinador introduz o dedo indicador e o médio no introito vaginal e solicita que a paciente faça uma contração voluntária máxima da musculatura do assoalho pélvico. A força muscular foi graduada de 0 a 4, de modo a avaliar a presença e a intensidade da contração muscular voluntária, de acordo com a escala validada por Ortiz, Coya e Ibañez (1994)Ortiz CO, Coya NF, Ibañez G. Evaluación functional del piso pelviano femenino (classificacion functional). Bol Soc Latinoam Uroginecol Cir Vaginal. 1994;1:5-9.. Essa escala classifica o grau de força muscular da seguinte forma: Grau 0: sem função perineal objetiva, nem mesmo à palpação; Grau 1: função perineal objetiva ausente, reconhecida somente à palpação; Grau 2: função perineal objetiva débil, reconhecida à palpação; Grau 3: função perineal objetiva e resistência opositora, não mantida à palpação; e Grau 4: função perineal objetiva e resistência opositora mantida à palpação por mais de 5 segundos.

Este teste foi feito pelo mesmo examinador em todas as mulheres participantes para evitar divergências quanto à classificação da força muscular perineal.

Análise dos dados

Os dados foram tabulados no programa estatístico SPSS versão 18.0 e analisados por meio de recursos da estatística descritiva (frequência absoluta e relativa, média e desvio padrão). Quanto à análise exploratória da distribuição dos dados, não foi identificada normalidade pelo critério de Kolmogorov-Smirnov, adotaram-se testes não paramétricos. Para análise usaram-se a correlação de Spearman e o teste de qui-quadrado e adotou-se um nível de significância p < 0,05. Para interpretação dos coeficientes de correlação foi usada a classificação de Munro (2001)Munro BH. Correlation. In: Munro BH, editor. Statistical methods for health care research. 4ª. ed. Philadelphia: Lippincott; 2001. p. 223-43. (fraca < 0,49; moderada 0,50-0,69; forte 0,70-0,89 e muito forte 0,90-1,00).

Procedeu-se à análise de regressão de Poisson com variância robusta para obtenção de estimativas brutas e ajustadas das razões de prevalência, considerando p < 0,05. Para ajuste das associações, foi considerada a variável idade categorizada (0 = até 40 anos; 1 = 41 anos ou mais).

Resultados

A idade das mulheres variou de 18 a 76 anos, média de 41,3 (dp ± 13,7). A caracterização do grupo quanto à escolaridade e ao estado civil pode ser observada na tabela 1.

Tabela 1
Descrição das participantes quanto a estado marital, escolaridade, capacidade física percebida, função do assoalho pélvico e perdas urinárias (n = 269)

Considerando as respostas das mulheres na escala de capacidade percebida, identificou-se que a maioria delas (70,2%) referiu conseguir manter apenas uma caminhada pelo tempo de 30 minutos. A escala de capacidade percebida foi dicotomizada em (1 a 7 = capazes de fazer somente caminhada por 30 minutos; 8 a 18 = capazes de pelo menos correr devagar por 30 minutos). Foi encontrada associação (X2 = 4,8; gl = 1; p = 0,031) entre a escala de capacidade percebida dicotomizada e autorrelato de perdas de urina durante prática de atividade física. Porém, as maiores proporções de perdas durante a atividade física aconteciam nas mulheres que referiam conseguir apenas caminhar por 30 minutos.

Quanto à função do assoalho pélvico, uma pequena proporção de mulheres (4,1%) não conseguiu fazer a contração, enquanto 46,9% delas tinham contração objetiva fraca da musculatura e 49,2% tinham contração mais forte. Aproximadamente 40% das mulheres referiram já ter apresentado pelo menos um episódio de perda urinária, 16% delas a sentiram durante a prática de atividades físicas.

A função da musculatura do assoalho pélvico esteve correlacionada com a escala de capacidade percebida (rho = 0,224; p < 0,05), idade (rho = –0,153; p < 0,05), escolaridade (rho = 0,17; p < 0,05), número de gestações (rho = –0,156; p < 0,05), circunferência da cintura (rho = –0,167; p < 0,05) e MC (rho = –0,345; p < 0,001). Tais correlações indicam que quanto melhor a função da musculatura do assoalho pélvico, melhor a capacidade física percebida e maior a escolaridade das mulheres. Enquanto que quanto melhor a função do assoalho pélvico, menores era a idade, o número de gestações e a circunferência da cintura.

Com o objetivo de controlar a possível influência da idade, paridade e sobrepeso/obesidade na correlação entre a capacidade física e a função da musculatura do assoalho pélvico, procedeu-se a uma análise de correlação entre tais variáveis em duas categorias de idade: idade menor ou igual a 40 anos e idade maior do que 40 anos. Foi identificada correlação significativa entre função do AP e capacidade física percebida apenas no grupo de mulheres mais jovens – com até 40 anos (rho = 0,305; p < 0,001).

A fim de compreender melhor essas associações, procedeu-se a uma análise de regressão de Poisson bruta e ajustada pela idade (tabela 2). Na análise bruta, estiveram associados a uma melhor função da musculatura do assoalho pélvico uma melhor aptidão cardiorrespiratória percebida (conseguir correr por 30 minutos), não apresentar queixas de perdas de urina no dia a dia e durante a prática de atividade física. Essas associações permaneceram mesmo após ajuste pela idade.

Tabela 2
Variáveis associadas à melhor função dos músculos do assoalho pélvico em mulheres (n = 269)

Discussão

A relevância deste estudo está no fato de apresentar dados da população feminina em geral. Foi observado que poucas mulheres (29,8%) referiram conseguir correr devagar por 30 minutos, isso reflete a pouca aptidão cardiorrespiratória e, indiretamente, demonstra a pouca prática de atividade física (Krause et al., 2007Krause MP, Buzzachera CF, Hallage T, Pulner SB, Silva SG. Influência do nível de atividade física sobre a aptidão cardiorrespiratória em mulheres idosas. Rev Bras Med Esporte. 2007;13:97-102.). A baixa capacidade do organismo de usar o metabolismo oxidativo na produção de energia – baixa aptidão cardiorrespiratória – está relacionada com o desenvolvimento de doenças crônicas degenerativas, como a incontinência urinária, que pode ser consequência da fraqueza dos músculos do assoalho pélvico (Barbosa et al., 2008).

Quanto à função do assoalho pélvico, uma pequena proporção de mulheres (4,1%) não conseguiu fazer a contração conforme a instrução e 46,9% delas tinham contração objetiva fraca. Estudo feito nos EUA, que usou outra escala de mensuração da musculatura do AP, identificou que 24% das mulheres não conseguiram contrair essa musculatura (7% efetuavam valsalva e 15% contraíam apenas os músculos acessórios, isto é: abdominais, glúteos e adutores da coxa) e 9% não conseguiram manter a contração por mais de três segundos (Moen et al., 2007Moen M, Noone M, Vassallo B, Lopata R, Nash M, Sum B, et al. Knowledge and Performance of Pelvic Muscle Exercises in Women. Journal of Pelvic Medicine and Surgery. 2007;13:113-7.).

Tanto o presente estudo como o de Moen et al. (2007)Moen M, Noone M, Vassallo B, Lopata R, Nash M, Sum B, et al. Knowledge and Performance of Pelvic Muscle Exercises in Women. Journal of Pelvic Medicine and Surgery. 2007;13:113-7. foram feitos com mulheres da população em geral que iam fazer exame ginecológico de rotina ou de rastreamento de problemas no colo uterino. Ambos os estudos apresentam dados apontando que muitas mulheres têm dificuldades para contrair adequadamente o AP. A ativação da musculatura do AP é requerida durante atividades que requerem aumento da pressão intra-abdominal, tem papel importante na estabilização do tronco durante atividades funcionais (Sapsford, 2004Sapsford R. Rehabilitation of pelvic floor muscles utilizing trunk stabilization. Man Ther. 2004;9:3-12.).

O principal achado deste estudo foi a associação entre melhor aptidão cardiorrespiratória percebida e melhor função da musculatura do assoalho pélvico, mesmo na análise ajustada pela idade. Não encontramos estudos que apontassem ou explicassem essa associação. Porém, esse achado confirma a hipótese inicial baseada na fisiologia do exercício em que se considera que tanto a aptidão cardiorrespiratória quanto uma boa funcionalidade do AP são necessárias para atividades de vida diária. Além disso, os músculos do assoalho pélvico apresentam, majoritariamente, fibras de contração lenta oxidativa (Corton, 2009Corton MM. Anatomy of pelvic floor dysfunction. Obstet Gynecol Clin North Am. 2009;36:401-19.), o que justifica a correlação existente entre a função dessa musculatura e a aptidão cardiorrespiratória percebida. Uma melhor aptidão cardiorrespiratória aumenta o débito cardíaco e eleva o fluxo sanguíneo muscular, o que, por sua vez, aumenta o consumo de oxigênio (Robergs et al., 2002Robergs A, Roberts, Scott O. Princípios fundamentais de fisiologia do exercício: para aptidão, desempenho e saúde. São Paulo: Phorte; 2002. p. 489.).

Adicionalmente, foi verificada associação entre melhor função da musculatura do AP e não apresentar queixas de episódios de perdas de urina (no dia a dia e durante a prática de atividade física). Segundo Bernardes et al. (2000)Bernardes NO, Péres FR, Souza ELBL, Souza OL. Métodos de tratamento utilizados na incontinência urinária de esforço genuína: um estudo comparativo entre cinesioterapia e eletroestimulação endovaginal. Rev Bras Ginecol Obstet. 2000;22:49-54., um assoalho pélvico com função muscular deficiente ou inadequada é um preditor para a ocorrência da IU. Segundo Bø (2004)Bø K. Urinary incontinence, pelvic floor dysfunction, exercise, and sport. Sports Med. 2004;34:451-64., simultaneamente ao aumento da pressão abdominal durante o exercício físico ocorre uma contração reflexa dos músculos do assoalho pélvico. Assim, o recrutamento da musculatura abdominal regularmente poderia aumentar o volume dos músculos do assoalho pélvico, torná-los capazes de contrair durante o aumento da pressão intra-abdominal (Ree et al., 2007Ree ML, Nygaard I, Bø K. Muscular fatigue in the pelvic floor muscles after strenuous physical activity. Acta Obstet Gynecol Scand. 2007;86:870-6.).

Segundo Caetano et al. (2007)Caetano AS, Tavares MCGCF, Lopes MHBM. Incontinência urinária e a prática de atividades físicas. Rev Bras Med Esporte. 2007;13:270-4., a ocorrência de disfunções do AP após o início da prática de atividades físicas em jovens nulíparas têm ocorrido mais em atletas que praticam exercícios de alto impacto, tais como correr e saltar. Os autores acreditam que isso gere um maior aumento da pressão intra-abdominal, comparado às outras modalidades esportivas. Infelizmente a mensuração da intensidade do esforço não foi feita, assim como a associação do tipo de exercício físico.

A idade é um fator importante quando se refere à força do assoalho pélvico (Trowbridge et al., 2007Trowbridge ER, Wei JT, Fenner DE, Ashton-Miller JA, Delancey JO. Effects of aging on lower urinary tract and pelvic floor function in nulliparous women. Obstet Gynecol. 2007;109:715-20.; Norton, 1993Norton PA. Pelvic floor disorders: the role of fascia and ligaments. Clin Obstet Gynecol. 1993;36:926-38.). O presente estudo encontrou que quanto melhor a função do assoalho pélvico, menor era a idade das mulheres. Trowbridge et al. (2007)Trowbridge ER, Wei JT, Fenner DE, Ashton-Miller JA, Delancey JO. Effects of aging on lower urinary tract and pelvic floor function in nulliparous women. Obstet Gynecol. 2007;109:715-20., ao avaliar mulheres nulíparas entre 21 e 70 anos, identificaram que a pressão máxima de fechamento uretral foi 40% melhor nas mulheres jovens. Não existe na literatura uma padronização de qual seria a função muscular normal do AP para mulheres levando-se em consideração o estrato etário. Os estudos salientam, sem especificidade, apenas a diminuição da força muscular do AP e sua relação com a IU (Moreira e Arruda, 2010Moreira ECH, Arruda PB. Força muscular do assoalho pélvico entre mulheres continentes jovens e climatéricas. Semina: Ciências Biológicas da Saúde. 2010;31:53-61.). Norton (1993)Norton PA. Pelvic floor disorders: the role of fascia and ligaments. Clin Obstet Gynecol. 1993;36:926-38. observou que nas mulheres mais velhas ocorre a redução de colágeno nos músculos pélvicos e nas fáscias, o que favorece diminuição da elasticidade e, portanto, da força muscular.

Foi observada correlação positiva entre a função do AP e o número de gestações. De acordo com a literatura, a gravidez e a via de parto são fatores de risco para diminuição da força muscular perineal, pois provocam mudanças na posição anatômica da pélvis, na forma da musculatura pélvica e no períneo (Bump e Norton, 1998Bump RC, Norton PA. Epidemiology and natural history of pelvic floor dysfunction. Obstet Gynecol Clin North Am. 1998;25:723-46.; Dolan e Hilton, 2010Dolan LM, Hilton P. Obstetric risk factors and pelvic floor dys-function 20 years after first delivery. Int Urogynecol J. 2010;21:535-44.). Em relação à funcionalidade da musculatura pélvica e o número de partos normais, pôde-se constatar que conforme aumenta o número de partos os músculos do AP deteriorizam-se (Barbosa et al., 2005Barbosa AMP, Carvalho LR, Martins AMVC, Calderon IMP, Rudge MVC. Efeito da via de parto sobre a força muscular do assoalho pélvico. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27:677-82.).

O presente estudo encontrou que quanto menor a circunferência da cintura e o IMC, melhor a função do assoalho pélvico. Foi demonstrado que a análise isolada da circunferência da cintura é um importante preditor para incontinência urinária em mulheres idosas. Assim, a obesidade é comumente encontrada em mulheres com incontinência urinária (Bump e Norton, 1998Bump RC, Norton PA. Epidemiology and natural history of pelvic floor dysfunction. Obstet Gynecol Clin North Am. 1998;25:723-46.). Segundo Silva et al. (2011)Silva JC, Prado MC, Fracon e Romão JF, Cestário CE. Grau de força muscular do assoalho pélvico em mulheres incontinentes obesas e não obesas. Ciência & Saúde. 2011;4:37-44., a menor força de contração e menor resistência do assoalho pélvico encontrada no grupo de mulheres obesas sugere que o IMC acima de 30 contribui para uma deficiente resposta dessas unidades musculares.

Conclusão

Os dados apontam uma associação entre a função da musculatura do assoalho pélvico e a capacidade física percebida, mesmo após ajuste pela idade. O desenho deste estudo não nos permite inferir causalidade. Seriam necessários novos estudos experimentais com mulheres jovens – saudáveis, com peso normal e nulíparas – para investigar melhor o efeito da prática de atividade física – consequentes melhoria da percepção corporal e condicionamento físico geral – na função da musculatura do assoalho pélvico. Ou aindase uma musculatura do assoalho pélvico mais forte facilitaria atividades físicas mais intensas.

A partir deste estudo preliminar, sugere-se que na prática do treinamento físico sejam recomendados exercícios específicos de fortalecimento do assoalho pélvico e controle postural, com profissional especializado, principalmente nas mulheres que desenvolvem atividades de impacto e que aumentam continuamente a pressão intra-abdominal. Tal trabalho incluinão somente o treino de força e resistência, mas também a questão do controle motor durante a estabilização lombo-pélvica antes e durante o exercício.

O profissional da área de educação física que trabalhar com essas questões inovará e protegerá os alunos de possíveis efeitos negativos do exercício no assoalho pélvico, assim como melhorará a percepção corporal durante a prática de exercício.

  • Financiamento
    Este trabalho contou com auxílio financeiro da Universidade do Estado de Santa Catarina para custeio de material e de uma bolsa de iniciação científica para graduação.

Referências

  • Barbosa AMP, Carvalho LR, Martins AMVC, Calderon IMP, Rudge MVC. Efeito da via de parto sobre a força muscular do assoalho pélvico. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27:677-82.
  • Bernardes NO, Péres FR, Souza ELBL, Souza OL. Métodos de tratamento utilizados na incontinência urinária de esforço genuína: um estudo comparativo entre cinesioterapia e eletroestimulação endovaginal. Rev Bras Ginecol Obstet. 2000;22:49-54.
  • Bø K. Urinary incontinence, pelvic floor dysfunction, exercise, and sport. Sports Med. 2004;34:451-64.
  • Bump RC, Norton PA. Epidemiology and natural history of pelvic floor dysfunction. Obstet Gynecol Clin North Am. 1998;25:723-46.
  • Caetano AS, Tavares MCGCF, Lopes MHBM. Incontinência urinária e a prática de atividades físicas. Rev Bras Med Esporte. 2007;13:270-4.
  • Corton MM. Anatomy of pelvic floor dysfunction. Obstet Gynecol Clin North Am. 2009;36:401-19.
  • Dolan LM, Hilton P. Obstetric risk factors and pelvic floor dys-function 20 years after first delivery. Int Urogynecol J. 2010;21:535-44.
  • Dumoulin C, Hay-Smith J. Pelvic floor muscle training versus no treatment, or inactive control treatments, for urinary incontinence in women. Cochrane Database Syst Rev. 2010:CD005654.
  • Hoehner CM, Handy SL, Yan Y, Blair SN, Berrigan D. Association between neighborhood walkability, cardiorespiratory fitness and body-mass index. Soc Sci Med. 2011;73:1707-16.
  • Krause MP, Buzzachera CF, Hallage T, Pulner SB, Silva SG. Influência do nível de atividade física sobre a aptidão cardiorrespiratória em mulheres idosas. Rev Bras Med Esporte. 2007;13:97-102.
  • Maranhão Neto GA, Leon ACMP, Farinatti PTV. Equivalência transcultural de três escalas utilizadas para estimar a aptidão cardiorrespiratória: estudo em idosos. Cad. Saúde Pública. 2008;24:2499-510.
  • Moen M, Noone M, Vassallo B, Lopata R, Nash M, Sum B, et al. Knowledge and Performance of Pelvic Muscle Exercises in Women. Journal of Pelvic Medicine and Surgery. 2007;13:113-7.
  • Moreira ECH, Arruda PB. Força muscular do assoalho pélvico entre mulheres continentes jovens e climatéricas. Semina: Ciências Biológicas da Saúde. 2010;31:53-61.
  • Munro BH. Correlation. In: Munro BH, editor. Statistical methods for health care research. 4ª. ed. Philadelphia: Lippincott; 2001. p. 223-43.
  • Norton PA. Pelvic floor disorders: the role of fascia and ligaments. Clin Obstet Gynecol. 1993;36:926-38.
  • Ortiz CO, Coya NF, Ibañez G. Evaluación functional del piso pelviano femenino (classificacion functional). Bol Soc Latinoam Uroginecol Cir Vaginal. 1994;1:5-9.
  • Phillips C, Monga A. Childbirth and the pelvic floor: "the gynaecological consequences". Reviews in Gynaecological Practice. 2005;5:15-22.
  • Quartly E, Hallam T, Kilbreath S, Refshauge K. Strength and endurance of the pelvic floor muscles in continent women: an observational study. Physiotherapy. 2010;96:311-6.
  • Ree ML, Nygaard I, Bø K. Muscular fatigue in the pelvic floor muscles after strenuous physical activity. Acta Obstet Gynecol Scand. 2007;86:870-6.
  • Robergs A, Roberts, Scott O. Princípios fundamentais de fisiologia do exercício: para aptidão, desempenho e saúde. São Paulo: Phorte; 2002. p. 489.
  • Sapsford R. Rehabilitation of pelvic floor muscles utilizing trunk stabilization. Man Ther. 2004;9:3-12.
  • Sapsford RR, Hodges PW, Richardson CA, Cooper DH, Markwell SJ, Jull GA. Co-activation of the abdominal and pelvic floor muscles during voluntary exercises. Neurourol Urodyn. 2001;20:31-42.
  • Silva JC, Prado MC, Fracon e Romão JF, Cestário CE. Grau de força muscular do assoalho pélvico em mulheres incontinentes obesas e não obesas. Ciência & Saúde. 2011;4:37-44.
  • Thompson JA, O'Sullivan PB, Briffa NK, Neumann P. Altered muscle activation patterns in symptomatic women during pelvic floor muscle contraction and Valsalva manouevre. Neurourol Urodyn. 2006;25:268-76.
  • Townsend MK, Danforth KN, Rosner B, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. Physical activity and incident urinary incontinence in middle-aged women. J Urol. 2008;179:1012-6.
  • Trowbridge ER, Wei JT, Fenner DE, Ashton-Miller JA, Delancey JO. Effects of aging on lower urinary tract and pelvic floor function in nulliparous women. Obstet Gynecol. 2007;109:715-20.
  • Wisén A, Farazdaghi R, Wohlfart B. A novel rating scale to predict maximal exercise capacity. Eur J Appl Physiol. 2002;87:350-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2013
  • Aceito
    13 Set 2014
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte Universidade de Brasilia - Campus Universitário Darcy Ribeiro, Faculdade de Educação Física, Asa Norte - CEP 70910-970 - Brasilia, DF - Brasil, Telefone: +55 (61) 3107-2542 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbceonline@gmail.com