Open-access Financiamento do esporte no Brasil e Portugal: uma análise sobre a magnitude dos recursos públicos entre 2004 e 2020

Sport financing in Brazil and Portugal: an analysis on the magnitude of public resources between 2004 and 2020

Financiamiento del deporte en Brasil y Portugal: un análisis del magnitude de los recursos públicos entre 2004 y 2020

RESUMO

Este artigo tem como objetivo principal analisar o financiamento público do esporte no Brasil e Portugal, a partir do indicador de magnitude dos recursos públicos destinados ao setor entre 2004 e 2020, bem como comparar os valores per capita investidos no esporte por estes países. Caracteriza-se como uma pesquisa descritivo-analítica de abordagem qualitativa e abrangência exploratória, baseada em processo científico realizado em três etapas: a) fase exploratória; b) trabalho de campo; e c) análise e tratamento do material empírico e documental. Os países apresentaram em comum um baixo percentual do orçamento geral dedicado ao esporte e aquém de proposições de representações coletivas do setor, além de um comportamento descendente de gastos com o esporte em período recente.

Palavras-chave:  Financiamento público; Esporte; Brasil; Portugal

ABSTRACT

This article aims to analyze the public funding of sport in Brazil and Portugal, from the indicator of magnitude of public resources allocated to the sector between 2004 and 2020, as well as to compare the per capita amounts invested in sport by these countries. It is characterized as a descriptive-analytical research of qualitative approach and exploratory scope, based on a scientific process carried out in three stages: a) exploratory phase; b) field work; and c) analysis and treatment of empirical and documentary material. The countries presented in common a low percentage of the general budget dedicated to sport and short of propositions of collective representations of the sector, in addition to a pattern of spending on sport in the recent period.

Keywords:  Public financing; Sport; Brazil; Portugal

RESUMEN

El principal objetivo de este artículo es analizar la financiación pública del deporte en Brasil y Portugal, a partir del indicador de la magnitud de los recursos públicos destinados al sector entre 2004 y 2020, así como comparar los importes per cápita invertidos en el deporte. por estos países. Se caracteriza por ser una investigación descriptivo-analítica con enfoque cualitativo y alcance exploratorio, basada en un proceso científico realizado en tres etapas: a) fase exploratoria; b) trabajo de campo; yc) análisis y tratamiento de material empírico y documental. Los países tenían en común un bajo porcentaje del presupuesto general dedicado al deporte y escaso de propuestas de representaciones colectivas del sector, además de una tendencia a la baja del gasto en deporte en los últimos tiempos.

Palabras-clave:  Financiamiento público; Deporte; Brasil; Portugal

INTRODUÇÃO

O esporte contemporâneo encontra-se disseminado mundialmente e ocupa lugar de destaque na produção cultural moderna e na dinâmica da economia capitalista. Para Correia (2009), semelhante a outras expressões humanas, o esporte é um fenômeno social, econômico e cultural globalizado e que precisa ser interpretado à luz de sua contribuição real e potencial para o desenvolvimento da humanidade.

A difusão e popularidade do esporte estão, em certa medida, vinculadas às distintas funções sociais que pode desempenhar. O esporte é produto de uma indústria pujante, instrumento de educação, objeto de aplicação e produção de conhecimento científico e pode contribuir para uma condição de vida mais saudável. Além destes atributos, este artigo ressalta o papel do esporte como objeto de atenção do Estado e, por conseguinte, das políticas públicas.

Tal interpretação se ampara no entendimento do esporte como um direito de cidadania e na responsabilidade dos Estados nacionais em garantir seu acesso. Concepção acolhida e reconhecida por países em seus normativos legais, bem como por organismos internacionais que identificam no esporte uma ferramenta para o desenvolvimento humano e a promoção de uma cultura da paz.

Assumindo que jogar luz sobre outra realidade pode ser um farol para iluminar seu próprio contexto, realizamos em parte deste estudo exercício comparativo entre a magnitude dos recursos públicos para o esporte no Brasil e Portugal. Correia (2009) reclama a imperiosidade de estudos de base metodológica comparada sobre experiência estrangeiras de governança esportiva como suporte para o desenvolvimento da política de esporte portuguesa.

Não obstante o apontamento deste autor, identificamos na literatura o crescimento de análises comparativas em que a política esportiva de Portugal é contemplada. Destaque, por exemplo, para as publicações de Marivoet (2003), Hartmann-Tews (2006), Hovemann e Wicker (2009), De Bosscher et al. (2015). Ademais, ressaltamos a institucionalização de uma cultura censitária e diagnóstica sobre o esporte europeu, materializada, por exemplo, pela incorporação desta temática nas últimas edições do Eurobarômetro, série de pesquisas de opinião pública realizada regularmente em nome da Comissão Europeia desde 1973.

No caso do Brasil, o crescimento das análises comparativas no âmbito das políticas esportivas ainda é incipiente e diferentemente do exemplo português, normalmente, não abrange a fronteira continental. A despeito desta incipiência, localizamos um conjunto de publicações, que realizam comparações ligadas ao tema do esporte e lazer envolvendo Brasil e Portugal, a saber: Paixão et al. (2009), Drumond (2011), Tavares e Schwartz (2014), Azevedo et al. (2019), Santos e Carvalho (2020) e Santos et al. (2021). Ao mesmo tempo, destacamos que no Brasil estudos diagnósticos sobre o panorama nacional do esporte não foram institucionalizados. O último estudo desta natureza foi realizado entre 2013 e 2015, por iniciativa do Ministério do Esporte, e divulgado apenas parcialmente.

Não obstante suas particularidades, Brasil e Portugal vem se esforçando para ampliar suas participações na geopolítica e nas instâncias internacionais de concertação e decisão. Neste âmbito da política externa se inserem as políticas esportivas, como demonstrou a recente agenda de promoção de megaeventos esportivos, bem como a utilização do esporte como estratégia de soft power (Castilho e Marchi, 2021) e ferramenta diplomática.

O extrato da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD (IBGE, 2017), ao incluir marcadores sociais no estudo da prática de atividade física ou esportiva (AFE) no Brasil, encontrou um percentual de 37,9% (42,7% nos homens e 33,4% nas mulheres) de praticantes de AFE no Brasil. Tomando como referência esse índice, o Brasil se localizaria entre os mais sedentários da União Europeia, a frente apenas de Romênia (63% de não praticantes), Portugal, Grécia e Bulgária (68%). Já o Eurobarômetro (União Europeia, 2017) apontou, além do elevado índice de sedentarismo, que apenas 5% dos portugueses praticam AFE com regularidade, percentual quatro pontos abaixo do registrado em 2013.

Embora seja possível levantar questões sobre o delineamento metodológico destes estudos diagnósticos, os números, de modo geral, indicam que Brasil e Portugal têm um enorme desafio na ampliação do acesso à prática esportiva e de atividade física a ser enfrentado pelas agendas governamentais e estudado pelo campo acadêmico-científico.

Este artigo realiza estudo das políticas esportivas brasileira e portuguesa a partir de um recorte da análise do financiamento público e de sua magnitude. A utilização do “financiamento” como uma categoria analítica da política esportiva nacional encontra respaldo no entendimento de que esta informação é uma chave interpretativa importante para aferir a representatividade/prioridade de uma área na agenda governamental.

O modelo SPLISS (Sports Policies Leading to Sport Sucess), proposto por De Bosscher et al. (2009), apresenta uma estrutura composta por nove pilares determinantes de sucesso esportivo internacional, além de possibilitar a comparação transcultural (entre países) das políticas esportivas realizadas. Neste modelo o financiamento (suporte financeiro) é destacado como o primeiro pilar de entrada (input).

Santos et al. (2021), partindo do pressuposto de que a aproximação com o cidadão garante uma melhor eficiência das políticas, analisaram de forma comparativa a participação do poder local na efetivação do direito ao esporte no Brasil e Portugal. Entre outros apontamentos, destacaram a falta de uma melhor definição do papel do poder central no financiamento esportivo.

Face ao exposto, este artigo tem como objetivo principal analisar o financiamento público do esporte no Brasil e Portugal a partir da magnitude de recursos públicos destinada ao setor entre 2004 e 2020. Além desta introdução, o texto é composto pelo delineamento metodológico, a análise e discussão do resultado a partir do aspecto do financiamento e do indicador de magnitude de recursos, encerrando com a exposição final das conclusões.

METODOLOGIA

Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa descritivo-analítica de abordagem qualitativa e abrangência exploratória. Para estruturação e realização da pesquisa qualitativa, adotamos as etapas do processo científico, propostas por Minayo (2013), a saber: a) fase exploratória; b) trabalho de campo; e c) análise e tratamento do material empírico e documental.

A fase exploratória teve início com a elaboração e aprovação de projeto de pesquisa junto a agências de fomento. Além disso, é importante destacar a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, com aprovação pelo Parecer nº 4.008.482. Além disso, nesta fase realizou-se revisão bibliográfica sobre a produção intelectual relacionada ao tema das políticas públicas e, sobretudo, do financiamento público no Brasil e em Portugal.

O trabalho de campo refere-se ao levantamento do material documental. Considerando a classificação proposta por Marconi e Lakatos (2019), a pesquisa documental coletou fontes escritas primárias e secundárias. Destaca-se, ainda, que para análise do financiamento recorremos a fontes primárias de outros tipos como tabelas, gráficos e mosaicos.

As fontes primárias ou secundárias (caso em que existe algum tratamento analítico da informação originária) foram coletadas entre fevereiro e outubro de 2022 e dizem respeito ao período de 2004 a 2020. Esse recorte temporal foi adotado levando em consideração o acesso aos dados sobre financiamento público e os impactos da Pandemia da COVID-19, que poderiam engendrar comportamentos atípicos dentro do acompanhamento longitudinal da execução orçamentária.

Os dados sobre o financiamento público do esporte no Brasil foram extraídos do site Transparência no Esporte1, ferramenta de monitoramento e visualização gráfica dos recursos públicos do esporte na esfera federal, produzida e atualizada pelo Grupo de Pesquisa e Formação Sociocrítica em Educação Física, Esporte e Lazer da Universidade de Brasília (Avante-UnB). Embora a ferramenta permita o detalhamento por tipo de fonte (orçamentária, extraorçamentária e gastos tributários), neste trabalho a magnitude refere-se à soma destas três fontes.

No caso dos recursos públicos do esporte português, as informações foram retiradas do PORDATA2, base de dados de Portugal Contemporâneo, organizada e desenvolvida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), criado em 2009. Dentro da base de ados, na aba de estatísticas nacionais, utilizou-se o tema “Contas públicas”, o filtro de despesas “por funções” e a função “Desporto, recreação, cultura e religião”, com informações disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Estatística. No caso do gasto per capita, os dados populacionais foram obtidos por meio do site do Banco Mundial3.

A terceira e última etapa correspondeu à análise e tratamento do material empírico e documental. Nesta fase optamos por uma amálgama de modelos e técnicas de pesquisa, composta pelos estudos comparados e por concepções/pospostas analíticas de políticas sociais (Boschetti, 2009) e esportivas (Athayde et al., 2020; Athayde et al., 2022), as quais destacam o aspecto a configuração do financiamento e gasto e os indicadores de fonte, magnitude e direcionamento, bem como por uma consulta adicional ao Modelo SPLISS (De Bosscher et al., 2009), que tem como seu primeiro pilar de entrada o suporte financeiro.

Destacamos, por fim, a preocupação de Houlihan (1997) sobre “como” e “o que” comparar. Para o autor, a comparação está no cerne de grande parte da ciência política e pode se estruturar a partir de diferentes parâmetros, como, por exemplo, ao longo do tempo, entre setores políticos, entre respostas a uma série de questões ou entre países. No entanto, Houlihan (1997) ressalva que ao escolher uma política, questão, problema ou setor específico para a comparação entre países, é necessário esclarecer os critérios e a razão desta escolha, o que realizamos na introdução deste texto.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para a análise da magnitude do financiamento tivemos como referência as proposições metodológicas de Boschetti (2009) para estudo do orçamento das políticas sociais e de Carneiro (2018) e Carneiro et al. (2019) para a área esportiva. Compreendemos que a magnitude, além do dimensionamento, possibilita a análise longitudinal da evolução do gasto público no setor esportivo dentro do período investigado.

No caso deste estudo, o recorte temporal foi de 2004 a 2020, tendo como critério de definição o acesso e disponibilidade dos dados. Além disso, para as análises comparativas realizamos ajustes, tendo em vista as diferenças formas de disposição das informações e de classificação da previsão orçamentária, bem como a disparidade cambial entre as moedas correntes.

Magnitude dos gastos com esporte no Brasil e Portugal

A estrutura do financiamento público esportivo de Portugal está disposta no Capítulo V da Lei n.º 5/2007, que versa sobre “Apoios financeiros e fiscalidade”. De forma mais específica, os artigos 46º, 47º e 48º tratam, respectivamente, dos apoios financeiros, contratos-programa e regimes fiscais. Estes artigos definem: a) quem pode ou não receber os apoios ou coparticipações financeiras por parte do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais e suas respectivas obrigações quanto à prestação de contas; b) a forma de repasse dos recursos por meio dos contratos-programa e seus requisitos; e c) as particularidades do regime fiscal para a tributação dos recursos aplicados no esporte, especialmente no alto rendimento.

De acordo com Figueira (2018), historicamente há um crescimento do financiamento público com o esporte em Portugal. Contudo, o autor identifica uma mudança no foco destes gastos ao longo do período. De 1974 até o início dos anos 1980 a prioridade estaria no desporto recreativo (classificação que se aproxima do conceito de desporto de participação previsto na legislação brasileira), o que teria se traduzido em efeitos positivos no acesso à prática esportiva, ao passo que nos últimos anos a ênfase se transferiu para o alto rendimento e a construção de grandes estruturas esportivas, porém com o efeito reverso.

O primeiro apresentado na Tabela 1 se refere ao montante gasto com “Desporto, recreação, cultura e religião” em Portugal entre os anos de 2004 e 2020, além do percentual que esta função representa dentro das despesas públicas.

Tabela 1
Gastos com a função “Desporto, recreação, cultura e religião” dentro das despesas das contas públicas de Portugal entre 2004 e 2020, valores em milhões de €.

Não obstante a dificuldade em separar os gastos específicos com o esporte dentro da função estabelecida pela classificação orçamentária, a Tabela 1 demonstra que seu montante vem sofrendo pequenas oscilações. Em valores nominais ou preços correntes (não corrigidos pela inflação) observa-se um crescimento continuado e acanhado entre 2004 e 2010, executando-se 2006, seguido por uma redução gradual de 2011 a 2015 e a partir de 2016 uma retomada de crescimento até o ano de 2020 – vide Gráfico 1.

Gráfico 1
Taxa de variação da função “Desporto, recreação, cultura e religião” dentro das despesas das contas públicas de Portugal entre 2004 e 2020. Fonte: FFMS-PORTADA (2022).

No entanto, se considerarmos os preços constantes (IPC)4, os valores gastos com a função em 2019 e 2020 ficam aquém daqueles que foram destinados entre 2004 e 2011. Ou seja, observamos uma queda de investimentos, o que permite inferirmos uma desvalorização do esporte na agenda governamental e que compromete o atendimento das demandas do setor.

De acordo com o Estudo caracterizador do setor do desporto em Portugal e impacto da COVID-19, realizado pela PwC, apenas em 2019 o Governo Nacional conseguiu recuperar os patamares de 2010 de gastos no setor esportivo e recreativo. O documento associa essa queda de investimento à crise financeira e a consequente intervenção da troika5 em 2011. Segundo Constantino (2009), o modelo protecionista adotado no sistema esportivo de Portugal tem forte dependência dos recursos públicos. No entanto, para o autor, quando o país não apresenta uma economia forte e estável, tais recursos são incapazes de suportar as demandas do setor.

Outro dado a ser destacado na Tabela 1 é a baixa participação do esporte nas despesas públicas. Mesmo dentro de uma função na qual aparece vinculado a outras áreas, a sua média de participação foi de 2,2%, índice bem inferior àquele alcançado por outras áreas de atuação governamental, incluindo algumas com evidente interface com o setor esportivo - conforme disposto no Gráfico 2.

Gráfico 2
Percentual médio de participação da função “Desporto, recreação, cultura e religião” dentro das despesas das contas públicas de Portugal entre 2004 e 2020. Fonte: FFMS-PORTADA (2022).

Quando utilizamos como referência o Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal, a média percentual da função “Desporto, recreação, cultura e religião” é ainda menor, registrando apenas 1% de participação.

Camacho (2018) realizou estudo sobre o investimento público no esporte português, avaliando o impacto em Portugal Continental de 2005 a 2016. O autor identificou que entre 2005 e 2018, período marcado por três gestões governamentais diferentes, o percentual médio do peso do esporte no Orçamento do Estado foi de aproximadamente 0,06%.. Mais recentemente, a estrutura organizacional do esporte português passou para a tutela da Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, no intuito de garantir maior aproximação ao Primeiro-ministro e, por conseguinte, ampliação da força política.

O Brasil apresenta cenário bastante semelhante ao português no que diz respeito à magnitude de financiamento público para o setor esportivo. Oscilações, baixa participação orçamentária, trajetória descente e subfinanciamento recente são características encontradas na realidade brasileira.

A Tabela 2 demonstra o montante gasto com a função “Desporto e Lazer” no Brasil entre os anos 2004 e 2020, em valores nominais e corrigidos pelo índice IGP-DI (FGV) de dezembro do ano de origem a dezembro de 2021 pela calculadora do cidadão do Banco Central do Brasil6.

Tabela 2
Montante gasto com o Esporte no Brasil entre 2004 e 2020, valores nominais e corrigidos em milhões de R$.

A série histórica apresentada na tabela acima evidencia um crescimento contínuo dos gastos com o esporte no Brasil até 2016, com picos de investimentos nos anos de 2007, 2011, 2014 e 2016 (Gráfico 3). Esses anos coincidem com a realização de grandes eventos esportivos no país, respectivamente, Jogos Pan-americanos, Jogos Mundiais Militares, Copa do Mundo FIFA e Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Carneiro (2018) identificou que tais eventos, sobretudo no ano de 2011, foram responsáveis por aumentar o aporte de recursos de outras funções no esporte, elevar o gasto público com o setor e aumentar a execução orçamentária.

Gráfico 3
Gasto total e corrigido com o Esporte no Brasil, valores em milhões de R$. Fonte: Transparência no Esporte (2022).

Outro aspecto a ser destacado no Gráfico 3 é a queda acentuada nos gastos, registrada a partir de 2016 após os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, que marcam o encerramento de um ciclo de megaeventos esportivos no Brasil.

Em termos de participação no PIB, o esporte brasileiro também tem baixa representatividade. O trabalho de Carneiro (2018) demonstra que a média percentual da participação do esporte no PIB, entre os anos de 2004 e 2015, foi de 0,046%. O próprio Carneiro (2018) relembra que no âmbito das duas primeiras edições da Conferência Nacional de Esporte no Brasil foi deliberado o percentual mínimo de 1% do orçamento da União para o esporte, enquanto o Plano Decenal do Esporte Lazer de 2010 indicava a vinculação de no mínimo 2%. Semelhante ao que ocorre em Portugal, observamos a fragilidade política do setor para impor suas demandas ao planejamento orçamentário do Governo Federal.

Para finalizar a exposição sobre a magnitude dos gastos públicos com esporte em Portugal e no Brasil realizamos um exercício comparativo. Entretanto, buscando minimizar as interferências advindas das diferenças demográficas, ao invés de valores absolutos, adotamos o gasto per capita, resultando na tabela abaixo7.

A Tabela 3 comprova a elevada discrepância entre os valores per capita gastos com o esporte entre os países. A média de gasto per capita brasileira é aproximadamente 116 vezes inferior à portuguesa. Ainda que seja necessário considerar que no caso de Portugal a função utilizada abriga outros setores (recreação, cultura e religião), o cotejo apresenta níveis de investimentos muito destoantes.

Tabela 3
Gasto per capita com o Esporte no Brasil e Portugal entre 2004 e 2020, valores em R$.

A partir destes dados duas inferências parecem possíveis. A primeira é que, a despeito da baixa força política do setor esportivo em ambos os países, parece existir uma maior desresponsabilização estatal por parte do Governo Federal brasileiro na garantia deste direito ao conjunto de seus cidadãos. Um cenário que se agravou mais recentemente a partir de medidas de ajuste fiscal, que comprimem os gastos nas áreas sociais, agravadas pelo golpe parlamentar e a ruptura democrática de 2016, conforme representado no Gráfico 4.

Gráfico 4
Gasto per capita com o Esporte no Brasil entre 2004 e 2020, valores em milhões R$ para Gasto Total e R$ para per capita. Elaboração própria.

A segunda dedução é que o maior contingente populacional e as características culturais e geográficas podem agir como atenuantes às discrepâncias de investimento, permitindo que o Brasil, apesar da baixa inversão estatal no setor, apresente resultados no esporte mais significativos8 e um percentual de prática de atividade física e esportiva próximo ao de Portugal.

Ademais, em se tratando de resultado esportivo é necessário recorrer aos modelos analíticos que dão suporte a este artigo para uma avaliação multifatorial. Athayde et al. (2020, 2022) destacam a importância de aspectos como a gestão e abrangência das políticas públicas. O modelo SPLISS é composto por outros pilares de processo e saída, que interferem no desempenho esportivo de um país. Destaca-se, por exemplo, que o Pilar 2 deste modelo se refere a uma abordagem integrada das políticas de desenvolvimento do esporte.

Em síntese, a apreciação do volume de recursos públicos destinados ao setor esportivo em Portugal e no Brasil aponta semelhanças em relação ao comportamento longitudinal, marcado por uma trajetória oscilante e com tendência de fechamento em decréscimo. Por outro lado, os números absolutos, aparentemente, registram aportes maiores para o Brasil, porém a ponderação para gasto per capita torna possível concluir que os investimentos portugueses em âmbito nacional são bem superiores do que aqueles realizados pelo Estado brasileiro.

CONCLUSÕES

Um primeiro aspecto a ser destacado na análise do financiamento público do esporte no Brasil e Portugal diz respeito aos limites para o exercício comparativo em função das diferentes organizações orçamentárias e linguagens funcional-programáticas adotadas pelos países e suas bases de dados. Não obstante esta dificuldade analítica, realizamos uma equiparação baseada em valores per capita, cujo potencial explicativo deve ser considerado com prudência.

A mensuração dos montantes de recurso público para o esporte indicou que o volume total brasileiro é superior ao de Portugal, informação expectável devido às disparidades em termos de dimensão geográfica e populacional. Para minimizar os impactos destas determinações, na comparação utilizamos gasto per capita e, neste caso, o país europeu apresentou cifras significativamente mais elevadas.

De forma geral, os dois países apresentaram duas características em comum na magnitude dos recursos públicos destinados ao esporte: (i) percentual inexpressivo do orçamento geral dedicado ao esporte e aquém de proposições realizadas por representações ou instancias coletivas do setor, como consequência de uma frágil institucionalidade e força política; e, (ii) comportamento descendente de gastos com o esporte em período recente, sobretudo quando aplicadas regras de correção inflacionária. Naquilo que os diferencia, destacamos o elevado gasto per capita de Portugal com o esporte, conquanto não resulte em índice maior de prática esportiva e atividade física em comparação com o Brasil.

  • 1
  • 2
  • 3
  • 4
    Preços constantes – Índice de Preço no Consumidor – Permite converter os preços correntes em preços constantes, possibilitando analisar a evolução dos preços ao longo do tempo, sem os efeitos da inflação, determinado a partir da variação dos preços do índice de preço no consumidor. (Fonte: FFMS-PORTADA, 2022).
  • 5
    A Troika é uma conjunção de poderes na esfera econômica europeia. É composto pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
  • 6
  • 7
    Para uniformização das informações, utilizou-se a conversão dos valores em € para R$, com a cotação do dia 25 de outubro de 2022, na qual 1€ equivalia a R$ 5,27, conforme a ferramenta Google Finanças.
  • 8
    Como referência para comparar os rendimentos esportivos destacamos que, entre as edições de 1920 e 2020 dos Jogos Olímpicos de Verão, o Brasil obteve 150 medalhas, ocupando o 12º lugar na edição mais recente, enquanto Portugal somou apenas 28 e sua melhor colocação no quadro de medalhas foi o 23º lugar nas edições de 1924 e 1984.
  • FINANCIAMENTO
    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 'Edital MCTIC/CNPq nº 28/2018'.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2023
  • Aceito
    03 Maio 2023
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