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Open-access Contribuições dos jogos eletrônicos na formação de professores de educação física

Contributions of video games to physical education teachers training

Aportes de los videojuegos en la formación de profesores de educación física

RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi analisar as contribuições teórico-metodológicas dos jogos eletrônicos na formação de professores em um curso de Licenciatura em Educação Física. Optamos por uma abordagem qualitativa e pela Hermenêutica-Dialética como método, cujo princípio central é a comunicação, abordada nesta pesquisa por meio de uma entrevista semiestruturada com os professores na formação inicial em Educação Física em uma universidade pública. Concluímos que os jogos eletrônicos trazem contribuições teórico-metodológicas para a formação de professores de Educação Física. Eles estão presentes na vida dos estudantes como também nos cursos de formação inicial. Revelamos, nesta pesquisa, possibilidades de trabalho com esses jogos na prática pedagógica dos professores.

Palavras-chave:  Jogos eletrônicos; Educação Física; Formação de professores; Prática pedagógica

ABSTRACT

The purpose of this research was to analyze the theoretical-methodological contributions of video games to teachers training in a Physical Education degree program. We opted for a qualitative approach and employed Hermeneutic-Dialectical methodology, whose central principle is communication, explored in this research through semi-structured interviews with teachers in Physical Education training at a public university. We concluded that video games provide theoretical-methodological contributions to the training of Physical Education teachers. They are present in the students' lives and also in degree programs. We revealed in this research possibilities for working with these games in the teaching practice.

Keywords:  Electronic games; Physical Education; Teachers training; Pedagogical practice

RESUMEN

El objetivo de esta investigación fue analizar los aportes teórico-metodológicas de los videojuegos en la formación de docentes en un curso de licenciatura en Educación Física. Optamos por un enfoque cualitativo y por la Hermenéutica-Dialéctica como método, cuyo principio central es la comunicación, abordada en esta investigación a través de una entrevista con los profesores del curso de Educación Física de una universidad pública. Concluimos que los videojuegos aportan contribuciones teórico-metodológicas a la formación de profesores de Educación Física. Están presentes en la vida de los estudiantes y también en los cursos de Educación Física. En esta investigación, revelamos posibilidades de trabajo con estos juegos en la práctica pedagógica de los profesores.

Palabras-clave:  Juegos electrónicos; Educación Física; Formación de profesores; Práctica pedagógica

INTRODUÇÃO

Tivemos a intenção, nesse estudo, de investigar os jogos eletrônicos no contexto da formação de professores de Educação Física, buscando, assim, contribuir com a formação inicial desses profissionais, sobretudo ao trabalhar pedagogicamente com esses dispositivos e suas diversas manifestações culturais.

Compreendemos os jogos eletrônicos no que tange à sua concepção conceitual por meio de algumas características próprias desses jogos. Eles são programas, softwares, executados em hardwares por um jogador (Silva et al., 2009), e utilizam telas de vídeo digitais (Petry, 2016).

Percebemos, então, que as regras e limitações nesses jogos são definidas previamente pelo que o programa permite operar, ou seja, as funcionalidades são delimitadas e as ações projetadas em uma tela digital, a qual, por sua vez, proporciona o resultado visual da interação entre o jogador e o jogo. Cada máquina vai permitir essa interação por meio de um aparelho denominado controle, configurado para esse fim.

O controle pode se apresentar de diferentes formas: joystick, teclado de computador, mouse, alavancas, comandos de voz, a própria tela pode também conter o controle por meio do toque, e os próprios gestos do corpo também podem controlar através de sensores de movimento. Porém sempre vai haver uma maneira de interagir com o que está na tela.

A busca pela investigação sobre jogos eletrônicos se justifica a partir da sua presença na cultura contemporânea, seja pela quantidade de jogadores e consumidores desse produto, ou pelas suas características peculiares.

Entendemos que esses jogos possibilitam a construção de experiências mediadas pela tecnologia digital, e elas significam algo diferenciado que merece atenção, sendo necessário conhecê-los de maneira mais abrangente em um contexto social, cultural, político e educacional.

Alguns estudos apontam para a necessidade de haver uma formação ou capacitação de professores de Educação Física que contemple o conhecimento sobre jogos eletrônicos, tendo em vista a relevância social para essa geração de estudantes que estão inseridos em uma cultura digital, ou uma formação profissional em que minimamente haja uma preparação e um conhecimento específico sobre esses jogos ao trabalhar com eles, pois trata-se de tecnologias com atualizações e inovações frequentes (Marchetti e Belmiro, 2011; Baracho et al., 2012; Sun, 2012; Quinn, 2013; Finco et al., 2015; Araújo et al., 2017).

A partir disso, pensamos que a formação de professores precisa ser fundamentada na prática pedagógica crítica, dialógica, intencionalizada, que busca a transformação da realidade social por meio de uma intervenção humanista (Freire, 1987, 2002). Isso significa que o docente, em formação inicial, deve vivenciar experiências acadêmicas que o instrumentalizem para essa abordagem.

A partir dessas reflexões apresentamos o seguinte objetivo: analisar as contribuições teórico-metodológicas dos jogos eletrônicos na formação de professores em um curso de Licenciatura em Educação Física. Para isso, buscamos conhecer as experiências pedagógicas dos professores com jogos eletrônicos em um curso de Licenciatura em Educação Física em uma Universidade Pública da cidade do Recife.

MATERIAL E MÉTODOS

Nesse estudo, optamos por uma abordagem qualitativa e pela Hermenêutica-Dialética como método (Minayo, 2002), caracterizada pela busca complexa da compreensão e interpretação de significados de textos, falas, discursos, depoimentos, ao mesmo tempo em que constitui um processo crítico de análise pautado na intersubjetividade.

Esse método nos permitiu compreender melhor o objeto, tanto no trato com a literatura, como com os dados do campo, ao mesmo tempo em que foi possível tecer análises críticas que proporcionaram novos graus de compreensão a fim de atingir o objetivo proposto.

Em relação aos passos metodológicos, no primeiro momento selecionamos uma Universidade Pública na cidade do Recife, lócus da pesquisa. Essa instituição foi escolhida devido ao tempo disponível para a realização da pesquisa e por ser geograficamente próxima dos pesquisadores. Os participantes dessa pesquisa foram os professores dos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Educação Física da universidade selecionada, convidados por e-mail e, ao aceitarem o convite, também concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido da pesquisa.

Apesar desta pesquisa estar contextualizada na área da Educação Física escolar, formação de professores, os docentes do curso do Bacharelado em Educação Física também foram selecionados, pois esses professores podem ter e trazer experiências no campo da formação de professores de Educação Física.

Os critérios de inclusão para os participantes da pesquisa foram: i) ser docente dos cursos de Licenciatura ou Bacharelado em Educação Física na universidade selecionada como lócus da pesquisa; ii) aceitar participar das etapas da pesquisa; iii) e demonstrar a possibilidade do trabalho com os jogos eletrônicos. Os critérios de exclusão foram: a) afastamento institucional das suas funções; b) estar de licença da instituição; c) não responder a algum dos instrumentos.

Para a realização da pesquisa, utilizou-se um questionário eletrônico elaborado na plataforma Google Forms enviado por e-mail a todos os participantes. Além do questionário também foram realizadas entrevistas com roteiro flexível de perguntas que foram gravadas e transcritas para a análise de conteúdo.

Após as transcrições, selecionamos aleatoriamente uma numeração a cada professor, de P1 a P10, devido ao sigilo com o nome do participante.

Sobre as análises dos dados, utilizamos a análise de conteúdo do tipo categorial por temática (Bardin, 2011), pois ela permitiu identificar temas-chave nos dados coletados da investigação, organizando-os por meio de categorias, o que contribuiu para a identificação, compreensão e análise de padrões relevantes nos dados.

Ao longo da pesquisa, a pesquisa definimos as categorias analíticas: jogos eletrônicos e formação de professores; e as empíricas: jogos eletrônicos e prática pedagógica. As analíticas dizem respeito aos fundamentos da reflexão conceitual e foram delimitadas no trato com a literatura, enquanto as empíricas são voltadas ao trabalho com o campo (Souza et al., 2010).

As unidades de contexto e de registro, definidas a partir das categorias empíricas, orientam as análises dos dados empíricos, pois os resultados se estruturam e as discussões ocorrem a partir destes elementos. Podemos representá-los conforme o Quadro 1.

Quadro 1
Categorias e unidades.

Essa delimitação das categorias e suas unidades, no decorrer da pesquisa, foi fundamental para a organização da apresentação dos resultados e discussões dos dados empíricos, uma vez que é possível perceber como as unidades, sobretudo as de registro, direcionam o sentido lógico das ideias apresentadas, assim como suas possíveis articulações.

Salientamos que a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco, sendo aprovada sob parecer de número 3.366.718.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os convites para a participação na pesquisa foram enviados por e-mail a 55 professores, dos quais 9 lecionavam apenas na licenciatura, 24 apenas no bacharelado, e 22 em ambos os cursos. Em um prazo de dois meses, tivemos 14 respostas ao convite, todas indicaram aceite. Foram feitos mais 3 convites dentro de mais um mês, porém não houve mais respostas.

Com esses 14 participantes que aceitaram o convite, sendo 2 docentes apenas da licenciatura, e os demais de ambos os cursos, prosseguimos para a aplicação dos questionários eletrônicos elaborados na plataforma Google Forms. Foram enviados por e-mail os links de acesso para que fosse respondido online.

Após todos responderem, 13 indicaram a possibilidade de trabalhar ou já ter trabalhado com os jogos eletrônicos na formação de professores de Educação Física e 1 participante que lecionava na licenciatura e bacharelado indicou não perceber nenhuma possibilidade com o trabalho.

Assim, os 13 participantes que indicaram a possibilidade de trabalho com jogos eletrônicos foram convidados a participar das entrevistas semiestruturadas, as quais se caracterizam como diálogo entre sujeitos, seguindo um roteiro adaptável, ou seja, alterações foram feitas a fim de qualificar a entrevista (Lüdke e André, 1986).

Destaca-se que foram feitos cinco convites para a participação nas entrevistas, no período de 3 meses, e dez professores participaram dessa etapa, os outros três professores não responderam o convite. Desses dez, dois lecionavam apenas na licenciatura, e os demais em ambos os cursos.

Ao analisar os dados, percebemos que os professores entrevistados apresentam diversas concepções acerca do conceito de jogo eletrônico. A primeira percebida é a de que os jogos eletrônicos estão condicionados a uma tela digital (Petry, 2016), e um controle que permite operar o sistema eletrônico, resultando em um espaço virtual de jogo na relação entre o jogador e a máquina.

Parte de uma tela, teclado, controle, se você for pensar hoje no próprio celular também a própria tela já é um controle, mas sempre vai existir o controle. (P2).

Outra concepção é a de que jogo eletrônico é a própria máquina, o console ou a plataforma. É uma concepção que aponta o jogo eletrônico enquanto o objeto, o produto, o programa, o hardware (Silva et al., 2009), o que você objetivamente necessita para jogar, tão importante quanto o jogador.

Para elaborar um conceito, eu pego essa minha experiência pessoal de vida familiar, que o jogo eletrônico, elaborando hoje olhando para o passado, vou usar os termos que o ouço recentemente, é um console, pode ser também uma plataforma onde pessoas interagem com atividades lúdicas, e diversas modalidades possíveis. (P4).

Essas foram as principais concepções identificadas ao dialogar com os professores. Foi possível perceber, de maneira geral, que os professores compreendem os jogos eletrônicos como um tipo de jogo com características próprias que permitem diferenciá-lo dos demais, assim como aponta a literatura (Silva et al., 2009; Petry, 2016).

Podemos dizer, com isso, o quanto é importante a compreensão teórico-conceitual dos jogos eletrônicos para que se possa desenvolver um trabalho adequado na prática pedagógica, com esses professores, na formação. Temos compreensão, portanto, de que esse é o primeiro passo para efetivar esse conhecimento no contexto pedagógico formativo.

Ao adentrar nos diálogos acerca da prática pedagógica desses professores, identificamos que uma das contribuições teórico-metodológicas dos jogos eletrônicos na formação de professores de Educação Física é como o jogo eletrônico está inserido na cultura dos estudantes, tanto na formação inicial quanto na educação básica.

A gente tem uma geração, e essa geração que está vindo, ela é 100% digital. Nesse caso, eles já nasceram no mundo da internet. Então, eles já têm acesso desde pequenos aos celulares, a computadores, a aparelhos eletrônicos. (P2).

Os docentes estão se deparando com uma geração que está constantemente conectada na mídia digital, no mundo virtual, nas redes sociais digitais, nos jogos eletrônicos e, principalmente,, através dos seus celulares, então até dentro das salas de aula eles estão conectados.

Essas pessoas conectadas integram uma cultura digital (Barros, 2019; Baracho et al., 2012), e podem ser consideradas como nativos digitais, ou seja, pessoas que já nasceram num contexto histórico permeado por uma cibercultura (Lévy, 1999; Kerckhove, 1995) e, como indica Franco (2013), possuem algumas características:

Eles vivem no mundo dos computadores e videogames;

Eles estão constantemente conectados ao mundo online;

Eles possuem a capacidade para utilizar a tecnologia digital de forma transparente;

Eles se expressam de maneiras mediadas por tecnologias digitais (principalmente mediadores de conexões entre humanos);

Eles têm muitos amigos em sites de redes sociais (incluindo pessoas que nunca conheceram pessoalmente);

Eles se sentem confortáveis em espaços online;

Eles contam com espaços online para buscar todas as informações de que precisam (eles aprendem navegando);

Eles tendem a fazer várias coisas ao mesmo tempo – multitarefas;

Eles recebem e processam informações em ritmo acelerado;

Eles compartilham fotos e vídeos com seus amigos em todo o mundo. (Franco, 2013, p. 645).

Vale pontuar tais características não são habilidades e competências inatas, mas decorrem da exposição e contato dessas pessoas com as tecnologias digitais, que invariavelmente vão influenciar hábitos, práticas e novos comportamentos (Costa et al., 2023).

É crucial estar consciente dessas informações para trabalhar com esse público na formação inicial, uma vez que um público diferente pode requerer uma abordagem diferente, ou seja, uma adequação didático-metodológica que contemple a realidade desses alunos.

Trazer a realidade do estudante para o processo de ensino-aprendizagem mostrou-se mais significativo para eles, uma vez que sua realidade, sua cultura está em destaque e, sendo valorizada nesse ambiente, o aluno percebe uma significação do que ele aprende com o seu cotidiano.

Dessa maneira, além de acontecer na formação inicial, é visto também na educação básica e, para isso, os estudantes da graduação precisam ter consciência desses processos de significação, aprender sobre eles, aprender sobre as tecnologias e suas aplicações nos processos de ensino-aprendizagem, para que, assim, consigam transpor para os seus futuros alunos na educação básica.

Primeiro que, esses futuros professores, eles precisam falar a língua do alunado do chão de quadra, ou seja, quando eles forem realizar suas práticas, suas intervenções pedagógicas já formados, eles vão se deparar através dos seus alunos com esse debate sobre os videogames, sobre jogos eletrônicos de uma forma geral, porque isso é uma realidade da escola, então é necessário que esses professores no futuro dialoguem com esse conteúdo já que faz parte dessa realidade dos seus futuros alunos. (P6).

Nesse sentido, não há razão em trazer os jogos eletrônicos, assim como qualquer outra tecnologia digital, para a escola apenas porque os alunos gostam e têm interesse, ou se sentem motivados para tal, é preciso, portanto, que haja uma intenção pedagógica em uma perspectiva crítica, alinhada também com o currículo e os objetivos formativos.

Percebemos outra contribuição teórico-metodológica na relação entre as vivências no ambiente virtual e as práticas fora dessa realidade ao trabalhar com os jogos eletrônicos na prática pedagógica na formação inicial. Alguns professores relataram ações, nesse sentido, em suas práticas pedagógicas, inclusive como sendo uma opção viável e pertinente em situações em que o mesmo não dispõe de recursos materiais eletrônicos para realizar o trabalho em sala de aula.

Existe a possibilidade também de a gente, trabalhando também, especificamente, se não tivesse esse recurso, de perguntar na sala quem tinha jogado já com esses recursos, tentar explicar como que era, pedir pra um outro aluno tentar explicar como era, trazer alguns vídeos de como era e pedir para que eles realizassem um jogo não eletrônico em cima desse jogo eletrônico. (P10).

Outra possibilidade e, também, potencialidade relatada foi o caminho contrário do exemplo anterior.

Já vivenciei… tem uns, assim, que não eram eletrônicos, mas se tornaram eletrônicos, do tipo: a gente já fez uma adedonha eletrônica. Foram jogos que não eram eletrônicos, mas se tornaram eletrônicos em função da pandemia, e aí a gente teve que reconstruir. (P3).

Essa relação entre o virtual e o real apresenta uma contribuição significativa dentre as estratégias de ensino possíveis ao trabalhar com os jogos eletrônicos, devido ao aprofundamento necessário nos jogos a fim de viabilizar a aplicação dessa estratégia.

Além disso, pode-se necessitar de pouco ou nenhum recurso material eletrônico para sua aplicação, visto que possuir os recursos materiais eletrônicos nem sempre é viável em muitas realidades escolares brasileiras.

Outra contribuição teórico-metodológica percebida nos dados do campo foi a dos exergames na prática pedagógica no contexto da formação inicial, principalmente pela sua ação diferenciada na relação dos jogos eletrônicos com o movimento corporal.

Esse tipo de jogo eletrônico possibilita o controle do jogo com o próprio movimento do corpo captado por sensores de movimento que permitem, não apenas a manipulação do sistema, como também, possibilita, aos jogos, maior volume e intensidade de movimentação corporal.

Foram relatadas experiências e perspectivas de trabalho com esse tipo de jogo, tendo em vista o seu diferencial na movimentação corporal. Especificamente um professor apontou para a perspectiva de trabalho com a aquisição de habilidades.

Eu tentaria aplicar essa questão da realidade virtual, de você utilizar determinadas tarefas na realidade virtual, como um jogo para tentar potencializar a aprendizagem de habilidades e transferir para o jogo. Então, ensinar aos alunos na graduação como isso poderia ser feito, para quando eles tiverem na prática profissional, utilizarem. (P9).

A aprendizagem de habilidades motoras é um dos temas de investigação científica envolvendo os exergames, os quais podem favorecer a aquisição das mesmas (Hayes e Silberman, 2007), e que também podem ser transpostas para outras atividades físicas esportivas (Araújo et al., 2017). Portanto, esses jogos podem ser um conhecimento relevante ao trabalhar na formação inicial com o tema da aquisição de habilidades motoras.

Outro professor abordou o interesse em trabalhar com os exergames na formação inicial, mas aponta a dificuldade com o recurso material eletrônico necessário.

Tenho interesse, por exemplo, em trazer os jogos interativos, mas aí requer um certo mecanismo, uma máquina específica para você fazer o interativo. A gente não tem, mas eu acho que seria muito bom na aula a gente conseguir fazer isso junto com os meninos, fazer essa interação, seria muito bom, mas do ponto de vista tecnológico não temos. (P5).

O recurso material para a utilização desses jogos parece ser um entrave, relatado pelo professor, devido ao custo financeiro maior para realizar esses jogos de fato, com os consoles específicos.

Contudo, ao obter esse material e utilizá-lo na prática pedagógica, ampliam-se as possibilidades de se jogar eletronicamente com maior grau de movimentação, colaborando com as práticas desenvolvidas no campo da atividade física e do exercício físico (Finco et al., 2015; Araújo et al., 2017).

Do ponto de vista metodológico, alguns professores relataram que os jogos eletrônicos podem ser ou são conteúdo e estratégia de suas disciplinas na formação inicial em Educação Física.

Cada vez mais a questão eletrônica se faz presente dentro dos universos onde nós passamos. A sala de aula é um desses universos, então o jogo eletrônico, na minha concepção de não estudiosa da área, ele tem como elemento que pode tanto se configurar como conteúdo das aulas de educação física, para o ensino superior e para a educação básica tanto como estratégia de ensino. Então, ele assume esse lugar de conteúdo e estratégia dentro do processo formativo. (P1).

Dois professores que trabalham com o conhecimento jogo como conteúdo na formação em sua disciplina apontaram o trabalho com os jogos eletrônicos como um conteúdo e estratégia. Os outros 8 professores indicaram que não trabalham, mas trabalhariam com os jogos eletrônicos como um conteúdo, como uma estratégia de ensino ou como um recurso didático. Isso significa que todos os professores que participaram da pesquisa vislumbram possibilidades pedagógicas com esses jogos.

As problematizações que geralmente estão à volta dos jogos eletrônicos são a sua associação com promoção de comportamentos agressivos, introversão social (Alves e Carvalho, 2011), problemas com o sono (Jannine, 2011), sedentarismo e um estilo de vida menos saudável (Enes e Slater, 2010; Cillero e Jago, 2010; Jago et al., 2011; Ferrar et al., 2013), obesidade e maus hábitos alimentares (Enes e Slater, 2010).

Essas questões que podem ser associadas a esses jogos são relevantes de serem discutidas na formação inicial em Educação Física porque são conhecimentos que podem ser trabalhados com os estudantes na educação básica conforme a Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2018), assim como pode trazer contribuições significativas para a formação desses futuros professores, uma vez que esses jogos fazem parte da cultura e do cotidiano deles, como é apontado pelos professores participantes do estudo.

Eu trabalho como conteúdo especificamente na disciplina, a gente lida o jogo eletrônico como um tipo de jogo que deve ser reconhecido, analisado e problematizado dentro da disciplina, que é uma disciplina muito mais inicial, que vai entender teórico-metodologicamente como é o jogo culturalmente, socialmente, nos diversos campos de atuação e de ensino, e aí o jogo eletrônico é um desses jogos frente à classificação que a gente reconhece. Então, ele é conteúdo entendendo o que é o jogo eletrônico, sua história, tipos, características etc., e como ele pode estar dentro do espaço da escola [...] Os conteúdos são geralmente esses: parte da história, parte das características, da classificação, e as contribuições, e as problematizações dentro do espaço da escola, que é obviamente a discussão da formação dos professores (P3).

Dessa forma, esses estudantes são levados a refletir, problematizar e analisar diversas questões sociais, culturais, políticas, fisiológicas e filosóficas trazidas pelos jogos eletrônicos que podem contribuir para a prática pedagógica desses futuros professores e para a vida deles, como pessoas que utilizam esses jogos no cotidiano.

De maneira geral, identificamos momentos e elementos comuns entre as metodologias de trabalho, a saber: a) no primeiro foi, inicialmente, fazer um levantamento de quais jogos vão ser utilizados; b) no segundo momento, fazer um levantamento de quais recursos materiais são possíveis e quais serão utilizados; c) no terceiro momento está o levantamento do referencial teórico, as discussões, estudos de textos, artigos, pesquisas, palestras, seminários, produções escritas e afins; d) no quarto momento, as vivências e experimentações corporais dos jogos eletrônicos a partir do que foi trabalho no momento anterior.

Não foi possível identificar, nos dados coletados, um quinto momento após essas vivências e experimentações corporais, mas não significa que ele não exista, com novas reflexões, novas discussões, novas produções, após terem vivenciado e experimentado os jogos eletrônicos, sendo assim, um momento final no processo de analisar, avaliar, atribuir novos sentidos e significados ao que foi estudado, vivenciado e experimentado.

Sobre a importância e relação dos recursos materiais para a prática pedagógica desses docentes com os jogos eletrônicos, foi amplamente apresentado que é essencial ter os recursos materiais eletrônicos específicos, como os consoles, para realizar um trabalho de qualidade, mas, sempre, tendo em vista a realidade social e as condições objetivas da instituição e do público.

É imprescindível ter os recursos materiais que lidem com os jogos eletrônicos, [...] se a gente vai usar os jogos eletrônicos como ferramenta e objeto da formação, é importante que a instituição também disponibilize consoles, plataformas, tenha os jogos, [...] então, se você vai trabalhar com o jogo eletrônico, em algum momento é imprescindível ter o jogo eletrônico. (P4).

Eu acho que o material é super importante, assim, é base, mas também tem que reconhecer que a gente parte da realidade dos estudantes. Então, por exemplo, se eles têm um videogame, se eles têm um console que a gente pode trazer para a sala de aula, a gente vai fazer o uso disso, mas se eles não têm a gente vai partir para o celular, então, assim, a gente vai tentar fazer o uso daquilo que é o real. (P3).

Os professores, de maneira geral, reconhecem os limites e as dificuldades para ter os recursos ideais e realizar esse trabalho na formação inicial. Além disso, as limitações e dificuldades são discutidas e problematizadas em perspectiva crítica com os estudantes da formação inicial. Esses alunos têm que estar preparados para lidar com as realidades que vão encontrar em suas práticas pedagógicas, e precisam reivindicar condições adequadas e dignas para realizarem seus trabalhos (Veiga, 2011), uma vez que é apontado como indispensável o recurso material adequado ao trabalho com os jogos eletrônicos.

Também é necessário que haja atenção não apenas ao acesso ao recurso eletrônico, mas também ao uso adequado dele com uma intenção pedagógica pautada em objetivos de aprendizagem.

Nesse sentido, a formação profissional dos professores para o uso desses recursos materiais também é uma discussão fundamental, pois é preciso dar sentido aos aparelhos, programas e plataformas na prática pedagógica. O uso sem intencionalidade educacional não é o suficiente para o contexto formativo, pois isso o estudante já faz no seu cotidiano, logo a abordagem pedagógica é fundamental nessa relação entre estudante e tecnologia na formação.

É relevante, também, estar atento aos avanços e atualizações desses jogos, seus consoles e suas plataformas, pois isso tem implicações políticas e econômicas (Amaral e Paula, 2007).

O docente, ao planejar suas intervenções utilizando os jogos eletrônicos, vai se deparar com jogos pagos e jogos gratuitos, plataformas e consoles caros e baratos, e pode ter disponível apenas materiais mais antigos, considerados por alguns até como ultrapassados e obsoletos, mas que são funcionais, ou até mesmo dispor de nenhum material. Mas vale ressaltar que a produção de conhecimento acerca dos jogos eletrônicos, apesar das circunstâncias limitantes, pode ser alcançada com contribuições significativas para os estudantes.

CONCLUSÕES

Percebemos que os jogos eletrônicos trazem diversas contribuições teórico-metodológicas para a formação de professores de Educação Física, reveladas a partir do trabalho com esses jogos na própria prática pedagógica dos professores que participaram do estudo. Conseguimos relacionar os seguintes: contribuições conceituais, culturais, contribuições da relação entre virtual e real, dos exergames, dos recursos materiais e das possibilidades enquanto conteúdo e estratégia de ensino.

Podemos dizer que as mesmas estão compreendidas em uma amplitude que foi possível organizar em temas a partir dos dados coletados com as categorias e unidades, por meio da Hermenêutica-Dialética e da análise de conteúdo do tipo categorial por temática.

Apontamos que os dados revelam quantos temas e elementos ainda carecem de estudos científicos na discussão entre jogos eletrônicos e a formação de professores de educação física.

Foram apresentadas inquietações, perspectivas e, principalmente, relatos de experiência exitosos na prática pedagógica com esses jogos, traduzindo que apesar de ainda haver carência literária, o trabalho está sendo feito e apresenta contribuições teórico-metodológicas para a formação de professores de educação física.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todos os participantes da pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2024
  • Aceito
    02 Out 2024
  • Corrigido
    27 Dez 2024
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