Open-access O Brasil na Copa, a Copa no Brasil: notas sobre o agendamento midiático da Copa de 2014 no Blog do Juca

Brazil in the World Cup, the World Cup in Brazil: notes about 2014 World Cup media-sports agenda in Blog do Juca

Brasil en el Mundial de Fútbol y el Mundial de Fútbol en Brasil: notas sobre el agendamiento mediático-deportivo de la Copa Mundial de Fútbol de 2014 en el blog do Juca

Resumo

Este artigo discute sobre o agendamento midiático-esportivo da Copa 2014. Tem como base a cobertura jornalística da Copa 2010 feita pelo Blog do Juca. Em termos metodológicos, usa a análise de conteúdo e a análise crítica do discurso e define como base empírica as postagens e os comentários do blog. Por fim, sintetiza as principais recorrências observadas e destaca alguns dos desafios apresentados no horizonte da problemática.

PALAVRAS-CHAVE Copa 2010; Agendamento esportivo; Copa 2014; Blog do Juca

Abstract

This article discusses about Cup 2014 media agenda, based on the media coverage of the World Cup 2010 made by Blog do Juca. In terms of methodology, uses content analysis and critical discourse analysis, setting posts and comments pertaining to the blog as empirical base. Finally, summarizes the main recurrences, highlighting some of the challenges presented in the problem's horizon.

KEYWORDS 2010 World Cup; Sports-media agenda; 2014 World Cup; Blog do Juca

Resumen

Este artículo trata acerca del agendamiento mediático-deportivo del Mundial de Fútbol de 2014, basándose en la cobertura informativa del Mundial de Fútbol de 2010 llevada a cabo por el blog do Juca. En términos metodológicos, utiliza el análisis del contenido y el análisis crítico del discurso, y establece como base empírica los artículos y los comentarios del blog. Por último, resume las principales recurrencias y destaca algunos de los desafíos que se presentan en el horizonte del problema.

PALABRAS CLAVE Mundial de Fútbol de 2010; Agendamiento mediático-deportivo; Mundial de Fútbol de 2014; Blog do Juca

Introdução

Expectativas, investimento e cobranças: palavras de ordem que normalmente povoam o imaginário social em períodos que precedem e acompanham megaeventos esportivos. Na esteira da crescente importância política e econômica adquirida por esses, vem também a comoção e a mobilização sociais que esse tipo de acontecimento é capaz de desencadear. Aos termos aludidos, podem-se somar ainda a euforia ou a frustração: tudo depende do tipo de representação preponderante nos discursos institucionais de maior apelo entre as massas.

Nesse sentido, sabe-se que é cada vez mais incisiva a influência exercida pelos meios de comunicação sobre os processos de formação dos sentidos e significados vinculados aos megaeventos esportivos. Nos períodos que antecedem/antecederam duas das maiores “celebrações” pertencentes ao campo esportivo, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, é esperado o aumento gradual da visibilidade endereçada aos seus países-anfitriões, ou melhor, ao seu país-anfitrião: o Brasil.

Ao assumir tal posto, o país-sede tende a tornar-se o centro das atenções na cena mundial e constituir-se como o ponto sobre o qual incidem incontáveis demandas e expectativas. As pressões decorrentes dessa evidência podem ser tanto de origem externa e partindo de nações diretamente implicadas no evento e/ou de agências e entidades responsáveis por assegurar o bom andamento de sua organização quanto de origem interna e emanar dos grupos e das comunidades que habitam o território dos “donos da casa”. Habitualmente, as tensões geradas por todos esses interesses usualmente interferem na configuração de agendas sociais, cujo papel de propagar é distribuído por entre diferentes veículos de informação e comunicação, dentre os quais destaca-se o ciberespaço1.

Em meio a esse cenário e com inspiração em estudos correlatos (Mendes et al., 2009; Mezzaroba, 2008), este trabalho tem como objetivo socializar algumas observações pertinentes ao agendamento midiático-esportivo da Copa de 2014 tecidas com base na cobertura jornalística feita pelo Blog do Juca acerca da Copa do Mundo de 2010. Trata-se de um subproduto da pesquisa intitulada “O Brasil na Copa, a Copa no Brasil: registros de agendamento para 2014 na cobertura da midiática da Copa da África do Sul”,2 conduzida pelo Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva (Labomídia/CDS/UFSC) entre 2010 e 2011 (Pires, org., 2011).

Neste ponto, é oportuno mencionar Fausto Neto (2002), quando afirma a função prescritivo-imperativa inerente às agendas midiáticas - concebidas como conjuntos de assuntos e acontecimentos aos quais cabe maior (ou menor) visibilidade, no interior do quadro temático que norteia a programação de cada veículo. Por conseguinte, ao interagir com as agendas individuais, essa instituição (a mídia) interfere no surgimento e na valorização de determinados “compromissos” em detrimento de outros e age como instância reguladora dos interesses coletivos. Nessa conjuntura, enfatiza-se que o presente estudo buscou identificar alguns dos principais vislumbres para Copa de 2014, em meio à atmosfera criada pela Copa da África, no bojo das notícias e das demais manifestações ventiladas na e pela imprensa on-line - neste caso, representada pelo Blog do Juca.

Sobre o agendamento (esportivo)

Os primeiros estudos americanos de mass media-research, ocorridos entre as duas guerras mundiais, tinham como pressuposto a possibilidade de a mídia exercer efeitos diretos e imediatos sobre os espectadores. Eram as chamadas teorias da “agulha hipodérmica” ou da “bala mágica”, que acreditavam no poder inoculatório das mensagens midiáticas, sobretudo a propaganda, institucional ou publicitária (Wolf, 2001). Essas concepções tiveram diferentes aportes, como as teorias sociológicas funcionalistas e behavioristas.

Atualmente, acredita-se que os efeitos da mídia se dão de forma acumulativa, com consequências de longo prazo (efeitos indiretos). Nesse novo paradigma se insere o conceito de agenda-setting (agendamento), que surgiu entre o início e o fim dos anos 1970. As primeiras pesquisas sobre a produção da opinião pública orientadas por esse entendimento são atribuídas aos americanos Maxwell McCombs e Don Shaw. Numa tentativa de síntese do que seria esse novo campo referencial, Shaw considera que:

Em consequência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas (SHAW, 1976, p. 96, apud Wolf, 2001, p. 144).

Em recente entrevista, Maxwell McCombs (2008, p. 206) esclarece que os elementos mais evidentes que podem ser percebidos no agendamento, segundo ele, são os efeitos, ou seja, “aquilo que a agenda midiática informa termina influenciando a agenda pública.” Estruturalmente, seria possível visualizar que a “agenda da mídia”, dotada de um determinado padrão de cobertura noticiosa, transforma os temas “mais destacados” em “mais importantes” nas preocupações do público e efetiva o que foi designado como “transferência da saliência do tópico” (McCombs, 2009).

A teoria da agenda-setting considera para os estudos empíricos a compreensão dos movimentos exercidos pela mídia para inserir uma temática da sua própria agenda na agenda social, com vistas a criar antecipações ou associações dessa temática, e os efeitos cumulativos e prolongados que isso causa aos grupos destinatários. Pode-se afirmar então que o agendamento é um processo relacional entre a agenda jornalística (midiática) e a agenda pública (social), em que há uma tentativa de alguns grupos (financeiros, econômicos, políticos) de pautar temas e assuntos de seu interesse na esfera social por meio da mídia e ainda consolidar sua(s) opinião(ões) a respeito, com o objetivo de torná-la(s) hegemônica(s).

Segundo McCombs (2008), o agendamento não é feito simplesmente pelo desejo da mídia de pautar o que assim quiser, mas porque os sujeitos têm certas “necessidades de orientação”. É razoável considerar, então, que o agendamento exerce uma função de sociabilização, já que proporciona o compartilhamento de assuntos comuns, sobre os quais as pessoas conversam, se entendem e constroem sua opinião.

A partir dessa visão mais ampla a respeito do conceito de agenda-setting, tratamos do agendamento esportivo e consideramos que o processo de construção de notícias é transformado de acordo com o “modo de dizer” de cada veículo midiático, que produz um discurso midiático-esportivo próprio e, assim, faz o seu agendamento (Fausto Neto, 2002).

Em países como o Brasil, em que o futebol é um produto cultural de grande valor, fica fácil entendermos, no dia a dia, como essa “necessidade de orientação” é produzida e distribuída pelos principais veículos midiáticos, a partir de alguns “atributos” (características daquilo que a mídia nos fala).

É importante ressaltar que o agendamento não se configura apenas em acompanhar na forma de “calendário” os eventos que irão acontecer e oferecer informações prévias a respeito, por exemplo, da programação esportiva (seja em âmbito local, regional, nacional ou mundial), e informar o período dos jogos, as equipes envolvidas etc. O mote principal do agendamento esportivo está, sobretudo, em oferecer informações sobre todo o contexto que faz parte dessas informações no discurso midiático, com relação à economia, à política, à cultura, ao esporte e aos interesses da sociedade.

Para Wolf (2001), três características do agendamento nos ajudam a melhor compreender como se configuram algumas ações da mídia ao apresentar suas informações: a acumulação (que se refere ao poder da mídia para criar e manter a relevância de um tema); a consonância (mensagens mais semelhantes do que dessemelhantes); e a onipresença (difusão quantitativa dos meios de comunicação de massa e o caráter particular do saber público).

Vemos, com isso, que os grandes eventos esportivos são aquilo que se chamaria “um prato cheio” para “aplicar” essas características e sua efetivação no plano teórico/científico, já que no plano empírico é fácil percebermos a inter-relação das três características ao se acompanharem, por exemplo, eventos esportivos pela televisão ou pela mídia em geral.

Em síntese, pode-se dizer que o agendamento midiático-esportivo se propõe às seguintes funções: pautar o assunto/evento esportivo na agenda social; instituir uma opinião pública ou uma prática discursiva (Fairclough, 2008); antecipar e aumentar o período de exposição e venda do patrocínio (e isso repercute no consumo do evento), além de atualizar informações para criar uma identidade com o público em geral (Fausto Neto, 2002).

Pensando especificamente no caso brasileiro, com os megaeventos, é inegável que há algum tempo, possivelmente desde 2007, quando o país foi escolhido para ser sede da Copa do Mundo, já ocorrem estratégias discursivas de agendamento que antecipam e dão visibilidade a tal evento (e também às Olimpíadas/2016) no campo midiático. Essas tentativas vão compondo, portanto, a conjuntura material e simbólica que é essa tessitura narrativa midiática, em todas as suas variantes de modo (gêneros jornalísticos distintos) e de tempo (pré, pró e pós-megaevento), a qual nos serve de objeto para observação.

No cenário das mídias sociodigitais, cuja principal característica é a abertura para a comunicação horizontal e participativa, a problemática das narrativas pré-megaeventos tende a assumir contornos menos evidentes, difusos. Sobre esse aspecto, em particular, importa mencionar a progressiva relevância adquirida pela internet, enquanto via profícua para busca e disseminação de informações concernentes ao âmbito esportivo. Por outro lado, ainda que tenha provocado profundas transformações culturais, esse movimento não implica a iminente extinção de meios “clássicos” (como os jornais impressos e programas de TV), pois, como bem esclarece Canclini (2008), as fronteiras entre as experiências do leitor, do espectador e do internauta, num contexto extremamente afetado pela popularização das mídias digitais, tornam-se cada vez menos estanques e mais intercambiáveis. Por essa razão, a importância da rede reside, em boa medida, na sua capacidade de facilitar a migração e conversão de conteúdos até então presentes exclusivamente nos meios de comunicação de massa, para as linguagens características do ciberespaço e ampliar, assim, as possibilidades de acesso a eles. Em termos práticos, isso significa que uma mesma instituição difusora pode se valer de plataformas distintas para veicular as informações, sejam elas genéricas ou singulares, e atingir, assim, públicos diversificados.

Metodologia

Ancorado no aporte das pesquisas de observatório (Christofoletti; Motta, 2008), este trabalho se constitui como uma investigação de natureza observacional-descritiva. No que tange à condução do processo de análise dos dados, foi empregada a análise de conteúdo, tal como proposta por Bardin (2009), em articulação com os fundamentos da análise crítica do discurso (Fairclough, 2008).

A escolha do Blog do Juca como campo de investigação levou em conta o seu apelo e popularidade entre os consumidores de informações ligadas ao futebol brasileiro e mundial. Também foi decisivo o caráter público de seu conteúdo, isto é, a plena disponibilidade de seus registros (postagens e comentários) para qualquer internauta, característica que descarta a necessidade de efetuar quaisquer cadastros ou assinaturas.

Os materiais tomados como empiria foram reunidos de acordo com a sua data de divulgação no blog: o período delimitado como recorte teve início em 1° de março de 2010 e se estendeu até 18 de julho do mesmo ano. A decisão de também abarcar, para fins de observação, as datas que antecedem a Copa do Mundo de 2010 justifica-se pela intenção de acompanhar a usual “ansiedade” que precede os megaeventos esportivos. Trata-se de uma atmosfera propícia para intensificação do(s) interesse(s) em torno da problemática dos megaeventos e que se constitui como terreno fecundo para identificação e análise das representações compartilhadas entre blogueiros e internautas.

No período estipulado, foram analisadas 733 postagens, das quais 55 (7,5%) apresentaram indícios de agendamento da Copa 2014. As categorias analítico-descritivas empregadas no processo de apreciação dos dados foram compatibilizadas com os principais temas verificados entre os conteúdos do blog, que, por sua vez, dividem-se entre os seguintes tópicos: cultura, economia, política e infraestrutura. A despeito dessa diversidade, aparentemente todos os objetos de discussão estiveram, direta ou indiretamente, vinculados aos posicionamentos da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) frente às questões concernentes à Copa do Mundo de 2014.

O Blog do Juca e o agendamento da Copa de 2014

Criado em 2005, o Blog do Juca é administrado pelo jornalista paulistano Juca (José Carlos Amaral) Kfouri. Graduado em ciências sociais pela Universidade de São Paulo (USP), Juca - alcunha pela qual adquiriu notoriedade - pode ser considerado uma das figuras mais conhecidas e também controversas do cenário esportivo nacional. Isso se deve, em grande parte, ao forte teor irônico de suas críticas, tecidas com base nos principais acontecimentos ligados ao futebol brasileiro e mundial. Atualmente, Juca é comentarista da rádio CBN e também colunista no jornal Folha de S.Paulo. Seu blog pode ser acessado no portal da UOL (Universo On-Line), pelo endereço http://blogdojuca.uol.com.br/.

Uma vez nele, os usuários têm acesso a outras redes sociais das quais o jornalista participa - tais como o Twitter e o Facebook - e pelas quais difunde várias das informações que alimentam o seu blog. Na barra lateral, estão disponíveis alguns links vinculados aos demais espaços comandados por Juca, ou aqueles em que ele tem algum tipo de participação frequente: a coluna no jornal, o programa de entrevistas promovido pelo canal de TV paga ESPN Brasil e o programa CBN Esporte Clube. Logo abaixo dessas informações encontram-se os sites recomendados pelo autor, entre os quais encontram-se homepages pertencentes a canais de TV, chargistas, comentaristas esportivos e até mesmo a parentes do blogueiro.

Num olhar preliminar sobre seu conteúdo, percebemos que o Blog do Juca é atualizado pelo próprio jornalista. Para isso, o blogueiro recorre, com razoável frequência, a ilustrações/charges, notas e textos, obtidos por intermédio de sites de sua preferência, ou seja, recorre a fontes externas. Semanalmente, Juca faz entrevistas com técnicos, dirigentes, atletas e outras personalidades que têm como assunto os principais fatos que figuram na cena esportiva do país, prioritariamente no âmbito do futebol e de suas respectivas competições. Tais conversas, denominadas por ele de “tabelinhas”, são colocadas em seu blog, a partir das 15 horas, às segundas-feiras.

Em março, início do período de investigação, notou-se a grande mobilização dos internautas em torno de um conjunto de questões pertinentes à política e à infraestrutura, com destaque para o impasse que envolveu a CBF e o estádio do Morumbi no tocante à escolha da sede paulista para jogos da Copa de 2014.

É tenso o clima no São Paulo FC. Corre que na noite de hoje, no Jornal da Globo, Ricardo Teixeira dirá que o Morumbi está fora da abertura da Copa do Mundo. Seria uma retaliação a Juvenal Juvêncio, que está na chapa de Fábio Koff no Clube dos 13, isto é, contra a candidatura que o cartolão da CBF apoia, a de Kléber Leite. Se confirmada, a notícia é um escândalo.

Nota do blog: E a notícia está confirmada, no globoesporte.com, com a entrevista do cartola ao repórter Eric Faria. [...] Vamos ser se, agora, Juvenal Juvêncio permanecerá ao lado de Koff. Teixeira pode estar subestimando o inimigo. Ou não.3

A notícia foi motivo de indignação para muitos internautas, visto que ela fortalecia a hipótese de que a cidade de São Paulo poderia ficar de fora das “festividades” previstas para 2014. Nessa ocasião, observou-se a patente insatisfação dos torcedores paulistanos com seus respectivos governantes e com a sua suposta falta iniciativa no se que refere à implantação de ações afirmativas capazes de angariar os recursos necessários para construção e reforma dos estádios implicados:

É uma vergonha, se [estamos] na 4ª maior cidade do mundo, por interesses pessoais não ter pelo menos o jogo de abertura da Copa 2014, há anos já se sabe que o (Moderno Vila Sonia) não tem condição para o jogo da abertura e ficam sempre empurrando o problema, [será] que os [políticos] da nossa cidade não [vão] se atentar para o caso, não [adianta] a Fifa não quer o Vila Sonia, vamos ‘governetes’ de São Paulo, [deem] um jeito, o que não pode é a cidade ou o estado mais rico da nação ficar sem o jogo de abertura4 (INTERNAUTA A).

Em outro momento, entra em cena a crise da capital carioca que envolve a distribuição royalties do petróleo da camada pré-sal. Após a ameaça de retirada da candidatura ao posto de sede do evento, anunciada pelo governador e pelo prefeito do Rio de Janeiro, Juca declara que tal atitude nada mais é do que uma manobra astuciosa para virar o jogo na disputa pelos lucros do petróleo:

Chantagem! O governador do Rio, Sérgio Cabral, e o prefeito da Cidade Maravilhosa, Eduardo Paes, agora dizem que com a mudança da distribuição dos royalties do petróleo não dará para fazer nem a Olimpíada-2016 nem receber a Copa do Mundo-2014. Isso tem um nome: chantagem. Desnecessária, diga-se, porque é óbvio que as coisas não ficarão como foi aprovado na Câmara dos Deputados. Mas dá a medida de como essa gente faz política. Cabral ainda descobriu uma solução insólita e, convenhamos, ironias à parte, profundamente respeitosa com brasileiros iguais aos fluminenses e cariocas: “Acho que, talvez, seja interessante levar para Rio Branco, Rondônia, Roraima, ou alguma outra cidade, porque o Rio terá muita dificuldade de fazer com os investimentos que precisam ser feitos na realização de um evento desse tamanho”.5

Diante do descontentamento de Juca, alguns internautas se opuseram à critica do blogueiro e referendaram a atitude dos ditos representantes: “O fato é que o Rio não pode abrir mão desses recursos e tem que lutar até [o] fim, fazer as [manifestações] dentro da legalidade, cobrar o veto do presidente Lula, etc., ninguém pode querer ganhar isso não mão grande”.6 (INTERNAUTA B). Em nenhum dos 951 comentários associados a essa postagem pôde-se ver uma resposta de Juca às manifestações de apoio endereçadas aos governantes do Rio de Janeiro.

Em abril ainda não havia se esgotado a polêmica instigada pela situação infraestrutural do estádio Morumbi. Muito se discutiu sobre os gastos para a adequação da (até então indefinida) sede paulista. De um lado, os segmentos que acenavam positivamente com a possibilidade de investir nas reformas exigidas pelo estádio do Morumbi e apelavam para a sua importância simbólica e tradição; do outro, aqueles que, crentes na inviabilidade financeira da obra, propunham a construção de um novo estádio. Nos bastidores dessa disputa, pôde-se observar a clara mobilização dos principais clubes paulistas que, de diferentes maneiras, saíram em defesa de seus respectivos interesses.

Frente a esse e outros impasses, Juca tentou demonstrar uma atitude de imparcialidade e evitar aferir juízos ou se manifestar (explicitamente) em relação aos objetos de discussão apresentados. Artigos, reportagens, charges e entrevistas foram suas principais portas de entrada para os temas pertinentes à Copa de 2014. Apesar de poucos desses conteúdos serem de autoria do próprio, por intermédio deles o blogueiro deixa claro o forte ceticismo com o qual encara (os preparativos para) o evento. Entre os seus principais alvos está a aparente (in)capacidade da CBF de lidar de modo transparente e competente com as demandas da Copa do Mundo do Brasil.

A ironia e o sarcasmo se destacaram como os principais meios de crítica empregados por Juca. Entretanto, o blogueiro também procede de forma elucidatória e argumentativa e lança mão de conteúdos de maior densidade na intenção de informar seu público acerca dos pontos críticos presentes no assunto. Um exemplo é a nota redigida por Claudio Weber Abramo7 intitulada “A cama se arma”, publicada por Juca em 9 de abril:

Leio que Ricardo Teixeira, em solenidade na Academia Brasileira de Letras (??!!), teria declarado que “se as obras [de construção e adaptação de estádios] não começarem até o início de maio, passaremos por sérios problemas”. O “alerta” de Teixeira estimula a seguinte reflexão. Uma das formas mais manjadas de corrupção em contratações é protelar a concorrência até que o prazo de entrega do serviço ou produto fique tão apertado que se torne impossível de fato fazer uma concorrência. Como a coisa ou o serviço precisam ser feitos, decide-se então fazer a contratação por “emergência”, ou seja, sem concorrência. Na contratação por emergência, o sujeito que decide meramente escolhe uma empresa fornecedora e firma o contrato com ela. Assim se fez com as malfadadas obras do Pan-Americano do Rio. Como é que a empresa fornecedora é escolhida? Bem, como o sujeito que decide faz isso a partir de sua vontade, e como essa vontade pode ser comprada, basta molhar a mão do cara (usualmente, não é um só sujeito, mas uma quadrilha). Fim da reflexão. Mas indago: quem são os sujeitos que decidem aplicar dinheiro público para a construção ou reforma de estádios? Os nossos inestimáveis políticos. Quem é o indivíduo que decide se o estádio X será ou não palco de jogos da Copa?8

Ainda que permeada por especulações, a postagem expõe algumas das principais táticas usadas para “driblar” os trâmites legais que se impõem como requisitos para quaisquer obras financiadas pelo poder público (Governo federal, estados e municípios). No tocante à Copa de 2014, tal premissa sugere que o não início das construções e das reformas das instalações exigidas para o evento poderia não ser resultado de atrasos imprevistos, e sim de uma protelação estratégica. Afinal, como enfatiza a “reflexão” supracitada, a mobilização de manobras dessa natureza na intenção de regularizar a gestão irrestrita - e em certos casos fraudulenta - de verba pública não se configuraria como um caso isolado no Brasil.

Vale lembrar que, em função de problemas similares, a soma de recursos financeiros despendidos para os Jogos Pan-Americanos de 2007, evento sediado pelo Rio de Janeiro, excedeu significativamente as estimativas da organização e ultrapassou em aproximadamente 800% a cifra apresentada no projeto inicial do evento. Diante disso, chama-se a atenção para aqueles que, em tese, estão investidos das prerrogativas legais exigidas para a gestão desse tipo de investimento, uma vez que a eles, circunstancialmente, é concedido o direito de aplicar, sem maiores interdições, recursos de origem estatal.

Mesmo depois da partida de Juca para a África do Sul para cobrir os acontecimentos da Copa de 2010, o tema infraestrutura não deixou de figurar em seu blog. Entre os destaques desse período está a charge postada em 17 de abril:9 nela, encontra-se a imagem de um estádio com o formato de ralo, pelo qual escoa um dilúvio de dinheiro (público).

Em maio, a controvérsia gerada pelo estádio do Morumbi, no tocante às suas condições para receber a partida inaugural da Copa de 2014, finalmente teve um “desfecho”. A notícia de que o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, havia anunciado a construção de uma nova arena no distrito de Pirituba - posteriormente substituído pela região de Itaquera - aparentemente dividiu o público de Juca: de um lado, aqueles que acreditam no esgotamento do assunto e afirmam que discuti-lo era perda de tempo; de outro, aqueles que recorrem a relatos, notas e reportagens, questionam a confiabilidade dessa informação e afirmam que a construção do novo estádio ainda não foi ratificada pela própria CBF. Não obstante, apesar da divergência, notou-se um relativo consenso em torno da ideia de que a construção de um novo estádio para apenas um jogo provavelmente seria uma decisão precipitada.

Ainda em relação ao tópico infraestrutura, o ministro Ubiratan Aguiar10 declara: “A conta dos gastos públicos para a Copa do Mundo será paga pelo povo brasileiro. É inadmissível a sociedade pagar por algo de que não poderá desfrutar”.11 Ancorado nessa passagem, Juca evidencia o sucateamento e o abandono que vêm sofrendo as já esquecidas obras feitas para o Pan 2007 e atenta para a provável efemeridade e descartabilidade das construções a caminho. Um fato curioso é que, a julgar pelo volume de comentários postados, essa nota parece ter recebido menos atenção dos internautas do que as notícias mais “banais” que circulam pelo site. Por coincidência, no mesmo dia em que essa notícia foi publicada, também foi divulgada a relação dos jogadores convocados para a Copa do Mundo de 2010, fato que parece ter mobilizado muito mais os frequentadores do blog.

Diante da lista de jogadores chamados para compor a seleção brasileira, o blogueiro se mostra insatisfeito, faz analogias com a Copa de 1994 e deixa explícita a sua falta de entusiasmo com o time que iria representar o Brasil na África do Sul. Além de questionar a referida convocação e transparecer a pouca confiança no bom desempenho da equipe na competição, os internautas se mostraram resignados e projetaram suas esperanças de vitória para a Copa de 2014. Crentes numa conspiração política orquestrada pela Fifa em conjunto com a CBF, alguns usuários insinuam que o fracasso na Copa da África seria o “preço” a se pagar em troca de um suposto favorecimento na caminhada em busca do tão sonhado hexacampeonato em solo brasileiro: “O Brasil tem por obrigação [junto] à Fifa não ganhar a Copa da África e vir a ganhar e próxima em casa”12 (INTERNAUTA C).

Durante esse período, a preparação da seleção brasileira também figurou nos tópicos de destaque no Blog do Juca. Apesar de confiar na competência do treinador, o blogueiro fez eco àqueles que anteviam a saída de Dunga do comando do time após o término da Copa da África. Em face de uma trajetória repleta polêmicas, Juca assevera que “[...] Ricardo Teixeira não suportaria as pressões com uma copa do mundo pela frente para organizar no Brasil”.13Claramente, o atrito de Dunga com jornalistas da Rede Globo de televisão na entrevista coletiva em 20 de junho deu ainda mais força a essa hipótese. Diante do ocorrido, Juca aproveita para insinuar a existência de uma antiga aliança entre a emissora e as instâncias superiores ao treinador:

E se o presidente da CBF o teme, palmas para ele. Parabenizo-o, ainda, por, quem sabe, fazer do jornalismo esportivo global algo mais crítico, menos CBF, menos [entretenimento] e mais jornalismo mesmo, porque, certamente, jornalismo não torce. Nem distorce, é claro.14

Em julho, mês da eliminação do Brasil na Copa do Mundo de 2010, viu-se que as alusões à Copa de 2014 por parte dos internautas aumentaram significativamente - e isso sem que ao menos as postagens desse período estabelecessem algum tipo de indicação ao evento. Em vista da decepção sofrida na África do Sul, a solução para muitos usuários foi canalizar suas expectativas para as então “promessas” do futebol brasileiro, isto é, com os jogadores recém- revelados pelos principais clubes brasileiros: “A copa 2010 [acabou] e junto a carreira do Dunga e Felipe Melo. Agora vamos pensar em 2014. Com Hernanes, Ganso, Neymar…”15 (INTERNAUTA D).

Em 2 de julho, Juca publica uma caricatura em que Ricardo Teixeira é retratado como Don Corleone, personagem principal da trilogia O poderoso chefão. A associação com o referido mafioso parece querer insinuar os supostos atos fraudulentos que serão cometidos pelo então presidente da CBF, sob a égide da Copa de 2014 e de suas respectivas demandas. Essa postagem recebeu “somente” 46 comentários, soma que, em termos de média de participação, aponta para o reduzido nível de envolvimento dos internautas com o assunto. Essa ocorrência parece não se tratar de um caso isolado: de maneira geral, a maior parcela das notas, informações, reportagens e entrevistas que forneceram um ponto de vista crítico e problematizador acerca do evento obteve baixíssima adesão dos internautas, isto é, ao menos quando comparadas com as postagens que envolveram assuntos de presença mais frequente no blog, tais como os resultados dos últimos jogos de futebol e das demais competições em andamento.

Entre as prováveis razões para esse contraste, presumimos que esteja a famigerada descrença nutrida por grande parcela da população brasileira em relação à (cultura) política do país. Ao se mostrar presente no imaginário dos internautas, esse tipo de premissa concorreu fortemente para a (pré-)conformação geral com os casos de corrupção conjecturados para a Copa do Mundo de 2014. Nesse sentido, foram verificadas inúmeras manifestações de descrédito no que diz respeito à envergadura ética do país para promover um evento desse naipe, fato que evidenciou também a resignação diante do cenário que se descortina: “[...] como eu gostaria que essa Copa-2014 fosse em um lugar que tivesse o mínimo de condições. Ou seja, longe do Brasil. Infelizmente teremos de carregar essa vergonha pelo iminente fiasco dessa copa para o resto da vida”16 (INTERNAUTA E).

Considerações finais

À luz das informações expostas, é permitido afirmar que o ciberespaço se constitui como campo privilegiado para o estudo dos processos e das práticas atinentes ao agendamento esportivo. A esse respeito, observou-se que tal fenômeno perpassa diferentes temas e assuntos, entre os quais figuram como principais motes: política, infraestrutura e a seleção brasileira. Embora abordados de modo relativamente linear, esses (e tantos outros) elementos estão dispostos numa trama complexa que, por sua vez, revela-se contrária às tentativas de circunscrição.

No que se refere às mídias digitais e suas respectivas potencialidades expressivas, foram identificados alguns paradoxos que as interpelam numa de suas principais distinções em relação aos meios de comunicação de massa: a (suposta) dissolução das assimetrias de poder e da unilateralidade no fluxo informacional. No caso das interações concernentes ao Blog do Juca, viu-se que, mesmo aberta à manifestação do público em relação a qualquer tipo de conteúdo (imagem, notícia ou artigo), a convivência entre o blogueiro e seu público em raros momentos resultou em diálogo - isto é, uma troca (simétrica) de ideias. Foram escassos os comentários enviados pelos internautas que obtiveram alguma resposta de Juca.

Essa situação se mostra ainda mais problemática quando são trazidos à baila os conteúdos que redundam em agendamento da Copa 2014. De modo geral, a participação dos usuários nas discussões provocadas por Juca revelou a hipervalorização de temas concernentes à seleção brasileira e seu (suposto) compromisso de se sagrar campeã em “casa”, em detrimento das demais questões que perpassam a organização e realização do evento, tais como os legados (sociais, políticos e econômicos) que deixará ao país. Sobre esse aspecto, em particular, notou-se que a atenção destinada pelo público às informações de natureza problematizadora que envolviam ou não a Copa 2014 não se compara àquela dedicada às matérias mais “banais”.

Por fim, há que se reconhecer que o presente estudo não foi capaz de revelar todas as facetas inerentes à problemática do agendamento midiático-esportivo da Copa 2014. Por se tratar de um acontecimento diretamente articulado a outro pilar dos megaeventos esportivos, os Jogos Olímpicos de 2016, que também terão o Brasil como sede, presume-se que o agendamento midiático tende a se intensificar até lá. Logo, é fundamental que as investigações voltadas para o tema sustentem-se em princípios como: a continuidade - focada no encadeamento e nas inserções espaço-temporais da informação; e o olhar sistêmico - cuja tônica reside na observação (isolada e ao mesmo tempo transversal) dos papéis cumpridos pelos diferentes meios de comunicação na inserção dos megaeventos por vir junto com as demais problemáticas da pauta social.

Referências

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  • Wolf M. Teorias da comunicação. Lisboa: Presença; 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2011
  • Aceito
    22 Jul 2015
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