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Resultados da Intervenção Coronária Percutânea Primária de Acordo com o Tempo Total de Isquemia

Resumo

Introdução:

O tratamento do infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de ST tem a intervenção coronária percutânea primária como método preferencial de reperfusão. Este estudo teve como objetivo avaliar a evolução hospitalar de pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de ST, conforme o tempo total de isquemia, até a realização de intervenção coronária percutânea primária.

Métodos:

Registro unicêntrico, de pacientes admitidos com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de ST submetidos à intervenção coronária percutânea primária entre março de 2012 e fevereiro de 2014, acompanhados da admissão até a alta hospitalar e comparados conforme o tempo total de isquemia (Grupo 1: tempo dor-balão < 6 horas; Grupo 2: tempo dor-balão ≥ 6 e < 12 horas).

Resultados:

Foram submetidos à intervenção coronária percutânea primária 279 pacientes, sendo 118 do Grupo 1 (42,3%) e 161 do Grupo 2 (57,7%). O Grupo 2 apresentou idade mais avançada, maior prevalência de hipertensão arterial, menor proporção de tabagistas, maior número de pacientes em classe Killip-Kimball ≥ 2 e menor taxa de sucesso da intervenção coronária percutânea primária. As incidências de óbito ou infarto não fatal (11,0% vs. 18,6%; p = 0,08), óbito (8,5% vs. 16,8%; p = 0,04) e insuficiência renal aguda (7,6% vs. 19,9%; p < 0,01) foram maiores no Grupo 2.

Conclusões:

Pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de ST submetidos à intervenção coronária percutânea primária com tempo dor-balão ≥ 6 horas apresentaram maior complexidade clínica e pior evolução hospitalar em relação àqueles tratados mais precocemente. Ações conjuntas em diversos pontos críticos da assistência ao paciente são fundamentais para aumentar a eficácia do tratamento e reduzir os desfechos adversos.

Infarto do miocárdio; Intervenção coronária percutânea; Reperfusão miocárdica; Mortalidade


O infarto agudo do miocárdio (IAM) tem elevada incidência e representa uma das principais causas de morte atualmente no Brasil, além de gerar grande dispêndio de recursos financeiros e tecnológicos às políticas de saúde do país. O número crescente de casos de IAM, particularmente nos países em desenvolvimento, consiste em uma das questões de saúde pública mais relevantes da atualidade.1Whelton PK, Brancati FL, Appel LJ, Klag MJ. The challenge of hypertension and atherosclerotic cardiovascular disease in economically developing countries. High Blood Press. 1995;4:36-45.

Há grande robustez, baseada em evidências científicas, acerca do benefício clínico da realização da intervenção coronária percutânea primária (ICPp) no IAM com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCST).2Grines, C, Patel A, Zijlstra F, Weaver WD, Granger C, Simes RJ, et al. Primary coronary angioplasty compared with intravenous thrombolytic therapy for acute myocardial infarction: six-month follow up and analysis of individual patient data from randomized trials. Am Heart J. 2003;145(1):47-57.

Keeley EC, Boura JA, Grines CL. Primary angioplasty versus intravenous thrombolytic therapy for acute myocardial infarction: a quantitative review of 23 randomised trials. Lancet. 2003;361(9351):13-20.

Andersen HR, Nielsen TT, Rasmussen K, Thuesen L, Kelbaek H, Thayssen P, et al. A comparison of coronary angioplasty with fibrinolytic therapy in acute myocardial infarction. N Engl J Med. 2003;349(8):733-42.
-5Carneiro JKR, Demolinari Júnior LH, Chaves ALA, Coutinho MMV, Oliveira MDR, Moura AAB, et al. Fibrinólise imediata ou transferência para angioplastia primária no infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST? Quando e como transferir? Rev Bras Cardiol Invasiva; 2005; 13(1):32-6. Entretanto, barreiras de acesso podem influenciar diretamente no tratamento dos pacientes com IAM. Nesse contexto, a ICPp deve ser disponibilizada em centros com capacitação para Cardiologia Intervencionista, e a redução do tempo decorrido entre o início dos sintomas e a realização do procedimento está associada a maior taxa de patência da artéria culpada, menor área de infarto e menor mortalidade.6Widimsky P, Groch L, Zelizko M, Aschermann M, Bednar F, Suryapranata H. Multicentre randomized trial comparing transport to primary angioplasty vs immediate thrombolysis vs combined strategy for patients with acute myocardial infarction presenting to a community hospital without a catheterization laboratory. The PRAGUE study. Eur Heart J. 2000;21(10):823-31. Para que isso ocorra, faz-se necessária a atuação conjunta de diversos profissionais num sistema integrado e eficiente, que inclui o reconhecimento dos sintomas pela população, o diagnóstico da doença no serviço de chegada, a transferência do paciente para o serviço de referência e, finalmente, o acionamento da equipe de Cardiologia Intervencionista.

Nas recomendações da diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia, a indicação de ICPp até 90 minutos do primeiro contato médico para pacientes com IAMCST na fase aguda (com sintomas iniciados há menos de 12 horas) recebe recomendação classe I, nível de evidência A.7Piegas LS, Timerrman A, Feitosa G, Rossi Neto JM, Nicolau JC, Mattos LA. Sociedade Brasileira de Cardiologia. IV Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST. Arq Bras Cardiol. 2009;93(6 Supl.2):e179-e264. Apesar de se aceitar universalmente a realização da ICPp dentro das primeiras 12 horas do início do quadro de IAMCST, buscam-se constantemente a agilidade e a redução do retardo até a terapia de reperfusão coronária. Assim, este estudo teve como objetivo avaliar a evolução hospitalar de pacientes com IAMCST, de acordo com o tempo total de isquemia, até a realização da ICPp.

MÉTODOS

Desenho e população do estudo

Estudo observacional, do tipo registro unicêntrico, de pacientes admitidos com IAMCST submetidos a ICPp entre março de 2012 e fevereiro de 2014 no Hospital Evangélico de Vila Velha, localizado em Vila Velha (ES), acompanhados desde a admissão até a alta hospitalar ou o óbito. Foram incluídos nesta casuística pacientes consecutivos, com mais de 18 anos, submetidos à ICPp dentro das primeiras 12 horas do início do IAM, com supradesnivelamento persistente do segmento ST ou bloqueio de ramo esquerdo novo no eletrocardiograma, e atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Pacientes submetidos à ICPp com início do quadro de IAMCST há mais de 12 horas foram excluídos do estudo, bem como aqueles em que existiram dúvidas acerca do diagnóstico de IAMCST por parte das equipes de Cardiologia Clínica e Cardiologia Intervencionista.

Os pacientes incluídos no estudo foram divididos em dois grupos conforme o tempo total de isquemia, sendo o Grupo 1 com tempo dor-balão < 6 horas e o Grupo 2 com tempo dor-balão ≥ 6 e < 12 horas.

Os dados obtidos a partir dos prontuários médicos foram armazenados prospectivamente no serviço em formato de registro. Todos os pacientes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da realização dos procedimentos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição antes de seu início, sob o número de protocolo 492.764.

Procedimentos

O Hospital Evangélico de Vila Velha é centro de referência para o atendimento de emergências cardiovasculares pelo SUS na Região Metropolitana de Vitória. O Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista dispõe de equipes médica e de enfermagem em escala presencial 24 horas por dia, 7 dias por semana, atuando em conjunto com a equipe de Cardiologia Clínica.

Em todos os pacientes, obedeceu-se o caráter emergencial da realização do procedimento de ICPp, sendo o paciente conduzido à sala de procedimentos invasivos o mais brevemente possível após comunicação da equipe do pronto-socorro. Os pacientes receberam dose de ataque de 200 a 300 mg de ácido acetilsalicílico, e 300 a 600 mg de clopidogrel, ou 180 mg de ticagrelor. O uso de morfina, nitrato sublingual/endovenoso ou betabloqueador ficou a critério do médico plantonista. Todos receberam heparinização plena com heparina não fracionada imediatamente antes da intervenção (60 a 100 U/kg).

A ICPp foi realizada conforme preconizado por diretriz,7Piegas LS, Timerrman A, Feitosa G, Rossi Neto JM, Nicolau JC, Mattos LA. Sociedade Brasileira de Cardiologia. IV Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST. Arq Bras Cardiol. 2009;93(6 Supl.2):e179-e264. sendo a via de acesso definida pelo intervencionista. Pré-dilatação, pós-dilatação e administração de inibidores de glicoproteína IIb/IIIa foram realizadas de acordo com o julgamento do operador.

Definições e desfechos

Além do tempo dor-balão, os tempos avaliados foram: tempo dor-porta (do início dos sintomas até a chegada ao primeiro serviço de saúde); tempo de transferência inter-hospitalar (tempo decorrido desde a chegada ao primeiro serviço de saúde até o serviço de referência, ou seja, o pronto-socorro do Hospital Evangélico de Vila Velha), para os casos que não foram inicialmente atendidos no serviço de referência; e tempo porta-balão (intervalo entre a chegada no pronto-socorro do serviço de referência até a realização de ICPp).

O tempo de internação hospitalar foi contabilizado em dias, a partir do dia de admissão hospitalar, considerando-se este o dia zero. Na análise do tempo de internação, foram considerados somente os pacientes que receberam alta para domicílio, excluindo-se os que foram a óbito durante o período de hospitalização.

Em relação à mortalidade, considerou-se óbito hospitalar os casos de morte por qualquer causa após o procedimento. IAM não fatal foi definido como elevação de CKMB acima de três vezes o valor basal ou de troponina acima de cinco vezes o valor basal, em associação com sintomas recorrentes de isquemia miocárdica e/ou alterações eletrocardiográficas com patíveis com isquemia.

O desfecho primário foi a ocorrência dos eventos cardíacos combinados, óbito por qualquer causa ou IAM não fatal (com ou sem novo procedimento de revascularização miocárdica) no período hospitalar. Os desfechos secundários foram as ocorrências isoladas de óbito e IAM não fatal, além de insuficiência renal aguda (caracterizada por aumento da creatinina sérica > 50% do valor basal ou necessidade de terapia dialítica) e sangramentos maiores pelos critérios Global Utilization of Streptokinase and Tissue Plasminogen Activator for Occluded Coronary Arteries (GUSTO).8The effects of tissue plasminogen activator, streptokinase, or both on coronary-artery patency, ventricular function, and survival after acute myocardial infarction. The GUSTO Angiographic Investigators. N Engl J Med. 1993;329(22):1615-22.

Análise estatística

Na análise descritiva dos dados, as variáveis categóricas foram expressas como frequências absolutas e porcentuais, e as variáveis contínuas, como média e desvio padrão. A análise estatística foi realizada com uso do software Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 11.0, para Windows e compreendeu o teste qui-quadrado de Pearson ou o exato de Fisher, quando apropriado, para a comparação das variáveis qualitativas, e o teste t de Student, para as variáveis quantitativas, sendo considerados estatisticamente significativos valores de p < 0,05, com intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS

Entre março de 2012 e fevereiro de 2014, 279 pacientes com IAMCST foram admitidos e submetidos à ICPp, sendo 118 (42,3%) com tempo dor-balão < 6 horas, alocados no Grupo 1, e 161 com tempo dor-balão ≥ 6 horas e < 12 horas, alocados no Grupo 2.

Os pacientes do Grupo 2 eram mais idosos, e apresentaram maior prevalência de hipertensão arterial e menor taxa de tabagismo atual. Foi observada, nesse grupo, maior gravidade da apresentação clínica do IAMCST à admissão hospitalar, pela classificação de Killip-Kimball, com 24,8% em classe ≥ 2 e 11,0% no Grupo 1 (p < 0,01). As características clínicas basais estão expressas na tabela 1.

TABELA 1
Características clínicas basais

O tempo médio de evolução do IAMCST até a realização da ICPp foi de 3,7 ± 1,4 horas no Grupo 1 e de 11,4 ± 2,0 horas no Grupo 2. Necessitaram de transferência inter-hospitalar para a realização de ICPp 83,0% dos pacientes do Grupo 1 e 84,4% do Grupo 2 (p = 0,75). A análise dos tempos parciais de retardo até a ICPp evidenciou, respectivamente, nos Grupos 1 e 2, tempo dor-porta de 1,2 ± 0,9 hora vs. 3,5 ± 2,1 horas (p < 0,01), tempo de transferência inter-hospitalar de 2,5 ± 1,0 horas vs. 6,0 ± 2,3 horas (p < 0,01) e tempo porta-balão de 62 ± 39 minutos vs. 140 ± 84 minutos (p < 0,01).

No total, a via de acesso utilizada para a ICPp foi a via femoral em 93,5% dos procedimentos, enquanto a via radial foi utilizada nas demais. Foram implantados 351 stents coronários, todos não farmacológicos, com média de 1,3 ± 0,5 stent por paciente. Administrou-se um agente inibidor de glicoproteína IIb/IIIa em 33,0% dos pacientes do Grupo 1 e em 32,9% dos pacientes do Grupo 2 (p = 0,90). Ocorreu distúrbio de fluxo (slow-flow ou no-reflow) após a recanalização do vaso culpado em 21,1% pacientes do Grupo 1 e 26,0% do Grupo 2 (p = 0,34). Após a ICPp, realizou-se procedimento de ICP estagiada em, respectivamente, 34,7 e 27,9% dos pacientes (p = 0,22). A tabela 2 apresenta as características angiográficas e os vasos tratados nos dois grupos.

TABELA 2
Características angiográficas

A taxa de sucesso do procedimento de ICPp foi de 94,1% no Grupo 1 e de 85,1% no Grupo 2 (p = 0,01). Dentre os pacientes que receberam alta hospitalar pela equipe médica, o tempo de internação foi de 7,9 ± 5,2 dias no Grupo 1 e de 9,2 ± 6,1 dias no Grupo 2 (p = 0,06). Os desfechos adversos e as complicações observadas no período hospitalização estão descritos na tabela 3.

TABELA 3
Incidência de eventos cardíacos adversos e complicações hospitalares

DISCUSSÃO

O retardo para implementação de terapia de reperfusão coronária no IAMCST é tema de ampla discussão para a adoção de políticas de saúde, e mostra-se um importante preditor prognóstico adverso.9Krumholz H. A campaign to improve the timeliness of primary percutaneous coronary intervention door-to-balloon: an alliance for quality. JACC Cardiovasc Interv 2008;1(1):97-104.

10 Soares JS, Souza NRM, Nogueira Filho J, Cunha CC, Ribeiro GS, Peixoto RS, et al. Tratamento de uma coorte de pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST. Arq Bras Cardiol. 2009;92(6):464-71.
-1111 Bastos AS, Beccaria LM, Contrin LM, Cesarino CB. Tempo de chegada do paciente com infarto agudo do miocárdio em unidade de emergência. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(3):411-8. Neste estudo, o aumento do tempo decorrido desde o início dos sintomas até a realização da ICPp esteve diretamente relacionado à ocorrência de eventos adversos graves durante a internação hospitalar, incluindo a mortalidade.

Há grande dificuldade em se determinar a relação causal entre o aumento do tempo de evolução do IAMCST e a complexidade clínica. Identificamos uma média de idade mais elevada e maior prevalência de hipertensão arterial no Grupo 2, porém houve menor proporção de indivíduos tabagistas nesse grupo. Outras variáveis clínicas, como sexo, diabetes mellitus e dislipidemia, não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos. Pacientes idosos e com mais comorbidades podem apresentar quadros atípicos, como manifestação inicial do IAM, o que pode justificar atrasos em diversos pontos da rede de assistência ao IAM, culminando em aumento significativo do tempo dor-balão.

A gravidade do quadro clínico à admissão hospitalar no IAMCST foi maior nos pacientes do Grupo 2, com maior proporção de indivíduos em classes II, III e IV de Killip-Kimball, em comparação com o Grupo 1. Uma vez mais não foi possível determinar com clareza se a causa da deterioração clínica foi o atraso até a chegada ao pronto-socorro do serviço de referência, ou se o caminho contrário deve ser considerado - a gravidade do caso é a causa do maior retardo, eventualmente com necessidade de estabilização clínica inicial, de intubação orotraqueal e de unidades móveis adequadamente equipadas para realizar transferência inter-hospitalar, cuidados estes que podem levar a atrasos até a ICPp.

A análise dos tempos de retardo nas etapas de atendimento ao IAMCST é fundamental para se identificarem carências do sistema de saúde. Observou-se que houve grande atraso em diversos momentos, desde o reconhecimento do quadro e transporte do paciente para algum serviço de saúde, até a transferência e realização da ICPp no serviço de referência. Um dado particularmente preocupante foi o tempo médio de transferência inter-hospitalar > 2 horas, inclusive no Grupo 1. Em publicação prévia, dados brasileiros constataram que a busca inicial de Unidades Básicas de Saúde pela população aumenta substancialmente o tempo de evolução do IAMCST até a terapia de reperfusão coronária.1111 Bastos AS, Beccaria LM, Contrin LM, Cesarino CB. Tempo de chegada do paciente com infarto agudo do miocárdio em unidade de emergência. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(3):411-8. Em nosso estudo, o atraso dentro do serviço de referência (tempo porta-balão) foi abreviado sempre que possível, chegando a um tempo porta-balão médio de toda a casuística de 104 ± 95 minutos (62 ± 39 minutos no Grupo 1 e 140 ± 84 minutos no Grupo 2). A atuação da equipe de Cardiologia Intervencionista em regime presencial desempenhou importante papel na otimização dessa etapa da assistência ao IAM.

O menor tempo total de isquemia (dor-balão), objeto de estudo desta pesquisa, associou-se a menor incidência de desfechos clínicos no tratamento do IAMCST com ICPp, como demonstrado previamente.1212 Gersh BJ, Anderson JL. Thrombolysis and myocardial salvage: results of clinical trials and the animal paradigma: paradoxic or predictable? Circulation. 1993;88(1):296-306. Em subanálise eletrocardiográfica do estudo PLATO (PLATelet Inhibition and Patient Outcomes), 70% dos pacientes randomizados no intervalo de 3 a 6 horas do início dos sintomas exibiram resolução do segmento ST, comparados a 51% daqueles randomizados após 6 horas.1313 Armstrong PW, Siha H, Fu Y, Westerhout CM, Steg PG, James SK, et al. ST-elevation acute coronary syndromes in the Platelet Inhibition and Patient Outcomes (PLATO) trial: insights from the ECG substudy. Circulation. 2012;125(3):514-21. Resultado similar foi encontrado por Andrade et al.,1414 Andrade PB, Rinaldi FS, Bergonso MH, Tebet MA, Nogueira EF, Esteves VC, et al. Resolução do segmento ST após intervenção coronária percutânea primária: características, preditores de insucesso e impacto na mortalidade. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2013;21(3):227-33. que demonstraram a associação de maior tempo de isquemia com a resolução incompleta do supradesnivelamento de ST.

Os benefícios de sobrevida e de outros desfechos relevantes, associados a um menor tempo dor-balão, podem ser observados inclusive na evolução de longo prazo.1515 Shiomi H, Nakagawa Y, Morimoto T, Furukawa Y, Nakano A, Shirai S, et al. Association of onset to balloon and door to balloon time with long term clinical outcome in patients with ST elevation acute myocardial infarction having primary percutaneous coronary intervention: observational study. BMJ. 2012;344:e3257.

16 Brodie B, Hansen C, Stuckey T, Richter S, Versteeg D, Gupta N, et al. Door-to-balloon time with primary percutaneous coronary intervention for acute myocardial infarction impacts late cardiac mortality in high-risk patients and patients presenting early after the onset of symptoms. J Am Coll Cardiol. 2006;47(2):289-95.
-1717 Brodie BR, Gersh BJ, Stuckey T, Witzenbichler B, Guagliumi G, Peruga JZ, et al. When is door-to-balloon time critical? Analysis from the HORIZONS-AMI (Harmonizing Outcomes with Revascularization and Stents in Acute Myocardial Infarction) and CADILLAC (Controlled Abciximab and Device Investigation to Lower Late Angioplasty Complications) trials. J Am Coll Cardiol. 2010;56(5):407-13. Porém, a aferição desse intervalo de tempo, diferentemente do tempo porta-balão, está sujeita a vieses, como a incerteza do horário de início dos sintomas por parte dos pacientes e as variações no curso temporal de desenvolvimento da necrose miocárdica. Ainda assim, ele deve ser valorizado, pois reflete o resultados de ações conjuntas em diversos pontos críticos da assistência ao IAM, incluindo o reconhecimento de sintomas, a acessibilidade e o atendimento pré-hospitalar.1515 Shiomi H, Nakagawa Y, Morimoto T, Furukawa Y, Nakano A, Shirai S, et al. Association of onset to balloon and door to balloon time with long term clinical outcome in patients with ST elevation acute myocardial infarction having primary percutaneous coronary intervention: observational study. BMJ. 2012;344:e3257.

Dessa forma, devem-se buscar metas agressivas nas políticas de assistência ao IAMCST, a fim de se promover agilidade no atendimento. Porém, no Brasil, a prescrição das terapias de reperfusão coronária, no cenário do IAM, está longe do ideal, com lacunas e perdas de oportunidades de tratamento, fundamentadas nos ditames das diretrizes vigentes.1818 Mattos LAP, Berwanger O, Santos ES, Reis HJL, Romano ER, Petriz JLF, et al. Desfechos Clínicos aos 30 dias do Registro Brasileiro das Síndromes Coronárias Agudas (ACCEPT). Arq Bras Cardiol. 2013;100(1):6-13. Em 2013, Correia et al.1919 Correia LCL, Brito M, Kalil F, Sabino M, Garcia G, Ferreira F, et al. Efetividade de um protocolo assistencial para redução do tempo porta-balão da angioplastia primária. Arq Bras Cardiol. 2013;101(1):26-34. descreveram a efetividade de um protocolo de qualidade assistencial para a redução do tempo porta-balão no IAMCST. Comparando-se o período pré-implementação do protocolo com sucessivos períodos ao longo de 22 meses, houve progressiva redução do tempo descrito, com os últimos pacientes incluídos atingindo um tempo de 116 ± 29 minutos - comparável aos tempos obtidos em nosso estudo. Notadamente, a mensuração sistemática do tempo porta-balão pode revelar a inadequação do processo e que a adoção de um protocolo baseado em evidências pode melhorar o desempenho dos serviços médicos no IAM.

Resultados de um estudo brasileiro trouxeram à luz do conhecimento importantes dados acerca dos desfechos clínicos do IAM no Brasil nos dias atuais. O registro ACCEPT (Acute Coronary Care Evaluation of Practice Registry) reuniu 47 centros investigadores considerados de excelência e incluiu 2.475 pacientes com síndrome coronariana aguda, entre agosto de 2010 e dezembro de 2011. A ICP foi realizada em 75,2% dos casos de IAMCST, e o tempo médio de retardo até a ICPp foi de 125 ± 90 minutos. A mortalidade cardíaca no IAMCST, dividindo-se aqueles submetidos ou não à revascularização miocárdica, foi de 2,0% vs. 8,1% (p < 0,001).1818 Mattos LAP, Berwanger O, Santos ES, Reis HJL, Romano ER, Petriz JLF, et al. Desfechos Clínicos aos 30 dias do Registro Brasileiro das Síndromes Coronárias Agudas (ACCEPT). Arq Bras Cardiol. 2013;100(1):6-13.

Sistemas públicos eficientes para o tratamento do IAM devem ser adaptados para a realidade de cada região do mundo e são desejáveis na medida em que sua implantação encurte os tempos de atraso para o acesso ao tratamento. Ao se removerem barreiras para a acessibilidade precoce, a eficácia do tratamento aumenta, e os desfechos adversos são reduzidos. Com isso, é possível reduzir a mortalidade por IAM, reduzir sequelas cardiológicas em longo prazo, melhorar a qualidade de vida da população - que está diretamente relacionada à qualidade de atendimento em saúde e suas medidas preventivas - e redirecionar recursos econômicos das políticas de saúde pública para atender a outras necessidades, como a prevenção primária.

Apesar de apresentar resultados importantes e condizentes com estudos previamente publicados, este estudo apresenta limitações. Em particular, ressaltam-se seu caráter observacional e o reduzido tamanho da amostra, além de se tratar de uma casuística de uma região específica, o que restringe a interpretação dos dados. Uma vez que foi realizada somente análise univariada para fins de comparação, não é possível estabelecer uma relação causal clara e independente entre maior tempo dor-balão e desfechos intra-hospitalares, podendo haver interferência de variáveis não mensuradas. Ainda, assumiu-se a possibilidade de eventuais vieses de informação em relação aos tempos, que seriam naturais, devido a imprecisões sobre o horário de início dos sintomas por parte de pacientes e familiares.

CONCLUSÕES

Pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST submetidos à intervenção coronária percutânea primária com um tempo total de isquemia ≥ 6 horas apresentaram perfil clínico mais complexo e pior evolução hospitalar em relação aos tratados mais precocemente. Ações conjuntas em diversos pontos críticos da assistência, incluindo o reconhecimento dos sintomas pelo paciente, a agilidade do atendimento pré-hospitalar e hospitalar, são fundamentais para aumentar a eficácia do tratamento e reduzir os desfechos adversos.

REFERÊNCIAS

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  • FONTE DE FINANCIAMENTO
    Não há.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    04 Fev 2014
  • Aceito
    06 Ago 2014
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