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Angioplastia primária no infarto agudo do miocárdio: existe diferença de resultados entre as angioplastias realizadas dentro e fora do horário de rotina?

Primary percutaneous coronary intervention in acute myocardial infarction: is there a difference in the outcomes of normal and off-hours procedures?

Resumos

INTRODUÇÃO: Estudos demonstram que as angioplastias primárias realizadas fora do horário de rotina estão relacionadas a pior prognóstico. É objetivo deste estudo avaliar os desfechos das angioplastias primárias realizadas dentro e fora do horário de rotina do serviço de hemodinâmica. MÉTODOS: Estudo de coorte prospectivo, incluindo 112 pacientes consecutivamente atendidos por infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAM) entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010. Características clínicas e angiográficas e evolução hospitalar foram registradas em banco de dados específico. Houve dois grupos para comparação: grupo A, IAM tratado entre as 20 horas e as 8 horas e B, IAM tratado entre as 8 horas e as 20 horas. RESULTADOS: A amostra incluiu 44 pacientes no grupo A e 68 no grupo B. As características basais foram semelhantes em ambos os grupos. O tempo porta-balão foi significativamente maior no grupo A (133 minutos vs. 90 minutos; P < 0,001). No entanto, não houve diferença significante entre os grupos A e B em relação a mortalidade (13,7% vs. 5,9%; P = 0,28), reinfarto (6,8% vs. 4,4%; P = 0,90), evolução para choque cardiogênico (11,4% vs. 4,4%; P = 0,30), trombose de stent (6,8% vs. 1,5%; P = 0,33) ou presença de sangramento maior (2,3% vs. 1,5%; P > 0,99). O único preditor do desfecho hospitalar combinado foi a frequência cardíaca à admissão (razão de chance 1,02; P < 0,001). CONCLUSÕES: Pacientes com IAM apresentam taxas de desfechos clínicos semelhantes, independentemente do horário de realização da angioplastia, porém o tempo porta-balão é significativamente maior nos pacientes tratados entre as 20 horas e as 8 horas.

Infarto do miocárdio; Angioplastia; Reperfusão miocárdica


BACKGROUND: Previous studies have reported that off-hours primary percutaneous coronary intervention is related to worse prognosis. The objective of this study is to evaluate the outcomes of normal and off-hours primary percutaneous coronary interventions. METHODS: A prospective observational study including 112 consecutive patients with ST elevation myocardial infarction (MI) was conducted from December 2009 to January 2010. Clinical and angiographic characteristics and in-hospital follow up were registered in a specific database. There were two groups for comparison: group A, MI treated between 8 pm and 8 am and group B, MI treated between 8 am and 8 pm. RESULTS: The sample included 44 patients in group A and 68 in group B. Baseline characteristics were similar in both groups. Door-to-balloon time was significantly longer in group A (133 minutes vs. 90 minutes; P < 0.001). However, there was no significant difference between groups A and B regarding mortality (13.7% vs. 5.9%; P = 0.28), reinfarction (6.8% vs. 4.4%; P = 0.90), progression to cardiogenic shock (11.4% vs. 4.4%; P = 0.30), stent thrombosis (6.8% vs. 1.5%; P = 0.33), or major bleeding (2.3% vs. 1.5%; P > 0.99). The only predictor of combined in-hospital outcome was heart rate at admission (odds ratio 1.02; P < 0.001). CONCLUSIONS: Patients with MI have similar in-hospital clinical outcomes during normal and off-hours primary percutaneous coronary intervention. However, door-to-balloon time is significantly longer during off-hours procedures.

Myocardial infarction; Angioplasty; Myocardial reperfusion


ARTIGO ORIGINAL

Angioplastia primária no infarto agudo do miocárdio: existe diferença de resultados entre as angioplastias realizadas dentro e fora do horário de rotina?

Primary percutaneous coronary intervention in acute myocardial infarction: is there a difference in the outcomes of normal and off-hours procedures?

Cristiano de Oliveira Cardoso; Alexandre Schaan de Quadros; Ismael Voltolini; Alexandre Damiani Azmus; Carlos Roberto Cardoso; Juliana Sebben; Dulce Welter; Anibal Pereira Abelin; Marciane Rover; Felipe Baldissera; Márcio Bosco; Délcio Rodrigues; Oscar Pereira Dutra; Mário Peñalosa; Rogério Sarmento-Leite; Carlos A. M. Gottschall

Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul - Fundação Universitária de Cardiologia (IC-FUC) - Porto Alegre, RS, Brasil

Correspondência Correspondência: Cristiano de Oliveira Cardoso Av. Princesa Isabel, 395 - Santana Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 90620-000 E-mail: cro_cardoso@yahoo.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Estudos demonstram que as angioplastias primárias realizadas fora do horário de rotina estão relacionadas a pior prognóstico. É objetivo deste estudo avaliar os desfechos das angioplastias primárias realizadas dentro e fora do horário de rotina do serviço de hemodinâmica.

MÉTODOS: Estudo de coorte prospectivo, incluindo 112 pacientes consecutivamente atendidos por infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAM) entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010. Características clínicas e angiográficas e evolução hospitalar foram registradas em banco de dados específico. Houve dois grupos para comparação: grupo A, IAM tratado entre as 20 horas e as 8 horas e B, IAM tratado entre as 8 horas e as 20 horas.

RESULTADOS: A amostra incluiu 44 pacientes no grupo A e 68 no grupo B. As características basais foram semelhantes em ambos os grupos. O tempo porta-balão foi significativamente maior no grupo A (133 minutos vs. 90 minutos; P < 0,001). No entanto, não houve diferença significante entre os grupos A e B em relação a mortalidade (13,7% vs. 5,9%; P = 0,28), reinfarto (6,8% vs. 4,4%; P = 0,90), evolução para choque cardiogênico (11,4% vs. 4,4%; P = 0,30), trombose de stent (6,8% vs. 1,5%; P = 0,33) ou presença de sangramento maior (2,3% vs. 1,5%; P > 0,99). O único preditor do desfecho hospitalar combinado foi a frequência cardíaca à admissão (razão de chance 1,02; P < 0,001).

CONCLUSÕES: Pacientes com IAM apresentam taxas de desfechos clínicos semelhantes, independentemente do horário de realização da angioplastia, porém o tempo porta-balão é significativamente maior nos pacientes tratados entre as 20 horas e as 8 horas.

Descritores: infarto do miocárdio. angioplastia. reperfusão miocárdica.

ABSTRACT

BACKGROUND: Previous studies have reported that off-hours primary percutaneous coronary intervention is related to worse prognosis. The objective of this study is to evaluate the outcomes of normal and off-hours primary percutaneous coronary interventions.

METHODS: A prospective observational study including 112 consecutive patients with ST elevation myocardial infarction (MI) was conducted from December 2009 to January 2010. Clinical and angiographic characteristics and in-hospital follow up were registered in a specific database. There were two groups for comparison: group A, MI treated between 8 pm and 8 am and group B, MI treated between 8 am and 8 pm.

RESULTS: The sample included 44 patients in group A and 68 in group B. Baseline characteristics were similar in both groups. Door-to-balloon time was significantly longer in group A (133 minutes vs. 90 minutes; P < 0.001). However, there was no significant difference between groups A and B regarding mortality (13.7% vs. 5.9%; P = 0.28), reinfarction (6.8% vs. 4.4%; P = 0.90), progression to cardiogenic shock (11.4% vs. 4.4%; P = 0.30), stent thrombosis (6.8% vs. 1.5%; P = 0.33), or major bleeding (2.3% vs. 1.5%; P > 0.99). The only predictor of combined in-hospital outcome was heart rate at admission (odds ratio 1.02; P < 0.001).

CONCLUSIONS: Patients with MI have similar in-hospital clinical outcomes during normal and off-hours primary percutaneous coronary intervention. However, door-to-balloon time is significantly longer during off-hours procedures.

Key-words: myocardial infarction. angioplasty. myocardial reperfusion.

A terapêutica de reperfusão para infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST, seja por intervenção coronária percutânea primária ou trombólise por via endovenosa, comprovadamente reduz a mortalidade cardiovascular.1-3 A intervenção coronária percutânea primária mostrou-se superior à terapia trombolítica, pois é capaz de restaurar o fluxo coronário em mais de 90% dos casos, reduzir a taxa de reinfarto, aumentar a sobrevida e apresentar menores taxas de acidente vascular encefálico.4-9 Diante desses benefícios, as diretrizes atuais recomendam que pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST e início de apresentação dos sintomas inferior a 12 horas têm indicação classe I de tratamento por intervenção coronária percutânea primária em centros especializados e com capacidade de realização desse procedimento dentro dos primeiros 90 minutos.7,10,11

A conduta para realização dos procedimentos durante o dia e a noite varia muito na maior parte dos hospitais. Habitualmente, a maioria dos centros não possui um plantão presencial noturno, o que poderia tornar o tempo porta-balão mais prolongado nesse período. Estudos sugerem que o tempo porta-balão e a mortalidade podem ser elevados no período noturno comparativamente ao horário diurno.12-14

Dados a respeito desse assunto, no entanto, têm sido pouco relatados na literatura nacional. Por conseguinte, o objetivo deste trabalho é avaliar os desfechos das intervenções coronárias percutâneas primárias em horário de rotina e de plantão em um centro cardiológico de referência.

MÉTODO

Delineamento

Estudo observacional com coleta de dados prospectiva.

Amostra

Pacientes com diagnóstico de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST e submetidos a intervenção coronária percutânea primária foram prospectivamente alocados para o estudo. Os critérios de inclusão foram definidos como diagnóstico clínico e eletrocardiográfico de infarto agudo do miocárdio com indicação de tratamento por intervenção coronária percutânea primária. Foram excluídos pacientes que apresentassem infarto agudo do miocárdio com mais de 12 horas de evolução (exceto aqueles em choque cardiogênico), menores de 18 anos ou recusa a participar do estudo. Os pacientes foram acompanhados no período hospitalar, sendo divididos em dois grupos para comparação: grupo A, infarto agudo do miocárdio entre as 20 horas e as 8 horas e grupo B, infarto agudo do miocárdio entre as 8 horas e as 20 horas. Todos os pacientes foram entrevistados na admissão hospitalar e acompanhados durante a internação por um dos investigadores do estudo. Todos os pacientes assinaram termo de consentimento e o protocolo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa local.

Características institucionais

O Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul - Fundação Universitária de Cardiologia (IC-FUC) possui um grande volume de pacientes em tratamento para cardiopatia isquêmica. Realiza cerca de 10 mil procedimentos percutâneos diagnósticos e terapêuticos por ano, sendo a frequência de intervenção coronária percutânea primária aproximadamente de uma a duas vezes por dia. O hospital disponibiliza o serviço de intervenção coronária percutânea primária durante 24 horas por dia nos sete dias da semana. O laboratório de hemodinâmica é localizado no andar térreo, no mesmo nível do setor de emergência, com cerca de 100 metros de distância entre os dois setores, o que dispensa a necessidade de uso de elevador. O serviço de hemodinâmica possui 14 operadores, todos com experiência em procedimentos de intervenção coronária percutânea primária, conforme as recomendações das diretrizes.7,10

Procedimento de angioplastia primária

Os pacientes, após diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, recebiam, na emergência, dose de ataque de 300 mg a 500 mg de ácido acetilsalicílico e 300 mg a 600 mg de clopidogrel. O uso de morfina, heparina endovenosa, nitrato sublingual/endovenoso ou betabloqueador ficava a critério do médico plantonista. Assim que possível, o enfermo era conduzido ao setor de hemodinâmica para a realização do procedimento.

Uma vez no laboratório, o paciente era submetido a cinecoronariografia e, após confirmação diagnóstica de infarto agudo do miocárdio, a heparinização plena em bolus na dose de 60 U/kg a 100 U/kg. O procedimento de intervenção coronária percutânea primária foi realizado de acordo com as normas atuais, sendo a via de acesso definida pelo médico hemodinamicista. Pré-dilatação, administração de inibidores de glicoproteína IIb/IIIa, tromboaspiração e implante de stent foram utilizados de acordo com o julgamento do operador. A instalação de balão intra-aórtico ficou restrita aos pacientes com choque cardiogênico.

Definições

Infarto agudo do miocárdio foi definido como: (1) presença de dor em repouso associada a supradesnivelamento do segmento ST de 1 mm ou em pelo menos duas derivações contíguas; e (2) presença de dor em pacientes com bloqueio de ramo esquerdo presumível novo. Seguindo a definição universal de infarto agudo15, o tipo de infarto agudo do miocárdio foi classificado em: tipo 1, infarto agudo do miocárdio espontâneo relacionado a evento coronário primário; tipo 2, infarto agudo do miocárdio secundário a isquemia por aumento da demanda ou redução da oferta de oxigênio; tipo 3, morte cardíaca; tipo 4a, infarto agudo do miocárdio relacionado a intervenção percutânea; tipo 4b, infarto agudo do miocárdio por trombose de stent documentada à angiografia; e tipo 5, infarto agudo do miocárdio relacionado a cirurgia de revascularização miocárdica.

Tempo porta-balão foi determinado como o tempo compreendido entre a admissão hospitalar na emergência e a primeira insuflação do balão de angioplastia ou liberação do stent (nos casos de stent direto). O tempo decorrido entre o início dos sintomas e a admissão hospitalar foi definido como delta T (Δt).

Trombose aguda de stent foi caracterizada como oclusão súbita do vaso tratado até 24 horas após o procedimento, confirmada por angiografia. Trombose subaguda foi definida como trombose do stent no período de 24 horas a 30 dias após o implante.

Sangramento menor foi definido na presença de hemorragia clinicamente evidente com queda de hemoglobina entre 3 g/dl e 5 g/dl ou hematócrito entre 9% e 15%. Sangramento maior foi definido quando da ocorrência de hemorragia clinicamente evidente com queda dos níveis de hemoglobina > 5 g/dl ou hematócrito > 15% ou desenvolvimento de acidente vascular encefálico hemorrágico.

Reinfarto foi definido como nova elevação enzimática após primeiro descenso da curva natural das enzimas marcadoras de necrose, acompanhada de nova alteração eletrocardiográfica com supradesnivelamento do segmento ST.

Desfechos intra-hospitalares

Os desfechos intra-hospitalares utilizados para comparação entre os grupos foram: mortalidade intra-hospitalar, reinfarto, acidente vascular encefálico, sangramento maior ou menor, trombose de stent ou insuficiência renal com necessidade de diálise.

Análise estatística

Os dados foram prospectivamente armazenados em um banco de dados específicos no programa ACCESS. Para análise, utilizou-se o programa estatístico SPSS versão 11.0 para Windows. As variáveis categóricas foram descritas como números absolutos e porcentuais e comparadas com o teste de qui-quadrado. As variáveis contínuas foram apresentadas como média e desvio padrão e comparadas com o teste t. O teste de Mann-Whitney foi utilizado em casos de variáveis com distribuição não normal. Regressão logística múltipla foi aplicada para identificar possíveis preditores de complicações intra-hospitalares. Foram utilizadas, nessa análise, variáveis com significância estatística na análise univariada ou sem significância estatística, mas com relevância clinica. O modelo de regressão utilizado foi o de Poisson. Foi considerada significância estatística valor de P bicaudal < 0,05.

RESULTADOS

Entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010, 115 pacientes foram tratados com intervenção coronária percutânea primária pelo diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, sendo 3 casos excluídos da análise por preenchimento incompleto do protocolo. No total, 112 pacientes compuseram a amostra, sendo 44 pacientes incluídos no grupo A (intervenção coronária percutânea primária das 20 horas às 8 horas) e 68 no grupo B (intervenção coronária percutânea primária das 8 horas às 20 horas).

Não existiu diferença estatística (P = 0,93) em relação ao tipo de infarto agudo do miocárdio conforme a classificação universal de infarto nos grupos A e B: tipo 1 (93,2% vs. 91,2%), tipo 2 (2,3% vs. 2,9%), tipo 4a (0 vs. 1,5%), tipo 4b (2,3% vs. 2,9%) e tipo 5 (2,3% e 1,5%). Casos de intervenção coronária percutânea de resgate ocorreram em 2,3% no grupo A e em 2,9% no grupo B (P = 0,92).

Na Tabela 1 são apresentados os resultados dos dois grupos. Observa-se que ambos os grupos apresentavam tanto características clínicas quanto achados eletrocardiográficos muito semelhantes. O grupo de pacientes submetidos a angioplastia primária no período noturno apresentou tempo menor entre o início dos sintomas e o atendimento na emergência (Δt de 4,8 ± 4,1 horas no grupo A vs. 5,7 ± 5,3 horas no grupo B; P = 0,31), mas tempo porta-balão significativamente maior que aqueles tratados durante o dia (133 ± 102 minutos no grupo A vs. 90 ± 120 minutos no grupo B; P < 0,001). Considerando que houve grande variabilidade no tempo porta-balão, a Figura 1 demonstra suas distribuições por percentil. Desse modo, observa-se que independentemente do turno o tempo-porta balão é menor ou igual a 90 minutos em 50% dos casos.


As características angiográficas e técnicas dos procedimentos são detalhadas na Tabela 2. Não existiu diferença estatisticamente significante entre os grupos de comparação no que tange a via de acesso, comprometimento vascular, vaso culpado e detalhes técnicos dos procedimentos. Tromboaspiração com cateter específico foi utilizada em 15,9% dos pacientes do grupo A e em 27,9% dos pacientes do grupo B (P = 0,3).

Com relação à terapia antiplaquetária, verificou-se que a dose de ataque de clopidogrel foi semelhante em ambos os grupos, variando entre 300 mg (40,9% vs. 41,2%; P = 0,8) e 600 mg (59,1% vs. 58,8%; P = 0,79). Inibidor de glicoproteína IIb/IIIa foi utilizado em 29,5% dos pacientes do grupo A e em 25% dos pacientes do grupo B (P = 0,6).

Uso de balão de contrapulsação aórtica foi semelhante em ambos os grupos (2,3% vs. 1,5%; P = 0,75); no entanto, maior porcentual de pacientes do grupo A evoluiu para choque cardiogênico (11,4% vs. 4,4%; P = 0,3). A necessidade de implante de marca-passo temporário foi significativamente maior no grupo A (9,1% vs. 1,5%; P = 0,005).

Quanto aos desfechos intra-hospitalares observados, não houve diferença estatisticamente significante entre os pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea primária nos períodos noturno e diurno em relação a mortalidade (13,7% vs. 5,9%; P = 0,28), reinfarto (6,8% vs. 4,4%; P = 0,9), sangramento maior (2,3% vs. 1,5%; P > 0,99) e trombose de stent (6,8% vs. 1,5%; P = 0,29). Necessidade de diálise (2,3% vs. 7,4%; P = 0,05) e taxa de sangramento menor (0 vs. 7,4%; P = 0,04) foram significativamente mais elevadas no grupo B. Acidente vascular encefálico não ocorreu em ambos os grupos.

Na Tabela 3 são demonstrados os preditores clínicos e angiográficos relacionados a desfechos intra-hospitalares combinados. O único preditor com significância estatística foi a frequência cardíaca > 100 bpm no momento da admissão hospitalar.

DISCUSSÃO

Neste estudo, demonstramos os resultados da angioplastia primária em um centro cardiológico de referência no Sul do Brasil, confirmando sua aplicabilidade e efetividade quando realizada durante as 24 horas do dia na prática clínica do mundo real. Como é sabido, a intervenção coronária percutânea primária tem indicação classe I em pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST, pois é possível restaurar o fluxo coronário em mais de 90% dos casos e diminuir os índices de mortalidade, reinfarto e acidente vascular encefálico.5-7 Por isso, torna-se importante uma estratégia de saúde que disponibilize o serviço nas 24 horas do dia, uma vez que cerca de 50% dos casos de infarto agudo ocorrem fora do horário regular de trabalho.16

Estudos prévios sugerem que as intervenções coronárias percutâneas primárias realizadas fora do horário de rotina estão associadas a aumento da mortalidade.12,13,17 Embora sem uma explicação precisa, acredita-se que a maior mortalidade decorra do maior tempo de chegada à emergência que os infartos atendidos durante o dia. Em nosso estudo, no entanto, os pacientes com infarto agudo do miocárdio tratados no horário noturno apresentaram-se na emergência cerca de uma hora mais cedo que os demais pacientes. Logo, o teórico retardo na apresentação do infarto não foi registrado em nossa casuística. Além disso, o perfil tanto clínico como hemodinâmico foi similar entre os dois grupos, o que impede que a maior mortalidade observada em nosso estudo, mesmo que sem diferença estatística, seja explicada unicamente pelo Δt.

O tempo entre o diagnóstico de infarto e o início da reperfusão exerce papel fundamental nos desfechos clínicos e hospitalares.18 Por isso, as diretrizes atuais são categóricas em recomendar que os tempos portabalão e porta-agulha sejam inferiores a 90 minutos e a 30 minutos, respectivamente.7,10,11 Em grande estudo envolvendo mais de 60 mil pacientes com infarto agudo do miocárdio19, verificou-se que a administração de terapia trombolítica por via venosa sofre pouca interferência em relação ao horário do infarto. No entanto, o tempo porta-balão foi significativamente maior nos pacientes tratados com intervenção coronária percutânea primária durante a noite. Nosso estudo demonstrou que o tempo porta-balão variou amplamente na amostra estudada, principalmente nas intervenções coronárias percutâneas realizadas fora do turno regular de trabalho. Uma possível explicação seria o menor contingente de pessoas trabalhando nos hospitais durante a noite. Como é sabido, os turnos de trabalho noturnos são em esquema de plantão e, portanto, com menor número de funcionários, o que pode acarretar retardo no tempo porta-balão e contribuir com maior impacto nos desfechos hospitalares.

Os antiagregantes plaquetários possuem papel importante no tratamento farmacológico das síndromes coronárias agudas. Ácido acetilsalicílico, clopidogrel e inibidores de glicoproteína IIb/IIIa são indicados como terapia adjunta na reperfusão miocárdica com níveis variados de recomendação.7,10,11 Nosso estudo demonstrou que a utilização de clopidogrel na dose de 600 mg chegou a quase 60% dos pacientes. No entanto, o uso de inibidor de glicoproteína IIb/IIIa é muito inferior se comparado aos registros prévios.16,17,20

Embora a taxa de desfechos hospitalares não tenha apresentado diferença estatística, fica claro que a prevalência de casos de trombose de stent, mortalidade, reinfarto e sangramento maior foi nitidamente mais elevada no grupo de angioplastia no horário do plantão. Em recente estudo observacional, foi demonstrado pelo National Cardiovascular Data Registry (NCDR)19 que a mortalidade cardiovascular foi reduzida nos últimos anos entre os pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST para cerca de 5%. Em nosso estudo a mortalidade diurna é compatível com esse registro, porém a mortalidade noturna é praticamente o dobro. A explicação para o fenômeno observado não é clara aos autores, pois o perfil clínico dos pacientes e as características técnicas dos procedimentos foram muito semelhantes. Certamente o retardo no tempo porta-balão deve ter desempenhado papel importante nos desfechos clínicos observados.21

Limitações do estudo

O presente estudo tem limitações que devem ser consideradas: análise em centro único e com amostra pequena de pacientes. Os desfechos restringem-se apenas à fase intra-hospitalar, o que limita qualquer conclusão com respeito à evolução tardia dos pacientes tratados no horário regular e no esquema de plantão. Nossos resultados poderão ser diferentes dos resultados de estudos que vierem a ser realizados com maior tamanho de amostra, uma vez que este estudo não possui poder adequado para avaliação de desfechos clínicos.

Perspectivas futuras

A terapêutica de reperfusão no infarto agudo do miocárdio exerce papel fundamental na redução de mortalidade e desfechos cardiovasculares.22 Conforme demonstrado neste estudo, o procedimento de angioplastia primária é factível nas 24 horas do dia e durante os sete dias da semana. É imperativo que as políticas de saúde incorporem os procedimentos de intervenção coronária percutânea primária nas estratégias de saúde pública.

Mesmo em centro de referência e com larga experiência em intervenção coronária percutânea primária, fica demonstrado que a taxa de desfechos pode ser diferente dependendo do turno de trabalho. Por isso, torna-se necessária análise institucional focada no fluxo de entrada e no encaminhamento dos pacientes, com o intuito de minimizar o tempo porta-balão e de dar toda a assistência aos pacientes infartados.23

CONCLUSÃO

Pacientes com infarto agudo do miocárdio apresentam taxas de desfechos clínicos semelhantes, independentemente do horário de realização da angioplastia primária. No entanto, o tempo porta-balão é significativamente maior nos pacientes tratados entre as 20 horas e as 8 horas.

AGRADECIMENTO

Agradecemos especialmente aos colegas hemodinamicistas Cláudio A. Ramos de Moraes, Cláudio Vasques de Moraes, Henrique Basso Gomes, Júlio Vinícius Teixeira, Flávio Celso Leboute, La Hore Corrêa Rodrigues, Luis Maria Yordi e Mauro Régis Moura, que, embora não tenham preenchido critérios de autoria, foram fundamentais na realização dos procedimentos de angioplastia primária.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declararam inexistência de conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 4/7/2010

Aceito em: 6/9/2010

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  • Correspondência:

    Cristiano de Oliveira Cardoso
    Av. Princesa Isabel, 395 - Santana
    Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 90620-000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      04 Jul 2010
    • Aceito
      06 Set 2010
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