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Impacto do tabagismo nos resultados da intervenção coronária percutânea

Impact of smoking on the outcomes of percutaneous coronary intervention

Resumos

INTRODUÇÃO: O tabagismo é um importante fator de risco aterotrombótico, presente em um terço dos pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP) em nosso serviço. O objetivo do presente trabalho foi analisar o perfil clínico-angiográfico e os resultados do procedimento nessa população. MÉTODO: No período de janeiro de 2002 a outubro de 2009, 5.466 ICPs foram realizadas, sendo 1.745 em pacientes tabagistas e 3.721 em não-tabagistas. Todos os dados foram obtidos prospectivamente e os pacientes foram acompanhados durante a fase hospitalar. RESULTADOS: No grupo de tabagistas, houve predomínio de sexo masculino (75,2% vs. 62,1%; P < 0,001), pacientes mais jovens (56,4 anos vs. 64,5 anos; P < 0,001), infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento de ST (37,5% vs. 19,5%; P < 0,001), uniarteriais (56,5% vs. 47%; P < 0,001), lesões longas (14,7% vs. 12%; P < 0,001), bifurcações (5,6% vs. 3,9%; P = 0,002), lesões trombóticas (15,4% vs. 9%; P < 0,001) e oclusões totais (18,2% vs. 11,2%; P < 0,001) e maior uso de inibidores IIb/IIIa (2,5% vs. 1,6%; P = 0,04). O sucesso clínico do procedimento (96,5% vs. 96,1%; P = 0,5) bem como a necessidade de revascularização cirúrgica de emergência (0,06% vs. 0,05%; P = 0,22), IAM (0,74% vs. 1,02%; P = 0,32) ou óbito (0,63% vs. 0,73%; P = 0,69) foram semelhantes em ambos os grupos. Os tabagistas, no entanto, demonstraram tendência a evoluir com maior número de acidentes vasculares cerebrais na fase hospitalar (0,11% vs. 0,05%; P = 0,07). CONCLUSÃO: Pacientes tabagistas submetidos a angioplastia coronária são oito anos mais jovens que os não-tabagistas, apresentam-se mais frequentemente com IAM com supradesnivelamento de ST e demonstram maior complexidade angiográfica. A utilização dos modernos recursos tecnológicos iguala os resultados clínicos hospitalares, à exceção do acidente vascular cerebral, que tende a ocorrer em dobro nos tabagistas.

Tabagismo; Angioplastia transluminal percutânea coronária; Stents


BACKGROUND: Smoking is an important atherothrombotic risk factor, observed in one third of patients undergoing per-cutaneous coronary intervention (PCI) at our service. The objective of the present study was to analyze the clinical angiographic profile and the results of the procedure in this population. METHOD: From January 2002 to October 2009, 5,466 PCI procedures were carried out, of which 1,745 in smokers and 3,721 in non-smokers. All data were prospectively obtained and patients were followed-up during hospitalization. RESULTS: In the group of smokers, there was prevalence of males (75.2% vs. 62.1%; P < 0.001), younger patients (56.4 years vs. 64.5 years; P < 0.001), acute myocardial infarction (AMI) with ST-segment elevation (37.5% vs. 19.5%; P < 0.001), single-vessel disease (56.5% vs. 47%; P < 0.001), long lesions (14.7% vs. 12%; P < 0.001), bifurcations (5.6% vs. 3.9%; P = 0.002), thrombotic lesions (15.4% vs. 9%; P < 0.001), total occlusions (18.2% vs. 11.2%; P < 0.001) and greater use of IIb/IIIa inhibitors (2.5% vs. 1.6%; P = 0.04). Clinical success (96.5% vs. 96.1%; P = 0.5) as well as the need of emergency surgical revascularization (0.06% vs. 0.05%; P = 0.22), AMI (0.74% vs. 1.02%; P = 0.32) or death (0.63% vs. 0.73%; P = 0.69) were similar in both groups. Smokers, however, showed a trend towards a greater number of strokes during hospitalization (0.11% vs. 0.05%; P = 0.07). CONCLUSION: Smokers undergoing coronary angioplasty are eight years younger than non-smokers, present AMI with ST-segment elevation more frequently and have greater angiographic complexity. The use of modern technological resources allowed comparable in-hospital results, with the exception of stroke, whose incidence tends to be twice as high in smokers.

Smoking; Angioplasty, transluminal, percutaneous coronary; Stents


ARTIGO ORIGINAL

Impacto do tabagismo nos resultados da intervenção coronária percutânea

Impact of smoking on the outcomes of percutaneous coronary intervention

Leonardo Cao Cambra de Almeida; Marcelo José de Carvalho Cantarelli; Hélio José Castello Jr.; Silvio Gioppato; Rosaly Gonçalves; João Batista de Freitas Guimarães; Evandro Karlo Pracchia Ribeiro; Patricia Teixeira da Silva; Nelson Ricardo Thomas Jr.; Júlio César Francisco Vardi

Hospital Bandeirantes - São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Leonardo Cao Cambra de Almeida Rua Galvão Bueno, 257 - Liberdade São Paulo, SP, Brasil - CEP 01506-000 E-mail: leonardo.cao@gmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: O tabagismo é um importante fator de risco aterotrombótico, presente em um terço dos pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP) em nosso serviço. O objetivo do presente trabalho foi analisar o perfil clínico-angiográfico e os resultados do procedimento nessa população.

MÉTODO: No período de janeiro de 2002 a outubro de 2009, 5.466 ICPs foram realizadas, sendo 1.745 em pacientes tabagistas e 3.721 em não-tabagistas. Todos os dados foram obtidos prospectivamente e os pacientes foram acompanhados durante a fase hospitalar.

RESULTADOS: No grupo de tabagistas, houve predomínio de sexo masculino (75,2% vs. 62,1%; P < 0,001), pacientes mais jovens (56,4 anos vs. 64,5 anos; P < 0,001), infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento de ST (37,5% vs. 19,5%; P < 0,001), uniarteriais (56,5% vs. 47%; P < 0,001), lesões longas (14,7% vs. 12%; P < 0,001), bifurcações (5,6% vs. 3,9%; P = 0,002), lesões trombóticas (15,4% vs. 9%; P < 0,001) e oclusões totais (18,2% vs. 11,2%; P < 0,001) e maior uso de inibidores IIb/IIIa (2,5% vs. 1,6%; P = 0,04). O sucesso clínico do procedimento (96,5% vs. 96,1%; P = 0,5) bem como a necessidade de revascularização cirúrgica de emergência (0,06% vs. 0,05%; P = 0,22), IAM (0,74% vs. 1,02%; P = 0,32) ou óbito (0,63% vs. 0,73%; P = 0,69) foram semelhantes em ambos os grupos. Os tabagistas, no entanto, demonstraram tendência a evoluir com maior número de acidentes vasculares cerebrais na fase hospitalar (0,11% vs. 0,05%; P = 0,07).

CONCLUSÃO: Pacientes tabagistas submetidos a angioplastia coronária são oito anos mais jovens que os não-tabagistas, apresentam-se mais frequentemente com IAM com supradesnivelamento de ST e demonstram maior complexidade angiográfica. A utilização dos modernos recursos tecnológicos iguala os resultados clínicos hospitalares, à exceção do acidente vascular cerebral, que tende a ocorrer em dobro nos tabagistas.

Descritores: Tabagismo. Angioplastia transluminal percutânea coronária. Stents.

ABSTRACT

BACKGROUND: Smoking is an important atherothrombotic risk factor, observed in one third of patients undergoing per-cutaneous coronary intervention (PCI) at our service. The objective of the present study was to analyze the clinical angiographic profile and the results of the procedure in this population.

METHOD: From January 2002 to October 2009, 5,466 PCI procedures were carried out, of which 1,745 in smokers and 3,721 in non-smokers. All data were prospectively obtained and patients were followed-up during hospitalization.

RESULTS: In the group of smokers, there was prevalence of males (75.2% vs. 62.1%; P < 0.001), younger patients (56.4 years vs. 64.5 years; P < 0.001), acute myocardial infarction (AMI) with ST-segment elevation (37.5% vs. 19.5%; P < 0.001), single-vessel disease (56.5% vs. 47%; P < 0.001), long lesions (14.7% vs. 12%; P < 0.001), bifurcations (5.6% vs. 3.9%; P = 0.002), thrombotic lesions (15.4% vs. 9%; P < 0.001), total occlusions (18.2% vs. 11.2%; P < 0.001) and greater use of IIb/IIIa inhibitors (2.5% vs. 1.6%; P = 0.04). Clinical success (96.5% vs. 96.1%; P = 0.5) as well as the need of emergency surgical revascularization (0.06% vs. 0.05%; P = 0.22), AMI (0.74% vs. 1.02%; P = 0.32) or death (0.63% vs. 0.73%; P = 0.69) were similar in both groups. Smokers, however, showed a trend towards a greater number of strokes during hospitalization (0.11% vs. 0.05%; P = 0.07).

CONCLUSION: Smokers undergoing coronary angioplasty are eight years younger than non-smokers, present AMI with ST-segment elevation more frequently and have greater angiographic complexity. The use of modern technological resources allowed comparable in-hospital results, with the exception of stroke, whose incidence tends to be twice as high in smokers.

Key-words: Smoking. Angioplasty, transluminal, percutaneous coronary. Stents.

O tabagismo é o fator de risco isolado mais importante, depois da idade avançada, para doença arterial coronária, e os eventos isquêmicos coronários são a causa de óbito em mais de um terço desses pacientes. Além do infarto do miocárdio, o tabagismo está associado a maior incidência de morte súbita, aneurisma da aorta, doença vascular periférica e acidente vascular cerebral isquêmico.1

O tabagismo acelera a aterosclerose por meio de vários efeitos deletérios, como o prejuízo da vasodilatação coronária dependente do endotélio, a maior oxidação do colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol), o aumento da inflamação sistêmica e da agregação plaquetária, e os efeitos adversos em fatores antitrombóticos e fibrinolíticos dependentes do endotélio.2

Apesar desse cenário desfavorável, o impacto do tabagismo em pacientes com doença coronária tem mostrado resultados muitas vezes contraditórios. Em pacientes com infarto agudo do miocárdio, os tabagistas apresentam menor mortalidade a curto prazo, comparativamente aos não-tabagistas, o chamado "paradoxo do tabagista", possivelmente explicado pela idade mais jovem desses pacientes e pela menor prevalência de fatores de risco para aterosclerose.3 Em pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea, o tabagismo não influencia a mortalidade hospitalar e está associado a menor necessidade de nova revascularização da lesão-alvo a médio prazo.4 Recentemente, Bliden et al.5 demonstraram que o clopidogrel em tabagistas está associado a maior inibição e menor agregação plaquetárias, comparativamente aos não-tabagistas submetidos a intervenção coronária percutânea eletiva com implante de stents coronários.

O objetivo do presente estudo foi analisar, em nosso meio, os resultados da intervenção coronária percutânea contemporânea em pacientes tabagistas, avaliando seu perfil clínico-angiográfico, bem como seus resultados hospitalares, comparando-os aos não-tabagistas.

MÉTODO

Pacientes

No período compreendido entre janeiro de 2002 e outubro de 2009, 5.466 pacientes foram submetidos a intervenção coronária percutânea no Hospital Bandeirantes (São Paulo, SP), sendo 1.745 tabagistas e 3.721 não-tabagistas. Foram definidos como tabagistas os pacientes com tabagismo ativo ou com história prévia de tabagismo e como não-tabagistas, os pacientes que nunca fizeram uso do tabaco.

Os dados, cuja coleta foi feita de forma prospectiva, foram armazenados em um banco de dados informatizado. Foram analisadas as características clínicas, angiográficas e do procedimento, assim como os resultados hospitalares de ambos os grupos.

Intervenção coronária percutânea

As intervenções foram realizadas preferencialmente por via femoral, sendo o acesso radial utilizado apenas em casos selecionados. A estratégia e a escolha dos materiais ficou a cargo dos operadores, assim como a decisão pelo uso dos inibidores da glicoproteína IIb/IIIa. Todos os pacientes fizeram uso de heparina não-fracionada na dose de 70 U/kg a 100 U/kg, salvo os que se encontravam em uso de heparina de baixo peso molecular, assim como terapia antiplaquetária combinada com ácido acetilsalicílico (100-200 mg/dia) e clopidogrel (ataque: 300-600 mg; manutenção: 75 mg/dia) ou ticlopidina (250 mg a cada 12 horas). Os introdutores femorais foram retirados quatro horas após o bolus da heparina, e os introdutores radiais foram retirados imediatamente após o término do procedimento.

Análises angiográficas e definições

As análises angiográficas foram realizadas em pelo menos duas projeções ortogonais, por operadores experientes e com o auxílio de angiografia quantitativa digital. Utilizaram-se os critérios angiográficos que compõem o banco de dados da Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC) da Sociedade Brasileira de Cardiologia Intervencionista e a classificação das lesões seguiu os critérios do American College of Cardiology e American Heart Association.6 O fluxo coronário, pré e pós-procedimento, foi classificado de acordo com o estudo TIMI.7

O sucesso clínico foi definido como fluxo coronário TIMI 3, estenose residual menor que 30% e ausência de eventos maiores (morte, infarto agudo do miocárdio ou cirurgia de revascularização miocárdica de emergência).8 O infarto agudo do miocárdio pós-procedimento foi definido pelo aparecimento de dor típica em repouso, associado ao surgimento de alterações eletrocardiográficas agudas (supradesnivelamento do segmento ST ou ondas Q) e/ou evidência angiográfica de oclusão do vaso-alvo. A cirurgia de revascularização de emergência foi definida como aquela realizada imediatamente após a intervenção coronária percutânea. Foram avaliadas a mortalidade geral (óbito por qualquer causa) e a mortalidade cardíaca (choque cardiogênico, insuficiência cardíaca, infarto agudo do miocárdio, ruptura cardíaca, arritmia e morte súbita) no período hospitalar.

Análise estatística

Os dados foram analisados pelo programa estatístico NCSS versão 2004. As variáveis contínuas foram expressas em média ± desvio padrão e as variáveis categóricas, em percentis. As associações entre as variáveis categóricas foram aferidas pelos testes de quiquadrado ou exato de Fischer nas tabelas de dimensão 2x2. Nas tabelas de maior dimensão, foram aplicados os testes de qui-quadrado ou da razão de verossimilhança (G). As associações entre as variáveis contínuas foram avaliadas pelo teste t de Student. Foi adotado, como nível de significância, P < 0,05.

RESULTADOS

O perfil e as características clínicas de ambos os grupos encontram-se discriminados na Tabela 1. No grupo de tabagistas, houve predomínio de pacientes do sexo masculino (75,2% vs. 62,1%; P < 0,001), com idade mais jovem (56,4 vs. 64,5 anos; P < 0,001) e apresentação clínica como infarto agudo do miocárdio com supra de ST (37,5% vs. 19,5%; P < 0,001).

Na Tabela 2 encontram-se descritas as características angiográficas referentes ao procedimento de ambos os grupos. No grupo de tabagistas, foram tratadas 2.136 lesões e no grupo de não-tabagistas, 4.789. Dentre os tabagistas, houve maior número de pacientes com lesão em um vaso (56,5% vs. 47%; P < 0,001) e artérias coronárias direitas tratadas (39,4% vs. 28,8%; P < 0,001). Ainda nesse grupo, houve predomínio de lesões mais complexas (B2/C) (67% vs. 63%; P = 0,006), lesões > 20 mm (14,7% vs. 12%; P < 0,001), bifurcações (5,6% vs. 3,9%; P = 0,002), maior presença de trombos (15,4% vs. 9%; P < 0,001) e oclusões totais pré-intervenção coronária percutânea (18% vs. 11,2%; P < 0,001). O emprego de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa foi maior no grupo de tabagistas (2,5% vs. 1,6%; P = 0,04).

A quantificação angiográfica das obstruções pré (84,9 ± 12,7% vs. 82,8 ± 12,3%; P = 0,72) e pós-procedimento (7,4 ± 12,8% vs. 8,3 ± 17,6%; P = 0,35) assim como a extensão (17,9 ± 6,5 mm vs. 17,2 ± 6,7 mm; P = 0,4) dos stents utilizados não diferiram em ambos os grupos. O diâmetro dos stents tendeu a ser maior no grupo dos tabagistas (3,04 ± 0,45 mm vs. 2,95 ± 0,46 mm; P = 0,06) (Tabela 2).

Em relação aos resultados hospitalares pós-intervenção coronária percutânea, o sucesso clínico foi alto (96,5% vs. 96,1%; P = 0,5) e semelhante em ambos os grupos (Tabela 3). A incidência de óbito hospitalar (0,63% vs. 0,73%; P = 0,69), infarto agudo do miocárdio (0,74% vs. 1,02%; P = 0,32) e cirurgia de revascularização de emergência (0,06% vs. 0,05%; P = 0,22) foi similar nos dois grupos. Os tabagistas, no entanto, demonstraram tendência a evoluir com maior número de acidentes vasculares cerebrais na fase hospitalar (0,11% vs. 0,05%; P = 0,07).

DISCUSSÃO

Em nosso estudo, 32% dos pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea têm como fator de risco o tabagismo e seu perfil clínico está de acordo com o descrito pela maioria dos trabalhos publicados, demonstrando que o tabagismo está associado ao surgimento de doença arterial coronária em pacientes mais jovens, do sexo masculino e com menor prevalência de fatores de risco para aterosclerose, e que o infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de ST é a apresentação clínica mais frequente desses pacientes.4,9,10

O predomínio, entre os tabagistas, de pacientes mais jovens e com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de ST explica os achados angiográficos, com maior número de lesões em um único vaso tratadas, mas de maior complexidade angiográfica. Lesões longas, com trombos, em bifurcações e oclusões totais foram significativamente mais frequentes nos tabagistas.

A utilização de stents foi elevada, mas o emprego de stents farmacológicos foi menor que 10% nos dois grupos, pela grande prevalência de pacientes tratados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que ainda não disponibiliza esse dispositivo para uso clínico. Além disso, a ocorrência de maior número de pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de ST e a menor prevalência de diabetes melito e de lesões reestenóticas entre os tabagistas explicam, em parte, o menor emprego desses dispositivos nesse grupo, a despeito da maior ocorrência de lesões coronárias complexas.

Nossos resultados demonstram que, após a intervenção coronária percutânea, a evolução hospitalar é análoga à dos não-tabagistas, com exceção do acidente vascular cerebral, que tendeu a ser mais frequente nos tabagistas. Sherif et al.11 também encontraram achados semelhantes aos nossos, com eventos hospitalares similares entre tabagistas e não-tabagistas. Por outro lado, Sukiennik et al.12 demonstraram menos óbito em tabagistas submetidos a intervenção coronária percutânea (2,4% vs. 4,6%; P = 0,052), mas o tabagismo não foi preditor independente de mortalidade hospitalar após o ajuste de variáveis de confusão.

Achado interessante foi publicado por Bliden et al.5, segundo o qual a terapêutica com clopidogrel está associada a maior inibição da função plaquetária e a menor agregação em tabagistas ativos submetidos a intervenção coronária percutânea eletiva, tanto para os pacientes em uso crônico como naqueles que receberam dose de ataque de 600 mg. Esse mecanismo pode explicar parte da variabilidade à resposta ao clopidogrel e, também, a constatação de que tabagistas ativos apresentam melhor perfusão miocárdica que não-tabagistas submetidos a intervenção coronária percutânea primária no infarto agudo do miocárdio.13

Limitações do estudo

Este estudo é limitado pela sua natureza retrospectiva e sujeito às restrições dos registros não-randomizados. A impossibilidade de classificar os pacientes em tabagistas ativos e ex-tabagistas assim como a não-realização da análise multivariável para tentar neutralizar a influência das diferentes características clínicas, angiográficas e do procedimento entre os grupos podem ter influenciado a interpretação de nossos resultados. Por último, não dispomos da evolução clínica após a alta hospitalar. O tabagismo, na maior parte dos trabalhos, é fator preditor independente de eventos clínicos adversos (óbito, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral)9,11,14 e deve ser ativamente desencorajado.

CONCLUSÃO

Pacientes tabagistas submetidos a angioplastia coronária são oito anos mais jovens que os não-tabagistas, apresentam-se mais frequentemente com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de ST e mostram maior complexidade angiográfica. A utilização dos modernos recursos tecnológicos iguala os resultados clínicos hospitalares, à exceção do acidente vascular cerebral, que tende a ocorrer em dobro nos tabagistas.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declararam inexistência de conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 31/8/2010

Aceito em: 22/11/2010

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  • Correspondência:

    Leonardo Cao Cambra de Almeida
    Rua Galvão Bueno, 257 - Liberdade
    São Paulo, SP, Brasil - CEP 01506-000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Aceito
      22 Nov 2010
    • Recebido
      31 Ago 2010
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