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Fechamento transcateter com dispositivo da comunicação interatrial tipo ostium secundum em crianças pequenas: uma sólida avaliação é muito importante!

EDITORIAL

Fechamento transcateter com dispositivo da comunicação interatrial tipo ostium secundum em crianças pequenas: uma sólida avaliação é muito importante!

Henri Justino

Médico. Diretor do CE Mullins Cardiac Catheterization Laboratories - Texas Children's Hospital. Houston, Texas, Estados Unidos

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Henri Justino CE Mullins Cardiac Catheterization Laboratories - Texas Children's Hospital 6621 Fannin Street - Houston Texas, USA - 77030 E-mail: hxjustin@texaschildrens.org

O relato inicial do fechamento não-cirúrgico da comunicação interatrial (CIA) tipo fossa oval por King e Mills1, em 1974, inaugurou uma era de grande evolução no tratamento percutâneo desse defeito com dispositivos transcateter. Os esforços pioneiros desses autores foram responsáveis por grande parte do conhecimento que temos atualmente: estabeleceram a técnica do diâmetro estirado do defeito com balão, descreveram a avaliação da borda adjacente à CIA em direção às válvulas atrioventriculares usando a angiografia (para excluir defeitos do septo atrioventricular), e obtiveram o fechamento com sucesso dos defeitos, ainda que usando um dispositivo não-autocentrável em forma de duplo guarda-chuva e que requeria uma dissecção da veia safena e um sistema de entrega de 23 F! A partir daí houve um melhor entendimento da anatomia do septo atrial para a adequada seleção dos pacientes para esse tipo de procedimento, inclusive da medida do comprimento do septo e da avaliação de todas as bordas ao redor do defeito.2 Além disso, os dispositivos atualmente disponíveis passaram por importantes aprimoramentos em seus projetos, o que resultou em melhoria do implante, do reposicionamento e da captura, além de redução significativa em seu sistema de entrega. Finalmente, a variedade dos dispositivos atualmente disponíveis no mercado aumentou muito. Juntos, esses fatores transformaram o fechamento percutâneo no método de escolha para o manejo da CIA tipo fossa oval em crianças mais velhas, adolescentes e adultos, suplantando o tratamento cirúrgico convencional.

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Uma exceção à ampla aplicação dessa técnica ainda permanece: é o caso das crianças muito pequenas e/ou muito jovens. Em virtude de o paciente portador de CIA ser geralmente assintomático na infância precoce, a conduta de adiar o fechamento transcateter até que o paciente seja maior e a colocação do dispositivo seja tecnicamente menos desafiadora é geralmente aceitável. Entretanto, há certas populações vulneráveis que podem se beneficiar com o fechamento precoce da CIA, tais como populações com crescimento ponderoestatural deficiente e não-satisfatório, com sintomas de insuficiência cardíaca congestiva, e com doença pulmonar crônica da prematuridade. Mostrou-se que a abolição do fluxo da esquerda para a direita pela CIA melhora a função pulmonar em crianças com displasia broncopulmonar, permitindo até que pacientes dependentes de ventilação artificial sejam extubados com sucesso.3-5

Nesta edição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, Ribeiro et al.6 relataram o fechamento transcateter da CIA em crianças com peso < 20 kg. A experiência desses autores é vasta, totalizando 80 pacientes num período de 15 anos, usando ampla variedade de dispositivos. Devem ser elogiados por ter conseguido fechar com sucesso as CIAs em todos os 80 pacientes, com taxas de complicação extremamente baixas. Sua abordagem metódica sobre a avaliação das bordas, do comprimento do septo e da detecção de múltiplas fenestrações foi certamente muito importante para o sucesso. Entretanto, deve-se notar que acertadamente excluíram os pacientes com bordas deficientes (exceto a retroaórtica), aqueles com defeitos que potencialmente necessitavam de um dispositivo considerado grande demais para o coração da criança ou ainda aqueles nos quais um dispositivo provavelmente iria interferir nas estruturas cardíacas vizinhas, tais como veia cava superior, veias pulmonares, válvulas atrioventriculares ou seio coronário. Sem saber qual foi o número total de pacientes avaliados para potencial fechamento da CIA com dispositivo, é difícil saber qual seria a taxa de sucesso usando como denominador o total de pacientes avaliados com CIA do tipo fossa oval e peso < 20 kg. Assim mesmo, a mensagem é clara: com uma seleção adequada de pacientes, os dispositivos atualmente disponíveis permitem obter alta taxa de sucesso, com risco muito pequeno de embolização do dispositivo, de bloqueio cardíaco permanente, de erosão ou de retirada cirúrgica do dispositivo.

Nossa experiência é semelhante à de Ribeiro et al.6. Publicamos recentemente nossos dados sobre o fechamento com dispositivo das CIAs em crianças < 4 anos de idade.7 Num período de 10 anos, avaliamos 61 crianças no laboratório de cateterismo cardíaco do Texas Children's Hospital (Houston, Estados Unidos) para possível fechamento com dispositivo da CIA, das quais quase 20% tinham doença pulmonar crônica concomitante. Analisamos todos os pacientes encaminhados para fechamento independentemente do tamanho do defeito, da adequação das bordas ou da presença de múltiplos defeitos. De toda essa coorte, 48 (79%) pacientes foram submetidos com sucesso ao fechamento com dispositivo. Dos 13 pacientes considerados inadequados para o fechamento com dispositivo, 5 foram excluídos com base nas características anatômicas iniciais da CIA determinadas exclusivamente pela ecocardiografia transesofágica (ETE), 3 foram excluídos após o dimensionamento com balão mostrar um defeito grande demais para ser seguramente fechado por meio de um dispositivo, e 5 pacientes foram excluídos após tentativa de implante, que resultou em imagem desfavorável à ETE, com retirada subsequente do dispositivo antes de sua liberação. Procuramos então entender quais fatores foram responsáveis pelo sucesso ou pelo insucesso do fechamento com dispositivo nessa população de pacientes mais jovens. Embora ambos os grupos tivessem peso e superfície corpórea semelhantes, a comparação entre os 48 pacientes submetidos com sucesso ao fechamento com dispositivo e os 13 pacientes que não tiveram sucesso revelou algumas diferenças importantes: o diâmetro absoluto da CIA foi significativamente maior entre os que não foram submetidos com sucesso ao fechamento com dispositivo (16,2 ± 5,6 mm vs. 12,8 ± 4,1 mm; P < 0,01), assim como foi o diâmetro da CIA indexado ao peso corpóreo e à área da superfície corpórea, e a razão entre o maior diâmetro da CIA e o comprimento total do septo.

Portanto, ao considerar o fechamento com dispositivo de um defeito do septo atrial em criança pequena, a conduta deverá ser, como sempre, primum non nocere! Se a criança não tiver doença pulmonar crônica e não apresentar sintomas de insuficiência cardíaca congestiva ou de crescimento ponderoestatural deficiente, há pouco a ser ganho pela tentativa da realização precoce de um procedimento para fechamento da CIA com dispositivo. Mas, como Ribeiro et al.6 com boa fundamentação e judiciosamente demonstraram, em candidatos bem selecionados que satisfaçam as indicações para fechamento precoce com dispositivo é possível obter-se elevada taxa de sucesso, com mínimo risco. Esses autores devem ser enaltecidos por sua abordagem sensata e metódica a essa população desafiadora de pacientes. Afinal, é imperativo que os cardiologistas intervencionistas estejam atentos ao fato de que uma abordagem baseada em cateteres para reparar uma doença cardíaca congênita não deve ter risco maior que o da abordagem cirúrgica convencional! Nós precisamos lutar continuamente para demonstrar que quando uma boa avaliação é feita, a abordagem percutânea faz mais do que evitar que o paciente fique com uma cicatriz: ela aumenta a segurança.

CONFLITO DE INTERESSES

Consultor da St Jude Medical.

Recebido em: 4/6/2013

Aceito em: 5/6/2013

  • 1. King TD, Mills NL. Nonoperative closure of atrial septal defects. Surgery. 1974;75(3):383-8.
  • 2. Mathewson JW, Bichell D, Rothman A, Ing FF. Absent posteroinferior and anterosuperior atrial septal defect rims: factors affecting nonsurgical closure of large secundum defects using the Amplatzer occluder. J Am Soc Echocardiogr. 2004;17(1):62-9.
  • 3. Lammers A, Hager A, Eicken A, Lange R, Hauser M, Hess J. Need for closure of secundum atrial septal defect in infancy. J Thorac Cardiovasc Surg. 2005;129(6):1353-7.
  • 4. Lee YS, Jeng MJ, Tsao PC, Yang CF, Soong WJ, Hwang B, et al. Pulmonary function changes in children after transcatheter closure of atrial septal defect. Pediatr Pulmonol. 2009;44(10): 1025-32.
  • 5. Zaqout M, De Baets F, Schelstraete P, Suys B, Panzer J, Francois K, et al. Pulmonary function in children after surgical and percutaneous closure of atrial septal defect. Pediatr Cardiol. 2010;31(8):1171-5.
  • 6. Ribeiro MS, Pereira FL, Nascimento WT, Costa RN, Kreuzig DL, Pedra SRFF, et al. Factibilidade, segurança e eficácia do fechamento percutâneo da comunicação interatrial em crianças pequenas. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2013;21(2):165-75.
  • 7. Petit CJ, Justino H, Pignatelli RH, Crystal MA, Payne WA, Ing FF. Percutaneous atrial septal defect closure in infants and toddlers: predictors of success. Pediatr Cardiol. 2013;34(2):220-5.
  • Endereço para correspondência:
    Henri Justino
    CE Mullins Cardiac Catheterization Laboratories - Texas Children's Hospital
    6621 Fannin Street - Houston
    Texas, USA - 77030
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013
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