EDITORIAL
A síntese do SYNTAX: a angioplastia coronária aproxima-se cada vez mais da cirurgia de revascularização no tratamento da doença multiarterial
Luiz Alberto Mattos
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo, SP
Correspondência Correspondência: Luiz Alberto Mattos Av. Jandira, 550 - apto. 121 São Paulo, SP - CEP 04080-003 E-mail: pivmattos@uol.com.br
"Well, George, we knocked the bastard off"
Primeiras palavras de Sir Edmund Hillary para seu amigo George Lowe, ao retornar da conquista do Monte Everest (Sagarmatha), 29 de maio de 1953.
Hillary E. High Adventure: The True Story of the First Ascent of Everest
Na última década, observamos importantes avanços nos dois métodos disponíveis para o tratamento da doença arterial coronária obstrutiva: a cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) e a intervenção coronária percutânea (ICP)1. O precursor da angioplastia coronária, Andreas Gruntzig, ao ser integrado à Emory University, em Atlanta, Georgia, nos Estados Unidos da América, no início dos anos 80, dedicou todos os esforços para divulgar o novo método assim como para ampliar sua aplicação, tendo em vista a complexidade e a variedade da apresentação da doença arterial coronária.
Os estudos que comparam os dois métodos em pacientes com perfis clínico e angiográfico similares foram iniciados na década de 80 e seguem sua saga até os dias de hoje, mais de vinte anos de pesquisa ininterrupta. Esse tem sido um dos focos de debate e controvérsia mais intensos já assistidos na propedêutica cardiológica, divididos por cardiologistas, intervencionistas e cirurgiões cardíacos, que ocupa espaço expressivo em congressos médicos e em publicações nas mais renomadas revistas científicas2-4.
A crítica uníssona que adveio do aprendizado de séries passadas estava relacionada à coorte de pacientes de perfil menos complexo incluídos nesses estudos e à escolha do tratamento determinada pela randomização. A CRM, por permitir acesso pleno ao coração por meio da esternotomia, possibilitava a inclusão de situações anatômicas quase infinitas, fato que não se observa com a ICP com o cateter-balão. Essas críticas foram atenuadas em parte com o advento dos stents não-farmacológicos4-7.
Duas constatações foram obtidas desses estudos iniciais e repetidas quase como um mantra: em pacientes portadores de obstruções coronárias em múltiplos vasos, quando alocados para ambos os métodos de tratamento, não se observava diferença significativa na evolução clínica tardia no que se refere à ocorrência dos dois desfechos adversos principais, morte e infarto agudo do miocárdio (exceção aos diabéticos tratados apenas por meio do balão)2, mas a durabilidade ofertada pelo método percutâneo era menor, ou seja, os pacientes retornavam com maior freqüência para repetição do procedimento de revascularização miocárdica, em decorrência da reestenose coronária4-7.
Na primeira fase comparativa entre cirurgia e balões, esse gradiente de inferioridade em relação à durabilidade tardia dos resultados era de 28%, reduzido para 13%, em média, quando da incorporação dos stents não-farmacológicos. A busca obstinada da Cardiologia Intervencionista por uma ferramenta de aplicação diária com maior segurança e eficácia tardia constituía-se na escalada e conquista do "Everest" percutâneo4-7.
E a escalada prossegue agora com a saga do estudo SYNTAX, recentemente apresentado no Congresso da Sociedade Européia de Cardiologia, em Munique, Alemanha. Rumo ao topo da "Sagarmatha" intervencionista, troca-se então a endoprótese convencional pelos novos stents farmacológicos, dotados da capacidade de inibir a proliferação intimal e, por conseqüência, a reestenose coronária. Tentamos agora subir o "Everest", desta vez com o amparo do "oxigênio-paclitaxel" adicional.
SYNTAX é um estudo prospectivo, multicêntrico, randomizado, envolvendo pacientes com doença aterosclerótica coronária triarterial e/ou envolvimento do tronco da coronária esquerda. Pacientes elegíveis para as duas modalidades de tratamento foram randomizados em razão 1:1 para CRM ou ICP com implante de stent Taxus® (n = 1.800). Aqueles não elegíveis para tratamento percutâneo foram incluídos em um registro prospectivo de revascularização cirúrgica (n =1.077), enquanto os considerados de elevado risco para cirurgia foram incluídos em um registro de ICP (n = 198). A exclusão contemplou somente infarto do miocárdio, cirurgia e ICP prévia. O estudo, realizado em 62 centros europeus e 23 norte-americanos, reuniu 4.337 pacientes, 71% dos quais foram randomizados. Trata-se de um grupo de perfil mais complexo já incluído em ensaios controlados intervencionistas, com doença arterial coronária em múltiplos vasos (73% com lesões em bifurcações e 34% com lesões em troncos da coronária esquerda), que logrou utilizar 4,3 stents/paciente com extensão total média de 86 mm de stents metálicos implantados na circulação coronária. O objetivo primário do estudo foi avaliar a ocorrência de eventos combinados morte, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico (AVE) e necessidade de nova revascularização na população geral recrutada e entre os subgrupos de pacientes diabéticos (28%), com envolvimento do tronco da coronária esquerda (34%) e doença triarterial (66%)8.
Novamente, ao final de um ano de seguimento clínico, a CRM e a ICP com a utilização de stents farmacológicos foram similares em relação à mortalidade e à ocorrência de infarto do miocárdio, com maior ocorrência de AVE naqueles submetidos a CRM. No entanto, a esperada similaridade e o prolongamento da durabilidade do procedimento intervencionista em portadores de doença arterial múltipla não se confirmaram, com diferença favorável à CRM, com menor número de repetição de procedimentos de revascularização (5,9% vs. 13,7%; p < 0,001). Como nota adicional, as taxas de oclusão de enxertos ou stents foram similares, 3% em média (Tabela 1).
Novamente paramos antes de atingir o topo do "Everest" intervencionista, talvez paralisados no gargalo do "Hillary Step", próximos do pico supremo e sagrado, o "Sagarmatha".
Sintetizo em cinco reflexões a análise desses
RESULTADOS:
Os resultados são representativos? Foi dada resposta à hipótese dos investigadores? Sim e são coerentes com o acúmulo de experiência até este momento, com uma técnica ou outra, mediante o grupo de pacientes analisados.
CONCLUSÕES
A decisão individualizada persiste soberana, nesse perfil de enfermos, e escores como o desenvolvido para o ensaio SYNTAX poderão ser de grande valia na estratificação futura e na seleção da melhor estratégia terapêutica em pacientes multiarteriais sintomáticos.
Parafraseando Sir Edmund Hillary, "We did not knock the bastard off yet". A Cardiologia Intervencionista avançou mais um degrau em complexidade crescente, reduzindo o gradiente em busca da durabilidade tardia semelhante à da cirurgia de revascularização em 61%, de quase 20% para 8%7,8, ou seja, estamos mais e mais próximos de ofertar o melhor tratamento de revascularização para o miocárdio aos pacientes portadores de obstruções coronárias multiarteriais com muito menor grau de invasão e risco.
Recebido em: 15/9/2008
Aceito em: 17/9/2008
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Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Ago 2012 -
Data do Fascículo
2008