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Oclusão de fístula arteriovenosa pulmonar com plug vascular em paciente com embolia cerebral paradoxal prévia

Occlusion of pulmonary arteriovenous fistula using vascular plug in a patient with previous paradoxal cerebral embolism

Resumos

A embolização percutânea transcateter tornou-se o tratamento de escolha para fístulas arteriovenosas pulmonares (FAVPs), na maioria dos casos em substituição à intervenção cirúrgica. Os dispositivos clássicos, tais como coils intravasculares e balões destacáveis, provaram ser um sucesso para oclusões percutâneas de FAVPs pequenas ou médias; porém, não são ideais nas fístulas maiores e de alto fluxo pelo risco de embolização para a circulação sistêmica. Relatamos o caso de uma mulher de 49 anos de idade com FAVP de alto fluxo e manifestações neurológicas isquêmicas prévias, submetida com sucesso a fechamento percutâneo com AmplatzerTM Vascular Plug II, um dispositivo projetado para oclusão de anormalidades vasculares.

Fístula arteriovenosa; Artéria pulmonar; Embolização terapêutica; Oclusão coronária


Percutaneous transcatheter embolization has become the treatment of choice for pulmonary arteriovenous fistulae (PAVFs), replacing surgical intervention in most cases. Classical devices, such as intravascular coils and detachable balloons, have proven to be successful for percutaneous occlusions of small or medium-sized PAVFs; however, they are not ideal for larger and high flow fistulae due to the risk of embolization to systemic circulation. The case of a 49-year-old woman with high flow pulmonary fistula and previous neurological ischemic manifestations undergoing successful transcatheter closure with an AmplatzerTM Vascular Plug II, a device designed for occlusion of vascular abnormalities, is reported.

Arteriovenous fistula; Pulmonary artery; Embolization, therapeutic; Coronary occlusion


RELATO DE CASO

Oclusão de fístula arteriovenosa pulmonar com plug vascular em paciente com embolia cerebral paradoxal prévia

Occlusion of pulmonary arteriovenous fistula using vascular plug in a patient with previous paradoxal cerebral embolism

Dárcio Gitti de Faria; Pedro Gomes de Almeida Garzon; José Luiz Balthazar Jacob

Serviço de Hemodinâmica do Instituto de Moléstias Cardiovasculares - São José do Rio Preto, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Dárcio Gitti de Faria Rua Castelo D'Água, 3030 - Redentora São José do Rio Preto, SP, Brasil - CEP 15015-210 E-mail: darciogfaria@ig.com.br

RESUMO

A embolização percutânea transcateter tornou-se o tratamento de escolha para fístulas arteriovenosas pulmonares (FAVPs), na maioria dos casos em substituição à intervenção cirúrgica. Os dispositivos clássicos, tais como coils intravasculares e balões destacáveis, provaram ser um sucesso para oclusões percutâneas de FAVPs pequenas ou médias; porém, não são ideais nas fístulas maiores e de alto fluxo pelo risco de embolização para a circulação sistêmica. Relatamos o caso de uma mulher de 49 anos de idade com FAVP de alto fluxo e manifestações neurológicas isquêmicas prévias, submetida com sucesso a fechamento percutâneo com AmplatzerTM Vascular Plug II, um dispositivo projetado para oclusão de anormalidades vasculares.

Descritores: Fístula arteriovenosa. Artéria pulmonar. Embolização terapêutica. Oclusão coronária.

ABSTRACT

Percutaneous transcatheter embolization has become the treatment of choice for pulmonary arteriovenous fistulae (PAVFs), replacing surgical intervention in most cases. Classical devices, such as intravascular coils and detachable balloons, have proven to be successful for percutaneous occlusions of small or medium-sized PAVFs; however, they are not ideal for larger and high flow fistulae due to the risk of embolization to systemic circulation. The case of a 49-year-old woman with high flow pulmonary fistula and previous neurological ischemic manifestations undergoing successful transcatheter closure with an AmplatzerTM Vascular Plug II, a device designed for occlusion of vascular abnormalities, is reported.

Key-words: Arteriovenous fistula. Pulmonary artery. Embolization, therapeutic. Coronary occlusion.

Fístula arteriovenosa pulmonar (FAVP), uma rara anormalidade vascular, é uma comunicação direta entre a artéria e a veia, sem a interposição do leito capilar, representando shunt extracardíaco direito-esquerdo.1 Quando significativa, pode causar sinais e sintomas clínicos, tais como fadiga fácil, dispneia de esforço, cianose, hemoptise e complicações importantes como abscesso cerebral, ataque isquêmico transitório e acidente vascular encefálico.2

Neste artigo, descrevemos o caso de uma paciente com FAVP que apresentou dois episódios de acidente isquêmico transitório (AIT) prévios, sendo submetida a oclusão percutânea do defeito com AmplatzerTM Vascular Plug II (AGA Medical Corporation, Golden Valley, Estados Unidos).

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, com 49 anos de idade, apresentou quadro de paresia e parestesia em membro superior direito há três anos, que regrediu em 24 horas, sendo atendida em outro serviço em que foi confirmado diagnóstico de AIT por meio de ressonância nuclear magnética. Ainda nesse atendimento foi realizada radiografia de tórax, evidenciando duas imagens nodulares com densidade de partes moles e limites precisos (> 8 mm) em base pulmonar esquerda. O mesmo quadro clínico se repetiu três meses depois. Em decorrência do aspecto radiológico confirmado nesse segundo episódio de AIT, a paciente foi avaliada por pneumologista, que levantou a hipótese diagnóstica de malformação arteriovenosa pulmonar, sendo encaminhada para o serviço de cirurgia vascular. Após período longo de avaliação e medicação com varfarina, foi encaminhada a nossa instituição.

Em atendimento ambulatorial, a paciente não referiu sintomas e o exame físico não demonstrou alterações. Estava em uso de varfarina, mantendo nível adequado de anticoagulação. A pesquisa de trombofilia e distúrbios da coagulação foram negativos e a ecocardiografia Doppler de carótidas e vertebrais não revelou anormalidades. A radiografia de tórax confirmou as imagens nodulares descritas anteriormente (Figura 1). Ecocardiograma transesofágico demonstrou: função sistólica preservada dos ventrículos esquerdo e direito, com átrio esquerdo de tamanho normal, sem evidência de trombo ou contraste espontâneo em seu interior, inclusive em apêndice atrial; veias pulmonares drenando para o átrio esquerdo; e ausência de forame oval patente ou shunts intracardíacos. Após a infusão de microbolhas, detectou-se a presença de microbolhas no átrio esquerdo, em grande quantidade, após o quarto batimento cardíaco, sugerindo a presença de shunt arteriovenoso pulmonar, que poderia corresponder às imagens visíveis no estudo radiológico do tórax.


Foi indicado e realizado cateterismo cardíaco, com angiografias de artérias pulmonares direita e esquerda, que demonstraram a presença de fístula arteriovenosa pulmonar com formação de grande lago venoso trilobulado, no lobo inferior do pulmão esquerdo, decorrente de ramo arterial secundário da artéria pulmonar, com 7 mm de diâmetro que se bifurcava e se comunicava diretamente com as veias pulmonares, determinando shunt de alto fluxo (Figura 2A). Diante disso, optou-se pelo fechamento percutâneo com AmplatzerTM Vascular Plug II há três anos.


O procedimento foi realizado sob sedação anestésica, por punção de veia femoral direita, sendo posicionado introdutor 7 F. Foram administradas heparina (100 UI/kg) e cefalotina (25 mg/kg). Pelo introdutor 7 F foi avançado um cateter-guia de angioplastia de coronária direita JR 7 F, posicionado no tronco da artéria pulmonar. Com o auxílio de um fio-guia, o cateter foi avançado até o ramo da artéria pulmonar esquerda, que determinava a conexão arteriovenosa pulmonar anômala, com formação do lago venoso trilobulado. Pelo cateter-guia de angioplastia JR foi avançado um AmplatzerTM Vascular Plug II de 10 mm e seu disco distal foi liberado na extremidade distal do ramo arterial, próximo à área de bifurcação que desembocava no lago venoso, puxando-se o cateter e expondo o dispositivo. A angiografia em artéria pulmonar esquerda demonstrou ausência completa de passagem de contraste da artéria para o lago venoso pulmonar, com oclusão total da FAVP (Figura 2B). A paciente foi mantida com clopidogrel (75 mg/dia), ácido acetilsalicílico (325 mg/dia) e cefalexina (500 mg a cada 6 horas por 5 dias). Evoluiu sem intercorrências, recebendo alta hospitalar no dia seguinte. Os ecocardiogramas transtorácicos com infusão de microbolhas realizados após um mês e seis meses do procedimento não evidenciaram presença de bolhas no átrio esquerdo.

DISCUSSÃO

FAVPs são conexões anormais diretas entre as circulações arterial e venosa, interpostas por um saco aneurismático ou um emaranhado de canais vasculares tortuosos e dilatados, com exclusão do leito capilar.3 Essa infrequente anomalia vascular pode ser isolada ou múltipla.2 A forma congênita tem duas variedades: a) angioma cavernoso, geralmente alimentado por um ou mais ramos tortuosos e dilatados da artéria pulmonar; e b) telangiectasia capilar, formada por uma rede de capilares, geralmente associada a telangiectasia hemorrágica hereditária ou síndrome de Rendu-Osler-Weber (displasia vascular autossômica dominante com penetrância variável, caracterizada por múltiplas telangiectasias, causando hemorragias recorrentes).4

Mais de 80% das FAVPs são congênitas, enquanto as formas adquiridas são secundárias a trauma, cirurgia torácica, cirrose hepática avançada, carcinoma metastático, estenose mitral e amiloidose sistêmica.5,6 A FAVP descrita neste relato apresentava etiologia congênita do tipo angioma cavernoso.

Aproximadamente 57% dos pacientes são assintomáticos.7 Os sinais e sintomas mais comuns são fadiga, dispneia de esforço, palpitações, cianose e hemoptise, sendo a dispneia o mais frequente.8 Complicações graves como abscesso cerebral, acidente vascular encefálico ou acidentes isquêmicos cerebrais transitórios, como os apresentados por essa paciente, são relatados.1,2 Ocasionalmente, durante o exame físico, um sopro contínuo extracardíaco pode ser ouvido na ausculta do tórax,2 o que não foi encontrado no exame físico da paciente.

Para o diagnóstico, a radiografia de tórax revela mais de 98% das lesões.5 Apesar de o ecocardiograma transtorácico com infusão de microbolhas ser adequado para documentar um shunt intracardíaco ou intrapulmonar, a visibilização seletiva das veias pulmonares pode ser obtida com o ecocardiograma transesofágico e o teste de microbolhas pode determinar a localização do shunt intrapulmonar.7 O surgimento tardio de microbolhas no átrio esquerdo, depois do quarto ou do quinto ciclos cardíacos, é consistente com shunt extracardíaco,4,5,7 como evidenciado no caso descrito neste relato, em que grande quantidade de microbolhas surgiu a partir do quarto e quinto batimentos cardíacos.

A tomografia computadorizada e a ressonância magnética também são de grande valor diagnóstico,9 porém não foram realizadas nessa paciente. A angiografia é crucial para confirmar o diagnóstico e definir a estratégia terapêutica.2,9

As opções de tratamento incluem a embolização percutânea com coils, balão destacável ou outros dispositivos e a excisão cirúrgica.3 Embora a embolização com coils seja considerada o tratamento de escolha, complicações podem ocorrer.8 A embolização paradoxal do dispositivo varia numa taxa de 2% a 4%, especialmente quando a FAVP é grande e tem alto fluxo.10 Recorrência é secundária à recanalização dos vasos ocluídos ou ao desenvolvimento de vasos acessórios.8 Recanalização é a causa mais comum de recorrência, incidindo numa taxa de 5% a 57%.11

A ressecção cirúrgica é reservada aos pacientes com falha na terapia percutânea e aos que desenvolveram graves complicações hemorrágicas ou com lesões inapropriadas para oclusão percutânea.12

A escolha adequada e precisa do material a ser utilizado para o fechamento percutâneo é importante para diminuir o insucesso do procedimento e as complicações. Na paciente deste relato, portadora de grande FAVP de alto fluxo, optou-se pelo uso do dispositivo AmplatzerTM Vascular Plug II, especialmente desenvolvido para oclusão de estruturas vasculares anormais, obtendo-se sucesso no procedimento, mantido nos primeiros seis meses de acompanhamento.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 8/12/2010

Aceito em: 15/2/2011

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  • Correspondência:
    Dárcio Gitti de Faria
    Rua Castelo D'Água, 3030 - Redentora
    São José do Rio Preto, SP, Brasil - CEP 15015-210
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      08 Dez 2010
    • Aceito
      15 Fev 2011
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