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O renascimento justificado de uma técnica bem conhecida

EDITORIAL

O renascimento justificado de uma técnica bem conhecida

Eberhard Grube; Lutz Buellesfeld

HELIOS Heart Center - Siegburg, Alemanha

Correspondência Correspondência: Eberhard Grube Department of Cardiology/Angiology - HELIOS Heart Center Ringstrasse 49 53721 Siegburg, Germany E-mail: GrubeE@aol.com

A valvuloplastia aórtica percutânea por balão foi desenvolvida como uma opção não-cirúrgica, nos anos 80, para o tratamento de pacientes com estenose grave da valva aórtica. Os efeitos reais do balão expandido em uma valva aórtica gravemente degenerada, em geral calcificada, são apenas parcialmente conhecidos, mas há vários mecanismos sugeridos que levam ao aumento da área do orifício efetivo nos pacientes com estenose significativa da valva aórtica. O efeito mais comum é a fratura intrafolheto dos depósitos de nódulos calcificados, que aumenta a flexibilidade da valva, melhorando sua abertura. Outros possíveis mecanismos incluem microfraturas do folheto, planos de clivagem ao longo do estroma colagenizado e separação não usual dos folhetos fundidos. Pode ocorrer, também, maior complacência da raiz aórtica adjacente calcificada, que contribui ainda mais para maior flexibilidade da valva.

No início, foram registradas taxas elevadas de complicações e mortalidade hospitalar, com ocorrência de complicações em cerca de 25% dos pacientes nas primeiras 24 horas da intervenção e de morte periprocedimento em aproximadamente 5% desses pacientes1. A complicação mais comum foi a transfusão de sangue (20%), relacionada principalmente às complicações da via de acesso vascular. A mortalidade cardiovascular cumulativa antes da alta foi de 8% no Registro do National Heart, Lung and Blood Institute (NHLBI). Reestenose e hospitalização recorrente foram comuns2.

Entretanto, para pacientes medicados de forma adequada mas ainda sintomáticos, sem qualquer outra opção de tratamento, a valvuloplastia aórtica percutânea por balão apresentava-se como opção para o cardiologista, equilibrando, de um lado, o risco do procedimento, e, de outro, o elevado risco natural da estenose sintomática da valva aórtica, não elegível para substituição cirúrgica. Apesar da elevada taxa de reestenose, os pacientes relataram menos sintomas em um período de até 1,5 ano após a valvuloplastia aórtica percutânea por balão, redundando em redução do número de reinternações decorrentes de insuficiência cardíaca, aumento do desempenho físico e, consequentemente, melhora da qualidade de vida.

Entretanto, as taxas de complicação, reestenose e reintervenção acabaram fazendo com que a valvuloplastia aórtica percutânea por balão fosse considerada sem utilidade para os pacientes que se enquadravam nos critérios de substituição da valva aórtica e apenas de utilidade limitada para os demais, de alto risco cirúrgico mas controlados com medicação.

Na prática diária, isso fez com que a valvuloplastia aórtica percutânea por balão fosse indicada como medida paliativa apenas para o tratamento de pacientes instáveis e em estado crítico, como pacientes em choque cardiogênico ou com insuficiência cardíaca refratária, permitindo alívio temporário até a decisão terapêutica definitiva. Assim, a valvuloplastia aórtica percutânea por balão acabou sendo esquecida em vários laboratórios de cateterismo.

As técnicas intervencionistas, porém, progridem e melhoram. Hoje em dia, na era do implante valvular aórtico percutâneo, experiências modernas com valvuloplastia aórtica percutânea por balão representam verdadeiro renascimento. Atualmente, a valvuloplastia aórtica percutânea por balão, etapa obrigatória do implante valvular aórtico percutâneo para o preparo da valva para colocação da prótese, é cada vez mais utilizada, crescendo em paralelo com a nova técnica em todo o mundo. A técnica da valvuloplastia aórtica percutânea por balão sofreu melhoras consideráveis, como redução do tamanho dos cateteres, balões mais confiáveis, ritmo ventricular rápido imposto pelo mar-ca-passo (200 bpm a 220 bpm) estabilizando o balão no plano valvar aórtico durante a dilatação, tempos de inflação-deflação mais rápidos, fios-guia melhores, e dispositivos de fechamento percutâneo que praticamente garantem o fechamento completo e rápido do local de acesso vascular. Além disso, a braquiterapia após valvuloplastia por balão foi estudada recentemente e é uma abordagem interessante para reduzir a reestenose precoce3.

Nesta edição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, Agatiello et al.4 descrevem os resultados da valvuloplastia aórtica percutânea por balão em pacientes de alto risco cirúrgico para o tratamento de estenose da válvula aórtica grave, utilizando técnicas e ferramentas contemporâneas. Esses autores observaram que o primeiro procedimento pode ser realizado com segurança e confiabilidade e perfil de complicação aceitável, o qual apresentou notável melhora quando comparado à fase inicial do uso dessa técnica. Além disso, analisaram a coorte de pacientes que realizaram valvuloplastia aórtica percutânea por balão de repetição, comparando-a com o grupo que realizou apenas um procedimento. Resta saber se a ausência de diferenças significativas demonstra resultados equivalentes nos dois grupos, conforme declarado pelos auto-res, ou se a tendência óbvia para complicações mais frequentes na valvuloplastia aórtica percutânea por balão de repetição - apesar de não significativa - pode revelar uma diferença substancial em estudos de maior porte. Entretanto, a mensagem que fica é que a valvuloplastia aórtica percutânea por balão progrediu de forma notável nos últimos anos e está de volta. E isso é bom, pois os cardiologistas intervencionistas precisam se familiarizar novamente com o procedimento, já que provavelmente encontrarão um número cada vez maior de casos com indicação para essa técnica, e não apenas pelo fato de a valvuloplastia aórtica percutânea por balão ser uma etapa do implante valvular aórtico percutâneo. Depreende-se dos resultados e do progresso apresentados que a valvuloplastia aórtica percutânea por balão tem potencial para exercer papel cada vez mais importante no futuro como procedimento isolado em pacientes que não são candidatos a cirurgia ou a implante valvular aórtico percutâneo. Certamente serão necessários mais dados para avaliar e caracterizar tanto essa indicação particular como essa população de pacientes. De qualquer forma, o estudo de Agatiello et al.4 fornece bom suporte inicial para essa proposta.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declararam inexistência de conflito de interesses.

Recebido em: 12/12/2009

Aceito em: 14/12/2009

  • 1. Percutaneous balloon aortic valvuloplasty. Acute and 30-day follow-up results in 674 patients from the NHLBI Balloon Valvuloplasty Registry. Circulation. 1991;84(6):2383-97.
  • 2. Otto CM, Mickel MC, Kennedy JW, Alderman EL, Bashore TM, Block PC, et al. Three-year outcome after balloon aortic valvuloplasty: insights into prognosis of valvular aortic stenosis. Circulation. 1994;89(2):642-50.
  • 3. Pedersen WR, Van Tassel RA, Pierce TA, Pence DM, Monyak DJ, Kim TH, et al. Radiation following percutaneous balloon aortic valvuloplasty to prevent restenosis (RADAR pilot trial). Catheter Cardiovasc Interv. 2006;68(2):183-92.
  • 4. Agatiello C, Nercolini D, Eltchaninoff H, Tron C, Fernandez AD, Gabay JM, et al. A repetição da valvuloplastia aórtica por balão é uma boa estratégia para alívio dos sintomas e seleção de pacientes para substituição percutânea da valva aórtica. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2009;17(4):463-9.
  • Correspondência:

    Eberhard Grube
    Department of Cardiology/Angiology - HELIOS Heart Center
    Ringstrasse 49
    53721 Siegburg, Germany
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2009
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