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Avaliação dos programas de residência médica em Cirurgia Plástica no Distrito Federal

Resumos

INTRODUÇÃO: A residência médica é um passo importante no treinamento dos médicos residentes de Cirurgia Plástica no Brasil; entretanto, são poucos os estudos que avaliam os programas de residência sob o ponto de vista qualitativo. Assim, este artigo objetiva realizar pesquisa qualitativa dos programas de residência médica dos serviços credenciados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica no Distrito Federal. MÉTODO: Foi realizado estudo transversal, com a aplicação de questionário individual estruturado, autoaplicado aos residentes em treinamento nos serviços credenciados do Distrito Federal, no ano de 2012. RESULTADOS: Dezoito médicos residentes, com idade entre 25 anos e 52 anos, 13 (72,2%) homens e 5 (27,8%) mulheres, concordaram em participar da pesquisa. Desses, 61,1% relataram que o hospital dispunha de serviços complementares necessários ao atendimento ininterrupto dos pacientes e aos requisitos mínimos do programa, 66,7% consideraram que o acervo bibliográfico era parcialmente adequado ou inadequado, e 72,2% referiram ter 2 ou mais horas de reuniões científicas semanais. A participação em 5 a 10 cirurgias por semana foi reportada por 88,8% dos participantes; a maioria dos residentes afirmou participar de até 4 horas/semana como cirurgião e de 11 a 20 horas/semana como auxiliar. A maioria (66,7%) dos residentes já havia realizado apresentações em eventos científicos e 72,2% não tinham artigos publicados na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica. Com relação à carga horária do programa de residência, 80% eram destinados a atividades em ambulatório, enfermaria e centro cirúrgico e 20%, a atividades teóricas. Dentre as sugestões de melhoria dos programas de residência médica, foram apontados, principalmente, a necessidade de aumentar a abrangência e o intercâmbio entre os serviços e o incentivo à produção científica. CONCLUSÕES: A percepção dos residentes em cirurgia plástica dos serviços credenciados do Distrito Federal foi positiva no que se refere a grade curricular do programa, estrutura para atendimento e desempenho da preceptoria. Quanto aos pontos negativos, foram apontados abrangência e distribuição da grade curricular, falta de atendimento de emergência, menor treinamento em procedimentos de natureza reparadora e reduzido em estágios de outras áreas, além de acervo bibliográfico insatisfatório e pouco incentivo à pesquisa. Dentre as sugestões de melhoria dos programas de residência médica, foram apontados, principalmente, a necessidade de aumentar a abrangência e o intercâmbio entre os serviços e o incentivo à produção científica.

Cirurgia plástica; Ensino; Educação; Educação médica; Internato e residência


INTRODUCTION: The residency period is an important step in the medical training of plastic surgeons in Brazil. However, there are few qualitative studies about the existing residency programs. Thus, the aim of this study was to conduct a qualitative research of the medical residency programs of the accredited services of the Brazilian Society of Plastic Surgery in Distrito Federal. METHODS: This cross-sectional study was performed through individual structured questionnaires, which were self-administered by residents training in the accredited services of Distrito Federal, in 2012. RESULTS: Eighteen residents (age range, 25-52 years; 13 [72.2%] men and 5 [27.8%] women) agreed to participate. Of them, 61.1% reported that the hospital had complementary services necessary to meet patients' continuous care and the minimum requirements of the program, 66.7% thought that the bibliographic archive was only partially adequate or inadequate, and 72.2% reported to participate in 2 or more hours of weekly scientific meetings. Participation in 5 to 10 surgeries per week was reported by 88.8% of participants. Most residents said that they participate for up to 4 hours/week as a surgeon and 11-20 hours/week as an assistant. Most (66.7%) of residents had made presentations at scientific meetings, and 72.2% had no articles published in the Brazilian Journal of Plastic Surgery. With respect to the workload of the residency program, 80% were assigned to outpatient, infirmary, and surgical center activities, and 20% were assigned to theoretical activities. Among the suggestions mentioned to improve the medical residency programs were the need to increase the scope and the interchange between services, as well as the encouragement of scientific research output. CONCLUSIONS: The perception of plastic surgery residents in the accredited services of Distrito Federal, about the curriculum, program structure and teaching performance, was positive. The negative aspects mentioned were the range and distribution of the curriculum, lack of emergency care, inadequate training in reconstructive procedures, and compact training in other areas, as well as an unsatisfactory bibliographic archive and lack of incentive for researchers. Among the suggestions especially mentioned for the improvement of the medical residency programs were the need to increase the scope and the exchange between services, as well as the encouragement of scientific research output.

Plastic surgery; Teaching; Education; Education, medical; Internship and residency


ARTIGOS ORIGINAIS

Avaliação dos programas de residência médica em Cirurgia Plástica no Distrito Federal

Kátia Torres BatistaI; Lenise Maria Spadoni PachecoII; Lucio Marques da SilvaIII

ICirurgiã plástica do Hospital Sarah Brasília, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), presidente da Regional do Distrito Federal da SBCP, Brasília, DF, Brasil

IICirurgiã plástica, membro titular da SBCP, membro da Comissão Científica da Regional do Distrito Federal da SBCP, Brasília, DF, Brasil

IIICirurgião plástico, membro titular da SBCP, membro da Comissão Científica da Regional do Distrito Federal da SBCP, regente do serviço credenciado do Hospital Regional da Asa Norte, Brasília, DF, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Kátia Torres Batista SQN, 115 – Bloco I – ap. 205 – Asa Norte – Brasília, DF, Brasil – CEP 70772-090 E-mail: katiatb@terra.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A residência médica é um passo importante no treinamento dos médicos residentes de Cirurgia Plástica no Brasil; entretanto, são poucos os estudos que avaliam os programas de residência sob o ponto de vista qualitativo. Assim, este artigo objetiva realizar pesquisa qualitativa dos programas de residência médica dos serviços credenciados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica no Distrito Federal.

MÉTODO: Foi realizado estudo transversal, com a aplicação de questionário individual estruturado, autoaplicado aos residentes em treinamento nos serviços credenciados do Distrito Federal, no ano de 2012.

RESULTADOS: Dezoito médicos residentes, com idade entre 25 anos e 52 anos, 13 (72,2%) homens e 5 (27,8%) mulheres, concordaram em participar da pesquisa. Desses, 61,1% relataram que o hospital dispunha de serviços complementares necessários ao atendimento ininterrupto dos pacientes e aos requisitos mínimos do programa, 66,7% consideraram que o acervo bibliográfico era parcialmente adequado ou inadequado, e 72,2% referiram ter 2 ou mais horas de reuniões científicas semanais. A participação em 5 a 10 cirurgias por semana foi reportada por 88,8% dos participantes; a maioria dos residentes afirmou participar de até 4 horas/semana como cirurgião e de 11 a 20 horas/semana como auxiliar. A maioria (66,7%) dos residentes já havia realizado apresentações em eventos científicos e 72,2% não tinham artigos publicados na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica. Com relação à carga horária do programa de residência, 80% eram destinados a atividades em ambulatório, enfermaria e centro cirúrgico e 20%, a atividades teóricas. Dentre as sugestões de melhoria dos programas de residência médica, foram apontados, principalmente, a necessidade de aumentar a abrangência e o intercâmbio entre os serviços e o incentivo à produção científica.

CONCLUSÕES: A percepção dos residentes em cirurgia plástica dos serviços credenciados do Distrito Federal foi positiva no que se refere a grade curricular do programa, estrutura para atendimento e desempenho da preceptoria. Quanto aos pontos negativos, foram apontados abrangência e distribuição da grade curricular, falta de atendimento de emergência, menor treinamento em procedimentos de natureza reparadora e reduzido em estágios de outras áreas, além de acervo bibliográfico insatisfatório e pouco incentivo à pesquisa. Dentre as sugestões de melhoria dos programas de residência médica, foram apontados, principalmente, a necessidade de aumentar a abrangência e o intercâmbio entre os serviços e o incentivo à produção científica.

Descritores: Cirurgia plástica. Ensino. Educação. Educação médica. Internato e residência.

INTRODUÇÃO

A residência médica em Cirurgia Plástica se baseia em três componentes principais: formação cirúrgica, científica e interprofissional. Existe a preocupação entre os coordenadores e preceptores de que o ensino da prática cirúrgica seja suficiente para a qualificação profissional1,2.

O impacto da aquisição e compreensão do aprendizado em Cirurgia Plástica é pouco pesquisado entre os programas de residência médica no Brasil, sobretudo sob a perspectiva dos residentes em treinamento.

Na literatura nacional, há alguns estudos que discutem o ensino da Cirurgia Plástica. Lima et al.3 ressaltaram a necessidade do ensino de gluteoplastia de aumento na formação atual do residente diante da demanda crescente e Monteiro et al.4 realizaram pesquisa entre alunos de graduação que participaram da Liga Baiana de Cirurgia Plástica, sob a supervisão do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Universidade da Bahia. Pochat et al.5 destacaram a importância das atividades de dissecção em cadáveres no estudo da anatomia durante o treinamento da residência médica e Ruiz et al.6 propuseram metodologia para o treinamento do tratamento não-cirúrgico da área de sulco nasogeniano e região peribucal. Por fim, Dias et al.7 descreveram curso prático para o treinamento de microcirurgia em Cirurgia Plástica.

No Brasil, os programas de residência médica são regulamentados pela Lei nº 11.381, de 1º de dezembro de 20068, pela Resolução da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) nº 2, de 17 de maio de 20069, e pelo regulamento interno do Departamento de Ensino dos Serviços Credenciados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP)10. A SBCP tem 86 serviços de residência médica credenciados, sendo necessários 6 anos de formação médica, 2 anos de residência em Cirurgia Geral e 3 anos em Cirurgia Plástica. O Distrito Federal tem 3 serviços credenciados, por onde passam, em média, 20 médicos residentes por ano, distribuídos em R3, R2 e R1. O regulamento interno do Departamento de Ensino dos Serviços Credenciados (DESC) da SBCP, de 1997, é constituído por 23 artigos, que contemplam várias áreas necessárias ao aprendizado da especialidade.

O objetivo deste artigo é realizar pesquisa qualitativa dos programas de residência médica dos serviços credenciados da SBCP no Distrito Federal.

MÉTODO

Trata-se de estudo descritivo de pesquisa qualitativa, transversal, com a aplicação de questionário individual estruturado, autoaplicado aos residentes em treinamento nos serviços credenciados do Distrito Federal, no ano de 2012 (Quadro 1).


Os dados foram analisados com auxílio do programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 15.0, e comparados aos requisitos obrigatórios aos programas estabelecidos pela CNRM e pela SBCP.

Os dados oriundos das questões abertas foram avaliados por técnica de análise de conteúdo, com definição de categorias e identificação de sua frequência, selecionando-se trechos de relatos que exemplificavam as mesmas.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Rede Sarah de Hospitais.

RESULTADOS

No Distrito Federal, existem 3 serviços de residência médica credenciados pela SBCP.

Os programas de residência médica em Cirurgia Plástica estão inseridos em hospitais públicos, privados e mistos e têm duração de 3 anos, com 2880 horas distribuídas em 8 horas diárias.

No ano de 2012, havia 19 residentes inscritos, em média 2 residentes por ano de formação. Dezoito médicos residentes concordaram em participar da pesquisa, com idades entre 25 anos e 52 anos, 13 (72,2%) homens e 5 (27,8%) mulheres, procedentes, em sua maioria (44,4%), de outros estados brasileiros (Tabela 1).

Nos quesitos relacionados ao conhecimento das regulamentações da residência médica de Cirurgia Plástica no Brasil, identificou-se que 70% dos participantes desconheciam a normatização; no que se referia aos pré-requisitos dos programas, 61,1% relataram que o hospital dispunha de serviços complementares necessários ao atendimento ininterrupto dos pacientes e aos requisitos mínimos do programa, 66,7% consideraram que o acervo bibliográfico, incluindo livros e periódicos, estava parcialmente adequado ou inadequado, e 72,2% referiram ter 2 ou mais horas de reuniões científicas semanais (Tabela 2).

A participação em 5 a 10 cirurgias por semana foi reportada por 88,8% dos participantes; a maioria dos residentes afirmou participar de até 4 horas/semana como cirurgião e 11 a 20 horas/semana como auxiliar (Tabela 2). Com relação à carga horária do programa de residência, 80% eram destinados a atividades em ambulatório, enfermaria e centro cirúrgico e 20%, a atividades teóricas.

A maioria (66,7%) dos residentes já havia realizado apresentações em eventos científicos e 72,2% não tinham artigos publicados na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (Tabela 2).

Os procedimentos cirúrgicos mais frequentes foram de natureza estética (mamoplastia, abdominoplastia e lipoaspiração). O nível de abrangência do programa de residência médica incluiu temas de cirurgia plástica em geral, queimaduras, cirurgia oncológica e estética (Figura 1).


Com relação ao intercâmbio com outras áreas, prevaleceram as áreas de Dermatologia e Mastologia (Figura 2).


Os pontos positivos e negativos dos programas de residência médica apontados pelos participantes do estudo encontram-se expostos na Tabela 3.

Os resultados relativos à preferência pelo método de ensino e aprendizado indicam prevalência de tutorial e aulas presenciais e estão sintetizados na Figura 3.


A distribuição das atividades exigidas no programa de residência médica segundo a CNRM9 e os dados obtidos dos questionários são apresentados na Figura 4, evidenciando disparidades entre os procedimentos de cirurgia estética e os de cirurgia reparadora.


Dentre as sugestões de melhoria dos programas de residência médica, segundo a avaliação dos residentes, foram apontados, principalmente, a necessidade de aumentar a abrangência e o intercâmbio entre os serviços e o incentivo à produção científica (Tabela 4).

DISCUSSÃO

O foco central que se pretendeu explorar nesta pesquisa foi a percepção dos médicos residentes quanto aos programas desenvolvidos nos serviços credenciados pela SBCP no Distrito Federal.

O questionário foi desenvolvido com base no Regulamento Interno da SBCP e da CNRM. Este estudo teve como limitações a impossibilidade de obtenção de dados quantitativos referentes ao funcionamento dos programas de residência médica, limitando a aplicação de testes estatísticos. Trata-se, portanto, de um panorama inicial, de caráter qualitativo, que poderá orientar pesquisas futuras, para abordagem de aspectos específicos.

Foi identificado que grande parte dos entrevistados desconhecia ou apresentava conhecimento insuficiente da legislação que regulamenta programas de residência médica8, da Resolução da CNRM9 e do Regulamento Interno da SBCP10. A Resolução da CNRM prevê a seguinte distribuição da carga horária anual mínima: 10% em unidade de internação, 20% em ambulatório, 30% em centro cirúrgico, 10% em unidades de urgência e emergência, 10% em unidade de queimados, além de estágios obrigatórios em cirurgia craniofacial, cirurgia de mão, unidade de queimados, cirurgia reconstrutiva dos membros e da face, cirurgia da mama, microcirurgia reconstrutiva, cirurgia estética e cirurgia oncológica. A Resolução sugere, também, estágios opcionais em Dermatologia, Ortopedia e Traumatologia, Otorrinolaringologia, Oftalmologia, Ginecologia e outros, a critério da instituição. Por fim, a Resolução propõe, no mínimo, 85% de cirurgias reparadoras e, no máximo, 15% de cirurgias estritamente estéticas. Essa normativa está sendo cumprida nos Serviços do Distrito Federal. Entretanto, os procedimentos cirúrgicos mais frequentes nos serviços são de natureza estética, mamoplastia, lipoaspiração e abdominoplastia, coincidindo com a observação no estudo de Noone et al.11 e de avaliação da graduação médica americana12, que identificaram que o número de programas de formação em cirurgia reparadora é menor que o de outras especialidades. Isso representa o que tem ocorrido entre os cirurgiões plásticos já formados. Em estudo feito pela Sociedade Americana de Cirurgia Plástica, 1.250 cirurgiões plásticos afirmaram que o número de cirurgias plásticas reparadoras tem diminuído ao longo dos últimos 10 anos, em decorrência de escolha pessoal e do aumento da competitividade com outras áreas cirúrgicas. Pinder et al.13 verificaram a mudança no treinamento dos serviços de residência médica, à custa da diminuição do número de horas atuando em campo operatório, em decorrência da redução no atendimento de emergência e de cirurgia reparadora durante o treinamento.

A avaliação quanto à efetividade do treinamento de um cirurgião plástico do ponto de vista prático é ainda difícil. Rinard & Mahabir14 descreveram o resultado do estudo realizado no Scott & White Healthcare e Texas A&M Health Science Center, aplicando o questionário Electronic Residency Application Service a 5 especialidades, entre elas a Cirurgia Plástica. Esses autores destacaram os critérios para aprovação e ingresso nos serviços de residência médica. Carol et al.15 enfatizaram a necessidade de ensinar habilidades básicas de cirurgia plástica em estágio precoce, a fim de maximizar a qualidade no tratamento do paciente, a avaliação clínica e o treinamento da prática cirúrgica. Esses autores publicaram instrumento para avaliação da habilidade prática dos cirurgiões plásticos, o Objective Structured Assessment of Technical Skills (OSATS), utilizado para avaliação de educação, prática e destreza cirúrgica15. A proposta desses autores foi desenvolver um programa mais objetivo e encontraram achados confiáveis e significativos com seu método, que consistiu na avaliação do desempenho no reparo de laceração simples.

O European Working Time Directive (EWTD)16 publicou um guia para doutores em treinamento. As diretivas contidas no documento foram desenvolvidas pelo Department of Medical Education and Training Group e Medical Council e visaram a avaliar a qualidade da educação médica e do treinamento de médicos. O National Resident Matching Program17 fornece dados sobre os programas de residência médica nos Estados Unidos e a evolução ao longo dos anos. Jalali et al.18 publicaram resultado de entrevista a 20 treinandos em cirurgia plástica no Reino Unido após curso prático, com o objetivo de analisar o impacto de confiança, habilidades e entendimento na formação dos médicos, reforçando a necessidade de serviços de treinamento prático em Cirurgia Plástica. Esse estudo evidenciou, também, o impacto positivo do curso, pois 95% dos participantes se sentiram mais confiantes na realização de procedimentos como cirurgiões e como auxiliares. Vale ressaltar que, no Brasil, a Resolução da CNRM prevê que os programas dos cursos de residência médica deverão destinar no mínimo 10% e no máximo 20% de sua carga horária em atividades teórico-práticas, sob a forma de sessões de atualização, seminários, correlações clínico-patológicas ou outras, e que o restante da carga horária deverá ser utilizado em atividades práticas.

O conflito entre a formação de alta qualidade e a demanda dos serviços foi verificado quando os residentes referiram a falta de cirurgias estéticas em alguns serviços, de cirurgias reparadoras e atendimento de pronto-socorro em outros, e necessidade de intercâmbio com outras áreas. Essa dificuldade de conciliar o programa com a demanda é um tema recorrente. Wong et al.2 relataram que a deficiência na prática cirúrgica entre os cirurgiões plásticos no Reino Unido era um problema conhecido. Esses autores fizeram sugestões para melhorar a prática, entre elas cursos e demonstrações, consideradas importantes, mas insuficientes, pois a prática se desenvolve com participação no processo decisório e atuação no campo operatório. Como exemplo desses cursos, temos o treinamento prático em microcirurgia, com duração de uma semana, realizado em várias universidades. Como descrito por Dias et al.7, a rotina do curso de microcirurgia e do uso de microscópio deve ter início com treino de sutura em tecidos não-vivos, seguido de modelos vivos para anastomoses vasculares e transplantes. Mesmo assim, permanece o grande desafio dos preceptores em conciliar o treinamento com a necessidade dos serviços de saúde.

Outro aspecto que chama a atenção é o de acervo bibliográfico, publicações e incentivo à pesquisa. Esses fatores têm importante papel da residência médica, na educação do médico e na formação ética e profissional. Rinardi & Mahabir14 destacaram que a experiência em pesquisa pode influenciar, embora não garanta, o sucesso na carreira profissional.

Dentre os aspectos positivos dos programas de residência médica foi apontado o bom envolvimento dos preceptores, o número de horas de atividades teóricas e de participação cirúrgica, embora com menor carga horária de atuação como cirurgião. Os preceptores desempenham papel vital na preparação dos residentes, são eles que transmitem experiência e confiança, e procuram fornecer oportunidades para o desenvolvimento das competências dos alunos em treinamento. Os serviços apresentaram também a estrutura adequada ao atendimento, contrapondo-se ao acervo bibliográfico insuficiente relatado.

Davis et al.19 publicaram pesquisa realizada no encontro da British Association of Plastic, Reconstructive and Aesthetic Surgeons, que contou com a participação de 93 médicos em um curso que abordava os seguintes aspectos: conhecimento em cirurgia plástica, trabalho do cirurgião plástico, habilidade técnica para realizar procedimentos básicos de cirurgia plástica e interesse na especialidade. Esse autores demonstraram o impacto positivo do curso nos estudantes.

A experiência na especialidade advém de leitura, aulas, cirurgias e clínica8. Entre as opções para incremento do treinamento estão a prática em cirurgias reconstrutivas e no atendimento de emergência, pois o movimento cirúrgico é grande e tende a aumentar. Na Emergency Plastic Surgery Clinic do Sisli Etfal Training and Research Hospital20, foram realizados 10.732 atendimentos no período de 4 anos, o que permitiu o treinamento de abordagem em extremidades superiores, queimaduras, cirurgia de cabeça e pescoço e tecidos moles, com a aplicação prática dos princípios da cirurgia plástica, reconstrução e microcirurgia. O atendimento multidisciplinar é ideal na emergência, embora se observe falta de atuação das equipes de Cirurgia Plástica no cotidiano dos serviços de emergência. A maioria dos casos de urgência é encaminhada às equipes de Ortopedia, Cirurgia Bucomaxilofacial, Oftalmologia e Otorrinolaringologia.

Em alguns centros de treinamento, a microcirurgia tem sido, nos últimos 3 anos, a base de desenvolvimento da prática em cirurgia plástica. Os procedimentos mais realizados são reimplante digital, reconstrução de polegar e de mandíbula, e reparação de lesões de nervo periférico. Tanna et al.21 ponderaram que essa realidade reflete as mudanças no papel do cirurgião plástico em procedimentos reconstrutivos, afetando também a grade curricular dos programas de residência médica da especialidade. Dentre os fatores para redução dos procedimentos reconstrutivos, são apontados o crescimento da demanda por procedimentos estéticos e o maior atrativo econômico das cirurgias estéticas.

Dentre as sugestões para melhoria dos programas de residência, foram sugeridos pelos médicos entrevistados o intercâmbio em outros serviços que possam complementar a grade curricular e o incentivo à pesquisa19,21,22. Outras táticas para o treinamento prático foram descritas por Wong et al.2, como treinamento em laboratório, emprego da internet e telemedicina, cursos intensivos de curta duração, conferências, observação e acompanhamento de procedimentos cirúrgicos da especialidade. É óbvio que essas atividades não substituirão a experiência da prática cirúrgica, mas formam a base requerida para o desenvolvimento da habilidade técnica, muitas vezes já existente no cirurgião em treinamento. O risco do rodízio cirúrgico para aumentar o intercâmbio é o de não atender a melhor organização, em favor do maior número de horas, não necessariamente melhorando o treinamento e a segurança na realização dos procedimentos.

CONCLUSÕES

A percepção dos residentes em cirurgia plástica dos serviços credenciados do Distrito Federal foi positiva no que se refere a grade curricular do programa, estrutura para atendimento e desempenho da preceptoria. Quanto aos pontos negativos, foram apontados abrangência e distribuição da grade curricular, falta de atendimento de emergência, menor treinamento em procedimentos de natureza reparadora e reduzido em estágios de outras áreas, além de acervo bibliográfico insatisfatório e pouco incentivo à pesquisa. Dentre as sugestões de melhoria dos programas de residência médica, foram apontados, principalmente, a necessidade de aumentar a abrangência e o intercâmbio entre os serviços e o incentivo à produção científica.

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Artigo recebido: 5/6/2012

Artigo aceito: 10/12/2012

Trabalho realizado na Regional Distrito Federal da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Brasília, DF, Brasil.

Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.

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  • Correspondência para:

    Kátia Torres Batista
    SQN, 115 – Bloco I – ap. 205 – Asa Norte – Brasília, DF, Brasil – CEP 70772-090
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Set 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      05 Jun 2012
    • Aceito
      10 Dez 2012
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