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Diferença na repetição? alguns sentidos da mestiçagem e da “civilização brasileira” em movimentos culturais brasileiros

Difference through repetition? Interpretations of hybridization and “Brazilian civilization” in Brazilian cultural movements

Resumo:

A partir da bibliografia existente, não é difícil notar que atores como Carl Friedrich Philipp von Martius foram decisivos para constituição do que chamamos de uma langue e uma imagem da mestiçagem no Brasil, a partir das quais fora forjado um imaginário de que a especificidade da “civilização brasileira” seria fundada na mestiçagem de três raças. Argumentamos que Gilberto Freyre teve um papel de destaque na atualização e propagação desta langue ao argumentar que esta originalidade civilizacional se alicerçaria na mestiçagem e em um equilíbrio de antagonismos, construindo, deste modo, um esquema mental notavelmente conservador. Isso, porém, não impediu que essa matriz intelectual tenha sido revisitada, sistematicamente, em formas de pensamento encontradas em movimentos culturais e intelectuais críticos. Casos notáveis nesse sentido são: a antropofagia, o tropicalismo e alguns estudos pós-coloniais. À vista disto, o nosso trabalho tem as seguintes intenções: (i) expor as principais linhas do pensamento freyriano a respeito de uma civilização tropical miscigenada e (ii) escandir os usos que foram feitos deste imaginário e diagnóstico de Freyre pelos movimentos acima expostos, enfatizando algumas experiências intelectuais. Concluímos que, apesar de práticas desconstrutivas, a metonímia entre mestiçagem e construção de uma identidade nacional apaziguada é dominante.

Palavras-chave:
pensamento político e social brasileiro; mestiçagem; Gilberto Freyre; antropofagia; tropicalismo; estudos pós-coloniais

Abstract:

It is easy to note from the existing bibliography that actors such as Carl Friedrich Philipp von Martius were decisive in the constitution of what we call a langue and an image of miscegenation in Brazil. The idea that “Brazilian civilization” was exceptional was founded on an imaginary revolving around the miscegenation of three races. We argue that Gilberto Freyre played a prominent role in updating and disseminating this language by arguing that Brazil’s civilizational originality was based on miscegenation and a balance among antagonisms. In doing so, Freyre built a remarkably conservative mindset. This did not, however, prevent a systematic revisitation of this intellectual framework by critical cultural and intellectual movements. Notable cases in this regard are: anthropophagy, tropicalism and some postcolonial studies. This study explores these movements: (i) to expose the main lines of Freyre’s thought about a supposedly mixed-race tropical civilization and (ii) to reveal the uses that were made of this imaginary and of Freyre’s diagnosis by the above-mentioned movements. We conclude that, despite deconstructive practices, the metonymy between miscegenation and the construction of an appeased national identity is dominant.

Keywords:
Brazilian political and social thought; hybridization; Gilberto Freyre; anthropophagy; tropicalism; postcolonial studies

Introdução

Wittgenstein (2019, p. 90)WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas/ Philosophische Untersuchungen. Campinas: Wittgenstein translations, 2019., em certa ocasião, escreveu o seguinte: “Uma imagem nos mantinha presos. E não podíamos sair, pois ela estava em nossa linguagem, e esta parecia somente repeti-la inexoravelmente”. O estudo que aqui faremos pouco tem a ver com uma pesquisa sobre o pensamento do filósofo austríaco, contudo essa construção nos serve como ponto de partida.

A ideia de que o Brasil é uma nação providencialmente original pela sua mestiçagem foi urdida principalmente pela intervenção intelectual de Carl Friedrich Philipp von Martius (1844/1956)MARTIUS, Carl Friedrich von. Como se deve escrever a História do Brasil. Revista de História de América, Colima, v. 2, n. 42, p. 433-458, 1844/1956.. Sua dissertação, “Como se deve escrever a História do Brasil: Dissertação oferecida ao Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, pelo Dr. Carlos Frederico Ph. de Martius, acompanhada de uma biblioteca brasileira ou lista de obras pertencente à história do Brasil” (1840), ganhadora do concurso de melhor obra de como deveria ser escrita a história do Brasil, oferecia uma construção imagética segundo a qual as três raças existentes no Brasil, o branco (português/ europeu), o negro/africano e o indígena/nativo, feito três rios, fundariam a nacionalidade brasileira a partir da miscigenação. É notável, neste trabalho, a ideia de que, enquanto o rio dos brancos seria forte e poderoso, os rios que correspondem às raças “India” (indígena) e “Ethiopica” (negra), seriam pequenos confluentes os quais seriam absorvidos pelo portentoso rio da herança portuguesa e europeia. Isto é, trata-se de uma hierarquização racial.

Como nota Schwarcz (1997SCHWARCZ, Lilia. Usos e abusos da mestiçagem e da raça no Brasil. AFRO-ASIA, Salvador, v. 18, n. 2, p. 31-45, 1997.; 2018)SCHWARCZ, Lilia. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018., não é à toa que a dissertação de Martius saiu vencedora do concurso promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Ela, a um só tempo, oferecia um modelo sobre a suposta especificidade da civilização brasileira e conseguia fundir elementos da tradição monárquica europeia com as particularidades de uma nova nação “mestiça e tropical”. A construção de Martius, é preciso lembrar, logrou influenciar não apenas estudiosos da história do Brasil, mas também diversos agentes políticos. E mais: deu ossatura intelectual para o projeto de dotar o Império Brasileiro de uma particularidade frente a outras nações. Aqui, portanto, pode-se notar uma espécie de langue e imagem da mestiçagem de longa duração e que será operada por diversos atores ao longo da história.

Outros agentes, feito Silvio Romero, foram operadores importantes dessa langue e imagem da mestiçagem no sentido de dotar o Brasil de uma peculiaridade frente a outros países. Contudo, ao nosso ver, Gilberto Freyre teve um papel destacado na atualização e propagação desta langue, mesmo não sendo seu criador.

Propomos que Freyre, a partir de lances argumentativos inovadores sobre a relação entre raças e identidade no Brasil, operou uma atualização importante na langue da mestiçagem, a qual estruturou uma imagem positiva do Brasil como uma civilização tropical mestiça original. Propomos que essa langue é sistematicamente revisitada por movimentos intelectuais e culturais. Inclusive os assim chamados “de esquerda” e libertários, feito a antropofagia, o tropicalismo, e até mesmo segmentos dos estudos pós-coloniais. Sugerimos, ainda, que há, nestes movimentos (principalmente nos dois primeiros), continuidades com esse discurso, principalmente tendo em vista as atualizações freyrianas, dado que os atos de fala e argumentos, apesar de certas diferenças, concordam com o sentido mais geral do diagnóstico sobre a originalidade mestiça do Brasil. Desta forma, nos parece que uma imagem sobre o Brasil manteve cativa parte considerável do pensamento sobre o país. O nosso intento aqui é explorar a sua repetição em atores variados.

Ressaltamos que, apesar de inspirados em certa operacionalização pocockiana (POCOCK, 2003POCOCK, John. Linguagens do ideário político. São Paulo: EDUSP, 2003.), acreditamos que esta forma de compreensão, mais do que uma camisa de força metodológica que deve ser seguida à risca, oferece instrumentos criativos de leitura e interpretação de discursos. Desta forma, o seu uso aqui será despido de intenções “ortodoxas”. Cabe mencionar que, com isto, não queremos dizer que os atores aqui analisados são estruturados totalmente a partir do discurso da mestiçagem, mas sim que este é importante em seus esquemas intelectuais e políticos. Isso se dá porque textos são conformados por diversas linguagens e autores frequentam vários discursos. Gostaríamos de frisar que o nosso argumento não visa mostrar que os atores aqui estudados são conservadores. Na verdade, a nossa intenção é mostrar que esses autores revisitam o ideário sobre a mestiçagem e a forma como fazem isso.

O recorte que aqui operamos leva em conta os seguintes aspectos. Em primeiro lugar, privilegiamos a análise dessa langue, da qual Freyre é um operador privilegiado, em movimentos e atores libertários e críticos pelo fato de isso ser bastante escasso na bibliografia sobre estes agentes. Em segundo lugar, selecionamos a antropofagia e o tropicalismo para nosso estudo visto que são movimentos culturais decisivos na (re)construção de um imaginário recorrente sobre a brasilidade. Os estudos pós-coloniais, apesar de terem um caráter distinto, também são decisivos na reconfiguração de um imaginário intelectual sobre o Brasil. Em quarto lugar, privilegiaremos a produção simbólica de Oswald de Andrade e Caetano Veloso na antropofagia e no tropicalismo, respectivamente, pelo fato de serem personagens proeminentes de tais movimentos e deles portarem características estruturantes. Em quinto lugar, os estudos pós-coloniais aqui indicados enfatizam, justamente, a mestiçagem como forma de resistência à modernização ocidental unificadora. Em sexto lugar, a configuração e o intento deste artigo decorrem de sugestões já presentes nos trabalhos de outros pesquisadores, como veremos abaixo.

Apesar de uma aproximação aparentemente difícil, é possível sugerir que há uma linhagem de autores latino-americanos, feito José Vasconcellos, Gilberto Freyre, Oswald de Andrade e Silviano Santiago, que valorizam a mestiçagem como constitutiva de uma sociedade peculiar no Brasil e na América Latina (RICUPERO, 2013RICUPERO, Bernardo. O lugar das ideias: Roberto Schwarz e seus críticos. Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 3, n. 6, p. 525-556, 2013., p. 538). Isto, em chave distinta, também é notado por Martuccelli (2021, p. 22)MARTUCCELLI, Danilo. Crítica de la tesis de las ideas transplantadas: actores y estratégias. Dados, Rio de Janeiro, v. 64, n. 2, p. 1-29, 2021., para quem o elogio da mestiçagem seria comum no pensamento latino-americano e daria vazão a uma obsessão - tanto por autores conservadores, quanto por críticos pós-coloniais - de buscar as raízes societárias autênticas dos latino-americanos encobertas pela “ocidentalização”.

Por último, vale ressaltar que falamos em langue e imagem da mestiçagem, da qual Freyre é partícipe e atualizador, por dois motivos. Em primeiro lugar, pelo fato já explicitado de que este discurso o precede. Em segundo lugar, esse descentramento em relação à obra freyriana é importante para podermos explicar, por exemplo, como movimentos culturais, feito a antropofagia, tiveram contato com esse discurso antes do lançamento de Casa-Grande e Senzala.

O lance freyriano: civilização mestiça

Afirmamos que o pensamento de Gilberto Freyre trouxe novos tensionamentos e lances para o debate racial brasileiro (ARAÚJO, 1994ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e paz. São Paulo: Editora 34, 1994.) e que ele foi um operador decisivo no que chamamos de langue e imagem da mestiçagem no Brasil. Em sua operacionalização, dois pontos são decisivos.

Em primeiro lugar, distinguindo até certo ponto raça e cultura, Freyre valorizou, de forma hierarquizada, as contribuições do “português”, “do negro” e “do índio” - este de forma mais apagada (FREYRE, 2013FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. São Paulo: Global , 2013., p. 177). Deste modo, neste elogio obsessivo da mestiçagem, pôde ir além das teorias raciais deterministas que imperavam no Brasil e conseguiu vislumbrar a construção de outra identidade nacional em que a obsessão com um progresso com tintas europeias desse lugar a uma atenção à constituição mestiça das tradições no país (ARAÚJO, 1994ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e paz. São Paulo: Editora 34, 1994., p. 30). Assim, Freyre poderia conferir ao Brasil outra interpretação para além de atrasado e ensejou a criação de uma identidade coletiva para os diversos grupos que compõe a nação. Em suas palavras: “de formação portuguesa é a primeira sociedade moderna constituída nos trópicos com característicos nacionais e de qualidades de permanência” (FREYRE, 2013FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. São Paulo: Global , 2013., p. 73). A mestiçagem, no sociólogo, contudo, não pode ser vista como uma mistura com ares democráticos, dado que era conformada desde uma hierarquização em que o elemento luso era imperante. Em segundo lugar, Freyre não teria abandonado a categoria de raça, mas sim lançado mão de outra, neolamarckista (ARAÚJO, 1994ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e paz. São Paulo: Editora 34, 1994., p. 39), que pressupõe a capacidade ilimitada de adaptação dos homens ao ambiente que estão. Desta forma, o meio ambiente seria essencial para compatibilizar cultura e raça, sendo que esta última deveria ser lida como semelhante às características adquiridas pelo homem em seu exercício de adaptação e como garantidora da estabilidade cultural.

Seja como for, essa nova civilização moderna nos trópicos teria sido formada a partir do chamado equilíbrio de antagonismos (FREYRE, 2013FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. São Paulo: Global , 2013., p. 116). Assim, à diferença dos anglo-americanos que teriam o seu país dividido entre duas partes inimigas, a branca e a negra, o Brasil seria caracterizado por duas metades que, sem sacrifícios de uma ou outra, confraternizariam e se enriqueceriam mutuamente (FREYRE, 2013FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. São Paulo: Global , 2013., p. 418). Nessa perspectiva, as relações entre a raça branca, no país, com as outras, teriam se dado pela monocultura latifundiária e pelo que designou como “falta” de mulheres brancas na colônia. O primeiro elemento traria distinções aristocratizantes entre senhores e escravos; o segundo, por sua vez, criaria zonas de confraternização entre vencidos e vencedores (FREYRE, 2013FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. São Paulo: Global , 2013., p. 33). Deste modo, não é de se estranhar que o lócus máximo de realização desta nova nação tropical seja a família patriarcal instalada na casa-grande dos latifúndios. Comparando a colonização portuguesa no Brasil às colonizações levadas a cabo por outras nações europeias, o sociólogo pernambucano argumenta que aquela foi superior e logrou conformar uma nova nação. Uma das razões disso seria o fato de nossa unidade colonial ser a família patriarcal e não o indivíduo, o Estado ou as companhias de comércio, como em outros modelos coloniais. Note-se que o argumento de Freyre contou com um processo duplo de idealização. O sociólogo exclui quase completamente as relações econômicas de venda e compra de escravizados, amainando o papel mercantil estrutural da escravidão na Colônia (PRADO JR., 2011PRADO JR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.; SCHWARZ, 1997SCHWARZ, Roberto. Duas meninas. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.). Ademais, até no chamado “âmbito doméstico”, o sociólogo pernambucano docilizava as relações de opressão sexista e racista de senhores e sinhás em relação aos escravizados, pintando-as como ternas (GONZÁLES, 1984GONZÁLES, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista ciências sociais hoje, São Paulo, v.4, n. 1, p. 223-244, 1984.).

Deste modo, é possível afirmar que o conservadorismo particular de Freyre se assentava numa defesa da ordem patriarcal e de uma avaliação positiva do passado escravocrata (RICUPERO, 2010RICUPERO, Bernardo. O conservadorismo difícil. In: FERREIRA, G. N.; BOTELHO, A. (orgs.). Revisão do pensamento conservador. São Paulo: Hucitec, 2010. p. 76-95.). Em termos comparativos, Freyre teria proximidade com outro autor conservador de relevo no Brasil: Oliveira Viana. Ambos positivam o papel do latifúndio autossuficiente e do patriarcalismo na formação nacional. Todavia, divergem quanto ao Estado e quanto às questões raciais. Viana preconizava a ação racional de um Estado centralizado na organização da sociedade civil brasileira e via a mestiçagem como um mal social que seria extirpado por meio de um arianismo racista. Freyre, por sua vez, defendia as realizações da família patriarcal contra um Estado centralizador e ratificava a mestiçagem como fator essencial para a construção da “civilização brasileira”. Deste modo, o intelectual pernambucano, ao elogiar a dispersão do poder, se manteria mais fiel ao pensamento conservador clássico, e Viana, por seu turno, logrou idear um conservadorismo fortemente estatista dotado de continuidade em outro agentes políticos (RICUPERO, 2010RICUPERO, Bernardo. O conservadorismo difícil. In: FERREIRA, G. N.; BOTELHO, A. (orgs.). Revisão do pensamento conservador. São Paulo: Hucitec, 2010. p. 76-95.). Sem negar a comparação de Ricupero, parece-nos que o diagnóstico freyriano sobre a mestiçagem no Brasil teve uma continuidade também sistemática, a despeito de dificuldades de Freyre em levar até as últimas consequências a defesa da escravidão. Desta forma, pode-se ver nele uma espécie de conservadorismo culturalista oposto ao conservadorismo estatista de Viana (LYNCH; PAGANELLI, 2017LYNCH, Christian; PAGANELLI, Pía. The culturalist conservatism of Gilberto Freyre: society, decline and social change in Sobrados e Mucambos. Sociologia e Antropologia, Rio de Janeiro, v. 7, n. 3, p. 879-903, 2017.).

Continuando nossa exposição, é preciso ter em vista que as teses conservadoras de Freyre tiveram carreira política importante no Brasil. Apesar da oposição que o sociólogo fez ao Estado Novo, suas teses foram decisivas para a construção de uma ideia unificada de povo brasileiro e uma síntese da nacionalidade (BASTOS, 2006BASTOS, Elide Rugai. As criaturas de prometeu. São Paulo: Global, 2006.; GOMES, 2013GOMES, Ângela Maria de Castro. História e historiadores. São Paulo: FGV Editora, 2013.; SCHWARCZ, 1995SCHWARCZ, Lilia. Complexo de Zé Carioca. Revista brasileira de ciências sociais, São Paulo, v. 29, n. 10, s./p., 1995.) - que também foi utilizada como ideologia de Estado durante a Ditadura Militar (GUIMARÃES, 2012GUIMARÃES, Antônio Sérgio. Racismo e antirracismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2012., p. 66). Deste modo, o empreendimento estado-novista torna-se, também, um momento essencial para se entender a confecção do mito da democracia racial brasileira, em que o pensamento de autores como Euclides da Cunha, Oliveira Viana e Gilberto Freyre foram chamados à baila, cabendo ao último, no entanto, primazia nessa construção ideológica. Figura destacada, aliás, para compatibilização entre o ideário freyriano e a confecção de um estado autoritário, foi Almir de Andrade (1940)ANDRADE, Almir. Força, cultura e liberdade. Rio de Janeiro: José Olympio, 1940., editor da revista Cultura Política (do Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo), que forjou a noção de um Estado plástico, a partir do qual seria possível conciliar um Estado centralizador e os fluxos culturais do povo (DIAS, 2019DIAS, Weslley. O Estado Novo como propositor da nação. REVES, Viçosa, v. 2, n. 4, p. 540-555, 2019.). De qualquer maneira, o Estado Novo passou a caracterizar o povo brasileiro como uma raça de mestiços dotados de uma moralidade positiva e superior.

Assim, não se tratava mais, propriamente, de uma ideologia do branqueamento e nem de uma hierarquização explícita entre raças e sim a operação de identificação da ideia de mestiçagem com a noção de democracia racial. Isto é, a mestiçagem teria um caráter integrativo no qual qualquer um dos elementos nele presentes seriam absorvidos numa totalidade sem conflitos. Desta forma, a mestiçagem “diluía não só a ‘diversidade’ como também a ‘desigualdade’ entre índios, negros e brancos, gerando uma ‘área de igualdade’ que se traduzia, magnificamente, por uma categoria político-cultural” (GOMES, 2013GOMES, Ângela Maria de Castro. História e historiadores. São Paulo: FGV Editora, 2013., p. 193). A construção dessa ideia de igualdade marcava uma distinção com a igualdade vivenciada por nações europeias. Assim, a incursão nos fundamentos da suposta democracia racial brasileira era uma forma de afirmação das especificidades da democracia no Brasil, que não era política e sim social. Ou seja, como a sociedade brasileira detinha um conteúdo democrático intrínseco, não seria necessário dar ouvidos às ideias formais europeias de cidadania e direitos políticos. Com essa democracia social e racial genuína, portanto, seria dispensável uma democracia política no país.

Essa construção mestiça de uma democracia racial perdura no tempo e vai influenciar inúmeros autores, até mesmo do campo progressista (MUNANGA, 1999MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem. Petrópolis: Vozes, 1999.) cujas posições, tendo origem no pensamento de Freyre, alimentariam tanto a ideia de que falar em raça e negritude no Brasil seria uma imitação colonista (GUIMARÃES, 2012GUIMARÃES, Antônio Sérgio. Racismo e antirracismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2012., p. 60) do modelo americano de racialização (RISÉRIO, 2007RISÉRIO, Antônio. A utopia brasileira e os movimentos negros. São Paulo: Ed. 34, 2007.; BENJAMIN, 2002BENJAMIN, César. Ensaios brasileiros. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002.; VELOSO, 2005VELOSO, Caetano. O mundo não é chato. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.), quanto a noção de que o enfrentamento das desigualdades raciais brasileiras deveria ser feito, exclusivamente, a partir de políticas abstratas de justiça social.

Antropofagia, mestiçagem e a Luisiana católica

Agora, pretendemos mostrar como essa ideia da mestiçagem se apresenta em Oswald de Andrade. Ricupero (2018)RICUPERO, Bernardo. O original e a cópia na antropofagia. Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, p. 875-912, 2018. já havia pontuado que, em vários momentos, as ideias sobre antropofagia não iriam muito além da síntese por meio da mestiçagem. Algo que pode ser visto em passagens sobre a antropofagia nas edições de número quatro da primeira e segunda dentições da Revista de antropofagia (MACHADO, 1928/2014MACHADO, Antonio de Alcantara. A entrada dos mamalucos. Revista de antropofagia, n. 4, p. 1, 1928/2014., p. 1; SUCURSAL DO RIO DE JANEIRO, 1929/2014SUCURSAL DO RIO DE JANEIRO. Sabença nacional. Revista de antropofagia, n. 4, 1929/2014, s/p. , s/p.).

Na publicação da primeira dentição, Antonio Alcântara Machado inicia o artigo ressaltando o caráter poético do anuário demográfico. Deste, a seção mais “deliciosa” seria a parte sobre os casamentos. Machado sublinha um elemento que para ele seria muito positivo: de 1894 até 1924 o número de casamentos entre brasileiros e estrangeiros aumentou enormemente. Desta forma, os estrangeiros teriam se atirado “feio na prata da casa” (MACHADO, 1928/2014MACHADO, Antonio de Alcantara. A entrada dos mamalucos. Revista de antropofagia, n. 4, p. 1, 1928/2014., p. 1) e foram devorados antropofagicamente pelos brasileiros - e não o contrário. O que, para o autor, configuraria uma legítima antropofagia. Na publicação da segunda dentição, aponta-se, depois de um elogio ao “gostoso” catolicismo popular brasileiro, sincrético e mestiço, que a antropofagia seria uma revolta da sinceridade recalcada durante 400 anos contra a civilização de fachada e da inferioridade do mestiço trabalhador contra o ariano corroído pela decadência. Ademais, a Antropofagia seria uma comunhão que resolveria o “problema da formação da língua brasileira e do Brasil brasileiro” por meio do mais “ingênuo e brasileiro processo nacionalizador que é esse de assimilação de qualidades” do que vem de fora. É preciso notar aqui que Casa-grande e senzala seria apenas lançado em 1933, mas, como comentado na introdução deste trabalho, já é possível notar uma positivação da mestiçagem na antropofagia desde a primeira dentição da Revista de Antropofagia - dado que a langue e imagem da mestiçagem antecedem Gilberto Freyre e sua operação inovadora.

Além da Revista de antropofagia, outros elementos interessantes podem ser encontrados no artigo “Aqui foi o Sul que venceu”, da lavra de Oswald de Andrade e publicado em 1943. Nele, Andrade aponta que, enquanto nos EUA o sul atrasado foi vencido, aqui, no Brasil, o Sul é que venceu. Nesse sentido, se nos EUA o industrialismo setentrional ganhou e passou a ser hegemônico, no Brasil, caracterizado por uma cultura agrária e sentimental, o que prevaleceria não seria a interferência materialista da era das máquinas. Pelo contrário, teriam se alastrado “coordenadas de superior inteligência humana, a característica civilização luso-tropical que nos ensinou a igualdade prática das raças e boa vontade como elo do trabalho, da cooperação e da vida”. Deste modo, “no continente americano, o Brasil é o Sul sensível e cordial que venceu” e, portanto, aqui, a “Luisiânia latina, católica e mestiça” teria prevalecido (ANDRADE, 1971ANDRADE, Oswald de. Ponta de lança. São Paulo: Civilização Brasileira, 1971., p. 51).

No mesmo artigo, o intelectual paulista critica os sociólogos arianos detratores da mestiçagem e contrapõe criticamente a germanizada Santa Catarina, que, para ele, não teria utilidade para a Nação, aos belos rumos nacionais indicados pela hibridização que teria oferecido ao Brasil: a sociologia de Euclides da Cunha, os romances de Machado de Assis e a poesia de Gonçalves Dias. Mestiçagem na qual São Paulo, por ter sido “café, fazenda e terra”, tomaria parte. Assim, esses sociólogos arianos não veriam a riqueza trazida por uma série de povos africanos para o Brasil e aplaudiriam o saneamento praticado por nações brancas - como os Estados Unidos. É interessante notar, ainda, que Oswald de Andrade discute com Oliveira Viana, cujas teses racistas e arianas apontariam a existência de uma parcela branca no Brasil não contagiada pela mestiçagem. Porém, se Viana veria essa porção populacional com esperança, Andrade apontaria nela a parte fracassada da nação.

Em “A marcha das utopias”, de 1953, o autor paulista não deixará de enaltecer o Brasil como uma oposição à Reforma, que construiu, no Norte, países talhados segundo um utilitarismo mercenário e mecânico. Como contraponto, o Brasil seria uma forma de utopia realizada da Contrarreforma, cujo sustentáculo seria a miscigenação que aconteceu no país. Por conseguinte, o país seria “a Caravela que ancorou no paraíso ou na desgraça da selva”, a “Bandeira estacada na fazenda” (ANDRADE, 2011ANDRADE, Oswald de. A utopia antropofágica. São Paulo: Globo, 2011., p. 228). Desta forma, para Andrade, a tarefa essencial dos brasileiros seria consolidar os contornos morais, psíquicos e históricos perdidos.

Em ensaio posterior, intitulado “Descoberta da África”, Oswald de Andrade (2011)ANDRADE, Oswald de. A utopia antropofágica. São Paulo: Globo, 2011. faz outro elogio ao pensamento de Freyre, o qual não teria se deixado seduzir pelas visões dólico-loiras. O sociólogo de Apipucos teria feito penetrar no pensamento sobre o Brasil uma visão honesta e rica sobre a constituição particular do país, em que “a contribuição africana” foi temperada mestiçamente pelo seu encontro com os elementos português e indígena (ANDRADE, 2011ANDRADE, Oswald de. A utopia antropofágica. São Paulo: Globo, 2011., p. 323).

À vista do exposto, não é sem motivo que Cocco (2009, p. 258)COCCO, Giuseppe. Mundo-braz. São Paulo: Record, 2009. assevera que é “absolutamente claro que Oswald aposta na mestiçagem, e, para fazê-lo, ele mitiga - acompanhando muito de perto a pauta de Gilberto Freyre - toda a análise do sistema escravista e colonial do qual ela se originou”. Rosana Paulino, de forma parecida, argumenta que a antropofagia tomou o negro para devorá-lo enquanto objeto e não para reconhecê-lo como sujeito na construção de uma narrativa comum (ROFFINO, 2018ROFFINO, Sara. Is Brazil’s most famous art movement built on racional inequality? A new Literatura argues “yes”. 2018. Disponível em: Disponível em: https://news.artnet.com/art-world/tarsila-part-ii-1238654 . Acesso em: 05 jul. 2021.
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).

Precisamos pontuar, todavia, que a posição de Oswald de Andrade é diversa daquela do sociólogo pernambucano num ponto importante: a exaltação da rebeldia de setores vistos como passivos por Freyre. Em seu “Manifesto Antropófago”, são diversas as investidas contra o índio catequizado idealizado por setores conservadores do pensamento nacional e, em outro escrito, chama a atenção o fato de Andrade, contra o juízo de Lobato, positivar a figura de Jeca Tatu como um unificador da nacionalidade, contrário ao arianismo, e clamar pela sua rebeldia, feito “a rocha viva que Euclides sentiu na Stalingrado jagunça de Canudos” (ANDRADE, 1971ANDRADE, Oswald de. Ponta de lança. São Paulo: Civilização Brasileira, 1971., p. 8).

Considerando o que foi mostrado até aqui, pode-se notar algumas similaridades entre a antropofagia/Oswald de Andrade e o pensamento de Gilberto Freyre. Em primeiro lugar, vê-se uma valorização da especificidade da colonização portuguesa no Brasil, uma vez que o português seria mais aberto à miscigenação. Em segundo lugar, há uma celebração da mestiçagem como meio de construção de uma civilização superior aos países protestantes e liberais. Por último, é preciso reconhecer a presença de um tópos decisivo do pensamento arielista latino-americano em Oswald de Andrade e em Freyre: a acentuação da brasilidade mestiça frente ao utilitarismo materialista do Norte protestante. Não obstante, há uma diferença importante: enquanto os primeiros arielistas (Rubén Darío, Paul Groussac, José Enrique Rodó) deixavam de lado elementos populares, indígenas, negros e mulheres, devido ao seu patriarcalismo e sua preocupação em conformar uma raça latina ocidental (MIGNOLO, 2012MIGNOLO, Walter. The idea of Latin America. Malden: Blackwell, 2012.), nos autores aqui vistos, tais setores, de forma paradoxal, têm um lugar de destaque na intepretação - o que, porém, não se converte em protagonismo. Desta maneira, afastando Oswald de Andrade da perspectiva calibanesca (JÁUREGUI, 2008JÁUREGUI, Carlos. Canibalia. Madrid: Iberoamericana editorial, 2008.), poderíamos ver, nele e em Gilberto Freyre, a construção de um arielismo miscigenado.

Há que se indicar, agora, diferenças importantes entre os intelectuais citados. Primeiro, enquanto Oswald de Andrade, em vários momentos, assumiu posições políticas progressistas e até revolucionárias, Freyre, geralmente, escolheu posições conservadoras e a construção de projetos políticos repressivos, como no apoio à ditadura militar brasileira e ao imperialismo salazarista. Segundo, se o sociólogo pernambucano era um entusiasta do regionalismo com tintas conservadoras (FREYRE, 1996FREYRE, Gilberto. Manifesto regionalista. Recife: FUNDAJ; Massangana, 1996.), Andrade e seu modernismo se entusiasmavam pelas vanguardas europeias.2 2 Freyre, inclusive, criticará o que concebe como estrangeirismos e ambuiguidades decorrentes do entusiasmo antropofágico pelo externo (CHACON, 1993; ALMEIDA, 2017). Terceiro, se o recurso aos discursos sobre os negros, em Freyre, é mais sistemático que a respeito dos indígenas, em Andrade e na antropofagia, dá-se o contrário. E mais: se as pessoas negras, no discurso freyriano, aparecem enquanto dominadas pela família patriarcal, o indígena de Oswald de Andrade é o antropófago desrecalcado e não o índio catequizado do movimento Anta. Quarto, não podemos esquecer que Andrade critica o passadismo de Freyre, seu regionalismo exacerbado (ANDRADE, 1971ANDRADE, Oswald de. Ponta de lança. São Paulo: Civilização Brasileira, 1971., p. 97) e sua tendência ao luso (ao nordeste luso), tentado elevar “o branco suspeito da primeira América a padrão de nacionalidade”, deixando de lado, portanto, neoimigrados (como sírios, italianos e judeus), os quais traziam para cá milênios de civilização e “sobretudo o brasão simples do trabalho” (ANDRADE, 2002ANDRADE, Oswald de. Feira das sextas. Sala preta, São Paulo, v.1, n. 1, p. 206-208, 2002., p. 207). Seja como for, há similitudes significativas nas formas de pensar de Andrade e Freyre.

Caetano Veloso e uma tropicalidade mestiça

Um tratamento a respeito da mestiçagem, muito próximo do que havia disso escrito por Gilberto Freyre, pode ser visto na experiência intelectual de Caetano Veloso.

Para melhor explicitar o nosso ponto, trabalharemos, principalmente, com três ensaios de Veloso. Sabemos da limitação deste procedimento, dado que o autor em questão é, sobretudo, um cantor. Como nota sobre o assunto, é visível que setores destacados da MPB e do próprio tropicalismo recuperavam elementos decisivos do pensamento de Gilberto Freyre sobre a mestiçagem enquanto constitutiva da diferença brasileira (RIDENTI, 2010, p. 13). Desta feita, podemos indicar uma relação importante entre o tropicalista Caetano Veloso e o imaginário da mestiçagem de corte freyriano.

Ademais, de forma mais certeira, é necessário lembrar que um sebastianismo moderno e desejante de uma nova civilização no Atlântico Sul, pensado pelo filósofo português Agostinho da Silva, atraia fortemente Veloso desde meados de 1950 (LEAL, 2021LEAL, Claudio. O sebastianismo de Caetano Veloso. Quatro cinco um, abr. 2021.). A vinda do filósofo português se deu dentro de uma política mais geral de modernização cultural fiada pelo então reitor da Universidade Federal da Bahia, Edgar Santos - cujos efeitos foram decisivos para a avant-garde baiana (RISÉRIO, 1995RISÉRIO, Antônio. Avant-garde na Bahia. Salvador: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1995.). A influência sebastianista tornou-se ainda mais pronunciada entre os anos de 1968 e 1969. Neste período, a figura de Dom Sebastião, bem como seus ecos míticos pessoanos, esteve presente em algumas das canções e happenings de Veloso. Outro momento marcante, nesse contexto, é quando, já no exílio e em companhia de Roberto Pinho (discípulo de Agostinho da Silva), o cantor baiano visita um alquimista português que “revela” o caráter sebastianista de sua canção Tropicália. Frise-se que este sebastianismo via a continuidade do destino transcendente de Portugal, fundamental para os rumos do mundo, nas colônias de ultramar, principalmente na “aventura histórica” do Brasil, e que um dos pilares fundamentais sobre o qual se assentava seria o caráter mestiço e sincrético desta grande civilização luso-tropical, superior ao norte protestante (VELOSO, 2017VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras , 2017., p. 339-345). Algo que teria ficado ainda mais pronunciado, para Veloso, com a leitura feita por ele e Jorge Mautner (LEAL, 2021LEAL, Claudio. O sebastianismo de Caetano Veloso. Quatro cinco um, abr. 2021.) da obra China tropical (FREYRE, 2009FREYRE, Gilberto. China tropical. São Paulo: Global, 2009. ), em que o Brasil, podendo combinar tradições primordiais e tecnologia avançada, seria o guia de outras civilizações.

A presença musical desse sebastianismo agostiniano já tinha sua aparição planejada em forma de irrupção poética durante o happening “É proibido proibir”, apresentado no III Festival Internacional da Canção. Nele, o cantor declamaria passagens do poema “D. Sebastião” - do livro Mensagens, de Fenando Pessoa (VELOSO, 2017VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras , 2017., p. 307-310). Entretanto, em função das vaias e reações da plateia, o planejado não ocorreu e Veloso termina por dizer ao público: “Hoje não tem Fernando Pessoa”. Seja como for, esse “misticismo” racional sebastianista que enxergava um grande destino para o mestiço Brasil comparece em outras de suas músicas (ou nos significados que foram assumindo ao longo do tempo) (LEAL, 2021LEAL, Claudio. O sebastianismo de Caetano Veloso. Quatro cinco um, abr. 2021.) - “Tropicália” (1968), “Os argonautas” (1969), “Três caravelas” (1969), “Um índio” (1976), “Nu com minha música” (1981), “Outros românticos” (1989), “Bahia, minha preta” (1993), “Onde o Rio é mais baiano” (1997), “Meu Coco” (2021) etc. - e em alguns ensaios. Analisaremos estes últimos.

O tropicalista, no ensaio “Don’t look black? O Brasil entre dois mitos: Orfeu e democracia racial”, de 2000, refletindo sobre as diferentes acolhidas do público brasileiro à peça Orfeu da Conceição, de Vinicius de Morais, e ao filme Orfeu Negro, dirigido por Marcel Camus, engata algumas reflexões a respeito do racismo no Brasil. Veloso afirma que comentaristas ficam espantados com a existência de racismo no país - como se a escravidão “sarasse” por milagre -, contudo, o próprio cantor baiano argumenta que a evidência básica da identidade entre os humanos encontrou, no país, formas de se impor contra o racismo e as teorias que o embasavam. Nesse sentido, ninguém poderia jogar fora o “acervo conquistado nesse processo”, de modo que a “experiência brasileira deve ser enriquecida com as críticas ao mito da ‘democracia racial’, não desqualificada por elas” (VELOSO, 2005VELOSO, Caetano. O mundo não é chato. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p. 29).

Se, até meados do século XX, o sonho brasileiro consistia no branqueamento de sua população, com Gilberto Freyre pode-se dar uma positivação do julgamento do mestiço, o que “representou a liberação de uma autoimagem racialmente eufórica dos brasileiros, e a expressão ‘democracia racial’ insinuou-se como rótulo adequado dessa euforia” (VELOSO, 2005VELOSO, Caetano. O mundo não é chato. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p. 29). Democracia racial que fora atacada obsessivamente por cientistas sociais e militantes políticos, “de tal forma que quase se pode falar num mito do mito da democracia racial” (VELOSO, 2005VELOSO, Caetano. O mundo não é chato. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p. 30). A partir da celebração desta experiência brasileira da mestiçagem, Veloso pode vislumbrar, igualmente, uma positivação desta construção frente à situação racial nos EUA - rasgado por divisões intensas.

Essa “experiência brasileira” também teve presença marcada na conferência “Diferentemente dos americanos do Norte”, de 1993. Seguindo alguns raciocínios de Antonio Cicero e Agostinho da Silva, o tropicalista pensa não só o lugar do Brasil no mundo, mas o possível caminho que a civilização brasileira pode dar à humanidade. Em seu argumento, Veloso vê o país num paradoxo: podendo dar caminhos para o resto do mundo, a nação brasileira ainda não havia resolvido problemas que outros países tinham solucionado. Mesmo assim, uma das vantagens que vê no horror brasileiro é que muito ainda poderia ser feito. Tomando de empréstimo termos da astronomia, ele argumenta que é importante que o Brasil afirme fatores de entropia, como o respeito às formalidades das leis e dos direitos, bem como o aprendizado tecnológico. A nação, todavia, não pode deixar de lado o caos, “o desequilíbrio onde viceja a violência e a perversão e também o talento excepcional e a inventividade, os caprichos e os relaxos, as vanguardas estéticas e os exotismos sexuais” (VELOSO, 2005VELOSO, Caetano. O mundo não é chato. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p. 62). É nesse caldo heteróclito que deve estar a resposta brasileira ao mundo. De que forma? Recuperando, mesmo que inconscientemente, alguns tópicos do pensamento arielista latino-americano - salpicado pelas ideias de mestiçagem -, Veloso argumenta que o Brasil é não só parte do Ocidente, mas uma das partes mais importantes, já que este país novo, imenso, original, tropical, mestiço e lusófono (VELOSO, 2005VELOSO, Caetano. O mundo não é chato. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p. 63) conteria em si as características ocidentais mais radicais, a saber: a ênfase no ideal, no sensual e na beleza, aproximando-o da Grécia e Roma. Tais qualidades o levariam a uma superação - no sentido de transcender incorporando - do estágio nórdico do mundo e sua acentuação bárbara na tecnologia e no materialismo.

Em 2017, no prefácio à terceira edição de Verdade tropical, o cantor baiano aprofundará as considerações a respeito da especificidade brasileira. Julgando Huntington e Fukuyama como apologistas do ocidentalismo e do capitalismo, Veloso pontua que o programa de humanidade mínima, que os dois ideólogos citados atribuem ao Ocidente, era um projeto construído pela humanidade em várias partes do globo, cujos esboços “surgiram na Índia e na China, na África e, de certa forma, em toda parte” (VELOSO, 2017VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras , 2017., p. 26). Esta proposta mínima teria aparecido, em sua roupagem mais radical, em Antonio Cicero, visto que este defendia uma abertura radical às diferenças culturais e nacionais. Porém, é importante notar que, para este intelectual, o Brasil e seus habitantes teriam um papel especial e protagonista no planeta. Para acentuar isto, Cicero resgata até mesmo o elogio que Nietzsche (2003, p. 95)NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. São Paulo: Companhia das Letras , 2003. fez, no aforismo 197 de Além do bem e do mal, ao homem tropical - que seria o contrário dos homens medíocres e morais das zonas temperadas. A partir daí, o cantor baiano pontua que a crítica de Roberto Schwarz (2012)SCHWARZ, Roberto. Martinha versus Lucrécia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. - de que seria uma apologista da globalização - não procederia tanto assim, dado que o “mito do Brasil original e instaurador do Reino do Espírito Santo era a imagem que representava” seu “desacordo com a uniformização do mundo a partir do modelo do Atlântico Norte” (VELOSO, 2017VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras , 2017., p. 26). Ademais, o artista afirmará que o tropicalismo tinha responsabilidade frente a este homem tropical, no qual enxergava um dínamo histórico escondido para renovação da civilização.

Repetindo o raciocínio de Agostinho da Silva a respeito da necessidade de Portugal civilizar a Europa, Veloso dá outra volta em seu pensamento. Visto que, agora, o modelo luso seria interessante, dentre outras coisas, pois lá estaria no poder um partido de esquerda, que resistia à austeridade imposta pela União Europeia, e que reafirmaria a presença cultural refinada de Portugal na Europa. Além desta diferença de pensamento frente aos ensaios anteriormente explorados, é importante ressaltar que o cantor brasileiro irá acentuar tanto a nossa originalidade (decorrente da mestiçagem) que julgará o Brasil como extraocidental e não mais “o Ocidente ao ocidente do Ocidente”. De qualquer modo, ainda seríamos, no melhor sentido, ocidentais e latinizados. Dotados de uma vocação que poderia criar outro caminho para a ordem global.

Outra volta do argumento velosiano a respeito da peculiaridade brasileira pode ser vista no histórico de mudança de título de seu livro Verdade Tropical. A princípio, a obra deveria ser intitulada Boleros e civilização. Essa nomeação se daria pela aglutinação entre os títulos Eros e civilização, livro de Herbert Marcuse, e Vereda tropical, telenovela exibida pela Rede Globo entre os anos de 1984 e 1985. Além do sabor escarninho desta junção, e para além da sabida influência de Marcuse sobre os chamados setores da contracultura mundial e da importante recepção tropicalista da sua obra (MENEZES, 2019MENEZES, Adriano. Marcuse boys: recepções de Marcuse no Brasil. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Instituto de Filosofia, Artes e Cultura, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2019.), é importante ver algo mais profundo na troca de Eros por Boleros. Em linhas bastante gerais, Eros, desde Freud (2010)FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2010., pode ser lido como princípio vital geral em oposição a Thanatos, o instinto de morte. Marcuse (1975)MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. indicará, num diagnóstico que conjuga Freud e Marx, que o princípio vital fora sistematicamente subjugado pelo princípio do desempenho (forma histórica predominante do princípio de realidade) decorrente do avanço do capitalismo e do fetichismo da mercadoria. O que sugerimos é que a originalidade da civilização brasileira, explorada por Veloso, seria uma espécie de princípio vital que seria subjugado, por vezes, pelo princípio da realidade do materialismo tecnicista do Norte Global. Mas que, ao fim e ao cabo, mostraria um caminho de vitalidade e de arranjo social mais feliz do que o proposto pela via desencantada dos países setentrionais. Ademais, poder-se-ia ver, da mesma forma, um exercício de aclimatação das forças de Narciso e Orfeu - contrárias aos ímpetos de dominação produtivista de Prometeu - ao Brasil quando Veloso elogia aspectos da sensualidade nativa brasileira e quando, ao comparar o país com o ocidente greco-romano, lembra que a antiguidade clássica era dada ao desenvolvimento de virtudes pessoais, intelectuais e artísticas e não ao furor tecnológico. Elementos que, no fim das contas, abririam um caminho civilizacional diverso ao do utilitarismo do Norte.

Apesar da continuidade com a imagética e a langue da mestiçagem, principalmente de matriz freyriana, é possível apontar diferenças importantes entre o cantor baiano e o sociólogo de Pernambuco. Primeiramente, há uma diferença simbólica significativa entre ambos: Veloso era um artista e Freyre um sociólogo. Se ambos fizeram produções simbólicas de impacto no imaginário brasileiro partiam de campos distintos. Em segundo lugar, a tese freyriana de uma colonização portuguesa superior as demais, em Veloso, é mediada pelos raciocínios de Agostinho da Silva a respeito do Sebastianismo. Deste modo, parte do arcabouço conceitual que estrutura o pensamento de Veloso é pautado num vocabulário mais metafísico e próximo de Richard Morse (1988)MORSE, Richard. O espelho de Próspero. São Paulo: Companhia das Letras, 1988., que se concentrava nas macroescolhas civilizacionais dos povos. O pensamento de Freyre, por sua vez, sustenta-se numa conceituação que tomava de empréstimo lições da sociologia e antropologia culturais. Em terceiro lugar, se Gilberto Freyre era politicamente conservador, o cantor baiano optou pelo campo político progressista, algo que ele mesmo narra em ensaio no qual expõe seus posicionamentos (VELOSO, 2016VELOSO, Caetano. Um voto. Revista fevereiro, São Paulo, v. 1, n. 9, p. 1-12, 2016.) - o que não era feito sem contradições (SCHWARZ, 2012SCHWARZ, Roberto. Martinha versus Lucrécia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.). Em quarto lugar, a carreira artística de Veloso foi estruturada tendo em vista a consecução de procedimentos de neovanguarda, juntando arranjos da Música Nova, temas e construções da música popular brasileira e estilos importados de vanguardas pop internacionais, o que destoa sensivelmente das escolhas estéticas de Freyre, assentadas numa crítica severa ao que era importado e em certo passadismo que ressaltava características do “regionalismo nordestino” (FREYRE, 1996FREYRE, Gilberto. Manifesto regionalista. Recife: FUNDAJ; Massangana, 1996.).

Apesar destas distinções, é preciso ressaltar que o imaginário de Veloso sobre o Brasil endossa a imagem e langue da mestiçagem, principalmente de corte freyriano, a respeito do país e de sua originalidade enquanto uma nova nação mestiça tropical.

Alguns estudos pós-coloniais: hibridização contra o Norte Global

Os estudos pós-coloniais são numerosos e variados. Não obstante, pontos em comum entre eles são: a tematização da relação antagônica de diferença colonial entre colonizadores e colonizados, o descentramento de narrativas ocidentais hegemônicas, os questionamentos das visões europeia e estadunidense sobre a modernidade, a crítica a um universalismo ocidentalista e a valorização, enquanto política e fonte de conhecimento, das histórias e saberes dos povos colonizados (COSTA, 2006COSTA, Sérgio. Desprovincializando a sociologia: a contribuição pós-colonial. Revista brasileira de ciências sociais, São Paulo, v. 21, n. 60, p. 117-134, 2006.; BALLESTRIN, 2013BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, s./v., n. 11, p. 89-117, 2013.). Sabemos, no entanto, que há diferenças entre as noções de pós-colonial, descolonial e decolonial.

O giro decolonial, de acordo com Mignolo (2003)MIGNOLO, Walter. Histórias locais, projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003., à diferença do “campo” pós-colonial, não seria forjado dentro do universo acadêmico e seria constituído, centralmente, a partir de saberes anteriores e coexistentes aos processos de colonização. Deste modo, concentrando-se no chamado pensamento limiar, o decolonial pretenderia transformar as sensibilidades e percepções para além do pensamento ocidental moderno. Ademais, enquanto a descolonização não ocorreu, dado que a colonialidade (enquanto padrão de poder generalizado) é mais ampla que a colonização, entendida como um processo histórico (QUIJANO, 2005QUIJANO, Anibal. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: CLACSO, 2005.), a decolonialidade seria uma forma de luta e crítica constantes contra as diversas formas de opressão e hierarquização (VERGÈS, 2020VERGÈS, Françoise. Um feminismo decolonial. São Paulo: UBU, 2020.; DIAS; CAMARGO, 2020DIAS, Jamille Pinheiro; CAMARGO, Raquel. Nota da tradução. In: VERGÈS, Françoise. Um feminismo decolonial. São Paulo: UBU, 2020.p. 13-14. ).

A despeito das diferenças acima evidenciadas, manteremos o epiteto pós-colonial por três motivos. Em primeiro lugar, por ser mais abrangente, permite-nos uma operacionalização igualmente ampla para o entendimento de autores diversificados. Em segundo lugar, boa parte dos intelectuais aqui analisados ou não diferenciam termos como decolonial e pós-colonial ou não tomam isto como essencial em suas argumentações. Por último, para nosso objetivo neste artigo, o tratamento mais pormenorizado destas diferenças conceituais não é primordial, pois trataremos de alguns críticos que podemos designar como pós-coloniais e que retomam as ideias de mestiçagem e hibridização.

Em discurso feito para inauguração do Congresso de Angostura, na Venezuela, Simon Bolívar já se referia ao que hoje é chamado de América Latina como um povo novo, diferente do europeu, do norte-americano, e que seria uma forma de amálgama entre África, Europa e América (BOLÍVAR, 2009BOLÍVAR, Simon. Doctrina del libertador. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 2009., p. 129). José Martí, em “Nuestra América”, também havia dito que a “nossa” América é uma América mestiça. Em outro momento do discurso, feito em 1885, o revolucionário cubano afirma que, no fim das contas, o “criollo exótico” havia sido vencido pelo “mestizo autóctono” (MARTÍ, 2005MARTÍ, José. Nuestra america. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 2005., p. 33). Décadas depois, o mexicano José Vasconcellos (1948)VASCONCELLOS, José. La raza cósmica. Buenos Aires: Cia. Editora Espasa Calpe, 1948. projetava, na porção “latina” da América, a ideia de que, ali, por meio da mestiçagem entre indígenas, negros e brancos, teria se conformado uma raça cósmica, ou uma nova humanidade sustentadora do futuro. Em linha com este pensamento, intelectuais como Fernando Ortiz (1987)ORTIZ, Fernando. Contrapunteo cubano del tabaco y el azucar. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1987., Nicolás Guillén (s./d.)GUILLÉN, Nicolás. Sóngoro cosongo. Alicante: Biblioteca virtual Miguel de Cervantes, s./d. e Roberto Fernández Retamar (2004)RETAMAR, Roberto Fernández. Todo caliban. Buenos Aires: CLACSO, 2004. também chamavam a atenção para o que consideravam ser o caráter mestiço da América Latina.

Tal tópos da mestiçagem, no pensamento latino-americano, não seria nada desprezível e constituiria uma verdadeiro estilo de pensamento seriado de acordo com o qual a especificidade deste subcontinente seria caudatária de uma dinâmica da mestiçagem que forjaria uma sociedade diversa da do centro metropolitano (RICUPERO, 2013RICUPERO, Bernardo. O lugar das ideias: Roberto Schwarz e seus críticos. Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 3, n. 6, p. 525-556, 2013.).

Todavia, esse tópos latino-americano da mestiçagem possui algumas diferenças em seus diversos usos. Isto é, mesmo que centrado, em suas diferentes manifestações, numa autenticidade latino-americana, o uso dessa fórmula de “autenticidade” foi proteiforme. Segundo Lourdes Martínes-Echazábal (1998)MARTÍNES-ECHAZÁBAL, Lourdes. Mestizaje and the discourse of national/cultural identity in Latin America, 1845-1959. Latin American Perspectives, Riverside, v. 25, n. 2, p. 21-42, 1998., três seriam os seus sentidos. Num primeiro momento, principalmente ao longo do século XIX, a mestiçagem seria vinculada à constituição do que seria propriamente latino-americano frente aos valores anglo-saxões e anglo-americanos. Num segundo momento, entre as décadas de 1920 e 1960, ela se fez decisiva para circunscrição do caráter nacional unificado de, a título de exemplo, cubanos, mexicanos e brasileiros. Por último, a partir da década de 1960, a hibridização é utilizada para se pensar as constituições mestiças das nações latino-americanas e para formação de identidades diaspóricas. O que, ao nosso ver, pode ser entendido como uma utilização pós-colonial do tópos da mestiçagem.

Este último uso, que é o que nos interessa nessa seção, possui um funcionamento sinuoso. Isso se dá porque, ao mesmo tempo em que busca fugir de ideias essencialistas de identidade e autenticidade (CANCLINI, 2010CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas. Buenos Aires: Editorial Paidós, 2010., p. 16), recoloca em cena uma espécie de latino-americanidade contrária à pureza fantasiada do/pelo Norte Global. Tal dinâmica ocorre da seguinte forma.

Foster (2017)FOSTER, Hall. O retorno do real. São Paulo: Ubu Editora, 2017., em comentário sobre os chamados primitivismos e sobre a arte etnográfica, adverte que práticas contrárias à fantasia primitivista de exotização do “Outro” podem levar igualmente à fetichizações e “alterizações” exóticas involuntárias. No caso da crítica pós-colonial, ao se tentar evitar identidades estanques, em que o Outro e o Mesmo são quase irredutíveis, ocorreria, por vezes, um inflacionamento de “espaços intermediários”, do “entre” e do “híbrido”. Isso, para Foster, permitiria que aquilo que foi expulso pela porta volte pela janela. Isto é: privilegiar-se o “misto” pressupõe-se um purismo prévio entre os termos (FOSTER, 2017FOSTER, Hall. O retorno do real. São Paulo: Ubu Editora, 2017., p. 166) que, ao fim e ao cabo, conduz a restauração de um binarismo em que Outro vira uma idealização negativa - como uma espécie de oposto simétrico - do Mesmo. Desta feita, essa construção do Outro, mesmo que crítica, ganha contornos inesperados de uma identidade contrária ao ocidente e seus processos coloniais de encobrimento e submissão (MARTUCCELLI, 2021MARTUCCELLI, Danilo. Crítica de la tesis de las ideas transplantadas: actores y estratégias. Dados, Rio de Janeiro, v. 64, n. 2, p. 1-29, 2021.).

À vista disto, é notável como variados(as) autores e autoras latino-americanos(as), de uma forma ou de outra, apostam no que concebem como mestiçagem e no caráter mestiço das socialidades latino-americanas como uma maneira de resistir à colonialidade. Tal estilo de pensamento, apesar de manifestações díspares e combatendo submissões diversas, mesmo que imbricadas (raça, gênero, exploração do trabalho, reprodução social etc.), adotam uma postura segundo a qual os fluxos latino-americanos de hibridização romperiam a gramática colonial e eurocêntrica de pureza e hierarquização sociorracial. Exemplares disto seriam os trabalhos de Anzaldúa (1987)ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/La Frontera: the new mestiza. San Francisco: Aunt Lute Books, 1987., Mignolo (2003)MIGNOLO, Walter. Histórias locais, projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003., Lionett (1989)LIONETT, Françoise. Autobiographical voices: race, gender, self-portrait. Ithaca: Cornell University Press, 1989. , Gruzinski (2007)GRUZINSKI, Serge. El pensamiento mestizo: cultura amerindia y civilización del renacimiento. Barcelona: Paidós, 2007. e, em certo sentido, Glissant (2005)GLISSANT, Édouard. Introdução a uma poética da diversidade. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2005..

Essa visada ampla sobre a mestiçagem na América Latina, como é o caso dos trabalhos de Martínes-Echazábal (1998)MARTÍNES-ECHAZÁBAL, Lourdes. Mestizaje and the discourse of national/cultural identity in Latin America, 1845-1959. Latin American Perspectives, Riverside, v. 25, n. 2, p. 21-42, 1998. e Retamar (2004)RETAMAR, Roberto Fernández. Todo caliban. Buenos Aires: CLACSO, 2004., entretanto, têm um problema: a entrada do Brasil nestes esquemas intelectuais é bastante difícil. Isso se dá por três motivos.

Em primeiro lugar, desde os autores do chamado modernismo latino-americano, feito Rubén Darío (1998)DARÍO, Rubén. El triunfo de caliban. Revista Iberoamericana, Pittsburgh, v. 64, n. 184-185, p. 451-455, 1998. , Torres Caicedo (2006)CAICEDO, José Maria Torres. Las dos Americas, 2006. Disponível em: Disponível em: http://www.filosofia.org/hem/185/18570215.htm . Acesso em: 20 jul. 2021.
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e José Henrique Rodó (1993)RODÓ, José. Ariel y motivos de proteo. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1993., que pensavam sobre a construção de uma América Latina, o Brasil, por motivos de distinção cultural, de linguagem e de regime político, sempre foi ou deixado de lado ou anexado de forma circunstancial a tal esquema político. Essa dinâmica, nesta bibliografia a respeito da mestiçagem latino-americana, não é diferente. Em segundo lugar, até textos mais relativamente recentes a respeito da matriz supostamente mestiça latino-americana são caudatários de esquemas históricos e culturais dos países de colonização espanhola na América, o que acaba por gerar fortes distinções com o Brasil e com os países antilhanos de colonização anglófona ou francófona. Em terceiro lugar, a langue e imagem da mestiçagem pensadas no Brasil são estruturadas, essencialmente, por um imaginário luso da colonização, segundo o qual a constituição étnica e cultural portuguesa seria mais aberta a possibilidades de mestiçagem e dotada de maior capacidade de adaptação. Ademais, a colonização portuguesa, segundo imaginavam, à diferença da espanhola, não teve no Estado a sua unidade fundacional, mas sim na família patriarcal convertida em solo fértil para confraternização entre “vencedores” e “vencidos”. A nação brasileira, portanto, era, nestas argumentações pró-lusitanas de operadores do discurso brasileiro da mestiçagem, superior em relação aos demais países de colonização espanhola. Tais colocações, ao fim e ao cabo, também traziam problemas aos agentes que tentassem, por meio de novos lances e argumentações, mudar o sentido do ideário da mestiçagem no Brasil. Explicaremos, a seguir, quais seriam estas dificuldades.

No Brasil, podemos trabalhar, de forma estilizada, com três intelectuais que enxergariam na mestiçagem/ hibridização uma forma de resistência à pureza colonial ocidental: Giuseppe Cocco, Eduardo Viveiros de Castro e Silviano Santiago.

Cocco (2009)COCCO, Giuseppe. Mundo-braz. São Paulo: Record, 2009. e Viveiros de Castro (2007)VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Encontros. Rio de Janeiro: Azougue, 2007. pontuam que a antropofagia teria sido uma das únicas contribuições anticoloniais não nacionalistas latino-americanas, ou como indica Viveiros de Castro (2007, p. 168)VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Encontros. Rio de Janeiro: Azougue, 2007., uma “teoria realmente revolucionária” e “de libertação e autonomias culturais”. Isso se daria pelo fato de que, pela via antropofágica, os indígenas seriam lançados ao futuro de modo cosmopolita e a mestiçagem seria vista como um fluxo crítico pós-colonial importante para o mundo contemporâneo. O destino contrário à antropofagia hibridizadora, portanto, seria a alienação cultural. Sem entrar diretamente numa discussão sobre o uso que fazem da noção de antropofagia, não deixa de ser interessante que, como indicamos anteriormente, Oswald de Andrade tenha pensado a sua antropofagia como uma forma de mestiçagem. Poder-se-ia argumentar, porém, que, se Andrade buscava lançar as bases de sua argumentação sobre a especificidade civilizacional brasileira - superior ao Norte protestante -, Viveiros de Castro e Cocco tinham em mente uma política pós-colonial da diferença e da multiplicidade - que iria contra o ímpeto de unificação do Ocidente. Todavia, vemos aí alguns problemas.

Apesar de Cocco (2009)COCCO, Giuseppe. Mundo-braz. São Paulo: Record, 2009. reconhecer a proeminente sombra freyriana sobre a ideia de mestiçagem e de criticar isto, não se vê, em nenhum dos dois autores, um trabalho crítico mais pormenorizado a respeito dos vínculos históricos e políticos profundos entre as noções de mestiçagem e o ideário de uma civilização brasileira unificada sob o signo de um suposto equilíbrio de antagonismos. Em Silviano Santiago (2019)SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos. Recife: CEPE, 2019., o mestiço e a mestiçagem também ganham um lugar de destaque contra a “unidade”, a “pureza” e “homogeneidade” desejadas pelo Ocidente. Não é à toa, desta forma, que citará uma passagem de Oswald de Andrade na qual o intelectual paulista faz um elogio do mestiço frente ao branco ariano. Tendo em vista o fato de Santiago eleger a diferença como ponto crítico pós-colonial decisivo para notar as torções da norma ocidental, as quais negariam a máquina colonial, parece-nos que a utilização das noções de mestiçagem e de hibridização, fortemente conservadora, sem a referência ao seu uso concreto hegemônico - bem como a sua explicitação e crítica - pende mais para uma política da “diversidade”, em que uma brasilidade Una ainda prevalece, do que um discurso radical da diferença. Até porque, como argumentava Foster (2017)FOSTER, Hall. O retorno do real. São Paulo: Ubu Editora, 2017., uma entificação do híbrido e do mestiço pode, até involuntariamente, trazer em si uma recolocação do Outro e do Mesmo como lugares estanques.

Podemos, tendo em vista ainda estes casos, parafrasear e ampliar a crítica feita pela filósofa Denise Ferreira da Silva (2007)SILVA, Denise Ferreira da. Toward a global ideia of race. Minneapolis: University of Minneapolis, 2007. à reabilitação que Ricardo Benzaquen de Araújo (1994)ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e paz. São Paulo: Editora 34, 1994. faria de Freyre. Para o antropólogo carioca, Freyre, a partir da centralização que operou em direção a um pensamento sobre a mestiçagem e a diferença da “civilização brasileira”, poderia ser lido como uma espécie de crítico cosmopolita da modernidade Ocidental. O que, em linhas gerais, pode ser aproximado do que foi operado por Cocco, Viveiros de Castro e Santiago. Essa forma de argumentação resultaria numa postura, principalmente pelo seu foco na mestiçagem (mesmo que a partir de um ponto de vista pós-colonial), promotora de um apagamento das discussões sobre raça da gramática política no Brasil e numa eliminação do debate sobre racismo e racialização (SILVA, 2007SILVA, Denise Ferreira da. Toward a global ideia of race. Minneapolis: University of Minneapolis, 2007. ). Essa crítica feita por Silva ganha ainda maior concretude caso lembremos que o campo semântico, imagético e político sobre a mestiçagem, como edificante da diferença brasileira, é fortemente estruturado num sentido conservador.

É evidente que há diferenças estruturais entre os estudos pós-coloniais e o pensamento de Gilberto Freyre, as quais giram em torno da seguinte distinção: enquanto Freyre vê a colonização portuguesa no Brasil como algo benfazejo e que nos lega uma civilização complexa e diversa da encontrada em outros lugares, a crítica pós-colonial intenta, essencialmente, atacar as heranças da colonização e desconstruir a colonialidade que, até hoje, forjaria formas de hierarquização e opressão que violentam os outros do Ocidente. Não obstante, críticos como Cocco, Viveiros de Castro e Silviano Santiago, ao enaltecerem a hibridização como estratégia da diferença em relação ao Norte Global, parecem repetir a imagem de certa superioridade mestiça da socialidade existente no Brasil. O que pode ser visto como uma repetição do enaltecimento conservador da mestiçagem como via indicadora da superioridade local frente aos países setentrionais protestantes e materialistas.

Assim, é possível afirmar que a imagem de um Brasil mestiço e, por isso, original, teria cativado até figuras importantes da crítica pós-colonial; os quais, mesmo que com intenções políticas diversas das de Freyre, repetem elementos decisivos da gramática da mestiçagem operada pelo sociólogo. Assim, a política da “diferença na repetição”, que, de acordo com Melo (2014)MELO, Alfredo. Hibridismos indomáveis. Luso-Brazilian review, Madison, v. 51, n. 1, p. 68-92, 2014., seria o caso de críticos pós-coloniais utilizadores da matriz imagética mestiça, não poderia ser uma mensagem na garrafa, mas deveria ser discursivamente compartilhada e endossada por outros atores. Isto é, deveria ser efetiva. O que, porém, não ocorre, uma vez que o jogo jogado, nesta seara (da mestiçagem como matriz de uma socialidade diversa), é fortemente conservador e baseado num ideal de país fortemente hierarquizado.

Considerações finais

A nossa intenção neste trabalho era mostrar que a langue da mestiçagem, que estruturou uma imagem positiva sobre o Brasil como uma civilização tropical híbrida original, foi sistematicamente revisitada e reatualizada por diversos atores e movimentos culturais. Nos casos aqui estudados, exploramos esses usos em movimentos e atores à esquerda e não em autores e movimentos conservadores. Seguimos essa orientação por três motivos: (a) tanto na bibliografia sobre a ideia de mestiçagem no Brasil, quanto na bibliografia a respeito da antropofagia, do tropicalismo e dos estudos pós-coloniais no Brasil, esse aspecto foi pouco notado; (b) a partir desta estratégia pudemos mostrar que, mesmo atores com intenções e projetos políticos distintos e até opostos aos de autores como Freyre, reaproveitam uma forma de pensar e um arcabouço imagético da mestiçagem anterior a eles e (c) com este caminho de pesquisa, foi possível expor a permanência e reatualização de paradigmas imagéticos e formas de pensar que, mesmo sendo, em sua “origem”, politicamente conservadoras, foram recuperadas por atores e movimentos de contestação.

Essas reatualizações, todavia, não foram feitas num vácuo político e social. O contexto político e linguístico da qual partiam era de predominância da metonímia entre mestiçagem e construção de uma identidade nacional apaziguada. Desta forma, para novamente utilizar a metáfora pocockiana, o jogo jogado fora urdido por atores conservadores. Nos casos de Oswald de Andrade e Caetano Veloso, apesar de distinções frente ao pensamento e a política conservadora da mestiçagem pensada no Brasil, é possível notar uma forte continuidade entre eles no que diz respeito ao imaginário do país como uma civilização tropical cuja mestiçagem foi responsável pela sua superioridade frente ao Norte mecanizado. Em relação aos críticos pós-coloniais aqui tratados, mesmo com diferenças sensíveis de projetos intelectuais e políticos, é digna de nota a repetição de um jogo linguístico em que a socialidade mestiça seria um vetor de superioridade frente ao mito de unidade e pureza emanado pelo Norte Global.

Em um de seus ensaios sobre método, Pocock (2003, p. 76)POCOCK, John. Linguagens do ideário político. São Paulo: EDUSP, 2003. já havia apontado dois movimentos possíveis de relação entre velhas convenções e inovações linguísticas e políticas. No primeiro, é possível perceber que novas condições e atores poderiam tensionar e transformar efetivamente as velhas convenções - ou seja, o jogo, com novos lances, passa a ter regras e um andamento inédito. No segundo movimento, por seu turno, os problemas, condições e atores novos são assimilados e rotinizados pelas velhas convenções - o jogo jogado é ainda o antigo e os lances inovadores não são compartilhados e respondidos pelas(os) jogadoras(es). Se, na primeira situação, o vinho novo ganha nova garrafa e rótulo, na segunda situação o vinho, mesmo que novo, é despejado em velhos toneis e garrafas antigas. Assim, é possível argumentarmos que os atores e movimentos aqui estudados aproximam-se do último caso. Feito vinho fresco guardado e envelhecido em velhos toneis, pode-se ver que, apesar de práticas desconstrutivas, a metonímia entre mestiçagem e construção de uma identidade nacional apaziguada é estruturante. É, ainda, uma imagem que cativa e aprisiona o pensamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2021
  • Aceito
    09 Dez 2021
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