Resumo:
No diagnóstico da modernidade de Max Weber o termo Beruf pode ser entendido como uma coordenada simbólica fundamental para a orientação da sociedade ocidental na direção do desenvolvimento industrial. Sendo assim, o diagnóstico weberiano é um diagnóstico de tempo que diz respeito a uma certa dialética ação-estrutura por meio da qual a cultura ocidental modela a subjetividade humana, ao mesmo tempo em que aquela resulta ser historicamente singular por causa da ação típica desta última. Na contemporaneidade, o ideal cultural de homem profissional haveria perdido drasticamente o poder simbólico holístico que outrora teve para determinar tanto o sentido da condição humana como sua inscrição na estrutura básica da sociedade. A crise deste ideal cultural pode ser vista como uma condição de possibilidade para as transformações substantivas do capitalismo a partir da segunda metade do século XX, bem como incidindo de maneira decisiva no mal-estar na subjetividade e no enfraquecimento do laço social dos dias atuais. Desta forma, o presente artigo pretende articular um debate teórico, que combine elementos do plano da ação e da estrutura social, que contribua à elaboração de um diagnóstico social mais amplo sobre a incidência da depreciação do dever profissional no enfraquecimento do laço social e no mal-estar atual na subjetividade.
Palavras-chave:
ideal cultural; Beruf; subjetividade; laço social
Abstract:
In Max Weber’s diagnosis of modernity, the term Beruf can be understood as a fundamental symbolic guiding principle for guiding Western society towards industrial development. The Weberian diagnosis is temporal and pertains to a certain dialectic of action-structure through which Western culture shapes human subjectivity, while that subjectivity, in turn, becomes historically singular due to the typical actions of the latter. In contemporary times, the cultural ideal of the professional man has drastically lost the holistic symbolic power it once had to determine both the meaning of the human condition and the inscription within the basic structure of society. The crisis of this cultural ideal can be seen as a condition of possibility for a substantive transformation in capitalism since the second half of the 20th century, as well as decisively affecting the malaise in subjectivity and the weakening of social bonds today. This article aims to articulate a theoretical debate that combines elements of the action plan and social structure, contributing to the development of a broader social diagnosis regarding the impact of the depreciation of professional duty on the weakening of social bonds and the current malaise in subjectivity.
Keywords:
cultural ideal; Beruf; subjectivity; social bond
Introdução
O artigo objetiva refletir sobre o declínio do ideal cultural de “homem profissional”, característico da modernidade ocidental, bem como ponderar algumas das principais consequências dessa tendência declinante nos âmbitos social e subjetivo a partir da segunda metade do século XX. A importância para as ciências sociais de estudar os ideais culturais que operam na lógica subterrânea da dinâmica social explica-se pelo fato de que eles são fontes valiosas para a formação da “cultura política” de uma determinada sociedade (Nobre, 2013, p. 22). Os ideais culturais são, assim, os índices fundamentais daquelas ideias de valor que sustentam a narrativa com a qual se ergue e consolida uma determinada visão de mundo que é determinante para a orientação significativa da ação social, bem como para a constituição e sedimentação das identidades sociais e políticas. Portanto, os ideais culturais são um aspecto da vida social primordial para a elaboração de um diagnóstico de tempo, baseado na sociologia do conhecimento e da cultura, preocupada por capturar aquilo que permite a unidade do sentido de uma época (Lichtblau, 1995). Igualmente, por legitimarem certas orientações no comportamento e contribuírem para validar a ordem social estabelecida, os ideais culturais servem como elementos que permitem a comparação entre diferentes modelos de sociedade.
Por sua vez, os estudos weberianos focados na análise do termo “Beruf” são exemplos de pesquisas sociológicas que colaboraram para esclarecer a história cultural de uma coordenada simbólica fundamental da modernização econômica que deu origem à sociedade industrial, bem como para estabelecer o sentido moderno da condição humana no Ocidente. No século XIX, a fonte religiosa de legitimação do dever profissional secularizou-se e, por diversas razões, nas últimas décadas do século XX, sua força enquanto ideal cultural começou a declinar. Este artigo propõe um debate teórico adequado para analisar tanto a história cultural desse declínio, quanto suas consequências nos laços sociais e na subjetividade contemporânea. A primeira seção reconstrói, sinteticamente, a história cultural desta coordenada na obra de Max Weber. A segunda seção apresenta uma sistematização teórica e analítica que busca entender se o declínio deste ideal foi e ainda é funcional à legitimação cultural das transformações substantivas do capitalismo atual. Na terceira seção, discute-se de que maneira o declínio deste ideal se relaciona com os novos mal-estares na subjetividade e como o capitalismo consegue operar exitosamente sobre determinadas marcas narcisistas constitutivas da condição humana. Para essa análise, propomos um diálogo entre as ciências sociais e um diagnóstico do mal-estar subjetivo à época do neoliberalismo atual baseado na psicanálise de orientação lacaniana, cuja premissa fundamental aponta para uma tendência cultural progressiva à obsolescência da função paterna. Isso nos permitirá observar que a queda do ideal cultural de homem profissional foi uma das condições de possibilidade para a transformação do laço social e da subjetividade humana numa direção adequada às mudanças do mundo do trabalho das últimas décadas do século XX. Ao mesmo tempo, vinculamos esta tendência declinante do dever profissional ao apogeu sistêmico e concomitante a viver sob os imperativos de uma demanda que empurra a desfrutar de um gozo desregulado.
Beruf: da invenção de uma ideia de valor na esfera religiosa à elevação de um ideal cultural paradigmático da sociedade industrial
Os estudos weberianos permitem interpretar a modernidade ocidental como um ponto de chegada dentro de um longo processo histórico relacionado não apenas a grandes transformações técnicas no capitalismo e nas instituições políticas, mas também a mudanças operadas nas principais coordenadas simbólicas que definiram, de forma hegemônica, o sentido da condição humana. Sendo assim, o diagnóstico weberiano pode ser visto como um diagnóstico de tempo que diz respeito à forma na qual a cultura ocidental molda a subjetividade moderna.3 As mudanças ocorridas no cristianismo em relação às grandes coordenadas simbólicas que, na época tradicional, estabeleciam o sentido da condição humana, favoreceram o desenvolvimento das características espirituais e mentais necessárias para a emergência do capitalismo industrial moderno e da sociedade burguesa. Essas mudanças vincularam-se, principalmente, à transformação do significado das principais ideias de valor que conformavam a visão de mundo do homem cristão medieval, com as quais ele estabelecia o sentido da realidade e do pertencimento social. Especificamente, através da transformação do sentido das ideias de valor do trabalho e da acumulação de riqueza.
Weber (1983) identificou um operador simbólico fundamental para compreender o significado moderno do homem ocidental na ideia de valor, elevada a ideal cultural, de homem profissional que provém da tradição cultural do cristianismo reformado. A eficácia simbólica deste operador cultural, inicialmente verificada apenas dentro de certas seitas protestantes, seria uma condição histórica necessária para o desenvolvimento de toda uma forma de significar a conduta que organiza a vida corriqueira que na prática fomentava uma mentalidade adequada à modernização do capitalismo na direção da instauração da sociedade industrial. Isto significava afirmar que, entre vários outros fatores causais, a modernização do capitalismo ocidental ocorrida a partir do século XVII só foi possível porque uma certa forma de racionalidade tornou-se progressivamente hegemônica no processo de subjetivação característico de certas comunidades influenciadas pelo protestantismo. Desta forma, a significação religiosa da rotinização metódica na vida e no trabalho decorrente da ética protestante haveria indiretamente contribuído a forjar o “espírito” do capitalismo, bem antes da guinada histórica do capitalismo moderno na direção do desenvolvimento econômico de tipo burguês- industrial.
O termo alemão Beruf, criado pelo “espírito de autor” de Lutero na sua tradução da bíblia, revelava-se para Weber (2011) como um significante crucial para sustentar a mudança cultural que originou não apenas a transformação dos sistemas político e econômico, antigamente predominantes, mas também um novo modelo de homem e de vida. Por esta razão, o termo Beruf não representava apenas uma ideia de valor operativa dentro da dinâmica social, como um valor ético com estatuto de ideal cultural. Nesse sentido, o interesse de Weber por este termo não era filológico, pois ele queria compreender sociologicamente seu impacto cultural. E isso incluía não somente descobrir de onde vinha esta palavra, como também, sobretudo, a tentativa de debruçar-se sobre um elemento operativo certamente irracional escondido detrás da ideia de Beruf (Weber, 2011, p. 141). A necessidade deste esclarecimento se vinculava não só ao fato de que para ele a racionalização do mundo dentro das diferentes esferas da vida social, além de nunca ser completa, supunha sempre e necessariamente a imbricação de elementos racionais e irracionais (Cohn, 2016). Como que para ele a singularidade desta imbricação era sociologicamente relevante para poder compreender o Ocidente como individualidade histórica. Esse elemento irracional oculto detrás do Beruf explicava os motivos ou os impulsos psicológicos propriamente ocidentais que, na prática, eram determinantes para justificar um determinado rumo da ação social, contribuindo assim para o surgimento da sociedade industrial. Concretamente, Weber desejava poder compreender, a partir da revelação deste elemento irracional escondido na ideia de Beruf, um fator causal subjetivo e anímico que pudesse explicar a mudança histórica do sentido do trabalho e da acumulação de riqueza. Ao analisar a história das religiões mundiais influentes em Ocidente Max Weber (1983, 1987, 1988) queria entender como e por que o mundo social e cultural ocidental moderno pôde ter sido organizado em parte a partir dos efeitos de uma transformação na valorização do trabalho e da acumulação de riqueza muito peculiar: passarem de ser, respectivamente, no mundo tradicional da Idade Média, apenas um meio de sobrevivência material e um signo de blasfêmia social; a serem considerados, no mundo moderno, um meio sublimatório da angústia causada pela incerteza do destino e um dever ético que funcionava como fundamento da moralidade burguesa. Isto é, Weber queria poder entender como e por que o mundo social e cultural ocidental moderno pode se organizar, em parte, a partir dos efeitos da sedimentação de uma nova valorização cultural do trabalho e da acumulação que ele qualificou como sendo de tipo “existencial”. E descobriu que isso foi possível graças à criação da ideia de valor de Beruf, primeiro, e à elevação de seu estatuto significativo ao de um ideal cultural, depois. Dessa forma, a conclusão de Weber é que o ideal cultural de homem profissional foi fundamental para impulsionar a modernização do capitalismo e o desenvolvimento da burguesia que ergueu a sociedade industrial, pois haveria fomentado a hegemonia de uma determinada mentalidade e subjetividade humana que lhe era afim.
Na modernidade tardia, a ideia de vocação/profissão elevada a ideal cultural espalha-se para as mais diversas esferas de socialização. Secularizando assim o antigo chamamento divino da esfera religiosa, de raiz puritana e calvinista, mediante uma condensação de sentido que acabaria contaminando o valor ontológico de uma meta transcendente (a salvação) ao labor cotidiano e sistemático no mundo da vida. Weber vinculou essa constituição mental ao predomínio de uma racionalidade instrumental que se tornou hegemônica, facilitando a organização do capitalismo e a criação de um tipo específico de subjetividade que sustentou o desenvolvimento da sociedade industrial. O fato mais relevante para compreender o ponto de vista do suporte subjetivo da hegemonização das mais vastas esferas da vida social através da lógica da racionalidade instrumental é a legitimidade crescente que adquire uma imagem da condição humana como sendo a condição de um indivíduo capaz de assumir sua liberdade e a responsabilidade sobre si, o mundo e o futuro. Weber depara-se com que esta imagem ou significação específica da condição humana foi historicamente possível, em parte, por causa do auge crescente do poder constrangedor do ideal cultural de homem profissional. Mas, por outro lado, o correlato deste ganho psíquico de liberdade e de responsabilidade, que resultavam da significação antropológica do homem ocidental articulada através do ideal cultural profissional, era a depreciação paulatina das formas tradicionais de validação da autoridade.
Da secularização do ideal cultural de homem profissional na sociedade industrial ao gradativo declínio na sociedade pós-industrial 4
Weber apontou que já no século XIX este ideal religioso tinha sido secularizado, transformando-se no ideal de vida do homem profissional de corte liberal burguês (Weber, 2011, p. 243). Desassociava-se assim o dever profissional das prescrições ético-religiosas, e aquela antiga demanda cultural passaria a ser operada desde dentro da sociedade, na base da esperança mundana depositada no progresso econômico e nos avanços científico-tecnológicos. Desvinculava-se assim, também, irremediavelmente, o sentido transcendente do chamamento divino da “vocação” do sentido desencantado da realização do dever de especialização na “profissão”. No entanto, mesmo que no século XIX a fonte de legitimidade tivesse se deslocado da autoridade religiosa para a autoridade acéfala do mercado e da ciência moderna, isso não implicou a perda de seu status de ideal cultural. Apesar de a ética do trabalho, de raiz liberal-burguesa, ter sido colonizada pela racionalidade científica e econômica, na prática, ela continuava a funcionar como um dispositivo cultural essencial para a sustentação ideológica e normativa da sociedade industrial. Igualmente, o ideal do dever profissional permanecia associado ao do “bem comum”. Não apenas pela crença no progresso e pela esperança colocada na ciência, na tecnologia, na produtividade e na eficácia; mas também por sustentar um certo “ideal cívico” que valorizava a solidariedade institucional e a socialização da produção, da distribuição e do consumo. Esse ideal valorizava igualmente a colaboração entre as grandes empresas e o Estado na perspectiva de atingir-se a justiça social (Boltanski; Chiapello, 2002, p. 56).
Entretanto, o século XX, e as suas duas Guerras Mundiais, as Revoluções Comunistas da Rússia e da China, e as transformações técnicas, organizativas e sistêmicas do capitalismo, mostravam outras facetas desse processo. O avanço tecnológico e a mecanização da economia, que prometiam levar o homem à conquista de um espaço de liberdade para além das necessidades materiais, estimularam um processo de individuação ligado à grande indústria e à cultura de massas que na prática obscurecia a autonomia e a individualidade (Adorno; Horkheimer, 2007, p. 168-170; Marcuse, 1987). As grandes guerras entre as potências imperialistas e o surgimento do nazismo e dos fascismos demonstravam as limitações e as falsas ilusões da fé moderna depositada nos avanços da ciência e no progresso econômico. Longe de ser uma excepcionalidade histórica o Holocausto representou uma manifestação de violência, medo e insegurança intrínsecos ao sistema de produção capitalista, mediante o vazamento de um antissemitismo estruturante, a-histórico e intercambiável - como uma válvula de escape e de extravasamento da frustração econômica de base aperfeiçoada e funcional à manutenção e à reprodução da dominação de classe (Adorno; Horkheimer, 2007, p. 182-190). Nesse contexto, o antigo ideal cultural societal atrelado à ética do trabalho começará a perder força.
A sociedade democrática ocidental instaurada na Europa e em alguns outros lugares a partir do segundo pós-guerra (1945) baseou-se em um mercado capitalista cada vez mais monopolista, bem como no Estado social. Este modelo sustentou, por algumas décadas, um modo de vida que combinou os efeitos negativos da economia com direitos e benefícios sociais compensatórios, desenvolvendo-se na base de um crescimento econômico que promovia a integração social (Hobsbawm, 1995). Entretanto, a partir da década de 1970, esse equilíbrio social e produtivo entrou em crise, evidenciando-se certo esgotamento do antigo potencial utópico da sociedade do trabalho. Isso levou à diluição do sentido comunitário e da solidariedade de classes, resultando em uma crise motivacional generalizada (Habermas, 1988, p. 113-134). A queda da União Soviética no início da década de 1990 reforçaria essa tendência, já que sua história econômica estava igualmente baseada no desenvolvimento da ciência, da técnica e da própria industrialização, ainda que sob as especificidades do modelo de planificação central (Ellman, 2014). O fim da URSS foi um símbolo paradigmático do início da globalização e do neoliberalismo, marcado pela vitória do capitalismo e da economia de mercado. O modelo ideal a ser mundialmente “imitado” deslocava-se da grande empresa norte-americana integrada do fordismo e do taylorismo para o da empresa “enxuta”, em rede, de inspiração toyotista. Destacando-se neste processo a impossibilidade geral de cumprir as antigas metas do Welfare State e a falta de um novo programa que ofereça aos cidadãos uma vida digna e segura (Habermas, 1988, p. 70-72).
Mas o neoliberalismo não resultou apenas da globalização impulsionada pela vitória do Ocidente sobre os regimes comunistas, como também da capacidade de o capitalismo assimilar e capitalizar as críticas ao modelo de acumulação estabelecido nos anos 1950. Em especial, as críticas da esquerda às formas de organização e funcionamento burocrático do Estado e das empresas presentes nas manifestações e revoltas operárias e estudantis da época, cujo paradigma foi o maio francês (Boltanski; Chiapello, 2002, p. 241-257). Com a consolidação da globalização econômica, as sucessivas crises das sociedades ocidentais apoiadas no modelo liberal-democrático tornaram-se cada vez mais evidentes: crises financeiras, aumento da desigualdade, desemprego estrutural, crescimento de movimentos autoritários, intervenções militares ilegítimas, expansão da OTAN e tensões crescentes com a Rússia. As grandes transformações histórico-sociais adaptativas do capitalismo neoliberal acontecidas desde a década de noventa têm-se acelerado desde a última crise financeira norte-americana de 2008 até a atual crise mundial de recuperação na pós-pandemia. O momento histórico atual é caracterizado por grandes mudanças na economia mundial, na geopolítica internacional, no desenvolvimento tecnológico, na organização do poder dos Estados nacionais e na configuração das classes sociais e dos grupos, até o ponto de começar a vislumbrar-se a necessidade de se falar em nova fase do capitalismo: o capitalismo 4.0 (Schincariol; Rossini; Paulani; Reis, 2024) ou o capitalismo de plataformas assentado na “uberização” da força de trabalho (Antunes, 2020; Barros, 2022; Slee, 2017).
Se à época do nascimento do capitalismo moderno Weber (1983) explicava que o longo processo de “desencantamento do mundo tradicional” era uma das principais chaves analíticas para entender a singularidade histórica da mentalidade econômica que originou a sociedade industrial no Ocidente, o processo de “desencantamento do mundo do trabalho” efetuado desde a década de setenta do século passado em diante foi uma condição necessária para o surgimento da subjetividade adequada à racionalização econômica característica do capitalismo pós-industrial. Como vimos, a partir dos anos setenta, o sistema de coordenadas em que repousava a vida e o pensamento modernos da sociedade industrial - os eixos família e trabalho, fé na ciência e no progresso - começa a transformar-se, fazendo com que surja uma nova configuração social marcada por um jogo que combina novas oportunidades e riscos. Neste novo cenário, a profissão haveria perdido sua antiga função de garantia e de proteção da identidade individual, bem como a de organizar simbolicamente as experiências sociais mais básicas. Se o antigo esquema estandardizado do pleno emprego deixava nítida a diferença entre trabalho e falta de trabalho, a modernização da sociedade industrial faz com que ela comece a se tornar menos nítida. A base da debilidade do sistema de pleno emprego foram sucessivas racionalizações que possibilitaram a flexibilização de três pilares fundamentais: o direito trabalhista, a localização do trabalho e o horário laboral. Com isso as fronteiras entre trabalho e desocupação se tornaram fluídas (Beck, 1998, p. 178). Mas do lado do capital aconteceria um fenômeno semelhante. Há sociólogos que inclusive sustentam a tese da tendência histórica do atual capitalismo à substituição da noção econômica de propriedade privada pela de acesso (Rifkin, 2000). Neste novo contexto, pode-se afirmar que o ideal cultural de homem profissional teria perdido o poder simbólico holístico que outrora tinha para determinar tanto o sentido da condição humana, como o do próprio lugar de pertencimento dentro da estrutura básica da sociedade. E isso haveria igualmente contribuído na desvinculação progressiva da legitimidade do valor do trabalho, da esfera econômica, da legitimidade do valor da cidadania, da esfera jurídico-política; bem como incidido de maneira decisiva na atualidade nos novos mal-estares na subjetividade e no enfraquecimento dos laços sociais.
Dado que há uma imbricação estrutural entre trabalho estável e sólida inserção social e jurídico-política, o “desencantamento do mundo do trabalho” não é um dado meramente econômico, como, sobretudo, social e político. Pois o lugar ocupado na divisão social do trabalho repercute nas redes de socialização e de proteção capazes de garantir a existência social e a qualidade de vida. Por isso o desmembramento da sociedade do trabalho supõe o aumento não só do desemprego, no sentido de uma falta no plano econômico, como um processo de desfiliação que aprofunda a instabilidade, a deriva e a exclusão social (Castel, 1997). A crise do trabalho reflete a crise cultural de todo um ideal societal que em parte é a garantia de certos níveis básicos e fundamentais de coesão social. Junto a este clima geral de desfiliação e precarização do trabalho observa-se um aumento desmoralizante do ceticismo em relação às instituições políticas, nacionais e internacionais, do capitalismo, e uma crise geral do pensamento crítico na sociedade civil (Boltanski; Chiapello, 2002). Por sua vez, a deterioração da coesão social ocasionada pelo desmembramento do mundo do trabalho e pelo processo de desfiliação que acaba num aumento da exclusão afeta diretamente o sentido da cidadania, o cerne mesmo da legitimidade política dos Estados democráticos (Castel, 1997, p. 13). A substituição da religião pela ciência moderna e as autoridades seculares criaram uma elite intelectual que concentra as decisões em torno da tecnologia e dos mercados financeiros. Fortalecendo-se assim o ideal de sociedade pós-política, autoadministrada - cujo antecedente filosófico está no idealismo platônico do governo dos filósofos e na organização científica do trabalho - que era tanto o ideal civilizatório de Saint-Simon e Henry Ford como o de Lênin (Castells, 1999, p. 176). A profissionalização do mundo nas mãos de um conjunto de cientistas e engenheiros vinculados à revolução das tecnologias da informação e ao capital financeiro transnacional colabora na idealização de uma organização científica e técnica da vida social no geral. Deste ponto de vista, na sociedade pós-industrial, a economia associada ao desenvolvimento tecnológico gera uma elite tecnocrática que se torna cada vez mais essencial para a formulação e a análise da tomada das decisões políticas (Bell, 1976, p. 411-418). Assim, a nova rigidez sistêmica do capitalismo neoliberal estaria vinculada a certa refusão das diversas esferas da vida social, secularizadas e diferenciadas na época moderna - sobretudo a economia, a política e a ciência - onde a ciência e a tecnologia adquirem um papel privilegiado e preponderante no direcionamento dos assuntos públicos e das decisões políticas que acabam desenhando os novos contornos da estratificação social.
Qual é o nível de tolerância para a invalidação, desclassificação, desfiliação social que uma sociedade democrática pode aguentar sem que antes ela mesma perca sua própria razão de ser? Esta, poderíamos dizer, é uma inquietude tácita comum a todos os diagnósticos sociais e políticos que vinculam uma preocupação honesta com a qualidade da democracia às mudanças sistêmicas das relações trabalhistas. Tanto a tese do fim do trabalho (Rifkin, 1996), ou do fim da “utopia da sociedade do trabalho” (Habermas e seus seguidores), quanto os diagnósticos de outros sociólogos que utilizam conceitos como os de sociedade de risco (Beck, 1998), corrosão do caráter (Sennett, 2005), novo espírito do capitalismo (Boltanski; Chiapello, 2002), precariado (Standing, 2013), etc. teriam contribuído para elaborar um diagnóstico social de época em que se decreta o fim da segurança trabalhista característica do Estado de bem-estar social, a tendência à fragmentação das biografias e das carreiras profissionais e uma substituição disso pelo predomínio do trabalho frágil, flexível, incerto, que debilita as identidades individuais e coletivas. Tal processo daria início a uma nova questão social (Castel, 1997) que surge como fruto da desestruturação da família, do emprego, do caráter e dos vínculos sociais. Como resultado das transformações do capitalismo global o trabalho se tornaria então uma colagem de fragmentos e de experiências desenraizadas de grupos sociais específicos, o que conduziria por sua vez à fragmentação do conhecimento e dos saberes, à superficialidade e instrumentalização das relações sociais, ao desprezo pela antiguidade no trabalho e, inclusive, à desestruturação do próprio tempo (Rosa, 2016, 2019; Rosa; Scheuerman, 2009) e do espaço social (Garza Toledo, 2009, p. 112).
Por sua vez, alguns destes diagnósticos sociais coincidem em que o sentido do dever haver-se-ia deslocado da ideia de valor da profissão para a do “consumo hedonista” (Bell, 1994), e do âmbito da realização coletiva ao da singularidade da identidade (Castells, 2002) e da hiperindividualização (Sadin, 2022). O que supõe igualmente uma mudança da ênfase na economia e na segurança física para a do pertencimento, a autoexpressão e a própria qualidade de vida individual (Inglehart, 1990). Estas seriam as novas demandas superegóicas que comandariam a lógica da racionalidade ocidental dentro do desenvolvimento do capitalismo atual, o qual legitimaria o aumento de um tipo de consumo cada vez mais desenraizado da realização profissional e, por sua vez, conduziria a uma realização da singularidade individual cada vez mais afastada do tecido social.
Estas demandas de realização da condição humana seriam mais abstratas e objetivamente menos fixas. Isto é, demandas de realização, e bússolas oraculares antecipatórias do próprio destino, que requereriam de modos de individuação mais efêmeras, contingentes e flexíveis, equivalentes à lógica de supervivência do caranguejo eremita. Dando continuidade à metáfora weberiana, poderíamos afirmar que se na sociedade industrial a lógica de individuação hegemônica era similar a uma rija concha de aço (ein stahlhartes Gehäuse), no neoliberalismo, ela seria mais próxima à do caranguejo eremita. Os caranguejos eremitas, como se sabe, não têm casco protetor próprio; portanto, sua sobrevivência depende da capacidade de colonizar conchas vazias de moluscos mortos, e outro tipo de objetos cavos como as tampinhas de refrigerantes industrializados e outras formas de lixo que chegam ao mar pela poluição do meio-ambiente. Eles vivem sua vida toda trocando de cobertura à medida que crescem e conforme precisem. Sua maior debilidade, a carência de um casco protetor próprio, representaria igualmente sua maior fortaleza que é uma grande flexibilidade para adaptar-se ao meio-ambiente. Por sua vez, sua couraça protetora de fato é completamente alheia, impessoal e descartável, indiferente e independente da sua natureza de origem.
A continuação, então, gostaríamos de articular este diagnóstico social da época neoliberal, sintetizado nesta última imagem do caranguejo eremita, com um diagnóstico social sobre o novo mal-estar que caracteriza a subjetividade contemporânea ancorado na tradição de pensamento da psicanálise lacaniana.
O impacto do declínio dos ideais culturais da sociedade industrial no laço social e no mal-estar na subjetividade
A flexibilidade característica do “caranguejo eremita”, utilizada como metáfora para a forma de individuação hegemônica na sociedade neoliberal atual, é o resultado de um longo processo de substituição das formas tradicionais da autoridade pelo (pré)domínio da autoridade impessoal da economia de mercado e da ciência moderna. Do ponto de vista da constituição subjetiva da condição humana isso foi articulado a um processo paralelo e concomitante de progressiva deslegitimação e desgaste do que a psicanálise chama de “função paterna”.
Sem exageros, pode-se afirmar que o peso específico da temática do pai e da função paterna dentro da psicanálise é equivalente a temas tão amplos e relevantes como o capitalismo dentro das ciências sociais. Igualmente, o diagnóstico da tendência histórico-social à queda progressiva da função paterna não é recente. Pode-se argumentar que o próprio surgimento da psicanálise foi um sintoma dessa tendência, já evidente no final do século XIX em países de forte influência protestante como a Alemanha. Freud começou seus estudos clínicos analisando sintomas que demonstravam o mau funcionamento dessa função (Melman, 2003, p. 40). Lacan, por sua vez, já na década de 1930, previa que o enfraquecimento dessa função levaria a uma crise psicológica generalizada no futuro (Lacan, 2003, p. 93). Esse diagnóstico de época elaborado pela psicanálise, sobre o enfraquecimento de uma função central para o desenvolvimento saudável do psiquismo humano, tem sido tema recorrente em encontros e congressos organizados por diversas associações psicanalíticas. Mas como se relaciona essa crise da função paterna com a crise dos ideais culturais, especificamente, com o declínio do ideal cultural de “homem profissional” discutido nas seções anteriores? Para responder a esta questão é necessário primeiramente esboçar o significado dos principais conceitos e relações conceituais em jogo neste diagnóstico. Devemos, portanto, começar por diferenciar entre o que a psicanálise define, por um lado, como o pai ou o significante Nome-do-pai que introduz a subjetividade individual (o que também chamaremos de “o Outro de cada um”); e, por outro, o pai ou Nome-do-pai do laço social (“o Outro da cultura”) (Lebrun, 2008a). Após este desenvolvimento estaremos em condições de vislumbrar a operativa do gancho que amarra as marcas narcisistas imanentes a todo processo de subjetivação à promessa de gozo ilimitado do marketing neoliberal, através do qual o regime econômico capitalista se torna um verdadeiro sistema holístico de dominação.
Antes de passar à diferenciação entre “o Outro de cada um” e “o Outro da cultura”, precisamos realizar alguns comentários que fixem as coordenadas teóricas que nos permitam tomar a psicanálise como uma teoria orientadora para as ciências sociais na construção de sua concepção antropológica de partida. Pois toda teoria social e política precisa pressupor alguma noção de indivíduo, sujeito, ou partir de alguma perspectiva antropológica ou da natureza humana sobre a qual se tecem as relações de poder e se estrutura a ordem social. Assim, sem ser ela mesma uma teoria antropológica, a psicanálise nos fornece elementos para pensar a condição humana numa direção muito específica. Podemos dizer que, para a psicanálise, o ser humano se define por ser um ser falante, sexuado e mortal. Só que o valor destas três características não é exatamente o da qualidade de própriedades positivas, como aquilo que determina uma pré-ontologia ou uma ontologia verdadeiramente esburacada marcada pela incompletitude (Alemán, 2009, p. 13-14). Podemos, então, partir de uma definição do ser humano como sendo um sujeito dividido, justamente, por ser ele mesmo um ser falante, sexuado e mortal.
Do ponto de vista filogenético, evolutivo, o ser humano nasce prematuro e inválido, necessitando de cuidados prolongados para poder sobreviver. Essa condição, aliada ao fato de ser um ser falante, traz como consequência a necessidade inicial de o bebê humano alienar-se no campo do Outro, na simbiose com a mãe. Essa alienação estrutural deve-se à prematuridade, ao desamparo e à sua dependência dos cuidados e da presença do Outro. Esse Outro, por sua vez, é também um ser falante, e seu discurso abriga as verdades fundamentais que irão fornecer à criança dos significantes necessários para que ela possa sustentar sua existência. A determinação do sujeito enquanto ser falante liga-se ao fato de que a representação de si e a satisfação de suas pulsões vitais mais elementares dependem inteiramente da linguagem e do laço social forjado com seus Outros primordiais (Eidelsztein, 1995, p. 52-54).
A determinação do ser humano em tanto ser mortal não se refere à morte biológica, mas à sua historicidade. O sujeito é aquele que alcança a apreensão de seu ser na medida em que é um ser historizado e historizável, isto é, um ser que vive a temporalidade de sua existência desacoplada da cadência da decomposição orgânica - e inclusive para além de sua própria finitude física. A bússola para a construção dessa temporalidade é o desejo inconsciente singular. A história do sujeito é assim um passado que está sendo historizado desde um tempo presente que ao mesmo tempo aponta para o futuro. O que amarra passado, presente e futuro, e o que permite dizer que a temporalidade do sujeito é equivalente ao fato de assumir a responsabilidade por sua própria história, é sua postura desejante. Dessa maneira, a realização do sujeito coincide com a assunção de seu desejo inconsciente. Assim, na temporalidade que caracteriza a subjetividade humana estão presentes muitos começos e finais, modos de nascer e de morrer, porque do que se trata não é mais de assumir uma forma de vitalidade que conclui com a morte biológica, mas com a morte simbólica. Uma morte simbólica que é equivalente à desidentificação significante. É importante neste ponto lembrar a definição genérica de significante (Lacan, 2008, p. 779), como o que representa ao sujeito diante de outro significante. De modo que o sujeito constitui-se e sustenta-se mediante a identificação a um significante que o represente diante dos outros. Por isso a desidentificação significante pode ser pensada como uma sorte de morte, isto é, como uma morte simbólica. Já veremos que para entrar nessa dialética é necessária a instauração de uma falta de sentido estrutural, que a psicanálise articula em torno do Nome do pai e do complexo da castração. Pois a castração é fundamental para a substituição significante que permite a morte simbólica e novas articulações significantes que possam valer como novos começos, a significação de outra coisa, a mudança de posição, em resumo, como aquilo que dá a coloração específica ao tipo de liberdade humana que é alcançável para o ser que fala.
Finalmente, o ser sexual implica aceitar uma diferença fundacional entre masculino e feminino. Essa diferença não é anatômica, mas significante, assumida a partir de um posicionamento em relação ao falo. A intersecção entre linguagem e pulsão é essencial para compreender essa diferenciação. Apesar de ser estruturado pela linguagem, o sujeito é atravessado por uma pulsão que resiste ao ordenamento discursivo. Os sexos não são complementares, e por isso Lacan afirma que “não há relação sexual”, cada um goza no próprio corpo, sem estabelecer uma relação articulada com o gozo do outro (Lacan, 1981, p. 14-17). Em síntese, definir o ser humano pela determinação estrutural de seu ser sexual, mortal e falante implica a adoção de uma ontologia perfurada, atravessada pela impossibilidade em três aspectos diferentes, mas conectados, isto é, assumir três modalidades do que não há. Não há um significante que possa identificar plenamente, fechar a representação do sujeito. Não há uma temporalidade natural para o sujeito que está causado por seu desejo, um tempo que seja exterior ao estar sendo demarcado por sua história, ancorada em pontos de chegada que o fixam, mas que também podem se tornar pontos de partida para o começo de novos trânsitos, substituindo-se assim a morte efetiva por distintas modalidades de elaboração e dinamismo em relação à castração simbólica. Não há a relação sexual porque a diferença entre feminino e masculino não estabelece uma relação, uma complementariedade, uma proporcionalidade entre os sexos. O gozo sexual não estabelece relação alguma porque a pulsão se vivencia no próprio corpo, de modo que não é articulável por meio da palavra (que sim pode entrar no circuito da troca). Ao mesmo tempo, essas três modalidades do que não há implicam três aspectos da divisão estrutural que atravessa o sujeito e faz com que este nunca possa se tornar Um (nem com a imagem de si, nem com o significante que o representa, nem com o gozo pulsional que experimenta em seu próprio corpo quando entra em contato com o objeto de seu desejo).
Com base nessa estrutura conceitual, formulada de um jeito bem sintético, podemos retomar a questão do pai. O “pai de cada um” não é exatamente uma pessoa física, mas uma função que introduz a terceiridade. Vimos que, a partir do nascimento, por causa da sua prematuridade, o filhote humano precisa se alienar na dimensão do Outro (geralmente a mãe) para poder sobreviver. Todas suas necessidades mais elementares vão ter que passar pelo Outro do código, quem as decodifica e atende em função de um chamado (o choro), primeiro, e de uma demanda, depois. Isso tem o efeito de condicionar o tipo de satisfação que atende a todas as necessidades humanas, desde as biológicas mais elementares até as culturais mais elevadas, à órbita da linguagem e da presença do Outro. Mas a perda da naturalidade dos objetos de satisfação das necessidades humanas origina-se na ausência da mãe, quer dizer, quando esse primeiro Outro da satisfação não está presente para poder atender a demanda do bebê. Esse jogo presença-ausência da mãe, em tanto primeiro objeto holístico de satisfação, ao mesmo tempo em que instala o lugar do código na organização psíquica do bebê, permite a experiência de um hiato na simbiose mãe-filho que será decisivo para a constituição da subjetividade da criança. Esse vazio na ausência da mãe instala o buraco da terceiridade, um enigma em torno do seu desejo. Quando ela se ausenta há o indício de que a mãe quer outra coisa além da criança, de que a própria criança não faz Um com a mãe, isto é, que a criança não a completa. Essa ausência deixa aparecer que a mãe é uma mulher que tem um desejo (terceiro) colocado fora da alienação mãe-filho. Isto traz consigo um dos grandes desafios psíquicos da primeira infância que é o de ter de suportar o ferimento narcísico de não ser tudo para mãe, isto é, o ferimento decorrente da renúncia à identificação com o objeto que supostamente a supriria. Em outras palavras, para que a criança entre no processo de subjetivação que a conduzirá mais tarde à via da realização humana pautada pela lógica do desejo deve renunciar a se identificar com esse objeto da plenitude imaginária da mãe que os psicanalistas chamam de “falo imaginário”. Isto é, deverá poder desistir de se identificar com o objeto que imaginariamente poderia satisfazê-la e completá-la.
Se bem que a ausência da mãe é necessária e até suficiente para que se instale na criança o código a partir do qual se desenvolverá a linguagem, é preciso de algo a mais para que este sujeito possa, futuramente, sustentar-se na fala de uma forma singular. É preciso que a causa do desejo da mãe seja uma causa sexual, por isso o pai entra em cena como o primeiro signo da terceiridade (Lebrun, 2008a, p. 84). A causa sexual da mãe costuma ser o interesse dela pelo pai, mas pode ser também um trabalho ou um projeto que desperte seu desejo - apesar de que isso não provoca os mesmos efeitos. O que importa destacar é que o desejo da mãe supõe perda de gozo para a criança. E como neste caso o pai encarna o primeiro objeto do desejo fora da alienação puramente gozante mãe/filho, estruturalmente o pai vem aparecer como quem cumpre a função de interditar a simbiose mãe-filho. Neste sentido, a função do pai permite que a criança inscreva no seu psiquismo o lugar da exceção que impossibilita a satisfação plena. Na abordagem da psicanálise, a função do pai é a de interditar a mãe e separá-la do filho, no sentido de fazer obstáculo à ideia de que a criança poderia preenchê-la. Portanto, o pai funciona como um operador lógico que permite ao filho alocar-se na posição subjetiva de criança propriamente dita, a qual mais tarde, por sua vez, permitirá ao filho tornar-se um adulto. Esse ferimento narcísico à onipotência do infante amarra para sempre sua existência ao seu desejo (Lebrun, 2008a, p. 86). Do ponto de vista lógico, então, o pai tem uma função muito importante e específica no processo de subjetivação que é a de abrir o ser humano à dimensão do desejo. Um desejo humano que desde então será estruturalmente marcado por um gozo interditado, simbólico e parcialmente satisfeito. O Nome-do-pai é então o significante desse lugar de exceção que demarca a terceiridade e dá abertura à dimensão do desejo. O “pai de cada um” é aquilo que instala no sujeito a alteridade. Uma alteridade que acabará sendo determinante na entrada, e na qualidade dessa entrada, da criança no mundo da cultura. Para que isso possa acontecer é necessário que o desejo da mãe seja devidamente registrado através da inscrição no inconsciente da criança do significante do Nome-do-pai. A significação fálica instaura-se no momento em que o significante materno é substituído pelo significante do Nome-do-pai, cuja função psíquica é a de ser um significante puro, pois introduz um puro para além da alienação inicial que dá abertura à dimensão do desejo. Nesse desenvolvimento, que Freud chamou de complexo de Édipo, o terceiro instalado pelo desejo da mãe é um terceiro lógico e não um terceiro substancial - por mais que seja necessário que alguém efetivamente atue este papel (Lebrun, 2008a, p. 70).
Por sua vez, “o Outro do laço social” abrange todas as figuras implicadas na regulamentação social que evocam alguma forma de autoridade. Portanto, na sua dimensão mais concreta, o conceito supõe pensar em instituições encarnadas em figuras como as do juiz, do político, do professor, do médico, etc.; bem como, na sua dimensão ética e ideológica, nos ideais culturais e imaginários sociais sedimentados no senso comum e na opinião pública como consequência, por exemplo, do trabalho sistemático da educação e das mídias de comunicação massiva. Os Nomes-do-pai da cultura, portanto, são aqueles que cristalizam ou encarnam parcialmente um semblante do pai, entendido como esse poder de interditar um gozo sem limite, que é tão logicamente necessário à constituição subjetiva como à manutenção do laço social.
O problema mais relevante da nossa época, segundo psicanalistas como Jean-Pierre Lebrun, é que inclusive quando as coisas funcionem bem dentro do âmbito interno da família é necessário que o social ratifique a função paterna, que o social sustente o pai, e isso seria o que a sociedade faz cada vez menos. O diagnóstico social de Lebrun sustenta que o atual mal-estar das sociedades democráticas contemporâneas está vinculado a uma certa mutação de longo prazo na ordem simbólica, onde fica evidente o movimento histórico da perda progressiva de legitimidade desse lugar de exceção. O resultado desse processo é o que Lebrun (2008a, p. 10) chama de “democratismo”, a saber, a confusão social geral da época a respeito de supor que a queda da legitimidade daquelas figuras que historicamente encarnaram esse lugar de exceção, do terceiro (o rei, deus, o pai do patriarcado, bem como também poderíamos mencionar o líder político) supõe igualmente a possibilidade de apagar o lugar lógico da terceiridade necessário à sociabilidade e à coesão social. Por sua vez, o psicanalista Indart (2021, p. 129) associa esta falha da função paterna no tecido social com a falha da lei, não tanto em relação à falta de sanção e de legislação como à da sua aplicabilidade. Isto é, segundo ele, a decadência sociológica da função paterna evidencia-se na desacreditação crescente das esferas jurídico-política não tanto pela falta de leis que regulem a vida, como pela falta de pessoas que garantam sua execução.
Lebrun sustenta que o ataque ao pai substancial do patriarcado, tão em voga nos dias de hoje, não elimina a necessidade lógica de ter que sustentar o pai no lugar da exceção para a conformação do laço social. Este seria um verdadeiro problema na atualidade, pois na democracia atual “toda posição de exceção é hoje imediatamente suspeita de ser um lugar de gozo abusivo por parte daquele que a ocupa, mesmo que momentaneamente [...] [Impera a leitura de que esta é] uma posição fora-da-Lei” (Lebrun, 2008a, p. 90). Segundo Lebrun, o imaginário social que prevalece nas nossas sociedades é o do convite permanente à igualdade de estatutos, à permutabilidade dos lugares; e o lugar da exceção é tido como vestígio do poder abusivo do pai, do patriarcado (Lebrun, 2008a, p. 90). Portanto, a lógica de funcionamento nas sociedades contemporâneas parece estar caminhando na direção de eliminar o limite ao gozo, de convocar a um gozo a mais sempre renovado e sem limites. Quer dizer, haveria um movimento social de contestação e confrontação permanente, cada vez mais pronunciado, que se revolta contra as renúncias necessárias para o estabelecimento da vida coletiva.
Lebrun (2008b, p. 38) atribui parte dessa tendência à deslegitimação das autoridades tradicionais por parte do novo papel desempenhado na sociedade da ciência moderna. Ele argumenta que, enquanto na modernidade, o homem podia ser visto como um “filho legítimo de Deus”, o liberalismo exacerbado das últimas décadas promoveu a ideia de que o homem poderia emancipar-se completamente da falta, tornando-se um “filho legítimo de Ninguém”. O desenvolvimento da ciência e da técnica modernas, ao deslocar constantemente as fronteiras do impossível, fortaleceu a fantasia de um “eu autônomo total”. Segundo Lebrun, essa tendência a deslegitimar o poder do lugar da exceção surgiu com o discurso científico do século XIX, que contribuiu para romper o equilíbrio dentro da família, criando um sujeito mais integrado na massa e dependente de uma vida administrada pelas opiniões das mídias e pelas lógicas de consumo. O reverso dessa tendência a deslegitimar o poder do lugar da exceção é a sobrevalorização do sujeito-massa, “entodado” na massa (Lebrun, 2008b, p. 38), isto é, o sujeito entregue à vida administrada pela lógica do usuário, e à reprodução acrítica das opiniões das mídias e à multiplicação das narrativas.
Para estes sujeitos, não haveria história ou dívida que eles consintam em assumir diante do passado, em relação às gerações anteriores (Lebrun, 2008b, p. 218). Renegando da negatividade própria da representação e da necessidade da tramitação simbólica da falta, somente consentem reconhecer alguma relação com a realidade na medida em que ela os vincula a algum tipo de excesso. Por sua vez, essa relação com a realidade que privilegia o excesso é o que pode ser definido como o mais constitutivo da sociedade de mercado. De maneira que a forma típica de constituição da subjetividade atual engancharia no fundamento significativo do neoliberalismo, isto é, na fantasia de uma sociedade autorregulada de maneira espontânea em todas as formas da socialização:
[O liberalismo econômico] é congruente com a ideia de um sistema que nada mais faz senão ter confiança total numa auto-regulação espontânea. Desnecessário uma autoridade para regular a sociedade, plena confiança será dada à autonomia dos mercados. [...] O neoliberalismo econômico cumpre o trajeto preparado pelo discurso da ciência e pelo deslizamento da democracia ao democratismo, do lugar do poder como lugar vazio ao lugar do poder como suscetível de ser ocupado por cada um. Da instituição à ausência de instituição. Da heteronomia à emancipação libertando-se de toda dívida para com o Outro (Lebrun, 2008b, p. 105-106, grifo em itálico nosso).
A expressão mais evidente deste gancho entre subjetividade renegadora da castração e sistema econômico neoliberal é a figura do empreendedor como sendo o novo herói mais sobrevalorizado da época. O homem que tem sucesso atualmente é aquele sem raízes nem passado, quem se fabrica a si mesmo numa sorte de genealogia ao inverso: sua própria história é a única que importa e não mais de onde ele vem (Ehrenberg, 2010a, p. 53). Esta caracterização da época atual, marcada por uma articulação entre uma economia liberal desenfreada e uma subjetividade que se crê liberada de toda dívida para com as gerações precedentes, isto é, que acredita poder fazer tabula rasa com seu passado, traz como consequência uma crise severa das referências (Melman, 2003, p. 12). Por sua vez, esta consumação da deterioração neoliberal do laço social e do endeusamento do eu autônomo tem sua tradução política particular na aliança obscena entre meritocracia e tecnocracia. A aliança entre o discurso do próprio mérito e o da autoridade acéfala da ciência é, em termos psicanalíticos, uma aliança obscena, incestuosa, porque com ela renegar-se-ia a renúncia ao gozo real impossível implicado em todo discurso e em todo laço social. O que está em jogo nessa aliança perversa é o deslocamento, absoluto e sem resto, do sentido positivo do “mérito” pessoal ao “acéfalo” impessoal. Um dos sintomas que Lebrun destaca deste processo é a passagem do governo político à governança ou ao gerenciamento meramente financeiro (corporate governance). A noção de governança indica o desejo de não querer governar, pois governar supõe sustentar algum nível de conflito; enquanto que gerenciar supõe, sobretudo, evitar isso, ou em todo caso estar em condições de apagar seus efeitos (Fusaro, 2022, p. 62; Lebrun, 2008b, p. 151). Este renegar da impossibilidade, somado à perda da relação espontânea com o mundo, pode perigosamente conduzir as sociedades contemporâneas ao que o autor chama de “totalitarismo pragmático” (Lebrun, 2004, p. 67-68). O que Fusaro (2022, p. 60) já vê como sendo a realidade atual do “turbocapitalismo” ou do capitalismo totalitário absoluto.
Todavia, esse endeusamento do eu autônomo emancipado do lugar do Outro - e, portanto, da castração - traz consigo um grande paradoxo. Pois, embora nenhuma sociedade anterior jamais tenha dado tanta importância à singularidade do sujeito, também é verdade que nenhuma outra sociedade do passado o preparou tão pouco para sustentar-se nesta posição (Lebrun, 2008a, p. 31). Neste sentido, na sociedade pós-industrial, a alienação contemporânea é mais sofisticada que nas épocas anteriores, e manifesta-se como um verdadeiro paradoxo: à medida que aumenta o desenvolvimento tecnológico, que promete uma vida mais prática e eficaz, cresce igualmente a demanda por bem-estar e a ilusão de que as barreiras do impossível sempre podem ser superadas. No entanto, isso cria um ciclo de insatisfação constante, onde a busca por felicidade resulta numa sociedade cada vez mais cansada e deprimida (Han, 2012, 2013, 2014). A tendência histórico-social de substituir o antigo ideal cultural de vida boa, centrado no dever profissional, pelo imperativo do “mais-de-gozar”, desenha um novo tipo de totalitarismo que Lebrun (2004) denomina “totalitarismo pragmático”, e Melman (2003) chama de “fascismo voluntário”. A crise de legitimidade da autoridade parental, causada pela confusão entre o “terceiro substancial” e o “terceiro lógico”, sugere que vivemos em uma época em que a economia psíquica deixa de ser regulada pela lógica do recalque para ser dominada pela lógica da exibição do gozo. Essa nova economia psíquica resulta em deveres e sofrimentos diferentes que desmembram progressivamente as experiências de coletividade e prejudicam tanto a estabilidade social quanto a saúde mental no geral (Melman, 2003, p. 16). Pois, ali onde identidades sociais estáveis são vistas como algo cada vez mais anacrônico, a própria individualidade é construída na base de imagens do eu cada vez mais abertas, experimentais e fragmentárias (Rosa, 2016; Sennett, 2005). O que resulta na experiência estendida do “eu saturado” (Gergen, 1991), em alienados “sujeitos da culpa” (Rosa, 2016, p. 108) e na depressão generalizada (Ehrenberg, 2010b).
Segundo Melman, a lógica da vida social não passaria mais pelo compartilhar de um recalque coletivo, o que se conhece popularmente como usos e costumes, mas, pelo contrário, por uma espécie de corrida pelo gozo (Melman, 2003, p. 173). Essa nova lógica do laço social condenaria o sujeito a uma sorte de eterna adolescência adoecente, que enferma, pois esse gozo que lhe é imposto não é mais regulado através do Outro. Portanto, o sujeito se ressente pelo desamparo e pela falta de referências que só lhe trazem cansaço e ansiedade. Este novo contexto histórico-cultural, em que a economia psíquica constitutiva da subjetividade humana tende a substituir o mecanismo do recalque pelo da exibição manifesta do gozo, supõe uma passagem da lógica do ideal à lógica objetal. E, ao mesmo tempo, esta passagem significaria igualmente uma mudança antropológica radical: a criação de um “homem novo” identificado como o objeto de gozo, que não percebe nada de condenável, de espantoso e indignante em que ele se exponha, tanto na vida privada quanto no mercado de trabalho, a ser tratado como um objeto de gozo. Esta nova organização psicossocial, marcada pelo individualismo exacerbado e pela concorrência de um contra todos, substituiria assim o antigo homem fabricante, o homo faber, por um “homem novo”: o homem fabricado (Melman, 2003, p. 181-182), o homo resiliens, que tem abandonado seus ideais e que se contenta com saber que sua tarefa, sua missão neste mundo, é aceitar um destino inevitável, portanto, que acredita em que sua passividade é o melhor que pode dar de si mesmo (Fusaro, 2022, p. 4).
Vemos que, junto a esse empurre ao gozo capitalizado pela inovação tecnológica e pelo consumo no mercado, a sociedade atual põe em valor a “resiliência” como virtude primordial do sujeito pós-moderno. Esse novo valor cultural é compatível e complementário do “autoempreendedor” cosmopolita, do homem feito a si mesmo, da proliferação de solidões a-sociais e de conexões sociais efêmeras. Assim, a razão neoliberal atual consegue legitimar a precarização e a flexibilização da vida e do trabalho através do enaltecimento do “mito” da resiliência. A resiliência inclusive converte a mesma flexibilização e precarização numa virtude que tem que ser alcançada com nosso esforço pessoal (Fusaro, 2022, p. 50). Isso gera igualmente um movimento circular em que a dor e a insegurança se transformam em culpa, e os problemas sociais estruturais, em patologias psicológicas individuais.
Para concluir, podemos dizer que assim como o ideal de “homem profissional” foi indispensável para legitimar culturalmente certa mudança de mentalidade que resultou ser funcional ao surgimento da sociedade industrial; hoje é possível afirmar que sua queda e substituição por um imperativo de gozo cada vez mais desregulado e o novo ideal da resiliência são condições de possibilidade indispensáveis para operar a mudança do laço social e da subjetividade humana numa direção adequada às atuais necessidades neoliberais de transformação do mundo do trabalho. Longe de entender a “ética” protestante como um modelo axiológico orientador de um comportamento que visa à virtude per se, Max Weber foi o primeiro grande sociólogo da modernidade que demonstrou como essa “ética” era na realidade um poderoso dispositivo ideológico que fomentava um individualismo desenraizado e sem garantias completamente indispensável e afim à exploração do trabalho necessária à acumulação e concentração do capital que ergueu a sociedade industrial. A nova mentalidade capitalista hegemônica - centrada no niilismo, no empreendedorismo, no “empresário de si mesmo” e no gestor de projetos e metas aleatórias, incertas e ocasionais, de curto e médio prazo - emerge como um elemento indispensável para viabilizar a legitimação cultural do tipo trabalho que é funcional ao capitalismo pós-industrial, marcado pelo auge das novas tecnologias da informação e do conhecimento, a preponderância do setor de serviços por sobre o primário e o secundário, e pelo viés poupador de trabalho assumido pela indústria moderna. E isso está sendo viável, em parte, porque a propaganda do capitalismo neoliberal consegue preencher determinadas marcas narcísicas constitutivas da condição humana com a promessa de recuperação de um gozo impossível. A recuperação desse gozo ilimitado é impossível, como vimos acima, porque forma parte das renúncias necessárias à constituição da condição humana, bem como à do laço social. No entanto, a ideologia neoliberal capitalista alimenta constantemente uma ilusão em torno de sua recuperação, ao mesmo tempo em que significa esta falta em termos de um roubo perpetuado pelo outro, alimentando assim a hostilidade imaginária com o semelhante. Dessa forma, o sistema econômico capitalista transforma-se em um verdadeiro e incondicional aparelho holístico de dominação humana.
Comentários finais
Partindo do diagnóstico de Max Weber sobre a modernidade, este artigo procurou refletir sobre o declínio do ideal cultural de “homem profissional” que foi essencial para a modernização do Ocidente na direção do desenvolvimento da sociedade industrial. Discutimos algumas das consequências da queda progressiva desse ideal na passagem da sociedade industrial à pós-industrial, destacando-se a transformação do sentido do trabalho e a desvinculação da legitimidade do valor do trabalho, da esfera econômica, da legitimidade da cidadania, das esferas jurídica e política. Identificamos na cultura do hedonismo uma das condições de possibilidade do sucesso desta nova racionalização do valor do trabalho ao longo do século XX, a qual não somente desamarrou o sentido do trabalho da realização pessoal, como também, mais tarde, da profissional. Finalmente, vinculamos esta cultura do hedonismo a certo imperativo e empurre ao gozo predominante à época do capitalismo neoliberal que em parte resulta possível pelo esfarelamento da função paterna - entendida pela psicanálise como uma instância reguladora do gozo que opera desde o lugar da exceção, que é tão necessária à constituição da subjetividade humana quanto da coesão social. Relacionamos a crise desta função com a queda dos ideais culturais constitutivos da sociedade moderna, e identificamos na crise das referências um dos principais núcleos de angústia e depressão que afetam à subjetividade atualmente. Em resumo, tentamos analisar como a perda de legitimidade do ideal cultural do dever profissional foi, e ainda é, tanto uma condição de possibilidade como uma expressão sintomática de certa mudança antropológica em curso na nossa contemporaneidade, caracterizada pelo trânsito de uma economia psíquica organizada em torno do recalque para uma outra comandada pela exposição do gozo. Sob este novo prisma, a nova mentalidade econômica adequada ao desenvolvimento da sociedade capitalista neoliberal é a da autonomia completa, do empresário de si, do empreendedorismo. Mas, por sua vez, o auge do pessoal e a demanda sistêmica que força a uma singularização constante para ver conquistada certa posição de sobrevivência e um lugar de pertencimento na estrutura básica da sociedade pagam-se com a depressão nervosa generalizada. Em tal sociedade, em que a concorrência não tem sossego, nem lado de fora, o sentido do trabalho parece estar sendo diretamente afetado pela substituição do valor cultural da identidade profissional por uma nova valorização narcisista centrada na profissionalização da identidade.
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O presente texto forma parte de uma pesquisa de pós-doutorado desenvolvida no contexto do Projeto Temático da FAPESP nº 2019/22387 intitulado “Crises da democracia: Teoria crítica e diagnóstico do tempo presente”. Agradeço a gentileza e o trabalho do meu supervisor e à instituição do CEBRAP pela oportunidade de realizar esta pesquisa.
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Ver, entre outras obras: Bendix (1960); Gil Villegas (1985); Hennis (1988); Löwith, 2007; Parsons (1965); Piedras Monroy (2004); Pierucci (2013); Pissardo (2018); Scaff (1989); Schluchter (1981, 2008, 2010, 2014); Sell (2013); Tenbruck (2016); Villacañas Berlanga (2010, 2016).
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Utilizamos a expressão “sociedade pós-industrial” no sentido cunhado na década de 1970 pelo sociólogo norte-americano Daniel Bell (1976).
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Editoras
Débora Rezende de AlmeidaRebecca Neaera Abers
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
13 Jun 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
21 Abr 2024 -
Aceito
16 Dez 2024
