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A construção do campo de internet e política: análise dos artigos brasileiros apresentados entre 2000 e 2014

The build up of internet & politics research field: an analysis of Brazilian papers presented between 2000 and 2014

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar a área de I&P no Brasil. Para isso, levantamos 526 artigos apresentados em 11 eventos das áreas de sociologia, ciência política e comunicação social realizados no período de 2000 a 2014. A metodologia baseou-se em uma análise de conteúdo com o intuito de levantar os principais autores, centros de pesquisa, objetos político e tecnológico, abordagens teóricas, métodos, técnicas e áreas de abrangência dos artigos apresentados. Por um lado, os resultados indicam inúmeras concentrações e disparidades em relação a autores, instituições e estados envolvidos na pesquisa. Por outro, há evidências de maior consolidação e amadurecimento da área, que está focada em objetos mais específicos e apresenta um crescimento dos estudos empíricos. Por fim, argumenta-se por quê, neste momento, I&P aparenta ser mais uma temática interdisciplinar do que um campo de pesquisa.

Palavras-chave:
internet e política; comunicação e política; ciência política; comunicação social; sociologia; democracia digital.

Abstract

The purpose of this article is to analyze the field of I&P in Brazil. To do so, we gathered 526 papers presented in 11 events of sociology, political science and communication carried out from 2000 to 2014. The methodology was based on a content analysis in order to map the main authors, research centers, political and technological objects, theoretical approaches, methods, techniques and areas covered by the submitted papers. On the one hand, the results indicate numerous concentrations and disparities regarding authors, institutions and regions involved in the research. On the other hand, there is evidence of further consolidation and maturation of the area, which is focused on objects that are more specific and features a growth of empirical studies. At the end, we argue that I&P seems more an interdisciplinary thematic than an actual research field.

Keywords:
internet and politics; political communication; political science; social communication; sociology; e-democracy.

Introdução

O estudo da relação entre comunicação e política (C&P), em especial as pesquisas sobre o impacto dos media na conformação dos fenômenos políticos, é algo relativamente novo. Embora tais aspectos estejam profundamente interconectados, é no século XX, com a consolidação dos meios de comunicação de massa, que as análises irão despertar o interesse dos estudiosos.

Temáticas caras aos estudos de ciência política e sociologia, como engajamento cívico, formação da vontade política, criação ou reforço da coesão social entre grupos de interesse, participação política, capital social, cultura política, relação entre a classe dos representantes e dos representados, campanhas políticas, entre outras já foram abordadas sobre a ótica do impacto dos media sobre tais atividades. De forma similar, questões inerentes aos estudos de comunicação, como trocas comunicativas e interação entre pessoas e máquinas, formação e trajetória de modelos de jornalismo, cobertura midiática, imagem, marketing, publicidade, propaganda etc. frequentemente são avaliadas à guisa de suas imbricações com o campo político (ALBUQUERQUE, 2012ALBUQUERQUE, A. O paralelismo político em questão.Revista Compolítica, v. 2, n. 1, p. 5-28, 2012.; ALDÉ, CHAGAS E SANTOS, 2013ALDÉ, A.; CHAGAS, V.; SANTOS, J. G. B. Teses e dissertações defendidas no Brasil (1992-2012): um mapa da pesquisa em comunicação e política. Revista Compolítica , v. 3, p. 8-43, 2013.; GOMES, 2004GOMES, W. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004.; LIMA, 2009LIMA, V. Revisitando sete teses sobre mídia e política no Brasil. Comunicação & Sociedade, v. 30, n. 51, p. 13-33, 2009.; MAIA, 2006MAIA, R. C. M. Mídia e vida pública: modos de abordagem. In: MAIA, R. C. M.; CASTRO, M. C. P. S. (Orgs.). Mídia, esfera pública e identidades coletivas. Belo Horizonte: Editora UFMG, p. 11-62, 2006. ; MARQUES E MIOLA, 2010MARQUES, F. P. J. A.; MIOLA, E. Deliberação mediada: uma tipologia das funções dos media para a formação do debate público. Estudos em Comunicação, v. 1, p. 1-28, 2010.; MIGUEL E BIROLI, 2010MIGUEL, L. F.; BIROLI, F. Comunicação e política: um campo de estudos e seus desdobramentos no Brasil. In: ______; ______. (Orgs.). Mídia, representação e democracia. São Paulo: Hucitec, p. 7-24, 2010. ; 2011; RUBIM E AZEVEDO, 1998RUBIM, A. A. C.; AZEVEDO, F. Mídia e política no Brasil: textos e agenda de pesquisa. Lua Nova, n. 43, p. 189-216, 1998.).

Dessa maneira, gradativamente foi se formando o campo da C&P, apresentando um caráter transdisciplinar entre, essencialmente, comunicação social, ciência política e sociologia. Nesse sentido, Gomes (2004GOMES, W. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004.) divide a literatura sobre o tema em três estágios. No primeiro, de modo ainda disperso, são examinados os fenômenos políticos em que há presença da comunicação (o voto, por exemplo) ou questões relativas aos meios de comunicação de massa que incidem sobre a política, como a propaganda. Já no estágio seguinte, por conta da crescente autonomia da indústria da comunicação e da indústria cultural, deixa-se de refletir apenas sobre os efeitos da comunicação na política para examinar a relação entre os dois aspectos. O terceiro, que para ele estaria se encerrando, diz respeito à fase em que “a comunicação de massa e a indústria cultural são apresentadas no centro da cena das instituições sociais. [...] é o momento das primeiras formulações gerais sobre a política conquistada e dominada pelos meios de comunicação” (op. cit., p. 21).

Segundo Miguel e Biroli (2010MIGUEL, L. F.; BIROLI, F. Comunicação e política: um campo de estudos e seus desdobramentos no Brasil. In: ______; ______. (Orgs.). Mídia, representação e democracia. São Paulo: Hucitec, p. 7-24, 2010. ), as relações entre mídia e política poderiam ser resumidas em quatro pontos principais, a saber: 1) a mídia tornou-se o principal instrumento de contato entre a elite política e os cidadãos comuns; 2) o discurso político transformou-se, adaptando-se às formas preferidas pelos meios de comunicação de massa; 3) a mídia é a principal responsável pela produção da agenda pública; 4) candidatos a posições de destaque político têm de adotar uma preocupação central com a gestão da visibilidade - ver também Gomes (2004GOMES, W. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004.) e Lima (2009LIMA, V. Revisitando sete teses sobre mídia e política no Brasil. Comunicação & Sociedade, v. 30, n. 51, p. 13-33, 2009.).

No Brasil, a constituição desse campo de pesquisa iniciou-se recentemente. Conforme Rubim e Azevedo (1998RUBIM, A. A. C.; AZEVEDO, F. Mídia e política no Brasil: textos e agenda de pesquisa. Lua Nova, n. 43, p. 189-216, 1998., p. 3), a eleição de 1989, realizada depois de 29 anos sem eleições diretas para presidente, aparece como acontecimento detonador de um boom imediato e posterior de reflexões sobre o enlace entre mídia e política. Pode-se afirmar que esse acontecimento eleitoral, ao fazer emergir em toda sua potência essas novas conexões entre mídia e política, começa verdadeiramente a conformar um campo de estudos sobre C&P no país, perpassado por olhares sintonizados com essa nova circunstância de sociabilidade acentuadamente midiatizada, cenário que se mantém no impeachment de Collor e nas eleições presidências de 1994 (LIMA, 2009LIMA, V. Revisitando sete teses sobre mídia e política no Brasil. Comunicação & Sociedade, v. 30, n. 51, p. 13-33, 2009.; MIGUEL E BIROLI, 2011______; ______. Meios de comunicação de massa e eleições no Brasil: da influência simples à interação complexa. Revista USP, v. 90, p. 74-83, 2011.).

Da mesma forma que tais acontecimentos políticos marcaram os estudos da área, o surgimento e a popularização da internet também mobilizaram cientistas e foram acompanhados por diversas expectativas quanto a possíveis transformações políticas que o meio poderia catalisar. Passa-se a refletir sobre as práticas políticas possibilitadas pela mídia e se a então nova infraestrutura tecnológica poderia aprimorar efetivamente as condições da cidadania nas sociedades contemporâneas (COLEMAN E BLUMLER, 2009COLEMAN, S.; BRUMLER, J. G. The internet and democratic citizenship: theory, practice and policy. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.; GOMES, 2011______. Participação política online: questões e hipóteses de trabalho. In: MAIA, R. C. M.; GOMES, W.; MARQUES, F. P. J. A. (Orgs.). Internet e participação política no Brasil. Porto Alegre: Sulina, p. 19-45, 2011. ).

Tal debate ganha corpo especialmente na imbricação de dois aspectos. Primeiro, a capacidade técnica de a internet propiciar um novo modelo de comunicação, possibilitando, em especial, a “quebra do polo emissor”, isto é, a priori qualquer cidadão que disponha de um computador, de acesso à internet e que saiba, minimamente, operar tal instrumento, pode tornar-se um emissor de mensagens e ter uma postura mais ativa no processo comunicacional, viabilizando, assim, certa interatividade que não estava presente nos media tradicionais (AMARAL E MONTARDO, 2011AMARAL, A. R.; MONTARDO, S. P. Pesquisa em cibercultura: análise da produção científica brasileira na Intercom. Revista Logos, v. 34, n. 8, 2011.; LEMOS, 2002LEMOS, A. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina , 2002.; SILVEIRA, 2010SILVEIRA, S. A. Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo. Revista USP, v. 1, p. 28-39, 2010.).

Segundo, os dilemas da política contemporânea, em especial o diagnóstico de um problema estrutural das democracias contemporâneas - a excessiva separação entre a esfera civil e a esfera política. Isto é, ao menos em termos normativos, a esfera civil é compreendida como a detentora da soberania legítima, sendo que a opinião do povo deveria prevalecer na condução dos negócios públicos. Entretanto, o que se observa é que, ao fim e ao cabo, os cidadãos acabam apenas estabelecendo e autorizando, regularmente, por meio do voto durante os períodos eleitorais, os responsáveis pela produção da decisão política. Em consequência, a esfera política, nomeada enquanto representante, é quem produz de fato a decisão política e passa da condição de mandatária à condição de mandante. Isso acarretaria uma certa crise de legitimidade das democracias, dada a crescente apatia e o cinismo político da população, baixos índices de participação política, engajamento cívico e capital social (GOMES, 2004GOMES, W. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004.; 2011; COLEMAN E BLUMLER, 2009COLEMAN, S.; BRUMLER, J. G. The internet and democratic citizenship: theory, practice and policy. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.; HABERMAS, 1997HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. v. 2. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.; PUTNAM, 2000PUTNAM, R. Bowling alone: the collapse and revival of civic America. New York: Simon & Schuster, 2000.).

As implicações dessas duas questões sobre os diversos atores políticos, institucionalizados ou não, e o modo como incorporam o novo meio de comunicação à sua práxis geraram reflexões no campo científico. No entanto, diferentemente da literatura de C&P, frequentemente preocupada com os efeitos negativos dos media sobre as atividades políticas e os cidadãos (GOMES, 2004GOMES, W. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004.; MAIA, 2006MAIA, R. C. M. Mídia e vida pública: modos de abordagem. In: MAIA, R. C. M.; CASTRO, M. C. P. S. (Orgs.). Mídia, esfera pública e identidades coletivas. Belo Horizonte: Editora UFMG, p. 11-62, 2006. ; MARQUES, MIOLA, 2010MARQUES, F. P. J. A.; MIOLA, E. Deliberação mediada: uma tipologia das funções dos media para a formação do debate público. Estudos em Comunicação, v. 1, p. 1-28, 2010.; MIGUEL, 2010MIGUEL, L. F.; BIROLI, F. Comunicação e política: um campo de estudos e seus desdobramentos no Brasil. In: ______; ______. (Orgs.). Mídia, representação e democracia. São Paulo: Hucitec, p. 7-24, 2010. ), a literatura sobre internet e política (I&P) inicia-se, no geral, de maneira mais otimista e normativa quanto a possíveis potenciais e efeitos benéficos dos meios digitais para regimes democráticos. Em grande medida, criou-se uma dicotomia entre, de um lado, os “media tradicionais”, baseados em uma lógica de difusão massiva (um emissor, muitos receptores), com grande concentração dos meios por pouco agentes econômicos e de uma falta pluralidade de agendas e atores políticos (especialmente da esfera civil) e, de outro, as “novas mídias”, que funcionariam menos baseadas na comunicação um-muitos e mais em uma lógica pós-massiva, de comunicação muitos-muitos. Os “novos” meios permitiriam, potencialmente, que qualquer cidadão se tornasse um produtor de informação e conteúdo. Como se tratariam de meios de comunicação, potencialmente com acesso universal, descentralizados, sem filtros ou controle direto dos atores políticos tradicionais, poderiam, em tese, diminuir a mediação realizada por partidos políticos e pelo jornalismo, ampliando a pluralidade e a diversidade das fontes de informações.2 2 Para uma síntese dos principais argumentos positivos e negativos sobre os impactos da internet sobre atividades políticas, ver Bragatto (2008), Coleman e Blumler (2009), Gomes (2011) e Marques (2010).

Apesar de tal retórica da democracia digital (ou e-democracia) ainda ser forte e capaz de guiar planos governamentais (COLEMAN E BLUMLER, 2009COLEMAN, S.; BRUMLER, J. G. The internet and democratic citizenship: theory, practice and policy. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.), com o amadurecimento das análises, a questão inicial “o que a internet pode fazer pela democracia” passa a ser substituída por perguntas sobre como os diferentes meios, canais e ferramentas digitais que compõem a internet podem ser utilizados por indivíduos, organizações e instituições para fins políticos ou para incrementar valores democráticos. A isso se acrescentam inúmeras variáveis, como fatores socioeconômicos e culturais, ideologia partidária, nível de acesso à internet, literacia digital, regulações dos meios digitais e da governança da internet etc. Da mesma maneira, a vontade de representantes, elites políticas e instituições políticas de implementar ou aceitar tais inovações e a motivação dos cidadãos e grupos cívicos para criar ou apropriar-se de tais oportunidades tornam-se problemas de estudo. Finalmente, em vez de uma dicotomia, de uma simples oposição, começam a ser analisadas as complexas relações existentes entre meios digitais e aqueles de radiodifusão e também com o campo do jornalismo (BEZERRA E JORGE, 2011BEZERRA, H. D.; JORGE, V. L. Boa governança via web: o Brasil caminha a passos lentos. In: ROTHBERG, D. (Org.). Políticas e gestão da comunicação no Brasil contemporâneo. São Paulo: Cultura Acadêmica, p. 43-64, 2011. ; BRAGA, NICOLÁS E BECHER, 2013NICOLÁS, M. A.; BRAGATTO, R. C.; SAMPAIO, R. C. Internet and politics studies in Brazil: mapping the characteristics and disparities of the research field. Brazilian Political Science Review, v. 7, p. 114-140, 2013.; BRAGATTO, 2008BRAGATTO, R. C. Política e internet: oportunidades de participação democrática nos portais dos executivos nacionais dos seis maiores países sul-americanos. 2008. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008.; CANABARRO E CEPIK, 2010CANABARRO, D. R.; CEPIK, M. A. (Orgs.). Governança de TI - transformando a administração pública no Brasil. Porto Alegre: WS Editor, 2010.; CERVI E MASSUCHIN, 2011CERVI, E. U.; MASSUCHIN, M. G. O uso do Twitter nas eleições de 2010: o microblog nas campanhas dos principais candidatos ao governo do Paraná. Contemporânea, v. 9, p. 174-189, 2011.; CHADWICK E HOWARD, 2009CHADWICK, A.; HOWARD, P. N. Introduction: new directions in internet politics research. In: CHADWICK, A.; HOWARD, P. N. (Orgs.).The handbook of internet politics .London: Routledge Press, p. 1-10, 2009. ; GOMES, 2007______. Democracia digital: que democracia? In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E POLÍTICA, 2., 2007, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Compolítica, 2007.; 2011; MARQUES, 2010MARQUES, F. P. J. A.; MIOLA, E. Deliberação mediada: uma tipologia das funções dos media para a formação do debate público. Estudos em Comunicação, v. 1, p. 1-28, 2010.; MENDONÇA E PEREIRA, 2012MENDONÇA, R.; PEREIRA, M. A. Democracia digital e deliberação online: um estudo de caso sobre o Votena Web. Revista Latinoamericana de Opinión Pública, v. 2, p. 109-158, 2012.; MIGUEL E BIROLI, 2011______; ______. Meios de comunicação de massa e eleições no Brasil: da influência simples à interação complexa. Revista USP, v. 90, p. 74-83, 2011.; PENTEADO, SANTOS E ARAÚJO, 2014PENTEADO, C. L. C.; SANTOS, M. B. P.; ARAÚJO, R. P. A. Democracia, sociedade civil organizada e internet: estratégias de articulação online da Rede Nossa São Paulo. Sociologias, v. 16, p. 206-235, 2014.; SILVEIRA, 2010SILVEIRA, S. A. Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo. Revista USP, v. 1, p. 28-39, 2010.).

Segundo Bimber, há consenso entre os pesquisadores sobre a relevância da inserção da internet na dinâmica social, sendo reconhecidas as mudanças que ela introduz no sistema político.

A internet já alcançou significado político, pois um número crescente de cidadãos a utilizam para aprender sobre as políticas e ações governamentais, discutir assuntos entre si, contatar representantes eleitos, e obter materiais relativos ao voto e outras informações que podem facilitar uma participação mais ativa na política. Todos os observadores da cena corrente concordam que a rede está expandindo dramaticamente o acesso à informação política relevante e oferecendo novas possibilidades para aprendizado e ação (BIMBER, 1998BIMBER, B. The internet and political transformation: populism, community, and accelerate pluralism. Polity, v. 31, n. 1, p. 133-160, 1998., p. 133-134, tradução nossa).

Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é apresentar resultados de nossa pesquisa sobre a apropriação da temática “internet e política” como objeto de estudo pelas ciências sociais brasileiras, especialmente sociologia, ciência política e comunicação. Para tanto, realizamos uma extensa coleta e análise de artigos apresentados nos principais eventos dessas áreas. Buscando compreender possíveis mudanças ocorridas longitudinalmente, o escopo da avaliação abrange de 2000 a 2014, procurando, assim, dar conta de um período temporal significativo e que cobre desde as primeiras análises até as mais recentes, atualizando pesquisa anterior do período de 2000 a 2011 (NICOLÁS, BRAGATTO E SAMPAIO, 2013NICOLÁS, M. A.; BRAGATTO, R. C.; SAMPAIO, R. C. Internet and politics studies in Brazil: mapping the characteristics and disparities of the research field. Brazilian Political Science Review, v. 7, p. 114-140, 2013.). Além disso, foram levantadas a autoria dos estudos, as abordagens, os objetos tecnológicos e as variáveis metodológicas, entre outros, como pode ser visto na próxima seção. Ao fim, são levantados questionamentos e ponderações acerca da trajetória dessa área de pesquisa, sua relação com a C&P e seu estágio enquanto campo de pesquisa.

Metodologia

A metodologia estruturou-se no sentido de construir variáveis que possibilitassem uma análise comparativa dos artigos sobre I&P mapeados nos eventos escolhidos. Semelhantes levantamentos já foram realizados anteriormente, porém com abrangências territorial e temática distintas. Em âmbito internacional, destacamos o trabalho de Chadwick e Howard (2009CHADWICK, A.; HOWARD, P. N. Introduction: new directions in internet politics research. In: CHADWICK, A.; HOWARD, P. N. (Orgs.).The handbook of internet politics .London: Routledge Press, p. 1-10, 2009. ), que identificam um crescimento considerável na temática de I&P nos estudos publicados em inglês de 1995 a 2006. Segundo tal pesquisa, desde 2000, os estudos sobre I&P superam os estudos sobre radiodifusão (TV, rádio etc.) e continuam com uma tendência claramente ascendente.

No Brasil, foram encontradas algumas pesquisas centradas em mapeamento e sistematização dos estudos mais voltados à comunicação e, em especial, à cibercultura (AMARAL E MONTARDO, 2011AMARAL, A. R.; MONTARDO, S. P. Pesquisa em cibercultura: análise da produção científica brasileira na Intercom. Revista Logos, v. 34, n. 8, 2011.) e ao ciberativismo (SCHAUN et al., 2013SCHAUN, A. et al. Brazilian scientific production on cyberactivism in the communication area from 2002 to 2012: a preliminary mapping.Journal of Latin American Communication Research, v. 3, n. 1, p. 36-56, 2013.; SILVEIRA, 2010SILVEIRA, S. A. Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo. Revista USP, v. 1, p. 28-39, 2010.), mas no geral esses estudos restringem-se a pesquisas e estudos da área de comunicação. No que tange alguns dos principais artigos sobre a área de ciência política, é notável que I&P geralmente não é considerada umas das categorias em análise (por exemplo, Nicolau e Oliveira, 2014NICOLAU, J.; OLIVEIRA, L. A produção da ciência política brasileira: uma análise dos artigos acadêmicos (1966-2013). In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA POLÍTICA, 2014, Brasília. Anais... Brasília: ABCP, 2014.), porém o estudo de Leite (2015LEITE, F. B. O campo de produção de ciência política brasileira contemporânea: uma análise histórico-estrutural de seus princípios de divisão a partir de periódicos, áreas e abordagens. 2015. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2015.) acerca da área efetivamente inclui a categoria “comportamento e comunicação política”, que inclui os trabalhos sobre I&P. Na área de C&P, é possível destacar o mapeamento de Aldé, Chagas, Santos (2013ALDÉ, A.; CHAGAS, V.; SANTOS, J. G. B. Teses e dissertações defendidas no Brasil (1992-2012): um mapa da pesquisa em comunicação e política. Revista Compolítica , v. 3, p. 8-43, 2013.), que evidencia o crescimento de trabalhos de conclusão de curso de pós-graduação em I&P ao longo dos anos, mas que ainda demonstra ser uma das áreas com menos pesquisas em C&P.

No intuito de realizar esta análise de conteúdo, o tratamento das informações contidas no texto deu-se por meio da construção de categorias analíticas passíveis de serem mapeadas pela presença e pela ausência delas (BARDIN, 1977BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Martins Fontes, 1977.). Para tanto, foi necessário determinar claramente o que abarcava o conceito de I&P. Optou-se pela concepção alargada de política de Maia, “não só restrita ao mundo dos governos e à função de definição de votos pelos cidadãos, mas aquela que encampa também os processos de associação cívica, negociação e luta entre os sujeitos nas interações do dia-a-dia” (MAIA, 2006MAIA, R. C. M. Mídia e vida pública: modos de abordagem. In: MAIA, R. C. M.; CASTRO, M. C. P. S. (Orgs.). Mídia, esfera pública e identidades coletivas. Belo Horizonte: Editora UFMG, p. 11-62, 2006. , p. 15).

Foi a partir dessa compreensão mais ampla que se deu a coleta. Inicialmente, foi necessário diferenciar a atividade política de atos de sociabilidade, de modo a não agrupar pesquisas muito díspares entre si. Os artigos apenas entrariam para o corpus se seu objeto e/ou objetivos estivessem diretamente relacionados a atores políticos ou a atividades políticas.

No que se refere ao corpus, foram levantados os principais eventos3 3 Alguns trabalhos optaram por analisar trabalhos de conclusão de pós-graduação, como dissertações e teses (por exemplo, Aldé, Chagas e Santos, 2013), enquanto outros trabalhos (LEITE, 2015; OLIVEIRA E NICOLAU, 2014) optaram por trabalhar com os periódicos científicos. Entretanto, como I&P é uma área interdisciplinar, acreditamos que seria complexo e talvez excessivamente subjetivo definir um escopo suficiente de revistas que fosse representativo das três áreas analisadas. Ademais, ao nos focarmos em eventos, temos maior oportunidade de avaliar a produção discente. Os trabalhos de Amaral e Montardo (2011) e de Schaun et al. (2013) também optaram por avaliar artigos de eventos, porém, em ambos os casos, analisaram exclusivamente congressos da área de comunicação. de ciências sociais (destaque para sociologia e ciência política) e comunicação social realizados em território brasileiro.4 4 Isso significa que os estudos da temática “internet e política” de outros campos, como ciência da informação, direito, administração pública, entre outros, não foram mapeados. Tal escolha foi consciente, já que o objetivo era compreender a área de I&P dentro do campo de C&P. O período de abrangência dos artigos compreende de 2000 até 2014. Desse modo, foram analisados 526 artigos apresentados em 11 eventos. Para o teste e posterior refinamento dos critérios, foram realizados três estudos-piloto, durante os quais os pesquisadores relataram e resolveram dúvidas e ajustaram a planilha de análise. A forma final da planilha pode ser vista a seguir.

  1. Eventos: foram considerados seminários, congressos, encontros e simpósios realizados no país. Adotaram-se alguns critérios nessa seleção: a existência de um Grupo de Trabalho (GT), área ou sessão que incluísse estudos sobre a relação entre I&P; periodicidade; abrangência nacional; possibilidade de participação de pós-graduandos. Cada artigo foi classificado quanto ao/à: 1) nome do congresso; 2) instituição-sede do congresso e seu estado; 3) ano do congresso; 4) nome do GT;

  2. Características gerais do artigo: foram coletadas as três primeiras palavras-chave e informações relativas ao nome do artigo;

  3. Autores e instituições: foram incluídas variáveis, tais como: 1) nome; 2) instituição do autor; 3) estado da instituição; 4) titulação; 5) área de especialização, sendo considerada a área da última titulação; 6) se é professor(a); 7) caso seja, de que instituição; 8) número de autores; e 9) caso haja mais de um, se é uma parceria interinstitucional. Cabe observar que foi considerada na análise a situação do(a) autor(a) quando da publicação do artigo, e não a atual. Portanto, foram usadas as informações fornecidas por ele(a) mesmo(a) na sua identificação no artigo;

  4. Tipo de vertente: corresponde às clivagens observadas nos artigos, se social ou institucional. Como objeto da primeira, estariam as implicações do meio no engajamento cívico, na esfera pública, na deliberação política e na sua relação com o capital social. Em comum, a preocupação com a formação e as aptidões políticas da cidadania no ciberespaço. Já a “vertente institucional” teria três endereços:

  5. a) a conformação digital das instituições da democracia em sentido estrito (cidades e governos digitais, parlamentos on-line) ou lato (partidos políticos on-line); b) as iniciativas institucionais no vetor que vai do Estado aos cidadãos (como a prestação de serviços públicos on-line e governo eletrônico); c) iniciativas institucionais no vetor cidadãos-Estado (oportunidades de participação ou de oferta de inputs por parte da cidadania na forma de votos, respostas a sondagens, decisões ou sugestões orçamentárias, registro e discussão de opiniões em fóruns eletrônicos etc.) (GOMES, 2007, p. 11).

  6. Abordagem teórica: nesse ponto, o objetivo era verificar a principal abordagem teórica do texto; todavia, há uma gama considerável de linhas teóricas existentes nos estudos de I&P. Dessa forma, optou-se por criar categorias mais amplas, que pudessem resumir as principais abordagens teóricas da área: 1) transparência; 2) informação; 3) participação; 4) deliberação; 5) engajamento; 6) inclusão digital; 7) capital social e cultura política; 8) identidade e cidadania; 9) estratégia política e eleitoral; 10) accountability; 11) representação; 12) economia política e políticas de comunicação; 13) outros;

  7. Plataforma tecnológica: ou seja, o meio ou a ferramenta digital analisada pelo artigo em avaliação. Foram consideradas as seguintes categorias: 1) fórum e chats; 2) blogs; 3) websites; 4) redes sociais (Orkut, Facebook, Twitter etc.); 5) wikis (Wikileaks, Wikipédia etc.); 6) software livre; 7) repositórios de conteúdo (YouTube, Flickr); 8) internet; 9) mídia; 10) outros. As categorias “internet” (quando desejam fazer uma reflexão mais genérica sobre a internet) e “mídia” (geralmente na discussão de políticas de comunicação, na qual a internet é uma mídia em conjunto ou em comparação às mídias massivas) foram criadas após os primeiros pilotos da análise, pois alguns artigos não tratavam de objetos tecnológicos específicos;

  8. Objeto político: optou-se por uma condensação em categorias capazes de sistematizar os principais focos de atenção dos estudos de I&P: 1) políticas de comunicação; 2) campanhas eleitorais; 3) partidos políticos; 4) governo (Executivo, Legislativo e Judiciário); 5) movimentos sociais e organizações cívicas; 6) esfera civil não organizada (indivíduos e movimentos políticos espontâneos); 7) outros;

  9. Variáveis metodológicas: foram incluídas nesse item as variáveis que dizem respeito às questões de metodologia dos artigos. É composta por:

  10. Tipo de abordagem: a) teórica; b) empírica;

  11. Tipo de método: a) qualitativo; b) quantitativo; c) bibliográfico. A classificação é o resultado do tipo de técnica utilizado nas pesquisas;

  12. Tipo de técnica empírica: buscou-se identificar as principais técnicas de análise utilizadas pelos pesquisadores brasileiros, quais sejam: 1) survey; 2) etnografia; 3) entrevista; 4) análise do discurso; 5) análise de conteúdo; 6) mapeamento de redes; 7) não aplicou alguma das técnicas anteriores.

  13. Utilização de técnica estatística: primeiramente, foi aplicada uma variável dummy sobre a utilização ou não de estatística e depois foi verificado o tipo de estatística utilizado. São eles: 1) frequência simples; 2) estatística descritiva; 3) estatística inferencial.

Importante notar que cada artigo só poderia ser classificado em uma única categoria. Em todos os casos, verificou-se a ênfase, o ponto mais importante, o objetivo ou o espaço dado aos temas e às discussões para se realizar as diferentes classificações, conforme definido para análise de conteúdo (BARDIN, 1977BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Martins Fontes, 1977.). Optamos por uma dupla checagem em vez de testes de confiabilidade, logo todas as classificações foram avaliadas por dois codificadores diferentes e as dúvidas foram resolvidas por meio de discussão entre eles.

Análise dos resultados

Ao todo foram analisados 526 artigos apresentados em onze eventos em território brasileiro. Do Congresso da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), foram analisados 114 artigos (21,7%) dos anos de 2001 até 2014. No que tange ao Encontro da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (Compolítica), foram encontrados 77 artigos (14,6%) dos anos de 2006, 2007, 2009, 2011 e 2013 (cobrindo, assim, todos os encontros da associação). Em relação ao Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs), foram avaliados 67 artigos (12,7%) dos anos de 2010 a 2014. Do Encontro da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (Abciber), a análise compreendeu 64 artigos (12,2%) dos anos de 2008 até 2014. Do Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação (Compós) foram levantados 62 artigos (correspondentes a 11,8% do corpus) de 2000 até 2014, excluindo os anos de 2003 e 2004 por não haver trabalhos na temática. Do Seminário Nacional de Sociologia & Política (UFPR), foram 39 artigos (7,4%) relativos aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2014 (cobrindo todos os anos do evento). Já do Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), foram analisados 31 artigos (5,9%) dos anos de 2008, 2010 e 2014. Do Congresso Brasileiro de Sociologia foram 26 artigos (4,9%), envolvendo os anos de 2005, 2009, 2011 e 2013. No que se refere ao Congresso Latino-Americano de Opinião Pública (Wapor), foram 19 (3,6%) do ano de 2011 (quando o evento ocorreu no Brasil). Do Seminário Nacional de Ciência Política (UFRGS), foram avaliados 14 artigos (2,7%) de 2008 até 2011. E, por fim, do Fórum Brasileiro de Pós-Graduação em Ciência Política (UFSCar), foram 13 artigos (2,5%) dos anos de 2011 (UFSCar) e 2013 (UFPR) (os artigos estavam disponíveis apenas nestes anos).9 9 Alguns anais on-line não estavam disponíveis. O Congresso Intercom disponibiliza todos os anais de 2000 até 2014, mas os anais de 2004 estavam organizados de uma forma em que é impossível localizar os artigos. Logo, tal ano não está no corpus. Da Anpocs foram apenas coletados artigos desde o ano de 2010, pois coincide com a criação de GT específico na área. Da Abciber foram encontrados artigos na temática a partir do ano de 2008 (exceto em 2012, quando não encontramos trabalhos). Do Seminário de Sociologia & Política (UFPR), os artigos do ano de 2012 e 2013 não se encontram disponíveis no site do evento. O Encontro da ABCP disponibiliza on-line apenas os eventos desde 2008 a 2014. No caso do Congresso Brasileiro de Sociologia, os anais estavam disponíveis desde o ano de 2000, mas só foram encontrados trabalhos nos anos de 2005, 2009, 2011 e 2013. Foram encontrados os anais on-line da Wapor apenas do ano de 2011, que foi incluído por ter sido realizado no Brasil. Por fim, não estavam disponíveis os anais do ano de 2013 do Seminário Nacional de Ciência Política (UFRGS).

O gráfico 1 apresenta a relação de evolução no número de artigos apresentados nos eventos por ano.

Gráfico 1
Artigos por ano

Constata-se que até o ano de 2005 (equivalente a 1/3 do período analisado) a porcentagem de artigos apresentados não superava 2% do total. Verifica-se uma inflexão no ano de 2006 (3,8%) com uma tendência de acréscimo de artigos apresentados no decorrer dos anos, especialmente a partir de 2009 (9,7%). E por fim, observa-se um impacto notável dos três últimos anos, que juntos somam 43,1% do total, o que torna evidente um considerável crescimento do interesse na área nos últimos anos.

Instituições e autores

No que diz respeito aos autores, foram analisadas variáveis relativas às instituições das quais fazem parte, região e estado, escolaridade e área do curso da última formação, assim como se escreveram em coautoria e em parceria institucional. A seguir, a relação das 13 instituições mais representadas em nosso banco de dados. Pelo gráfico 2, percebe-se que as quatro instituições que lideram a produção de artigos são a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Pontifícia Universidade Católica do Estado de São Paulo (PUC-SP), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR). Acredita-se que a liderança das quatro universidades deva-se ao fato de possuírem grupos de pesquisa e mestrados e/ou doutorados com linhas de pesquisa na área de I&P e/ou C&P.10 10 A relação de instituições e siglas: Universidade Federal da Bahia (UFBA); Pontifícia Universidade Católica do Estado de São Paulo (PUC-SP); Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Universidade Federal do Paraná (UFPR); Universidade Federal do Ceará (UFC); Universidade de São Paulo (USP); Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Universidade de Brasília (UnB); Instituto de Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (IUPRJ), hoje Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ); Universidade Federal de Goiás (UFG); Universidade Federal de Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Gráfico 2
Instituições líderes

Além da análise por instituição, foi também avaliado o perfil da produção por estados da Federação. O gráfico 3 disponibiliza os nove estados líderes. Com efeito, a região Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) predomina com uma concentração considerável (45,8%). Na sequência, a região Nordeste (especialmente por conta da Bahia e do Ceará) aparece muito próxima da região Sul (14,1% e 13,8% respectivamente).11 11 Na comparação com a pesquisa de 2011 (Nicolás, Bragatto e Sampaio, 2013), ficou nítida a similaridade entre os dados, o que indica que a relação entre pesquisa de I&P e estados da Federação vem se mantendo sem alterações significativas.

Gráfico 3
Produção por estados da Federação

Com relação à autoria dos artigos, uma quantidade considerável foi escrita por apenas um autor (58,4%), representando mais da metade do total de artigos pesquisados. Os demais artigos foram escritos por dois, três ou mais autores (27,9%, 11% e 2,7%, respectivamente). Ademais, contabilizamos que dos artigos escritos por um autor, os primeiros 80 autores escreveram, em média, três artigos no período analisado, o que representa em torno de 15% dos artigos escritos. Por outro lado, percebeu-se um baixo interesse dos pesquisadores por realizar estudos por meio de parcerias institucionais (10,3%).

O gráfico 4 apresenta o nível de escolaridade dos primeiros autores. Percebe-se uma concentração de autores com alto nível de escolaridade: doutores (30%) e doutorandos (19,4%) representam, juntos, quase metade da população analisada. A produção discente na forma de mestrandos (26,4%) também é considerável. Os dados revelam que os pesquisadores doutores, possivelmente professores atuantes em alguma instituição, junto aos estudantes de pós-graduação stricto sensu, constituem o grupo que está alavancando a produção na área de estudo, correspondendo à maioria do banco (75,8%).12 12 O gráfico longitudinal demonstrou que não houve variação significativa da escolaridade e, por isso, não foi incluído, assim como os dados correspondentes à pesquisa de 2011 (Nicolás, Bragatto e Sampaio, 2013).

Gráfico 4
Escolaridade

O gráfico 5 apresenta a área da última formação dos autores. Percebe-se uma concentração de autores das áreas de comunicação (45,6%),13 13 Apesar de termos optado por um número similar de eventos dos diferentes campos, foi notável um grande volume de artigos do Congresso da Intercom, maior encontro dessa área. Futuras pesquisas podem optar por não o incluir em semelhante análise. ciência política (13,9%), além de uma quantidade considerável de autores que não informaram esse dado (13,9%). Se somadas a estas as áreas de ciências sociais (8,0%) e de sociologia (7,4%), nota-se uma concentração de mais de 80% do banco. Esses dados indicam que parte significativa dos pesquisadores participa de eventos pertencentes às suas áreas de formação acadêmica e que os eventos analisados tendem a ser pouco interdisciplinares.

Gráfico 5
Área de formação

Vertentes, abordagens e objetos

No tocante ao tipo de vertente dos artigos, constata-se que mais da metade deles localiza-se na vertente social (58,9%). Na tabela 1, é possível perceber a relação entre tipo de vertente e evento. Na maior parte dos encontros relacionados às áreas de política e sociologia (Anpocs, ABCP, Compolítica, Fórum Brasileiro de Ciência Política, Seminário Nacional de Ciência Política e Wapor), privilegiaram-se artigos da vertente institucional. No entanto, isto não se converte em regra, pois outros eventos pertencentes às mesmas áreas (Seminário Nacional de Ciência Política e Congresso Brasileiro de Sociologia) apresentaram mais artigos da vertente social. Porém, prevalece nos eventos relacionados à área de comunicação (Abciber, Compós e Intercom) uma presença significativa de artigos da vertente social.

A tabela 1 também demonstra a relação entre vertentes e instituições acadêmicas líderes. Destacam-se a UFBA e a UFPR com maioria dos artigos pertencentes à vertente institucional. Por outro lado, as outras instituições apresentaram pesquisas significativamente mais voltadas para a vertente social.

Tabela 1
Eventos, instituições acadêmicas e tipos de vertente

O gráfico 6 oferece informações a respeito das abordagens teóricas mapeadas. As categorias mais recorrentes foram “engajamento” (18,3%) e “participação” (20,7%). A terceira categoria foi “deliberação” (9,7%). Em conjunto, as três categorias representam quase metade do total das pesquisas (44,9%). Tais resultados podem se justificar pela recente história brasileira de luta contra a Ditadura e pela redemocratização do país trazer à tona preocupações com a inserção da esfera civil nos processos de tomada de decisão, enfatizando o papel da esfera civil nos processos democráticos. Outra possível explicação está no fato de o Brasil ser conhecido como uma espécie de laboratório de experiências participativas, como conselhos e conferências de políticas públicas, assim como o orçamento participativo (AVRITZER, 2008AVRITZER, L. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opinião Pública, v. 14, n. 1, p. 43-64, 2008.), o que pode justificar o interesse em verificar se há semelhantes canais participativos on-line.

Outras abordagens que geralmente recebem bastante atenção nos estudos internacionais, como estratégia política e eleitoral, inclusão digital e economia política (CHADWICK E HOWARD, 2009CHADWICK, A.; HOWARD, P. N. Introduction: new directions in internet politics research. In: CHADWICK, A.; HOWARD, P. N. (Orgs.).The handbook of internet politics .London: Routledge Press, p. 1-10, 2009. ), apresentaram valores relativamente baixos na pesquisa brasileira.

Gráfico 6
Abordagens teóricas

O gráfico 6 ainda nos evidencia que boa parte da pesquisa brasileira sobre I&P é, de fato, relacionada a categorias e premissas da democracia digital. Para além das três categorias relacionadas à participação, ainda poderíamos incluir temáticas próximas, como accountability, transparência e informação, o que nos permite dizer que mais de 50% da produção nacional pode ser vista como pertencente à grande área de e-democracia. Categorias mais relacionadas ao cotidiano político e eleitoral ainda representam menos de 10% do total, o que pode ser explicado pela própria representação da ciência política em nossa amostra.

É notável que nossa separação das abordagens tende a priorizar temáticas políticas e sociais. Em grande medida, cremos que as abordagens temáticas mais comunicacionais são cobertas pela cibercultura e áreas afins. Todavia, apesar de cada abordagem apresentar um valor reduzido por si, é possível ver que abordagens “mais comunicacionais” dos temas de I&P, como deliberação, informação, economia política, identidade e cidadania e inclusão digital, representam, em conjunto, uma parte considerável do total (36%).

O gráfico 7 traz as informações das abordagens teóricas por ano.

Gráfico 7
Abordagens teóricas longitudinal

Com efeito, percebe-se uma concentração de abordagens focadas na economia política (provavelmente evidenciando uma preocupação com a regulação e as políticas de comunicação do novo meio), engajamento e deliberação nos primeiros anos da pesquisa. No entanto, com o decorrer do tempo, outras abordagens são utilizadas. Cabe observar que, embora haja variação, a categoria “engajamento” permanece tendo certo predomínio nos estudos, sendo que no ano de 2014 representa quase 40% dos artigos apresentados.

O gráfico 8 oferece as informações a respeito dos objetos políticos.

Gráfico 8
Objeto político

A categoria “esfera civil não organizada” foi a que apresentou o máximo valor (27,6%) - no entanto, “governo” apresenta uma diferença mínima (24,3%). Cabe destacar que as ações da esfera civil (organizada ou não) têm grande peso no corpus, representando 45,5% dele. Isso pode estar conectado a uma visão mais basista da democracia (Gomes, 2007______. Democracia digital: que democracia? In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E POLÍTICA, 2., 2007, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Compolítica, 2007.), segundo a qual as esperanças de melhoria estão nos movimentos que vêm da base social, sendo que o Estado seria um agente a ser enfrentado ou conquistado. Vale a pena, ainda, destacar o baixo valor alcançado por pesquisas a respeito de partidos políticos (1,9%). O estudo longitudinal não revelou diferenças significativas entre os objetos políticos.

Com relação aos objetos tecnológicos, como se pode verificar pelo gráfico 9, as categorias tecnológicas mais amplas foram as mais encontradas na pesquisa, sendo que a maior parte dos artigos reflete de maneira geral sobre “internet” e “websites”. No entanto, as “redes sociais” representam um salto bastante considerável no corpus da atual pesquisa (23,2%). Por sua vez, os objetos tecnológicos menos utilizados foram “repositórios de conteúdo” e “software livre”.

Gráfico 9
Objeto tecnológico

Ao realizar o estudo longitudinal (gráfico 10), percebe-se que a categoria “internet” era preponderante até o ano de 2002. A partir de então, nota-se que outras plataformas ganham mais atenção, como os estudos sobre websites. Em 2006, as pesquisas sobre plataformas mais colaborativas e interativas ganham evidência, tais como blogs e redes sociais. No entanto, as redes sociais ganham um destaque considerável, com um crescimento significativo até o ano final da avaliação (42,1%). Portanto, a discussão sobre “a” internet para de fazer sentido, centrando-se nas inúmeras plataformas, aplicativos e tecnologias direta ou indiretamente relacionadas às diferentes redes digitais. Pode-se afirmar que a pesquisa brasileira foi capaz de acompanhar as evoluções tecnológicas e as novas plataformas tecnológicas disponíveis (no momento, as redes sociais).

Gráfico 10
Objeto tecnológico longitudinal

Por fim, com o intuito de medir a presença das categorias das variáveis nominais de abordagem teórica, objeto político e tecnológico, fizemos um teste de múltipla correspondência. Assim, quanto mais próximas forem as categorias das variáveis, mais homogêneos serão os subgrupos. O gráfico 11 de distribuição apresenta as distâncias entre cada ponto e assinala as relações entre as categorias das variáveis; quanto mais próximas estiverem, maior correspondência haverá entre elas. Pelo gráfico é possível perceber, por um lado, que há uma proximidade espacial maior entre a associação das categorias de abordagem teórica e objeto político e, por outro, objeto tecnológico e objeto político. Com efeito, cabe destacar que aquelas categorias da abordagem teórica que foram mais recorrentes em nosso banco de dados - a saber, “engajamento” e “deliberação” -, encontram-se mais próximas das categorias “esfera civil não organizada” e “movimentos sociais” (objeto político), bem como das categorias “blog”, “fórum e chats” e “redes sociais” (objeto tecnológico).

Gráfico 11
Correspondência entre abordagem teórica, objeto político e tecnológico

Variáveis metodológicas

No que se refere às variáveis metodológicas, percebe-se uma maior parte de estudos de cunho empírico (66,3%). Pelo gráfico 12, se comparados os tipos de estudo, observa-se que os empíricos têm se tornado mais frequentes desde 2008.

Gráfico 12
Tipo de estudo por ano

Outro dado instigante sobre as variáveis metodológicas pode ser visualizado no gráfico 13, referente ao tipo de técnica empírica utilizada.

Gráfico 13
Tipo de técnica empregada

Observa-se uma robusta quantidade de artigos que utilizaram “análise de conteúdo” (47,7%). No entanto, é válido ressaltar que muitos artigos não seguiam as técnicas de análise de conteúdo de forma coordenada (conforme Bardin, 1977BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Martins Fontes, 1977.), muitas vezes adquirindo um caráter mais descritivo das ferramentas e plataformas do que, de fato, uma análise de conteúdo sistemática. Também é notável como outras técnicas foram aplicadas em uma quantidade muito inferior. No entanto, uma quantidade considerável de artigos não apresentou qualquer técnica específica (38,2%).

Com relação ao método utilizado, uma quantidade considerável de artigos foi de cunho qualitativo (37,8%), seguida de artigos bibliográficos (31,2%) e, por fim, artigos quantitativos (31,0%). Somente uma porcentagem pequena aplicou algum tipo de estatística (30,2%), em contrapartida aos 367 artigos que não aplicaram nenhum tipo, representando quase 70% do banco. Dos 159 artigos que utilizaram estatística, cabe destacar a preponderância de frequências simples (65,4%), seguida da utilização de estatística descritiva (27%), e apenas um pequeno uso de estatística inferencial (7,5%). Tais dados revelam um estágio ainda exploratório da utilização de estatística, ou seja, poucas conclusões são obtidas por meio de observação de testes de significância.

Discussão

Inicialmente, é importante apontar que, como na maioria das pesquisas acadêmicas, há limitações aos resultados encontrados. Primeiramente, a opção por classificar os artigos a partir das “ênfases” pode ocasionar algumas distorções. Alguns artigos podem efetivamente conter mais de uma abordagem teórica ou usar duas ou mais técnicas de pesquisa. Todavia, nossa pesquisa foi baseada na sistemática da análise de conteúdo, na qual, geralmente, opta-se por categorias mutuamente exclusivas (BARDIN, 1977BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Martins Fontes, 1977.). Apesar das possíveis distorções, acreditamos que as ênfases são melhor adequadas para a compreensão das especificidades e diferenças existentes nas abordagens empíricas e teóricas, sendo mais profícuas para a análise geral do campo.

A segunda limitação está nas explicações. Diversos achados foram apresentados, mas não se questionou as possíveis causas de tais resultados. Em grande medida, o objetivo principal do trabalho foi realizar um mapeamento de fôlego sobre a área. Acredita-se que, a partir desta pesquisa, diferentes estudos podem focar-se nos diferentes resultados encontrados, buscando compreender suas causas e explicações.

A terceira limitação está no corpus. A pesquisa buscou trabalhar com o universo total da produção, mas acredita-se que alguns artigos possam não ter sido encontrados, o que se deve basicamente à má qualidade dos sites de eventos e associações, que muitas vezes não apresentam sequer ferramentas de busca dos anais. Ainda assim, acredita-se que o corpus coberto aproxime-se bastante do universo total.

Tendo apresentado os resultados atualizados sobre a pesquisa de I&P no Brasil, é válido questionar se esta assume mais o caráter de uma temática/problemática ou se, efetivamente, é possível destacar características da formação de um campo e de sua relação com o campo da C&P.

Evidentemente, a comparação entre C&P e I&P tem seus limites. Primeiramente, a pesquisa de C&P tem uma década a mais que a dedicada à internet no Brasil. Em segundo lugar, quando houve o boom das pesquisas sobre C&P (geradas pela eleição de Collor), TV, rádio e impresso já eram veículos bem estabelecidos no Brasil, com uma penetração considerável desses meios, em especial a TV (LIMA, 2009LIMA, V. Revisitando sete teses sobre mídia e política no Brasil. Comunicação & Sociedade, v. 30, n. 51, p. 13-33, 2009.; MIGUEL E BIROLI, 2011______; ______. Meios de comunicação de massa e eleições no Brasil: da influência simples à interação complexa. Revista USP, v. 90, p. 74-83, 2011.). A pesquisa sobre I&P, por sua vez, acompanhou, em grande medida, a própria evolução do meio técnico. Ou seja, a pesquisa surge nos primeiros anos da popularização do meio, cabendo observar que o seu alcance demorou um tempo considerável para chegar a um número maior de usuários no Brasil. Ou seja, a própria restrição da difusão do meio e de seu alcance é um fator a ser considerado para a restrita pesquisa existente nos primeiros anos de I&P.

Por sua vez, enquanto os blogs de política ganharam notoriedade e atenção acadêmica na Europa e nos Estados Unidos (por exemplo, Chadwick e Howard, 2009CHADWICK, A.; HOWARD, P. N. Introduction: new directions in internet politics research. In: CHADWICK, A.; HOWARD, P. N. (Orgs.).The handbook of internet politics .London: Routledge Press, p. 1-10, 2009. ), no Brasil, tal fenômeno não alcançou a mesma importância. Outra questão importante está no fato de boa parte da pesquisa sobre C&P estar centrada nas campanhas ou períodos eleitorais (MIGUEL E BIROLI, 2011______; ______. Meios de comunicação de massa e eleições no Brasil: da influência simples à interação complexa. Revista USP, v. 90, p. 74-83, 2011.). No que tange ao caso brasileiro, apenas em 2010, outras plataformas digitais, para além de websites de campanha (incluindo as mídias sociais), foram liberadas pela legislação nacional para campanhas políticas. Nosso estudo evidencia uma concentração de artigos em 2011 e 2013, anos posteriores às campanhas. Ou seja, se o boom da C&P deu-se em 1989, após as eleições presidenciais, é possível que o mesmo só tenha ocorrido em I&P após 2010, no caso brasileiro, que, para além do nascimento de efetivas campanhas on-line, também conta com a proliferação de um objeto tecnológico de notável uso entre os brasileiros, a saber: as mídias sociais.

Para além disso, é pertinente notar como a pesquisa brasileira em I&P aparenta seguir mais os preceitos normativos originais da literatura internacional sobre o tema que questões mais fortemente ligadas à pesquisa nacional de C&P. Dito de outra forma, questões caras à pesquisa de C&P, como imagem, visibilidade, cobertura jornalística, agendamento e enquadramento etc., encontraram, relativamente, pouco espaço na literatura de I&P. Acreditamos que algumas características dos próprios meios digitais e suas diferenciações para os meios de radiodifusão podem ser importantes para explicar esse resultado; entretanto, é de notório saber que todas essas questões não perdem sua importância nos meios digitais, mas apenas se alteram. Por exemplo, visibilidade e alcance continuam sendo questões importantes para atores políticos em mídias sociais, assim como a credibilidade do jornalismo também existe nos meios digitais, apesar dos inúmeros novos atores capazes de criar e difundir informações (conforme Miguel e Biroli, 2011______; ______. Meios de comunicação de massa e eleições no Brasil: da influência simples à interação complexa. Revista USP, v. 90, p. 74-83, 2011.). Assim, de fato, os pesquisadores de I&P preocuparam-se com questões mais normativas e muitas vezes mais relacionadas a valores democráticos do que o acompanhamento das atividades políticas cotidianas, como participação, deliberação, engajamento, transparência, informação, accountability, existindo um claro foco em uma maior participação da esfera civil nos negócios públicos. Isso, em grande medida, parece apontar que a literatura de I&P brasileira esteve fortemente voltada para questões mais próximas da democracia digital do que, de fato, da comunicação política. O gráfico 11, entretanto, parece apontar para uma proximidade entre “redes sociais”, “estratégia política” e “eleitoral e campanhas”, o que pode significar um início de tendência de estudos mais próximos aos apresentados em C&P.

Conclusão: campo da I&P?

Já no que tange à avaliação do campo, no geral, o estudo demonstra que a pesquisa sobre I&P no Brasil está continuamente crescendo, seguindo a tendência internacional (CHADWICK E HOWARD, 2009CHADWICK, A.; HOWARD, P. N. Introduction: new directions in internet politics research. In: CHADWICK, A.; HOWARD, P. N. (Orgs.).The handbook of internet politics .London: Routledge Press, p. 1-10, 2009. ). Por um lado, tal crescimento mostra-se com diversas concentrações e disparidades em relação a autores, instituições, estados e áreas de estudo. Por outro lado, a pesquisa também indica crescente maturidade da área. Primeiramente, porque percebe-se uma tendência para estudos empíricos, o que demonstra que a área já possui um maior equilíbrio entre pesquisas reflexivas e outras que analisem efetivamente os diferentes objetos, oferta e apropriações de iniciativas e ferramentas digitais, assim como possíveis efeitos e consequências (apesar de ainda ser notável que poucos aplicam alguma técnica estatística e, entre estes, a maior parte aplica apenas frequência simples). E, segundo, pelo sentido da abordagem dos objetos de análise, que deixou de se centrar em objetos amplos, como “a” mídia ou “a” internet, para se centrar na avaliação dos inúmeros canais, ferramentas, plataformas e dispositivos disponíveis on-line.

Não obstante, nossos dados parecem fornecer mais subsídios para avaliarmos I&P mais como uma temática interdisciplinar do que, efetivamente, como um campo transdisciplinar. Segundo nossa pesquisa, a maior parte dos autores circula, prioritariamente, em eventos de sua área de origem e há poucas parcerias institucionais (cerca de 10%), que ainda tendem a diminuir quanto se avalia parcerias entre pesquisadores de diferentes áreas. Grosso modo, as abordagens temáticas também parecem seguir o esperado, com foco no social nos artigos de eventos de comunicação, e foco institucional em eventos de ciências sociais (nos quais há mais pesquisadores de ciência política).

Ademais, apesar de a temática estar, gradativamente, galgando seu espaço em eventos tradicionais dos três campos avaliados, seja por meio da criação de GTs específicos, seja com mais trabalhos aceitos em GTs de C&P (ou, eventualmente, de outros temas), é notável que, grosso modo, ainda não há associações ou eventos acadêmicos exclusivamente dedicados à temática ou às suas subáreas. Só a título de exemplo, há uma gama de eventos, associações e periódicos científicos internacionais dedicados a questões específicas dentro da grande área de I&P, como parlamentos on-line, governo eletrônico, democracia digital, governança digital, ciberativismo etc. Essas questões parecem, assim, indicar mais o crescimento do interesse da temática por diferentes disciplinas acadêmicas do que, efetivamente, para a formação de um campo de I&P no Brasil.

Ainda assim, pelo currículo dos autores, foi possível notar que começam a surgir instâncias transdisciplinares focadas na temática, como as redes de pesquisadores do Centro de Estudos Avançados em Democracia Digital (CEADD) da UFBA, o GT “Governança Digital” do Centro de Estudos Internacionais sobre o Governo (Cegov) da UFGRS e grupos de pesquisa que, mesmo estando registrados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em área específica, apresentam integrantes de diferentes áreas, como, por exemplo, o Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp) da PUC-SP, o Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP) e o Grupo de Pesquisa Instituições, Comportamento Político e Novas Tecnologias (Geist), ambos da UFPR, o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da UFES e o Grupo de Pesquisa de Cultura Digital e Redes de Compartilhamento da UFABC.

Dado o crescente uso de tecnologias on-line e digitais por atores políticos tradicionais e pelos cidadãos ordinários, a tendência de convergência entre as diferentes mídias e tecnologias disponíveis, o obscurecimento das barreiras entre jornalismo tradicional e on-line, e a naturalização do uso desses dispositivos no cotidiano das pessoas, soa-nos como natural que as pesquisas da temática de I&P continuarão em forte ritmo de crescimento pelos próximos anos, tornando-se, gradativamente, temas mais nobres das diferentes áreas analisadas. Como se dará essa expansão e quanto a pesquisa brasileira caminhará para a formação desse campo (ou de seus subcampos) ou não, são as questões a serem avaliadas pelos próximos anos.

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  • 1
    Gostaríamos de agradecer aos pareceristas anônimos da Revista Brasileira de Ciência Política (RBCP), assim como colegas que avaliaram versões anteriores deste estudo, como Sérgio Braga, Emerson Cervi, Isabele Mitozo, Rodrigo Carreiro, Maria Paula Almada, além de colegas do GT Comunicação e Política da Compós.
  • 2
    Para uma síntese dos principais argumentos positivos e negativos sobre os impactos da internet sobre atividades políticas, ver Bragatto (2008), Coleman e Blumler (2009), Gomes (2011) e Marques (2010).
  • 3
    Alguns trabalhos optaram por analisar trabalhos de conclusão de pós-graduação, como dissertações e teses (por exemplo, Aldé, Chagas e Santos, 2013), enquanto outros trabalhos (LEITE, 2015; OLIVEIRA E NICOLAU, 2014) optaram por trabalhar com os periódicos científicos. Entretanto, como I&P é uma área interdisciplinar, acreditamos que seria complexo e talvez excessivamente subjetivo definir um escopo suficiente de revistas que fosse representativo das três áreas analisadas. Ademais, ao nos focarmos em eventos, temos maior oportunidade de avaliar a produção discente. Os trabalhos de Amaral e Montardo (2011) e de Schaun et al. (2013) também optaram por avaliar artigos de eventos, porém, em ambos os casos, analisaram exclusivamente congressos da área de comunicação.
  • 4
    Isso significa que os estudos da temática “internet e política” de outros campos, como ciência da informação, direito, administração pública, entre outros, não foram mapeados. Tal escolha foi consciente, já que o objetivo era compreender a área de I&P dentro do campo de C&P.
  • 5
    Apesar da exclusão de eventos específicos de outras áreas, era nosso intento verificar se pesquisadores de outras áreas estavam presentes nos artigos analisados. Assim, as áreas verificadas foram: 1) comunicação; 2) ciência política; 3) sociologia; 4) ciências sociais; 5) ciência da informação; 6) administração; 7) direito; 8) ciência da computação; 9) outros.
  • 6
    Baseado nas tradições de ciência política, Leite (2015) opta por fazer três distinções: estudos estatais, politológicos e societais. No caso de I&P, boa parte dos estudos estatais encontra-se na subárea de “governança da internet”, geralmente mais cara aos campos de gestão pública, do direito e da ciência da computação. Diante disso, optamos pela divisão mais simples entre estudos que enfatizavam aspectos institucionais (top-down) ou sociais (bottom-up). Para um apanhado da discussão sobre governança da internet, ver Canabarro e Cepik (2010) e Bezerra e Jorge (2011).
  • 7
    Estudos sobre jornalismo político dividiram-se entre as categorias “informação” ou “estratégica política e eleitoral”, a depender do foco do artigo.
  • 8
    Dados abertos, algo não usual na pesquisa original (NICOLÁS, BRAGATTO E SAMPAIO, 2013), foram incluídos nesta categoria.
  • 9
    Alguns anais on-line não estavam disponíveis. O Congresso Intercom disponibiliza todos os anais de 2000 até 2014, mas os anais de 2004 estavam organizados de uma forma em que é impossível localizar os artigos. Logo, tal ano não está no corpus. Da Anpocs foram apenas coletados artigos desde o ano de 2010, pois coincide com a criação de GT específico na área. Da Abciber foram encontrados artigos na temática a partir do ano de 2008 (exceto em 2012, quando não encontramos trabalhos). Do Seminário de Sociologia & Política (UFPR), os artigos do ano de 2012 e 2013 não se encontram disponíveis no site do evento. O Encontro da ABCP disponibiliza on-line apenas os eventos desde 2008 a 2014. No caso do Congresso Brasileiro de Sociologia, os anais estavam disponíveis desde o ano de 2000, mas só foram encontrados trabalhos nos anos de 2005, 2009, 2011 e 2013. Foram encontrados os anais on-line da Wapor apenas do ano de 2011, que foi incluído por ter sido realizado no Brasil. Por fim, não estavam disponíveis os anais do ano de 2013 do Seminário Nacional de Ciência Política (UFRGS).
  • 10
    A relação de instituições e siglas: Universidade Federal da Bahia (UFBA); Pontifícia Universidade Católica do Estado de São Paulo (PUC-SP); Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Universidade Federal do Paraná (UFPR); Universidade Federal do Ceará (UFC); Universidade de São Paulo (USP); Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Universidade de Brasília (UnB); Instituto de Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (IUPRJ), hoje Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ); Universidade Federal de Goiás (UFG); Universidade Federal de Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
  • 11
    Na comparação com a pesquisa de 2011 (Nicolás, Bragatto e Sampaio, 2013), ficou nítida a similaridade entre os dados, o que indica que a relação entre pesquisa de I&P e estados da Federação vem se mantendo sem alterações significativas.
  • 12
    O gráfico longitudinal demonstrou que não houve variação significativa da escolaridade e, por isso, não foi incluído, assim como os dados correspondentes à pesquisa de 2011 (Nicolás, Bragatto e Sampaio, 2013).
  • 13
    Apesar de termos optado por um número similar de eventos dos diferentes campos, foi notável um grande volume de artigos do Congresso da Intercom, maior encontro dessa área. Futuras pesquisas podem optar por não o incluir em semelhante análise.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2015
  • Aceito
    04 Mar 2016
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