Open-access Lideranças religiosas e o voto em Bolsonaro em 2022 1

Religious leaders and the Bolsonaro vote in 2022

Líderes religiosos y el voto por Bolsonaro en 2022

Resumo:

Qual é a influência das lideranças religiosas sobre o voto dos fiéis? Enquanto a literatura foca quase exclusivamente nos evangélicos, este artigo analisa o efeito eleitoral do apoio a Bolsonaro por lideranças religiosas católicas e evangélicas de forma comparada. Este estudo avança ao utilizar uma medida direta do apoio das lideranças religiosas aos candidatos, algo pouco explorado no Brasil. Com base na teoria da persuasão política, a hipótese é que, no Brasil, em um contexto de baixo partidarismo, a influência vertical dos líderes religiosos é crucial para mobilizar o eleitorado. Para testar essa hipótese, utilizamos a base de dados Clivagens Políticas no Brasil (2022) e modelos de regressão logística. Os resultados mostram que tanto as lideranças católicas quanto as evangélicas influenciam o voto dos fiéis. Embora o debate atual destaque as lideranças evangélicas como fortes cabos eleitorais, este artigo revela que as lideranças católicas têm o mesmo poder de mobilização eleitoral.

Palavras-chave:
religião; persuasão; evangélicos; católicos

Abstract:

What is the influence of religious leaders on the votes of their followers? While the literature focuses almost exclusively on evangelicals, this article analyzes the electoral effect of support for Bolsonaro by Catholic and evangelical religious leaders in a comparative perspective. This study advances the debate by using a direct measure of religious leaders’ support for candidates, a rarely explored aspect in Brazil. Based on political persuasion theory, the hypothesis is that in Brazil, a context of low partisanship, the vertical influence of religious leaders is crucial for mobilizing the electorate. To test this hypothesis, we use the 2022 Clivagens Políticas no Brasil database and logistic regression models. The results show that both Catholic and evangelical leaders influence the votes of their followers. While the current debate highlights evangelical leaders as strong political mobilizers, this article reveals that Catholic leaders have the same electoral mobilization power.

Keywords:
religión; persuasión; evangelicals; Catholics

Resumen:

¿Cuál es la influencia de los líderes religiosos sobre el voto de sus seguidores? Mientras que la literatura se centra casi exclusivamente en los evangélicos, este artículo analiza el efecto electoral del apoyo a Bolsonaro por parte de líderes religiosos católicos y evangélicos desde una perspectiva comparada. Este estudio avanza en el debate al utilizar una medida directa del apoyo de los líderes religiosos a los candidatos, un aspecto raramente explorado en Brasil. Basado en la teoría de la persuasión política, la hipótesis es que en Brasil, un contexto de bajo partidismo, la influencia vertical de los líderes religiosos es crucial para movilizar al electorado. Para probar esta hipótesis, utilizamos la base de datos Clivagens Políticas no Brasil (2022) y modelos de regresión logística. Los resultados muestran que tanto los líderes católicos como los evangélicos influyen en el voto de sus seguidores. Mientras que el debate actual destaca a los líderes evangélicos como fuertes movilizadores políticos, este artículo revela que los líderes católicos tienen el mismo poder de movilización electoral.

Palabras clave:
religión; persuasión; evangélico; católicos

Introdução

Desde 2018 a ciência política brasileira tem se dedicado a entender melhor o papel da religião sobre o voto. Isso se deve ao fato de Jair Bolsonaro ter sido eleito com uma ampla vantagem entre os evangélicos em 2018 e ter mantido esse padrão eleitoral em 2022. Em contextos eleitorais anteriores, lideranças religiosas haviam sido importantes cabos eleitorais para o Partido dos Trabalhadores. Um caso exemplar foi o apoio do pastor Edir Macedo (Igreja Universal do Reino de Deus) a Dilma Rousseff, em 2010. Naquela ocasião, a imagem de Dilma estava associada a defesa do aborto, pauta essa que foi fortemente mobilizada por Bolsonaro para atrair o eleitorado religioso no voto contra o PT. Como explicar esse novo vínculo entre Bolsonaro e grupos religiosos?

Esse novo fenômeno eleitoral, iniciado em 2018, tem levado os pesquisadores a apontarem para a formação de clivagens (Layton et al., 2021) ou a calcificação do eleitorado em torno de identidades sociais (Nunes; Traumann, 2023) e características censitárias (Layton et al., 2021). De acordo com essas leituras, Bolsonaro representou uma oferta que atendeu os anseios de uma nova direita que vem se formando no eleitorado brasileiro.

A limitação dessas leituras é que elas não se aprofundam nas variáveis de curto prazo, como a influência horizontal (vizinhos e colegas de trabalho) e vertical (lideranças religiosas entre outros líderes de opinião). Buscamos contribuir para esse debate por meio da análise do papel das lideranças religiosas no voto frente aos demais fatores explicativos. Dentro dessa perspectiva, é possível pensar que o voto de grupos religiosos em Bolsonaro não é explicado apenas pelo vínculo ideológico ou identitário (sem intermediários), mas também fruto da mobilização pelas elites religiosas nas igrejas. Com o objetivo de apresentar uma outra leitura sobre a formação de preferências eleitorais para grupos religiosos, o artigo traz a seguinte questão de pesquisa: qual é a influência das lideranças religiosas sobre o voto dos fiéis?

Parte da literatura propõe que, muitas vezes, a mensagem politizada dos pregadores é filtrada pelas preferências dos eleitores, funcionando como reforço para atitudes pré-existentes ou sendo ignoradas quando conflitantes (Djupe; Calfano, 2013; Djupe; Gilbert, 2002, 2009; Djupe; Neiheisel, 2022; Huckfeldt; Sprague, 1995; Krosnick, 1989; Scheitle; Cornell, 2015). Existem também os casos nos quais o eleitor escolhe seguir a liderança que tem posições políticas congruentes com as suas (Margolis, 2018). Por fim, há os casos em que fiéis acabam por adotar as sugestões de seus líderes religiosos, tornando-se, então, eleitores dos candidatos indicados (Ferreira; Fuks, 2021; Ferreira; Fuks; Smith, 2024; Rodrigues; Fuks, 2015). Neste artigo, utilizamos dados de um survey nacional para analisar em que medida as mensagens das lideranças religiosas pró-Bolsonaro contribuem para explicar as escolhas eleitorais dos fiéis.

Pensando no campo do cristianismo brasileiro, existe uma clara diferenciação entre católicos e evangélicos, os dois maiores grupos religiosos do país. Uma corrente significativa do primeiro grupo esteve ligada aos movimentos de esquerda durante o regime militar (Geromel, 2021) e, dada sua doutrina social, permanece conectado, mesmo que indiretamente, aos princípios da social-democracia. Por outro lado, “o enaltecimento dessa ala mais progressista da Igreja ofuscou o viés colaborativo que permeou sua relação com a ditadura nos primeiros anos” (Geromel, 2021, p. 122). Basta lembrar a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que contou com participação do clero. Apesar dessa história ambígua, não há evidências de que o eleitorado católico, historicamente, vinculou-se a algum partido político.

Com relação ao engajamento político dos evangélicos, este tem crescido substancialmente ao longo das últimas décadas, sendo a Constituinte (1985-1988) o ponto de partida. Mesmo não havendo um partido que abrigasse as lideranças evangélicas, existia uma tendência de voto em candidatos que defendiam suas bandeiras morais (Silva, 2019) e, mais recentemente, a adesão em massa a campanhas políticas de Jair Bolsonaro (Amaral, 2020; Guedes-Neto, 2020; Nicolau, 2020).

O ex-presidente, apesar de católico, construiu uma base sólida de apoio no campo religioso evangélico ao ajustar seu discurso com tom cristão e conservador, além de estrategicamente nomear indivíduos ligados às igrejas evangélicas para funções importantes no governo. De fato, ao olhar para o pleito de 2022, nosso artigo confirma que o evangélico é, em média, mais propenso a votar em Bolsonaro quando comparado a outros candidatos à presidência e que as mensagens de apoio dessas lideranças religiosas aumentam a chance de voto no candidato.

No entanto, nosso achado mais surpreendente é que o apoio de líderes católicos ao ex-presidente de extrema direita também afeta positivamente o voto em Bolsonaro desse grupo religioso. Chamamos atenção do campo para a relevância de se pensar lideranças católicas como importantes atores políticos, da mesma forma que são compreendidas as lideranças evangélicas. Nosso argumento de fundo é que o fraco vínculo partidário entre o eleitorado brasileiro abre espaço para cabos eleitorais não políticos (como as lideranças religiosas) assumirem papel de líderes de opinião.

O artigo apresenta a seguinte estrutura: primeiro apresentamos a teoria sobre a influência do líder religioso sobre o voto. Na sessão seguinte, apresentamos o caso brasileiro, dando ênfase às pontes construídas entre Jair Bolsonaro e as organizações religiosas evangélicas e católicas. Apresentamos, então, a fonte do nosso estudo empírico, um survey conduzido entre janeiro e fevereiro de 2023, logo após a posse do presidente Lula da Silva. Por fim, discutimos como estes achados nos ajudam a pensar a relação entre religião e política no contexto brasileiro.

Religião e voto

O efeito da religião sobre o voto pode ocorrer pelo compartilhamento de uma mesma identidade religiosa entre eleitor e candidato, pela proximidade das crenças religiosas e pela exposição dos fiéis às mensagens políticas das lideranças (Djupe; Neiheisel, 2022; Leege; Kellstedt, 2016; Raymond, 2018). Configura-se, assim, os três caminhos por meio dos quais a religião explica o voto.4 Neste artigo, dedicar-nos-emos ao terceiro fator: a persuasão política exercida pelas lideranças religiosas católicas e evangélicas durante os cultos, representado pela dimensão comportamental da Figura 1.5

Figura 1.
Modelo teórico da abordagem dos 3Bs.

A comunicação política de cunho religioso pode ocorrer por dois canais (Knoll; Bolin, 2019). O primeiro, é por meio de mensagens emitidas pelas lideranças religiosas aos fiéis (religious source); e o segundo, mediante mensagens religiosas emitidas pela campanha dos candidatos (political source). Essas mensagens podem mudar ou não a opinião ou voto dos fiéis, a depender de outras variáveis (Knoll; Bolin, 2019).

Por meio do primeiro canal, que é o objeto deste artigo, as lideranças religiosas utilizam sua posição de destaque, devido a sua autoridade religiosa, para convencer ou orientar os fiéis a adotarem determinados comportamentos e atitudes políticas. Mais recentemente, como evidente no caso brasileiro, grupos organizados em mídias sociais também servem de canais de comunicação política entre esses atores (Lemos, 2021).

Apesar disso, a literatura internacional pondera que esse fenômeno precisa ser qualificado. Isso significa que o efeito esperado dessas mensagens pode ser superestimado se não forem considerados outros fatores intervenientes, como o ambiente institucional e o perfil dos fiéis. Eleitores podem ouvir apenas o que querem, ignorar o que contradiz suas crenças prévias e projetar suas próprias visões sobre o que as lideranças religiosas dizem (Djupe; Calfano, 2013; Djupe; Gilbert, 2002, 2009; Djupe; Neiheisel, 2022; Huckfeldt; Sprague, 1995; Krosnick, 1989; Scheitle; Cornell, 2015). Além disso, mensagens políticas podem ter efeitos heterogêneos em função de atributos pessoais, tais como o interesse e o conhecimento sobre o assunto abordado pela liderança religiosa (Scheitle; Cornell, 2015).

Outro ponto importante é a dissonância perceptiva entre emissor e receptor: os fiéis podem entender que as lideranças falaram sobre política, enquanto essas lideranças não consideram suas falas como “políticas” e vice-versa (Scheitle; Cornell, 2015). Ainda, o engajamento político por parte das lideranças religiosas é mais provável de ocorrer em ambientes religiosos mais homogêneos (Knoll; Bolin, 2019), o que diminui a chance de reações contrárias dos fiéis com opiniões e crenças distintas das suas lideranças (Djupe; Neiheisel, 2022). Esse conjunto de fatores abordado pela literatura justifica um certo ceticismo em relação à eficácia das mensagens políticas emitidas pelas lideranças religiosas.

No entanto, o Brasil abriga algumas particularidades que fazem com que lideranças religiosas tenham papel de destaque na decisão do voto. Em um contexto marcado por um fraco partidarismo6 (Baker; Ames; Rennó, 2020; Samuels; Zucco, 2018) e pela ausência de clivagens políticas consolidadas, o voto tende a ser também determinado por fatores de curto prazo (Dassonneville, 2022). Como partidos estão pouco enraizados na sociedade brasileira, isso abre espaço para outros canais de persuasão, como as lideranças religiosas.

Isso não significa que o partidarismo não explique parte do voto no Brasil. Samuels e Zucco (2018) propõem que os sentimentos partidários devem ser compreendidos em sua dimensão positiva (partidarismo) e negativa (antipartidarismo), sendo estas atitudes importantes para o voto.

Baker, Ames e Rennó (2020) apontam que, no Brasil, o baixo partidarismo contribui para a alta volatilidade eleitoral e maior espaço para persuasão política. Porém, os autores não investigam o papel de lideranças religiosas (influência vertical), mas o efeito das conversas nas redes horizontais da vizinhança. Nosso argumento é que, no Brasil, líderes religiosos também vêm assumindo papel de formadores de opinião e cabos eleitorais, especialmente a partir de 2018.

O argumento dos autores assume que, em contextos com alto partidarismo, os eleitores estariam mais suscetíveis a cabos eleitorais partidários. Por outro lado, em contextos com baixo partidarismo, outros cabos eleitorais não partidários teriam mais espaço.

Dada essa particularidade do caso brasileiro e apesar dos avanços na compreensão do papel da religião sobre o comportamento político, ainda não se dimensionou o grau de associação entre as mensagens das lideranças religiosas e a decisão do voto para presidente. Estudos anteriores (Ferreira, 2022; Ferreira; Fuks, 2021; Rodrigues; Fuks, 2015) utilizaram a frequência a cultos como proxy para a exposição às mensagens políticas dos pastores. O uso dessa variável apresenta algumas limitações, já apontadas pelo debate internacional (Djupe; Gilbert, 2009; Hofstetter; Ayers; Perry, 2008), pois ela assume que os pastores fazem campanha política, que os fiéis são capazes de identificar mensagens políticas durante as cerimônias religiosas e que nenhuma outra fonte de influência política ocorre durante os cultos.

É nesse debate que o presente artigo se insere. Partimos do entendimento de que eleições seguem uma lógica social (Lazarsfeld; Berelson; Gaudet, 1968/1948), em que lideranças são atores importantes no processo de produção do voto, principalmente em contextos como o brasileiro, onde os vínculos partidários são fracos (Baker; Ames; Rennó, 2006, 2020). Nesse contexto, os eleitores buscam informação em fontes não partidárias, como nas vizinhanças ou nas Igrejas (Baker; Ames; Rennó, 2006, 2020).

Combinando os modelos de Knoll e Bolin (2019) e o de Lazarsfeld, Berelson e Gaudet (1968/1948), é possível pensar a persuasão política como um processo em que os eleitores recebem informações tanto das lideranças políticas quanto das lideranças religiosas. Essas informações foram importantes para os evangélicos em 2018 (Ferreira; Fuks, 2021).

No caso das eleições brasileiras de 2022, entendemos que houve uma intensificação da atuação das lideranças evangélicas. Isso porque os evangélicos ocuparam vários espaços institucionais de poder com a vitória de Bolsonaro em 2018, acessando mais a máquina pública e seus recursos. Além disso, desde 2018, o contexto político vem sendo marcado por um “antagonismo afetivo e pela radicalização ideológica da direita” (Fuks; Marques, 2022, p. 579).

Por outro lado, a relação de Bolsonaro com os eleitores católicos segue uma história diferente. Apesar de Bolsonaro afirmar-se como católico, não havia, em 2022, um compromisso público e generalizado das Igrejas com ele. Em termos institucionais, há uma restrição imposta pelo Vaticano ao envolvimento político de suas lideranças religiosas (Vaticano, 1983), embora isso não impeça, na prática, que o clérigo se envolva em assuntos políticos.

Smith (2023) já havia apontado um maior ativismo de padres. Esse envolvimento, segundo a autora (Smith, 2023, p. 27), deu-se por dois motivos: uma reação à mudança ideológica para a esquerda no campo das políticas públicas e a uma crescente fragmentação do campo religioso brasileiro, marcado pela queda no número de católicos.

Em 2022, havia padres que direcionavam tanto apoio quanto críticas a Bolsonaro, segundo levantamento do jornal O Globo (Marques, 2022). Dois exemplos emblemáticos foram o padre Júlio Lancellotti, que apoiou Lula, e o padre Paulo Ricardo, apoiando Bolsonaro. Ambos os padres têm ampla visibilidade midiática. Padre Júlio Lancellotti destaca-se pela sua militância pelos Direitos Humanos e tem sido alvo de constantes ataques de parlamentares de direita. Já o Padre Paulo Ricardo tem destacada atuação no movimento católico da Canção Nova, conhecido pelo seu ativismo ultraconservador (Silveira, 2015).

Apesar desse ativismo político nos templos evangélicos e nas igrejas católicas, a literatura tem direcionado seus esforços para analisar apenas o papel desempenhado pelas lideranças religiosas do primeiro grupo. Esse viés deixa de fora o principal grupo religioso do país em termos da quantidade de fiéis. Essa é lacuna que pretendemos cobrir neste estudo a partir da seguinte hipótese:

H1: Evangélicos e católicos que foram expostos as mensagens de apoio a Bolsonaro, quando comparados com seus pares, apresentam maior chance de votar no candidato.

Bolsonaro e as lideranças religiosas

Em 2022, Jair Bolsonaro não poderia mais ser considerado um outsider. Como incumbente tentando a reeleição, tinha a sua disposição a máquina pública, da qual fez uso logo após assumir seu cargo em 2019. Estrategicamente, tomou medidas que o aproximassem cada vez mais do eleitorado cristão.

Sua aproximação em relação ao segmento católico mais conservador fortaleceu-se devido a sua atuação na pauta de costumes. Desde 2010, há uma atuação de grupos católicos para barrar medidas como a campanha “Escola sem Homofobia”, a qual ficou conhecida pela iniciativa de distribuir o famoso “kit gay”. O “kit gay” foi um termo utilizado por grupos conservadores em sua campanha contra a cartilha do governo Dilma de combate à homofobia. Esse termo foi amplamente utilizado por Bolsonaro durante sua campanha de 2018. Além disso, outra pauta cara às lideranças católicas conservadoras era o aborto. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por exemplo, saiu em defesa do projeto de lei que equipara o aborto (acima de 22 semanas) a homicídio (Carta Capital, 2024).

Com relação aos evangélicos, indicou André Mendonça para uma vaga no Supremo Tribunal Federal, uma pessoa, segundo o presidente, “terrivelmente evangélica”. Líderes religiosos também ocuparam cargos centrais em Ministérios, como o da Educação (Milton Ribeiro) e o da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (Damares Alves). Além de indicar pessoas “cristãs” para cargos-chave, Bolsonaro participava de cerimônias e cultos religiosos com frequência. Além disso, a Michelle Bolsonaro, sua esposa, organizava cultos na Esplanada.

Bolsonaro foi o primeiro presidente a comparecer na Marcha para Jesus, tradicional evento evangélico. Em seus discursos públicos, defendia que o cristianismo e sua moral eram a tradição da maioria dos brasileiros e que as minorias deveriam se adequar a vontade da maioria. Além disso, defendia a ideia de que havia uma perseguição aos cristãos do Brasil, de que a esquerda estava tentando implantar o comunismo, destruir a “família tradicional”, corromper as crianças por meio da “ideologia de gênero” e legalizar o aborto.

Em suas lives semanais, transmitidas pelo Youtube, Bolsonaro mobilizava pautas morais importantes para o segmento cristão, empregando um discurso de “cruzada moral”, em defesa da família e dos “bons costumes”, onde citava passagens bíblicas e utilizava constantemente seu lema: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” (Tamaki; Mendonça; Ferreira, 2021).

Suas mensagens sobre a ameaça representada pelo PT às instituições religiosas brasileiras eram repercutidas em algumas igrejas católicas, que chamavam atenção para a perseguição que os cristãos estavam sofrendo na Nicarágua, com um “governo de esquerda” (Agência Estado, 2022). Esse argumento era utilizado para mostrar que o PT faria o mesmo tipo de perseguição no Brasil, caso eleito.

Além disso, Bolsonaro, fez uso dos canais de comunicação de grupos evangélicos, como a TV Record, do Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reio de Deus. Essa empresa foi a que mais recebeu recursos para veicular propaganda do governo federal, superando a Rede Globo, principal empresa de comunicação do país. Além dela, a Igreja Sara Nossa Terra recebeu recursos milionários para veicular tais propagandas (Alencar, 2021).

Em relação à mídia Católica, lideranças católicas (leigas e religiosas) solicitaram, em reuniões com o governo, maior apoio para manutenção de seus canais em troca de maior cobertura/apoio ao governo Bolsonaro (Poder360, 2020). Entre as pessoas presentes em uma dessas reuniões, transmitida pela TV Brasil, estava Reginaldo Manzotti, um dos nomes fortes do conservadorismo católico e com destaque midiático.

Ao adotar essas estratégias políticas, Bolsonaro fortaleceu o seu vínculo tanto com as lideranças religiosas como com o público cristão de maneira geral, mas, em especial, com os evangélicos. Foram quatro anos lembrando esses eleitores de que ele entendia os seus anseios e de que era o verdadeiro representante de seus interesses e valores. Tais ideias ressoaram durante os cultos. Ao construir essa imagem, conseguiu mobilizar ainda mais o apoio das lideranças religiosas.

Dados

Para testar a hipótese, utilizamos a base de dados da pesquisa “As Bases das Clivagens Políticas no Brasil”. A coleta de dados foi conduzida entre 17 de janeiro e 14 de fevereiro de 2023, após as eleições. A base apresenta perguntas sobre o voto (para eleições de 2022) e sobre persuasão política das suas lideranças religiosas, em apoio a Bolsonaro.

As entrevistas foram realizadas por telefone, por meio do Sistema CATI (Computer Assisted Telephone Interview). Ao total, foram entrevistados 1.500 eleitores com 16 anos ou mais, cujo desenho amostral considerou cotas de sexo, idade, instrução (TSE 2022), renda (IBGE/PNAD 2015) e localidade (IBGE/ Censo 2010).

Com relação a operacionalização da variável independente principal (apoio das lideranças religiosas a Bolsonaro), optamos pelo formato binário, opondo quem escutou sua liderança apoiando Bolsonaro aos demais eleitores (categoria de referência). A variável dependente do modelo (voto) também foi ajustada para a forma binária, criando uma categoria para quem declarou voto em Bolsonaro em 2022 e outra para as demais opções (categoria de referência). Em relação à religião, utilizamos três categorias: “católicos” (categoria de referência), “evangélicos” e “outras” (inclui outras religiões e pessoas sem religião).

Optamos por agrupar os evangélicos em uma única categoria, uma vez que essa medida capta a identidade religiosa dos eleitores. Como neopentecostal não é uma identidade religiosa, mas uma categoria sociológica, qualquer efeito que viesse a ser encontrado para “neopentecostal” não poderia ser atribuído a identidade religiosa, mas a outros fatores não mensurados, como valores religiosos. Outra vantagem de se trabalhar com os evangélicos de forma agregada é o tamanho desse grupo na amostra. Isso garante maior confiabilidade das estimativas.

Como a pesquisa foi realizada por telefone, é importante verificar se os resultados da amostra condizem com os resultados reais. Não esperamos que os resultados sejam exatamente os mesmos, dado que o survey foi realizado 3 meses depois do primeiro turno das eleições, mas que se aproxime de alguma forma da realidade.

A amostra apresenta Lula com 39% das declarações de voto e Bolsonaro com 38%. A taxa de não resposta foi de 8%, além de ter 1% que não lembra em quem votou. Segundo os dados do TSE, a diferença entre Lula e Bolsonaro, no primeiro turno, foi de 5 pontos percentuais.

A amostra apresenta a seguinte distribuição dos grupos religiosos: católicos, com 50%, pentecostais, com 17%, e os evangélicos tradicionais, com 7%. No Censo 2022 (IBGE), católicos representam 49% da população, seguido dos evangélicos (agrupados), que representam 26%. Em relação às pessoas sem religião, a amostra captou 15%, o que se aproxima dos 14% do Censo 2022.

Metodologia

Para o teste da hipótese, utilizaremos modelos de classificação (regressão logística). Este modelo é o que melhor se ajusta a nossa variável dependente binária, por meio de uma função de ligação logarítmica. A escolha por operacionalizar a variável dependente e independente de forma binária deve-se ao fato de que estamos interessados em analisar se as mensagens pró-Bolsonaro tem efeito sobre o voto em Bolsonaro. Para testar nossa hipótese, separamos a base de dados entre aqueles que se consideram evangélicos e católicos e estimamos o efeito de ter escutado sua liderança religiosa apoiando Bolsonaro sobre o voto neste candidato. Como teste de robustez, separamos a base de dados entre aqueles que escutaram e não escutaram suas lideranças religiosas terem apoiado Bolsonaro e estimamos o efeito da identidade religiosa sobre o voto neste candidato e realizamos um teste com um modelo de interação entre as variáveis de identidade religiosa e apoio das lideranças.

Por meio do primeiro modelo, testaremos se as mensagens das lideranças religiosas importam para o voto para cada grupo religioso. Por meio do segundo modelo, também será possível verificar se os evangélicos (em relação aos católicos) que não foram expostos às mensagens pró-Bolsonaro apresentam uma inclinação em votar em Bolsonaro. O terceiro modelo permitirá-nos comparar as médias marginais estimadas para cada grupo.

Para apresentar os resultados, optamos pela visualização gráfica com as variáveis de interesse, apresentando os modelos completos nas Tabelas 2 e 3 (Anexo A) e pelo uso de uma tabela para comparar as médias marginais. O resultado esperado é que, para ambos os grupos religiosos, o apoio à Bolsonaro afete o voto.

Como controles dos modelos, selecionamos um conjunto de variáveis que poderiam atuar como confundidoras (confounders) do efeito de (apoio das lideranças) em (voto). Para isso, controlamos por variáveis sociodemográficas (sexo, cor, idade, escolaridade, faixa de renda e região), pelo antipetismo e pela frequência a cultos. Entendemos que, quanto mais a pessoa frequenta os cultos, maior a probabilidade de escutar sua liderança apoiando algum candidato.

Outro dado identificado pela literatura (Djupe; Gilbert, 2009) que seria um confounder é a sofisticação política dos eleitores. Eleitores mais sofisticados, ou com maior interesse por política, tendem a perceber melhor as mensagens políticas de suas lideranças religiosas. Para lidar com esse confounder, utilizamos a variável de escolaridade. A Figura 3 e a Tabela 1 apresentam a estratégia empírica e a descrição das variáveis (formato original e modificado).

A seleção das variáveis controle segue a estratégia proposta por Angrist e Pischke (2009) e Cinelli, Forney e Pearl (2024), que consiste em não controlar por variáveis que poderiam ser consideradas dependentes da nossa variável explicativa principal. Como a variável central para nosso teste de hipótese é a exposição às mensagens das lideranças religiosas, incluímos como controle apenas as variáveis que não são explicadas diretamente por essa exposição.

Para garantir que a significância estatística dos modelos apresentados não seja produzida pelo uso das covariáveis de controle, algo conhecido como efeito de supressão (Lenz; Sahn, 2021), testaremos o efeito das variáveis independentes sem os controles, como um teste de robustez adicional.

Figura 2.
Estratégia empírica

Quadro 1.
Descrição das variáveis utilizadas nos modelos de regressão

Por fim, como teste de robustez, realizamos os mesmos testes a partir de uma abordagem tradicional de explicação do voto. Nessa abordagem, é comum utilizar variáveis que representam cada uma das teorias sobre escolha eleitoral. Para isso, incluímos medidas de conservadorismo moral e de percepção da economia, como fazem Nunes e Traumann (2023, p. 153).

Resultados e discussão

Antes de avançarmos sobre os testes de hipótese, é importante observar a exposição dos grupos religiosos às mensagens de apoio a Bolsonaro por parte de suas lideranças religiosas. A Figura 3 e a Tabela 1 mostram que os evangélicos apresentam a maior probabilidade de terem sido expostos às mensagens pró-Bolsonaro (aproximadamente 30%). Os católicos também foram mais expostos a essas mensagens quando comparados aos demais grupos (aproximadamente 10%). Isso reforça o nosso argumento de que houve, em ambos os lados, uma adesão a Bolsonaro, sendo mais comum entre os evangélicos.

Como apresentado anteriormente, o vínculo entre Bolsonaro e as lideranças evangélicas foi mais estreito do que com os católicos. Entre os católicos havia uma ala da Igreja que o criticava abertamente, principalmente devido ao seu tom antidemocrático, belicoso e de propagação de notícias falsas. Por outro lado, lideranças evangélicas inseriram-se nas estruturas do Estado, controlando recursos econômicos e políticos.

Figura 3.
Probabilidade predita da exposição às mensagens das lideranças religiosas de apoio a Bolsonaro

Tabela 1.
Comparação da chance de ter sido exposto às mensagens pró-Bolsonaro entre grupos religiosos.

Ao avaliar o efeito das mensagens das lideranças religiosas sobre o voto, os dois primeiros modelos (Figura 3) mostram que, entre os evangélicos e entre os católicos, quem escutou sua liderança apoiando Bolsonaro apresenta uma maior chance de ter declarado voto no candidato.

Os católicos que foram expostos às mensagens de suas lideranças religiosas apresentam 4 vezes mais chances de ter declarado voto em Bolsonaro (β~1,40). Entre os evangélicos, essa diferença foi de 2,4 vezes mais chances (β~0,88).7 Quando comparamos a magnitude dos efeitos (terceiro gráfico da esquerda para a direita), o efeito é maior entre os católicos (1,40 contra 0,88), mas não é estatisticamente significativa (p < 0,05). Dessa forma, lideranças religiosas católicas e evangélicas afetam igualmente o voto dos fiéis. Essa mesma diferença permanece nos modelos de robustez, quando testamos sem a presença das variáveis de controle. Para os católicos e evangélicos, encontramos efeitos bem parecidos e estatisticamente significativos (β~1,39 e β~0,64 respectivamente, p < 0,05).

Figura 4.
Efeito do apoio de lideranças religiosas sobre o voto em Bolsonaro

Esses resultados corroboram nossa hipótese de que lideranças religiosas são atores importantes na escolha do voto no Brasil, reforçando sua lógica social em um contexto marcado por baixo partidarismo na opinião pública (Lazarsfeld; Berelson; Gaudet, 1968/1948; Baker; Ames; Rennó, 2006, 2020; Samuels; Zucco, 2018). Nesse contexto, os cabos eleitorais partidários competem com atores de fora do campo político, como as lideranças religiosas.

Estudos anteriores já apontavam a importância da atuação das lideranças religiosas evangélicas sobre o voto (Ferreira; Fuks, 2021; Ferreira; Fuks; Smith, 2024; Rodrigues; Fuks, 2015). O que ainda não havia sido investigado é a influência das lideranças católicas, que se revelaram, em nosso estudo, também capazes de mobilizar os fiéis eleitoralmente.

No que se refere à medida de influência religiosa, poucos estudos utilizaram medidas como a que foi utilizada neste artigo (Ferreira; Fuks; Smith, 2024). A vantagem de usar uma medida direta sobre influência das lideranças religiosas (em comparação com medidas indiretas, como frequência a cultos) é que ela nos permite confrontar o ceticismo que existe em relação à influência das lideranças religiosas (Djupe; Calfano, 2013; Djupe; Gilbert, 2002, 2009; Djupe; Neiheisel, 2022; Huckfeldt; Sprague, 1995; Krosnick, 1989; Scheitle; Cornell, 2015).

Por outro lado, este estudo não avançou na condicionalidade desse efeito. Não sabemos, por exemplo, se as mensagens das lideranças religiosas teriam efeito entre os fiéis que apresentam uma rejeição prévia a Bolsonaro, ou que são ideologicamente orientados mais à esquerda.

Nosso estudo sugere que esse vínculo político religioso ocorre, em parte, pela atuação de lideranças religiosas. Como o bolsonarismo é um fenômeno sem partido, Bolsonaro se beneficia da ação dessas lideranças religiosas para fidelizar eleitores. Os resultados aqui apresentados afastam-nos dos estudos que apontam para a formação de clivagens (Layton et al., 2021) ou ordenação social (Guedes-Neto, 2020) no Brasil e reforçam o argumento de Baker, Ames e Rennó (2020), que apontam eleições menos estruturadas e mais propícias à persuasão política em contextos de baixo partidarismo, como o brasileiro (Samuels; Zucco, 2018). Diferente desses autores, nossa contribuição ocorre ao mostrar que lideranças religiosas evangélicas e católicas (influência vertical) têm importância eleitoral tais quais outras redes horizontais.

Nesse contexto, o não engajamento das lideranças religiosas poderia representar uma boa perda eleitoral para Bolsonaro. Logo, esses votos conquistados durante a campanha estão mais associados a um processo eleitoral em disputa aberta, que não está fortemente estruturado no eleitorado.

Aprofundando nossa análise sobre essa diferença de magnitude do efeito entre evangélicos e católicos, separamos a base de dados entre aqueles que foram expostos às mensagens pró-Bolsonaro e quem não foi. Com isso, testamos se existe diferença no efeito das mensagens das lideranças católicas em relação as evangélicas. Esperamos que, ao comparar o voto entre católicos e evangélicos que escutaram suas lideranças apoiando Bolsonaro, o efeito de ser evangélico (em comparação com os católicos) sobre o voto seja nulo, como encontrado anteriormente.

Figura 5.
Efeito da identidade evangélica sobre o voto em Bolsonaro por apoio de lideranças religiosas

Os resultados apresentados na Figura 4 apontam que, entre aqueles expostos às suas lideranças e entre aqueles que não foram expostos, não há diferença entre evangélicos e católicos (categoria de referência). Isso significa que as lideranças de ambos os grupos são efetivas em orientar o voto de seus grupos, como apontado pelo resultado do modelo principal (Figura 3). Tal resultado corrobora com o argumento de que a mobilização eleitoral nas igrejas, mais do que a própria identidade religiosa, é central para o voto. Combinados os dois modelos (Figura 4 e 5), é possível afirmar que quando não há intervenção das lideranças religiosas, não há diferença entre evangélicos e católicos.

Não chega a ser novidade mostrar a influência das lideranças evangélicas sobre a decisão do voto, mas desconhecemos estudos que apontaram a influência dos padres católicos, inclusive com o poder equivalente de influenciar os fiéis. Esse mesmo resultado permanece nos testes de robustez, sem a presença das variáveis de controle. Para os eleitores que foram expostos, não encontramos uma diferença estatisticamente significativa entre católicos e evangélicos (p < 0,05). Por outro lado, entre as pessoas não expostas, os evangélicos apresentaram uma maior chance de votar em Bolsonaro.

A maior chance do evangélico não exposto às mensagens de suas lideranças de votar em Bolsonaro pode ser explicado por outra dimensão da religião presente na abordagem dos 3Bs: as crenças. Estudos anteriores apontam que evangélicos são mais conservadores do que católicos (Casalecchi; Coelho, 2024; Ferreira, 2022). Outro fator é a identidade religiosa. Como Bolsonaro instrumentalizou essa identidade, dando pistas aos evangélicos de que ele era um “irmão” e se declarando publicamente católico, ele pode ter conseguido mobilizar a identidade religiosa de ambos os grupos em seu favor.

Como teste de robustez, ao analisar o efeito das variáveis no modelo com interação, encontramos resultados consistentes com os anteriores (Tabela 2). Católicos que escutaram suas lideranças apoiando outros candidatos (ou nenhum) tem menos chance de votar em Bolsonaro do que católicos e evangélicos que escutaram suas lideranças apoiando Bolsonaro. Quando comparamos católicos e evangélicos expostos às mensagens pró-Bolsonaro, não encontramos diferença no voto, o que mostra que padres e pastores são igualmente efetivos em orientar o voto dos fiéis, como mostra a Figura 4. Entre os evangélicos, aqueles expostos às mensagens de apoio a outros candidatos (ou nenhum) apresentaram menos chance de votar em Bolsonaro do que seus pares expostos às mensagens de apoio ao candidato.

Tabela 2.
Contrastes dos efeitos médios do modelo com interação

Por fim, o teste de robustez que considera outras variáveis que competem pela explicação do voto também não contrastou com os achados anteriores. A exposição às mensagens de apoio a Bolsonaro entre evangélicos e católicos foi importante para o voto em Bolsonaro, mesmo controlando por atitudes relacionadas ao conservadorismo e à percepção da economia (Tabela 5 no Anexo).

Considerações finais

A vitória de Bolsonaro em 2018 e seu ótimo desempenho em 2022 despertou o interesse da literatura sobre a relação entre religião e voto. Apesar dos avanços nos estudos sobre o tema, ainda não se havia avançado em medidas mais precisas da exposição dos fiéis às mensagens políticas de suas lideranças e seus respectivos efeitos para os dois principais grupos religiosos no Brasil. Até então, o foco era apenas nos evangélicos, sem compará-los com outros grupos religiosos, como católicos.

O presente artigo buscou contribuir para o debate sobre os mecanismos por meio dos quais a religião impacta o voto, utilizando dados que mensuram diretamente a influência das lideranças religiosas em perspectiva comparada. Ao mostrar que lideranças importam, mostramos como fatores de curto prazo, como atuação de líderes de opinião (Dassonneville, 2022), são importantes para compreender o voto no Brasil. Em um contexto marcado pelo baixo vínculo entre partidos e eleitores, a lógica social do voto faz-se presente por meio de atores não políticos, como lideranças religiosas.

Encontramos também que os evangélicos, na ausência de mensagens de suas lideranças, tendem a apoiar Bolsonaro mais do que os católicos, mas que as lideranças religiosas de ambos os grupos têm o mesmo poder de mobilização eleitoral. Enquanto o primeiro achado aponta para a formação de clivagens políticas no Brasil (segundo Layton et al., 2021), o segundo enfraquece essa tese.

Em contextos em que lideranças religiosas atuam como formadoras de opinião, cabe questionar se podemos falar de clivagem religiosa entre o eleitorado brasileiro. Quando há clivagem, seguindo estudos clássicos (Lipset; Rokkan, 1967) e suas abordagens mais recentes (Bonilla et al., 2011; Bornschier, 2018; Deegan-Krause, 2013; Marks et al., 2021; Von Schoultz, 2016), existe um vínculo político e/ou ideológico duradouro entre eleitores e partidos, com menos espaço para persuasão política.

Nossa compreensão é que falar de clivagens para o caso brasileiro é precipitado. Pode ser que, ao longo dos anos, o contínuo apoio de lideranças religiosas a candidatos de direita possa vir a configurar uma clivagem política. Esse apoio duradouro produziria uma fidelização eleitoral que tornasse as mensagens dessas lideranças uma pregação para convertidos.

Por fim, novas agendas de pesquisa apresentam-se a partir de agora. Ainda é necessário compreender os condicionantes de nível individual que tornam os eleitores mais suscetíveis a serem influenciados pelas lideranças religiosas. Será que, em situações de conflito ideológico, os fiéis abandonam suas crenças prévias para seguir a orientação de suas lideranças? Ainda, será que os fiéis que desaprovam pregações políticas sofrem influência dessas mensagens?

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  • 1
    Para replicação dos dados: https://doi.org/10.7910/DVN/BIDXFD
  • 4
    Essa abordagem é conhecida como os 3Bs da religião, que fazem referência as palavras inglesas belonging, beliefs e behavior.
  • 5
    A dimensão comportamental é comumente associada a frequência a cultos. A lógica por trás da frequência a cultos é que, quanto mais assíduo é o fiel, mais exposto ele estará às mensagens políticas de suas lideranças religiosas. A dimensão dos valores diz respeito às crenças religiosas, mensurada por meio da crença em passagens bíblicas, por exemplo. Por fim, a dimensão da identidade diz respeito ao compartilhamento de identidade entre o fiel e o candidato. Esses três mecanismos juntos configuram o que que ficou conhecido como os 3Bs da religião (belonging, beliefs e behavior). Destacamos, em pontilhado, na Figura 1, o escopo deste trabalho. Os trabalhos de Leege e Kellstedt (2016) e Raymond (2018) aprofundam essa análise sobre os caminhos por meio dos quais a religião afeta o voto. Nesse artigo, analisamos os casos dos católicos e evangélicos, que juntos representam, aproximadamente, 80% do campo religioso brasileiro.
  • 6
    Consideramos aqui apenas o partidarismo positivo, que é uma atitude/sentimento de se identificar com algum partido político. Segundo Samuels e Zucco (2018), poucos eleitores se identificam com algum partido, sendo o petismo o sentimento mais presente. Por outro lado, ao se considerar o sentimento partidário negativo (antipartidarismo), há um expressivo número de eleitores que rejeitam o PT (antipetistas).
  • 7
    Para interpretar os resultados, calculamos os odds ratios (e β ). Como exemplo, um β de 0,88 equivale a um aumento de chance de 2,4 (e 0,88 ). Isso significa que, para um evangélico, ter escutado sua liderança apoiando Bolsonaro, há um aumento de 141% ((e 0,88 - 1)*100) nas chances de votar em Bolsonaro.
  • Transparência no Uso de IA
    Este manuscrito não fez uso de ferramentas de inteligência artificial generativa.

Anexo A

Tabela 3.
Resultado das regressões (Figura 3)
Tabela 4.
Resultado das regressões (Figura 4)
Tabela 5.
Resultado da regressão com variáveis sobre conservadorismo e percepção da economia
  • Editoras
    Débora Rezende de Almeida
    Rebecca Neaera Abers

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2024
  • Aceito
    30 Jan 2025
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