Acessibilidade / Reportar erro

Abordagens conceituais e implicações práticas na construção de indicadores de poder estatal para a América do Sul

Conceptual approaches and practical implications in constructing state power indicators for South America

Resumo:

As especificações conceituais são importantes para identificação dos atributos que compõem um fenômeno político, mas é a operacionalização que permite a mensuração empírica. De modo a entender as implicações práticas de abordagens teóricas sobre o poder e como elas se traduzem em aferições com diferentes leituras da realidade, este trabalho discute versões de um indicador de poder regional sul-americano, o Relevance Index for South American Politics (RISAmP). A partir das perspectivas (I) material, que considera o poder como a posse de recursos, e (II) relacional, que compreende o poder como um fenômeno político e social relativo, foi possível conceber variações dos elementos duros e brandos, e suas aplicações relativas e brutas, gerando efeitos objetivos na construção de um indicador unificado que avalia a performance dos países no período 1990-2018. O desafio superado foi o de minimizar as discrepâncias apresentadas pelo Brasil e equilibrar as variáveis para que o indicador final correspondesse ao que se observa nas relações interestatais da América do Sul. Espera-se que os termos aqui apresentados possam ser aproveitados, adequados, ou sirvam como estímulo para estudos que busquem coesão entre conceitos e instrumentos de medição, entre a teoria e a prática.

Palavras-chave:
América do Sul - indicadores; poder estatal; ciência política; relações internacionais; métodos quantitativos

Abstract:

Conceptual specifications are important for identifying the attributes that make up a political phenomenon, but it is mensuration that allows for empirical operationalization. To understand the practical implications of theoretical approaches of power and how they translate into measurements with different readings of reality, this paper discusses versions of a South American regional power indicator, the Relevance Index for South American Politics (RISAmP). Departing from the (I) material perspective, which considers power as the possession of resources, or the (II) relational perspective, which understands power as a political and social and relative phenomenon, we conceptualize variation in the hard and soft elements of state power, along with their relative and gross applications. These changes contributed to the construction of a unified indicator that assesses the performance of countries in the period 1990-2018. The challenge was to minimize the discrepancies presented by Brazil and to balance the variables so that the final indicator corresponds to observed interstate relations in South America. We hope that the terms presented here can be used and adapted, or can encourage further studies that attempt to build cohesion between concepts and measurement instruments, and between theory and practice.

Keywords:
South America - indicators; state power; political science; international relations; quantitative methods

Introdução

Ainda que a reflexão acerca do fenômeno do poder não seja uma prática inédita e nem recente nas humanidades e nas Ciências Sociais, a sua conceituação não consiste em uma tarefa descomplicada. Talvez por isso não seja difícil reconhecer as inúmeras contribuições concebidas nos campos da Filosofia, Sociologia, Política e Psicologia. Na arena política, Maquiavel e Hobbes destacam-se no alvorecer da Idade Moderna, reacendendo uma concepção realista de poder, ligada ao exercício político per se. Para o pensador inglês, o poder se confunde com os meios necessários para a obtenção de qualquer bem (HOBBES, 2003HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003.). Já Weber (1947)WEBER, M. The theory of social and economic organization. New York: Free Press, 1947., em tempos mais recentes, apresenta uma percepção relacional de poder, ao destacá-lo como fruto de conflitos sociais entre indivíduos ou grupos, em que um tenta impor-se ao outro e, assim, alcançar os objetivos almejados.

Dahl (1957)DAHL, R. The concept of power. Behavioral Science, v. 2, n. 3, p. 169-248, 1957. aponta para a ausência de aportes mais rigorosos e sistemáticos que permitam a aplicação em problemas de pesquisa concretos. Os dois entendimentos sobre o poder destacados no parágrafo anterior tentaram suprir o subjetivismo e as debilidades empíricas dos múltiplos conceitos existentes. Nesse sentido, fornecem duas abordagens conceituais: (I) a material, que concebe o poder como a posse de instrumentos materiais; e a (II) relacional, a qual compreende o poder como um fenômeno social. Elas foram aperfeiçoadas para incluir o rigor e a objetividade científicas, passando a dominar os estudos sistemáticos sobre o poder no século XX.

Apesar da evolução conceitual, justificadas nas tentativas de superação dos postulados que dizem que as definições reais do fenômeno social do poder são demasiadamente complexas para serem instrumentalizadas e adequadas a problemas de pesquisa específicos, ainda se supõe que exista um permanente trade-off entre exatidão conceitual e aplicabilidade empírica, ficando as contribuições teóricas fadadas a oferecer definições restritas e adequadas somente a estudos específicos (DAHL, 1957DAHL, R. The concept of power. Behavioral Science, v. 2, n. 3, p. 169-248, 1957.).

As especificações conceituais são importantes para identificação dos atributos que compõem o fenômeno analisado, mas é a operacionalização que permite a sua mensuração empírica (KELLSTEDT; WHITTEN, 2015KELLSTEDT, P. M.; WHITTEN, G. D. Fundamentos da pesquisa em ciência política. São Paulo: Blucher, 2015.; GOERTZ, 2006GOERTZ, G. Social science concepts. A user’s guide. Princeton: Princeton University Press, 2006.). Enquanto os conceitos precisam ser definidos apropriadamente e com a devida clareza para capturar as nuances relevantes para o teste de hipótese (SARTORI, 1997SARTORI, Giovanni. A política. Brasília: Editora UnB, 1997.; GOERTZ, 2006GOERTZ, G. Social science concepts. A user’s guide. Princeton: Princeton University Press, 2006.; WONKA, 2007WONKA, A. Concept specification in political science research. In: GSCHWEND, Thomas; SCHIMMELFENNIG, Frank (orgs.). Research design in political science. London: Palgrave Macmillan, 2007. p. 41-61.), a operacionalização é a manifestação empírica desses conceitos e permite a sua mensuração, embora nem todos os conceitos possam ser facilmente observados ou transformados em medidas mensuráveis (KING; KEOHANE; VERBA, 1994KING, Gary; KEOHANE, Robert O.; VERBA, Sidney. Designing social inquiry. Scientific inference in qualitative research. Princeton: Princeton University Press, 1994.; MILLER, 2007MILLER, B. Making measures capture concepts: tools for securing correspondence between theoretical ideas and observations. In: GSCHWEND, Thomas; SCHIMMELFENNIG, Frank (orgs.). Research design in political science. London: Palgrave Macmillan, 2007. p. 83-102.). De modo a transformar as perspectivas teóricas de poder em ferramentas úteis para a mensuração das capacidades dos Estados, este trabalho propõe discutir versões de um indicador de poder regional sul-americano, o Relevance Index for South American Politics (RISAmP)4 4 Ver: Batista (2020). , permitindo verificar como distintos pressupostos teóricos de poder se traduzem em aferições com diferentes leituras da realidade.5 5 Apesar de interagir com a literatura que aborda conceituação e mensuração na Ciência Política, haja vista as suas limitações, esse artigo não tem a intenção de esgotar a temática e não promove uma revisão bibliográfica sobre o tema. Para essa finalidade, conferir: King, Keohane e Verba (1994); Brady e Collier (2004); Goertz (2006); Gschwend e Schimmelfennig (2007); Miller (2007); Wonka (2007); Adcock e Collier (2001); Seawright e Collier (2014). A contribuição aqui proposta a essas tradições é uma aplicação prática, voltada a demonstrar como mensurações diferentes constroem indicadores diferentes, e como avaliar os distintos indicadores na busca pela melhor representação do conceito. Ao abordar o período de 1990 a 2018, em que os países da América do Sul apresentaram aumento de capacidades materiais e ganho de margem de manobra no sistema internacional, pode-se investigar qual concepção teórica de poder constrói um indicador unificado - que considere tanto aspectos materiais como relativos - mais funcional e fiel à realidade. Essa tentativa reflete o esforço de mensuração dos conceitos, de conversão teórica em operacionalização empírica (GOERTZ, 2006GOERTZ, G. Social science concepts. A user’s guide. Princeton: Princeton University Press, 2006.).

Concentrar a análise para uma região específica facilita esse objetivo de duas maneiras: (I) permite melhor visualização dos impactos das abordagens na estimação do poder, uma vez que reduz o número de países envolvidos; (II) a América do Sul apresenta uma balança de poder assimétrica, em termos realistas, decorrente da discrepância entre território geográfico, população e recursos naturais, observadas entre o Brasil e os demais países. Se tamanha assimetria é esperada, ainda que analisando e ponderando a conjuntura ao decorrer de décadas, será possível observar quais perspectivas teórico-conceituais de mensuração fornecem maior minúcia e possibilitam melhor comparação entre os casos ou quais abordagens se tornam impraticáveis a partir da construção de um abismo entre os países menores e maiores geograficamente.

Na transformação de algo abstrato em variáveis quantitativas se espera uma perda de informação, por isso, busca-se demonstrar quais compreensões conduzem a mensurações que supervalorizam as capacidades de uns países e/ou subvalorizam as de outros. Nesse processo, são utilizadas variáveis típicas da interpretação de poder como detenção de recursos, o que a literatura das Relações Internacionais entende como capacidades materiais.

Adicionalmente, o indicador aqui proposto considera uma combinação, já difundida na atualidade, de elementos materiais e imateriais de poder na mensuração das capacidades de Estados (YAN, 2006YAN, Xuetong. The rise of China and its power status. Chinese Journal of International Politics, v. 1, n. 1, p. 5-33, 2006.). Esse aporte deriva das compreensões acerca das limitações das ações externas que se estruturam unicamente em recursos de hard power (poder duro) ou soft power (poder brando), e da necessidade da construção de políticas que façam o uso inteligente dos instrumentos do poder nacional, gerenciando e utilizando os recursos materiais e de atração. Aqui, a medição das nuances imateriais de poder é feita através de uma proxy de Autonomia Internacional dos países. Propõe-se utilizar a variável de Autonomia Internacional do Varieties of Democracy (V-Dem)6 6 Instituto global sediado na Universidade de Gotemburgo, na Suécia, responsável pela elaboração de banco de dados que mensura variáveis e conceitos aplicáveis aos estudos da democracia. A seção “Distintos indicadores” apresenta mais detalhes sobre o referido indicador. , construída a partir de uma pergunta em survey global com especialistas que em última instância mensura em que medida os países são autônomos para conduzir suas políticas externas sem influência proveniente de outros Estados. O entendimento aqui será de que, ao possuir uma política externa autônoma nesses termos, o Estado e os atores políticos domésticos estarão livres de constrangimentos tanto duros quanto brandos. Ainda que não seja uma mensuração direta de poder não-material, esta proxy serve a esta empreitada dada seu alcance temporal e geográfico, destacando-se em relação a outras propostas de mensuração de poder imaterial.7 7 Para citar algumas abordagens alternativas e que se propõem a mensurar poder brando de maneira direta, o indicador Soft Power 30 desenvolvido pela agência de consultoria Portland apenas cobre o período entre 2015 e 2019, enquanto o Indicador Elcano de Presença Global do Real Instituto Elcano não possui dados para todo o período entre 1990 e 2018.

Com isso, o indicador de poder apresentado se distingue de versões tradicionais de mensuração de poder que privilegiam um ou outro elemento, como o Composite Index of National Capabilites (CINC) (SINGER; BREMER; STUCKEY, 1972SINGER, David; BREMER, Stuart; STUCKEY, John. Capability distribution, uncertainty, and major power war, 1820-1965. In: RUSSETT, Brune (ed.). Peace, war, and numbers. Beverly Hills: Sage, 1972. p. 19-48.) ou o Soft Power 30 (MCCLORY, 2019MCCLORY, J. The Soft Power 30 index. USC Center on public diplomacy, 2019.). O indicador também inova ao mensurar poder estatal de maneira restrita à dinâmica regional sul-americana, uma proposta que é inédita. Em futuras pesquisas, um indicador deste tipo pode ser utilizado tanto como variável explicativa (independente) de determinado fenômeno, cooperação ou conflito, quanto como variável de interesse (dependente), ao se discutir políticas, estratégias ou dinâmicas regionais que fizeram com que um país apresentasse evolução neste indicador. Por se tratar de uma primeira tentativa de construção desse tipo, as versões do indicador aqui propostas podem ser incrementadas e ampliadas em agendas de pesquisa e trabalhos futuros que visem a superação de limitações comuns a primeiras versões, as quais este trabalho por certo apresenta.

Com estes fins, a segunda parte deste trabalho aborda a tradição realista das Relações Internacionais e as concepções de poder como a posse de recursos e como dinâmica relacional.8 8 Quinn e Kitchen (2019) abordam essa mesma discussão entre as análises focadas em capacidades nacionais e poder relacional ao estudar as concepções atuais do poder norte-americano. Já Drezner (2021), analisa as implicações dos recortes temporais nas definições e aplicações práticas de conceitos de poder. A seção “Fórmulas de poder para a América do Sul” traz as variáveis úteis à operacionalização das duas concepções teóricas sobre o poder, demonstrando em fórmulas as possibilidades e limitações que os índices convencionais guardam. Já a seção “Distintos indicadores” executa as fórmulas e avalia as limitações empíricas das escolhas feitas por uma ou outra abordagem.

O intuito em elaborar uma fórmula de poder é aferir matematicamente as especulações teóricas, tentando confirmações empíricas (HOHN, 2011HOHN, Karl H. Geopolitics and the measurement of national power, 2011. 330f. Dissertação (Doutorado) - Faculdade de Economia e Ciências Sociais, Departamento de Ciências Sociais, Universidade de Hamburgo, Hamburgo, 2011.); assim, será analisado como as variações dos elementos duros e brandos, e suas aplicações relativas e brutas, geram efeitos práticos. O desafio a ser superado é o de conduzir escolhas que minimizem as discrepâncias apresentadas por alguns casos (sobretudo o Brasil) nas variáveis que mensuram capacidades materiais (riqueza, Forças Armadas e população) e que equilibrem variáveis absolutas e relativas para que o indicador unificado corresponda ao que se observa nas relações da América do Sul no período estudado.

Concepções de poder

Poder como a posse absoluta de recursos

As duas grandes guerras mundiais do século XX e a Guerra Fria confirmaram a relação entre política, poder e relações internacionais, de forma que suscitaram debates sobre o papel que ocupa o poder no campo da política internacional. Sprout e Sprout (1945)SPROUT, H; SPROUT, M. (orgs.). Foundations of national power. Princeton: Princeton University Press, 1945., relacionaram o poder de uma nação a suas capacidades e a elementos materiais, tais como a sua geografia, recursos naturais, população e as armas que dispõe. Essa perspectiva destacou-se e passou a influenciar os estudos sobre o poder em sua perspectiva material. Como tendência analítica, o poder como a posse de recursos foi fortalecido e aperfeiçoado por Morgenthau (1948)MORGENTHAU, HANS J. Politics among nations: the struggle for power and peace. New York: Alfred A. Knopf, 1948.. Ele o define como sendo o controle das ações e ideias de alguém por meio de jogos de influência mental. Tal como na teoria política que discute as implicações do poder no âmbito doméstico dos Estados, o poder também é o objeto central da política entre as nações.9 9 “a essência da política internacional é idêntica à sua contrapartida no campo doméstico. Tanto a política internacional quanto a doméstica são lutas pelo poder, modificadas apenas pelas diferentes condições sob as quais essa luta ocorre nas esferas nacional e internacional” (MORGENTHAU, 1948, p. 17, tradução nossa).

Nesse sentido, a busca pelo poder, tanto em âmbito privado, nos diversos grupos sociais em que o homem está presente, quanto no doméstico e internacional, é interpretada como uma consequência natural da espécie humana.10 10 No entanto, mesmo compartilhando da mesma raiz, o poder político se difere do poder exercido nas relações sociais e na vida privada, uma vez que no primeiro há uma relação de controle entre autoridades e instituições públicas sobre o povo; enquanto no segundo, esse domínio se dá entre homens comuns. Na esfera da política interna, a luta pelo poder é constante, sendo a própria democracia um palco explícito dessa disputa e a política internacional uma arena singular de competição entre Estados (MORGENTHAU, 1948MORGENTHAU, HANS J. Politics among nations: the struggle for power and peace. New York: Alfred A. Knopf, 1948.).

No bojo do Realismo Clássico, pressupõe-se que o que determina o poder de uma nação é a posse de recursos materiais, tais como matérias-primas, contingente militar, população, capacidade industrial etc. Essa é a mesma raiz conceitual que compõe as análises e as teorias sobre balança de poder. Segundo essa perspectiva, o poder de uma nação, a distribuição de poder entre as grandes potências e a formação de alianças seriam definidos pela disponibilidade e utilização desses elementos (BALDWIN, 2013BALDWIN, David. Power and international relations. In: CARLSNAES, W.; RISSE, T.; SIMMONS, B. A. (orgs.). Handbook of international relations. London: Sage, 2013. p. 273-297.). A posse de recursos de força e meios materiais passou a ser utilizada como forma de mensuração de poder, tornando-se uma ferramenta clássica para quantificar a força e a distribuição de capacidades entre os atores no sistema internacional (BALDWIN, 2013BALDWIN, David. Power and international relations. In: CARLSNAES, W.; RISSE, T.; SIMMONS, B. A. (orgs.). Handbook of international relations. London: Sage, 2013. p. 273-297.; GULICK, 1955GULICK, E. V. Europe’s classical balance of power. New York: WW Norton, 1955.).

Aron (2002)ARON, R. Paz e guerra entre as nações. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002. reúne a contribuição de alguns autores, entre eles, o próprio Morgenthau (1948)MORGENTHAU, HANS J. Politics among nations: the struggle for power and peace. New York: Alfred A. Knopf, 1948., Spykman (1942)SPYKMAN, N. J. America’s strategy in world politics: the United States and the balance of power. New York: Harcourt, Brace & Co., 1942. e Steinmetz (1929)STEINMETZ, S. R. Soziologie des krieges. Leipzig: J. A Barth, 1929., para retratar que as tentativas de classificação dos fatores que constituíam as potências eram muito semelhantes, agregando sempre dados geográficos, elementos econômicos/materiais e informações sobre a gestão dos recursos humanos e da organização política das nações.

A prevalência dessa racionalidade teórica realista, em grande parte do século XX, pode ser conferida nas tentativas de mensuração do poder, que foram produzidas e alimentaram o protagonismo da força11 11 Poder militar e força são termos empregados como sinônimos neste artigo. como sendo o próprio poder político. As teorias da balança de poder12 12 O termo “balança de poder”, aqui mencionado, faz referências às teorias de equilíbrio no sistema internacional desenvolvidas no século XX e que estão presentes no Realismo Clássico. Para uma leitura mais aprofundada sobre teorias de balança de poder ler Wright (1965) e Sheehan (1996). passaram a ser o instrumento analítico central do Realismo nas teorias da disciplina de Relações Internacionais e tentavam sistematizar as análises por meio da observação e medição do poder como a posse de recursos. Como demonstrou Wright (1965, p. 743, tradução nossa)WRIGHT, Q. A study of war. Chicago: University of Chicago Press, 1965., “o termo ‘equilíbrio de poder’ implica dizer que mudanças no poder político relativo podem ser observadas e medidas”.

Não obstante, as raízes históricas longínquas das teorias de balança de poder - há registros de princípios de equilíbrio de forças nos escritos dos historiadores Tucídides, Demóstenes e Políbio - sua sistematização só se deu a partir do século XV e sua adoção somente no moderno sistema de Estados da Europa post-Vestefália. No período pós Segunda Guerra mundial, muito embora o termo “balança de poder” possuísse diversas acepções13 13 Ver: Morgenthau (1948), Haas (1953) e Wright (1965), entre outros. , seu significado genérico partia do princípio de que em mundo anárquico, as relações internacionais são conduzidas para uma condição de equilíbrio entre as grandes potências. Dessa forma, qualquer aumento de poder de um Estado seria neutralizado pelo incremento de poder das outras unidades do sistema internacional.

Nesse ínterim, a mensuração do poder das nações passou a ter lugar de destaque nas teorias da balança de poder e no Realismo Político. Enxergar o poder relativo de outrem era fundamental para que se pudesse empreender ações com vistas a contrabalancear uma força emergente como também para anular as tentativas de um ator potencial tornar-se hegemônico. Embora a perspectiva do poder material (power-as-resources) tenha elencado diversos recursos como fontes do poder político das nações, foram as teorias de balança de poder que instalaram na disponibilidade de um recurso específico - o poder militar - o instrumento definidor das capacidades do Estado (BALDWIN, 2013BALDWIN, David. Power and international relations. In: CARLSNAES, W.; RISSE, T.; SIMMONS, B. A. (orgs.). Handbook of international relations. London: Sage, 2013. p. 273-297.).

Poder relativo e poder como fruto de uma dinâmica relacional

Compartilhando o mesmo núcleo duro do Realismo Clássico de Morgenthau (1948)MORGENTHAU, HANS J. Politics among nations: the struggle for power and peace. New York: Alfred A. Knopf, 1948. 14 14 Anarquia internacional; centralidade do Estado-nação; sistema de autoajuda; poder como a disponibilidade de recursos materiais; e predisposição para a guerra; ver Morgenthau (1948). , o realismo neoclássico ou estruturalismo de Kenneth Waltz (1979)WALTZ, K. Theory of international politics. New York: McGraw-Hill, 1979. desvia o olhar da unidade e aponta para o todo, construindo explicações para as dinâmicas de poder entre os Estados a partir de mudanças e ajustes estruturais. A abordagem parte do pressuposto de que a distribuição das capacidades entre as unidades no sistema é inconstante e responsável por explicar os fenômenos e prever as mudanças sistêmicas. Nessa ótica, o Realismo Estrutural responderia às mudanças no sistema como sendo respostas à distribuição de capacidades. Isso significa dizer que o aumento de poder de uma unidade X gera consequências sistêmicas que alteram a hierarquia no grupo e modificam o ordenamento (WALTZ, 1979WALTZ, K. Theory of international politics. New York: McGraw-Hill, 1979.). O problema dessa conformação teórica seria a dificuldade de mensuração das capacidades das unidades na estrutura e o posicionamento em um ranking de acordo com o poderio equivalente (BALDWIN, 2013BALDWIN, David. Power and international relations. In: CARLSNAES, W.; RISSE, T.; SIMMONS, B. A. (orgs.). Handbook of international relations. London: Sage, 2013. p. 273-297.). Cabe mencionar ainda que pela sua crença de que as mudanças ocorridas no nível do sistema seriam cruciais para explicar o comportamento das unidades, bem como pela sua nova interpretação da balança de poder, Waltz (1979)WALTZ, K. Theory of international politics. New York: McGraw-Hill, 1979. intitula essa dinâmica estrutural de distribuição de capacidades relativas entre unidades no sistema internacional - e por essa razão essa leitura de funcionamento do sistema é também chamada de balança de poder, compreendendo que uma alteração em um lado da balança altera o equilíbrio de todo o sistema.

Tanto Morgenthau (1948)MORGENTHAU, HANS J. Politics among nations: the struggle for power and peace. New York: Alfred A. Knopf, 1948. como as teorias de balança de poder enfatizam a capacidade militar como sendo o recurso determinante para o posicionamento das nações na estrutura internacional. O Realismo Ofensivo de Mearsheimer (2001)MEARSHEIMER, J.J. The tragedy of great power politics. New York: W.W. Norton & Company, 2001., apesar de se diferenciar dos pressupostos clássicos e estruturais da vertente teórica realista clássica, especialmente no que se refere à postura defensiva do Estado e suas ações para preservação do status quo, enxerga também na força o instrumento que viabiliza a maximização do poder para que um ator se torne hegemônico, muito embora o poder seja determinado com base na capacidade militar relativa, o que o aproxima do Realismo Estrutural waltziano. Assim, o poder das nações é determinado com base no seu poder relativo, mas com alguma consideração pelas capacidades materiais não-militares, tais como recursos financeiros, tecnologia, população etc., chamadas pelo autor de poder latente15 15 “O poder latente constitui-se dos recursos sociais que o Estado tem a sua disposição para construir forças militares” (2001, p. 60, tradução nossa). capaz de fortalecer o poder militar (MEARSHEIMER, 2001MEARSHEIMER, J.J. The tragedy of great power politics. New York: W.W. Norton & Company, 2001.).

É por essa ampliação da consideração do que importa para o poder do Estado que Baldwin (2013)BALDWIN, David. Power and international relations. In: CARLSNAES, W.; RISSE, T.; SIMMONS, B. A. (orgs.). Handbook of international relations. London: Sage, 2013. p. 273-297. aponta para uma transição de abordagens conceituais sobre o poder na segunda metade do século XX. Há um rompimento com interpretações identificadas com as teorias da balança de poder e os clássicos elementos do poder nacional, em que o poder é estanque e definido a partir dos recursos do Estado. O novo entendimento reafirma o caráter relacional da Força e seus componentes sociológicos. Nessa lógica, os recursos que uma nação dispõe, ou seja, o seu poder material (power-as-resources), não se traduzem automaticamente no exercício de influência externa.

Essa distinção assemelha-se à diferenciação entre a “ideia intuitiva sobre o poder” e à “visão intuitiva sobre a relação de poder” de Dahl (1957)DAHL, R. The concept of power. Behavioral Science, v. 2, n. 3, p. 169-248, 1957., apontada por Lukes (2005, p. 16)LUKES, Steven. Power: a radical view. 2. ed. New York: Palgrave-MacMillan, 2005.. A primeira define o poder potencial de um ator que tem a capacidade - por possuir meios e instrumentos - de exercer sua vontade sobre outrem, podendo levá-lo a fazer algo que não faria sem esse constrangimento. Já a segunda, revela o poder em ato, por meio de uma ação efetiva e concreta em que A consegue fazer com que B opere de acordo com sua vontade. Dessa forma, Dahl (1957)DAHL, R. The concept of power. Behavioral Science, v. 2, n. 3, p. 169-248, 1957. faz a separação entre o poder potencial, que pode ou não se concretizar, e o poder em ato ou em exercício.

Algumas implicações analíticas surgem quando se adota a perspectiva relacional de poder, ampliando a concepção para além da detenção de recursos: (I) o que serve como recurso de poder em uma situação (seja dinheiro, informação, conhecimento, popularidade, prestígio, legitimidade, entre outros) pode ser inútil em outra; (II) as capacidades materiais dos Estados são instrumentos de poder potencial; (III) o poder potencial só pode ser estimado se forem estabelecidos os domínios e o escopo em que está sendo exercido; (IV) as capacidades dos Estados só podem ser classificadas como recursos de poder a partir da utilidade em fazer com que outros atores mudem seu comportamento; (V) alguns recursos de poder são fungíveis e podem ser utilizados em mais de uma arena de poder, não ficando atrelados e restritos a escopos e domínios específicos; (VI) e os efeitos não intencionais de um ato intencional de poder também estão incluídos na sua dimensão de exercício e podem trazer benefícios ou não para os demais atores (BALDWIN, 2013BALDWIN, David. Power and international relations. In: CARLSNAES, W.; RISSE, T.; SIMMONS, B. A. (orgs.). Handbook of international relations. London: Sage, 2013. p. 273-297.).

Há distinções claras aqui entre o paradigma realista neoclássico de Waltz (1979)WALTZ, K. Theory of international politics. New York: McGraw-Hill, 1979. e a dimensão relacional de poder pensada por Dahl (1957)DAHL, R. The concept of power. Behavioral Science, v. 2, n. 3, p. 169-248, 1957., sobretudo quando se constata que a distribuição de capacidades do primeiro também é uma forma de ranquear as unidades a partir de seus atributos materiais, o que o insere na mesma lógica de detenção material de poder do realismo clássico. Contudo, é possível encontrar em sua dinâmica de distribuição de poder relativo um componente relacional intrínseco à sua natureza estrutural. O Sistema é uma estrutura que atua constrangendo, limitando e orientando a ação das unidades (NOGUEIRA; MESARI, 2005NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das relações internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.). Assim, na política internacional, atores exercem influência, estimulam e reprimem condutas amparados em suas propriedades materiais, sendo a política externa das nações o desfecho de uma dinâmica relacional de poder, uma convergência de recursos e margem de atuação que permita utilizar esses recursos. Mas de que maneira essa margem de atuação pode ser mensurada? Para além do poder material mais facilmente quantificável, como capturar a dimensão imaterial e, portanto, abstrata do poder? E essa dimensão imaterial do poder, quando mensurada, deve ser considerada de maneira absoluta, como o realismo clássico considerava a dimensão material de poder, ou relativa, como os neoclássicos passaram a fazer? A seção seguinte inicia a discussão sobre como operacionalizar cada uma dessas dimensões do poder, considerando um contexto específico, a América do Sul nas últimas três décadas.

Fórmulas de poder para a América do Sul

Uma opção clássica escolhida para se medir as capacidades, e que por isso tornou-se uma tradição nos estudos empíricos quantitativos sobre o poder na disciplina de Relações Internacionais (RI), tem como base teórica-conceitual as abordagens do Realismo Neoclássico (waltziano), as teorias de balança de poder e remete-se ao difundido indicador de capacidades nacionais - o Composite Index of National Capabilites (CINC)16 16 Apesar da sua ampla utilização por estudiosos da Ciência Política e Relações Internacionais, há críticas quanto à validade do indicador, sobretudo o seu caráter relativo e como a entrada ou saída de países no grupo de comparação pode afetar as capacidades percebidas dos Estados (KADERA; SOROKIN, 2004). Conferir novos indicadores preocupados em mensurar poder e capacidades do Estado em Markowitz e Fariss (2018) e Anders, Fariss e Markowitz (2020). , de Singer, Bremer e Stuckey (1972)SINGER, David; BREMER, Stuart; STUCKEY, John. Capability distribution, uncertainty, and major power war, 1820-1965. In: RUSSETT, Brune (ed.). Peace, war, and numbers. Beverly Hills: Sage, 1972. p. 19-48.. Esse índice mensura o poder a partir da parcela que determinado Estado detém dentro do montante total dos recursos em seis componentes distribuídos nas dimensões de poder militar, econômica e demográfica17 17 Ver Hohn (2011). : gasto militar, tamanho das Forças Armadas, produção de aço, produção de ferro, consumo de energia, população urbana e população total.

A compreensão teórica realista de poder produz, assim, um índice em que países com mais recursos têm vantagem em relação aos que não os detêm. Na literatura sobre política externa, essa compreensão é frequentemente utilizada para se discutir a atuação internacional e a dinâmica relacional dos países na América do Sul. Um exemplo disso vem de Amorim Neto e Malamud (2015)AMORIM NETO, Octavio; MALAMUD, Andres. What determines foreign policy in Latin America? Systemic versus domestic factors in Argentina, Brazil and Mexico, 1946-2008. Latin American Politics and Society, v. 57, n. 4, p. 1-27, 2015., quando consideram o CINC uma das variáveis que determinam o padrão de votação de Argentina, Brasil e México na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O realismo waltziano também já foi referencial teórico para estudos sobre a política externa colombiana (FLEMES, 2012FLEMES, Daniel. Actores estatales y regionalismo estratégico: Brasil y Colombia en el orden multipolar. In: BUELVAS et al. (ed.). Colombia y Brasil:¿ socios estratégicos en la construcción de Suramérica. Bogotá: Editoral Pontificia Universidad Javeriana, 2012. p. 25-50.), chilena, peruana (VALENCIA; RUCALVABA, 2015VALENCIA, Alberto R.; RUCALVABA, Daniel. Geopolítica de la Alianza del Pacífico em América Latina, El Continente Americano y Asia Pacífico. In: ARANDA, Isabel R.; POSADA, Edgar V. (orgs.). Perspectivas y oportunidades de la Alianza del Pacifico. Bogotá: Colégio de Estudos Superiores de Administración - CESA, 2015.), argentina (SCHENONI; ACTIS, 2014SCHENONI, Luis L.; ACTIS, Esteban. Argentina y Brasil: una unipolaridad regional com sesgo económico. Revista SAAP, v. 8, n. 1, p. 207-235, 2014.) e brasileira (RODRIGUEZ, 2012RODRIGUEZ, Júlio César Cossio. Chacal ou cordeiro? O Brasil frente aos desafios e oportunidades do Sistema Internacional. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 55, n. 2, p. 70-89, 2012.). Sobre o último, o Brasil, e a maneira com que ele se distancia dos demais países da região, serve como parâmetro para a operacionalização dos indicadores propostos neste artigo.

Como já mencionado anteriormente, uma abordagem que leve em conta somente capacidades materiais tende a supervalorizar o poder do Brasil em razão de suas proporções geográficas continentais. Por mais que tais elementos se convertam em poder de fato, como compreendido pela abordagem de poder como a posse de recursos, entende-se que, na política do mundo real, essa conversão não é automática e exclusiva. Existem outros fatores que devem ser examinados e que resultem no poder efetivo de um Estado.

Assim, o primeiro indicador de poder aqui apresentado considera apenas a detenção relativa de recursos, baseia-se no CINC e se aplica ao universo de países da América do Sul. Dessa forma, propõe-se um indicador de capacidades materiais (CM) que utiliza uma variável para cada dimensão de poder que compõe o CINC. Dessa forma, leva-se em conta o tamanho das Forças Armadas (FA), o Produto Interno Bruto (PIB) e o tamanho da força de trabalho (Mão de Obra), sempre em relação à soma de todos os recursos dos países da região. A fórmula deste primeiro indicador é a que segue:

C M = % FA + % PIB + % Mão de Obra 3

O que este indicador revela sobre o comportamento dos países sul-americanos para o período 1990-2018? A princípio, um distanciamento substancial entre o Brasil e os demais países em razão da grandeza das suas variáveis materiais. Ademais, a primeira década do século XXI foi marcada por um raro afastamento dos Estados Unidos (EUA), momento em que a sua política externa esteve voltada à Guerra ao Terror no Oriente Médio. A margem de manobra dos países sul-americanos se ampliou (WEYLAND, 2016WEYLAND, Kurt. Realism under hegemony: theorizing the rise of Brazil. Journal of Politics in Latin America, v. 8, n. 2, p. 143-173, 2016.); e eles aproveitaram o bom momento da economia internacional, marcada pelo boom dos preços internacionais de commodities. De maneira bruta, a expectativa é que o indicador registre o crescimento das capacidades materiais de todos os países.

Posto isto, apresenta-se também um indicador de Capacidades Materiais brutas (CMb). Ele não contempla a porcentagem do todo que o país detém, mas seu valor real. Nesta fórmula, multiplica-se, ao invés de somar, uma vez que aborda variáveis de ordens de grandeza distintas. A fórmula é como se segue:

C M b = FA PIB Mão de Obra 3

Independentemente da versão relativa (CM) ou da versão bruta (CMb), a mensuração de poder enquanto recursos faz o Brasil pontuar mais em comparação aos demais. Isso leva à conclusão de que medir poder enquanto recursos é somente uma parte do processo e que é necessário ir além em direção a uma medição mais completa e que inclua nuances imateriais na equação.

Na literatura sobre determinação de poder nas RI, as capacidades materiais eventualmente foram sendo percebidas como insuficientes para capturar as reais relações de força no cenário internacional. A disponibilidade de recursos, quer sejam financeiros, de infraestrutura ou coercitivos, de nada servem se não encontram pessoas que estejam dispostas a se submeter à vontade do indivíduo que os possuem. Essa diferença é esclarecida no tradicional Dicionário de Política18 18 Ver Bobbio et al. (1998). , que diferencia os termos “poder em ato” e “poder potencial”. No primeiro, a possibilidade de produzir um efeito intencional no outro indivíduo e mudar seu comportamento é posta em prática; já no segundo, há apenas a possibilidade de o poder de fato ser exercido (STOPPINO, 1998STOPPINO, Mário. Poder. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora UnB, 1998., p. 934-936), com base na disponibilidade de recursos materiais e coercitivos.

Os trabalhos de Lasswell e Kaplan (1950)LASSWELL, Harold Dwight; KAPLAN, Abraham. Power and society: a framework for political inquiry. New Haven: Yale University Press, 1950., bem como Dahl (1957)DAHL, R. The concept of power. Behavioral Science, v. 2, n. 3, p. 169-248, 1957., entendem o poder como sendo fruto de uma dinâmica e relação causal entre atores sociais, como no exemplo em que um indivíduo Y, em uma arena específica, modifica o comportamento de um outro indivíduo X. Dessa forma, “para que exista Poder, é necessário que o comportamento do primeiro determine o comportamento do segundo, o que se pode exprimir de outra maneira dizendo que o comportamento de A é a causa do comportamento de B’’ (STOPPINO, 1998, p. 935)STOPPINO, Mário. Poder. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora UnB, 1998..

Com essa inovação conceitual, o poder não estaria mais vinculado à propriedade material ou à força coercitiva. Sua nova definição multidimensional passa a incluir diversos elementos, o que Baldwin (2013)BALDWIN, David. Power and international relations. In: CARLSNAES, W.; RISSE, T.; SIMMONS, B. A. (orgs.). Handbook of international relations. London: Sage, 2013. p. 273-297. intitula de “dimensões do poder”. A existência de mais de uma dimensão de poder permite que a influência de um ator possa aumentar em uma esfera e diminuir em outra. Apesar disso, os pressupostos do caráter multidimensional do poder não eliminaram a produção de teorias estruturadas nas abordagens do poder material. As obras de Waltz (1979)WALTZ, K. Theory of international politics. New York: McGraw-Hill, 1979. e Mearsheimer (2001)MEARSHEIMER, J.J. The tragedy of great power politics. New York: W.W. Norton & Company, 2001. exemplificam isso (BALDWIN, 2013BALDWIN, David. Power and international relations. In: CARLSNAES, W.; RISSE, T.; SIMMONS, B. A. (orgs.). Handbook of international relations. London: Sage, 2013. p. 273-297.).

Em Paz e Guerra entre as Nações, Raymond Aron traz um entendimento sobre o poder que contempla tanto a dinâmica relacional entre atores sociais como a capacidade material, ao estabelecer a distinção entre a força potencial e poder/ força real. A força (econômica, militar ou moral, por exemplo) é um recurso disponível ao Estado, enquanto o poder, a utilização do poder em casos concretos e para fins estabelecidos (ARON, 2002ARON, R. Paz e guerra entre as nações. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002.). Nessa acepção, poder na política internacional é entendido como a utilização da força para imposição da vontade e concretização dos objetivos nas relações externas.

Tendo como fundamento a confluência analítica das duas abordagens expostas, um conceito de poder que reúna elementos de ambas, como é a definição do pensador francês, torna-se mais adequada: “poder é a capacidade que tem uma unidade política de impor sua vontade às demais” (ARON, 2002ARON, R. Paz e guerra entre as nações. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002., p. 99). Ele aponta para uma compreensão do poder que não se encontra separada do contexto em que sua dinâmica relacional é exercida e faz uma diferenciação que se assemelha a separação entre o tradicional hard power (poder duro) e soft power (poder brando). Enquanto o poder duro se vale de ameaças do uso da força, de punições e intervenções militares, o poder brando emprega a força do convencimento, da cooptação, da atração e da influência de valores culturais e morais (NYE, 2004NYE, J. Soft power: the means to success in world politics. NY: Public Affairs, 2004.).

Dessa maneira, faz-se necessária a proposta de um elemento imaterial que capture também essa dinâmica relacional e contribua à mensuração de poder aos países sul-americanos. Para isso, é possível recorrer a um elemento caro à tradição intelectual latino-americana, o conceito de autonomia internacional. O conceito foi desenvolvido a partir da perspectiva que concebe a América Latina dentro da lógica do sistema centro-periferia, de caráter estruturalista. A dinâmica do capitalismo no nível global condiciona a região, exportadora de matérias-primas e importadora de produtos industrializados, a enfrentar barreiras ao seu desenvolvimento19 19 Em termos gerais, o centro seria industrializado e de economia homogênea e diversificada (alta produção e complementariedade intersetorial), enquanto a periferia, subdesenvolvida e de economia heterogênea e especializada (atividades de alta e de baixa produção coexistindo e exportação concentrada em poucos produtos). Esses seriam os dois polos no qual o sistema internacional está dividido. Ver Furtado (1971), O’Donnell e Linck (1973) e Puig (1986). (RODRIGUEZ, 1986RODRIGUEZ, Octavio. O pensamento da CEPAL: síntese e crítica. Novos Estudos CEBRAP, n. 16, p. 8-28, 1986.). No cenário descrito por teóricos latino-americanos das décadas de 1960 e 1970, os países da região, com a anuência de suas elites dominantes, encontrar-se-iam inseridos em uma lógica internacional de dominação e subalternidade (CARDOSO; FALETO, 1973CARDOSO, Fernando H.; FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.; O’DONNELL; LINCK, 1973O’DONNELL, Guillermo; LINCK, Delfina. Dependencia y autonomía: formas de dependencia y estrategias de liberación. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1973.). A dinâmica mais recente, contudo, não se distancia em demasia dessa inserção na divisão internacional do trabalho. A já mencionada alta dos preços das commodities nos anos 2000 e o crescimento da presença chinesa na região reforçaram a posição agroexportadora da América Latina e da América do Sul em especial. No período de 2003 a 2013, a América Latina apresentou uma média de crescimento anual de 3,6% (em termos de PIB/per capita, o maior da história - 2,4%), impulsionada pela demanda chinesa pelos produtos primários necessários à sua crescente produção nacional (GALLAGHER, 2016GALLAGHER, Kevin P. The China triangle: Latin America’s China boom and the fate of Washington consensus. New York: Oxford University Press, 2016.).

A China não só importava as commodities latinas, como suas empresas investiam na região e seus bancos forneciam empréstimo para desenvolvimento de obras de infraestrutura e de desenvolvimento da malha produtiva. Quando o crescimento chinês reduziu de intensidade nos anos 2010 e o preço das commodities despencou, ficou evidente que a América Latina não aproveitou o auge dos bons ventos econômicos para diversificar sua economia. Logo que o nível dos preços internacionais retraíram, os países da região reduziram o ritmo do crescimento econômico, mostrando-se uma região dependente das exportações de produtos primários. Essa posição de dependência no cenário internacional, revela a necessidade de um pensamento e de uma construção autônoma das políticas externas dos países da região, que visem a quebra desses ciclos.

A manutenção de tal condição de dependência no século XXI permite que a margem de atuação autônoma da política externa de um país sul-americano ainda seja elemento revelador e preditor do poder que determinado Estado detém e consegue exercer. Assim, uma nação que detém autonomia está em vantagem em relação àquela que não possui. Uma mensuração de autonomia internacional para definição de uma política externa livre de constrangimentos pode ser utilizada como uma proxy para mensuração imaterial de poder na fórmula unificada apresentada nesse artigo20 20 A seção “Distintos indicadores” apresenta mais detalhes sobre o referido indicador. , uma vez que não mensura diretamente recursos, mas sim, avaliação da margem de atuação que um Estado apresenta. Nas concepções de Dahl (1957)DAHL, R. The concept of power. Behavioral Science, v. 2, n. 3, p. 169-248, 1957. e de Aron (2002)ARON, R. Paz e guerra entre as nações. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002. sobre poder como uma relação entre atores, a autonomia internacional pode ser entendida como o elemento imaterial que define para os Estados sul-americanos de que maneira os recursos que esses detêm poderão ser utilizados para perseguição de seus objetivos no sistema internacional, ou seja, de que maneira seu poder material irá afetar terceiros.

Como o indicador de autonomia se comporta para a mensuração de poder para o período estudado? A ascensão de governos de esquerda e centro-esquerda na virada do milênio, em boa parte dos países da região, é um elemento que deve influenciar o comportamento desse índice. No âmbito internacional, esses governos criticavam o Consenso de Washington e o livre-mercado principalmente em suas manifestações contrárias à proposta da Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA) (BRICEÑO-RUIZ, 2014BRICEÑO-RUIZ, José. Del regionalismo abierto al regionalismo poshegemónico en América Latina. In: ACOSTA, W. S. (org.). Política internacional e integración regional comparada em América Latina. San José: FLACSO, 2014.). Suas concepções de política externa convergem ao rejeitarem a proximidade dos Estados Unidos (EUA) e buscarem unir esforços para ampliação da margem de autonomia, como demonstrado no primeiro encontro dos presidentes sul-americanos sem a presença de representantes dos EUA, em 2000, e a criação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), fórum regional onde o país norte-americano também esteve ausente. Ainda que seja possível discutir os reais ganhos e o alcance que essas iniciativas, discursos e posturas tenham trazidos aos países, espera-se que durante a primeira década dos anos 2000 os países da região, ao menos aqueles que estavam sendo administrados por governos críticos ao Consenso de Washington, performem melhor no indicador de autonomia em comparação à década de 1990. Essa expectativa está de acordo com o que a literatura entende sobre o período em termos de maior margem de autonomia, principalmente a partir do distanciamento dos próprios EUA engajados no conflito no Oriente Médio (VIGEVANI; CEPALUNI, 2007VIGEVANI, Tullo; CEPALUNI, Gabriel. A política externa de Lula da Silva: a estratégia da autonomia pela diversificação. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, p. 273-335, 2007. ; WEYLAND, 2016WEYLAND, Kurt. Realism under hegemony: theorizing the rise of Brazil. Journal of Politics in Latin America, v. 8, n. 2, p. 143-173, 2016.).

Apresenta-se agora o Relevance Index for South American Politics (RISAmP), uma fórmula que leva em consideração tanto elementos materiais como imateriais (BATISTA, 2020BATISTA, I. R. Mensurando poder na América do Sul: integrando capacidades materiais e autonomia. In: Encontro da ABCP, 12, online. Anais [...]. 2020. Disponível em: Disponível em: https://cienciapolitica.org.br/web/system/files/documentos/eventos/2021/01/mensurando-poder-para-pautar-agenda-regional-2011-2018.pdf . Acesso em 10 fev. 2021.
https://cienciapolitica.org.br/web/syste...
). O intuito disso é mostrar que tanto a concepção de poder como recursos, como a capacidade de usar esses recursos autonomamente, denotam a relevância que um país possui na região, em determinado momento. Existem algumas possibilidades para essa fórmula e o intuito desse estudo é avaliar como as escolhas teóricas feitas geram consequências para a fórmula e que, por fim, geram indicadores distintos. A primeira possibilidade é somar CM com Autonomia Internacional. CM é uma variável cujos valores estão entre 0 e1 (uma vez que surge de porcentagens), e Autonomia Internacional é uma variável cujos valores estão entre 0 e 2, ou seja, o indicador que surge desta fórmula privilegia os elementos imateriais de poder considerados:

R I S A m P = CM + Autonomia Internacional 2

É possível também considerar o valor bruto de CM (CMb) na fórmula unificada. Para isso, deve-se converter CMb em uma escala de 0 a 2, para que fique na mesma ordem de grandeza da variável de Autonomia Internacional, evitando que um dos elementos seja privilegiado em detrimento do outro, como na fórmula anterior. Contudo, essa conversão não impede que CMb ilustre as discrepâncias em termos da detenção de recursos que países, tais como Brasil e Uruguai, por exemplo, apresentam em decorrência de suas condições geográficas particulares. CMb escalonada seguirá sendo uma variável que privilegia o Brasil em prejuízo dos demais da região. A versão bruta do RISAmP (RISAmPb), assim, considera os valores brutos de CM e os valores absolutos de Autonomia Internacional:

R I S A m P b = CMb [ 0,2 ] + Autonomia Internacional 2

É possível ainda fazer uma versão relativa do RISAmP (RISAmPr), ao converter a variável de Autonomia para uma versão relativa. Isso significa considerar teoricamente que a Autonomia Internacional é um recurso finito e relativo, ou seja, que o incremento da autonomia de um significa a perda da autonomia de outro. Desde já podemos indicar que essa é uma concepção equivocada. Apesar disso, construímos essa fórmula para avaliar de que maneira uma concepção teórica equivocada traz consequências para a percepção da realidade possibilitada por esse indicador, quando consideramos que recursos imateriais, assim como materiais, devem ser abordados de maneira relativa:

R I S A m Pr = CM + % Autonomia Internacional 2

Na seção seguinte, portanto, apresentam-se os dados e os indicadores construídos com base nas fórmulas discutidos nesta seção.

Distintos indicadores

Dados

Uma breve apresentação das variáveis utilizadas faz-se necessária para justificar as escolhas feitas e indicar a maneira que os desafios decorrentes da disponibilidade dos dados são superados.

Utiliza-se a quantidade de pessoal de Forças Armadas para sinalizar a dimensão militar de poder a ser mensurada. Essa preferência de mensuração feita com base no contingente militar e não no orçamento de defesa evita que a variável se confunda com poder econômico (quem tem mais dinheiro, gasta mais); além disso, deve ser levado em consideração que o gasto militar necessita de algum tempo para se converter em força militar de fato. Desta maneira, quantidade de pessoal é um retrato mais fidedigno da real capacidade militar de um Estado em um determinado momento. Os dados utilizados são do International Strategic Studies (ISS) e, considerando os países e os anos estudados, os valores da Venezuela e Uruguai estavam ausentes para o ano de 2006. A correção, para esses dois países, foi realizada imputando em 2006 os valores que eles apresentaram no ano anterior.

Já para a dimensão econômica foi utilizado o Produto Interno Bruto (PIB). O PIB per capita como mensuração alternativa foi descartado por se entender que a dimensão demográfica também seria atingida. Assim, ela é captada de maneira direta pelo resultado de tudo que foi produzido no país em um determinado ano. Nos dados utilizados do Banco Mundial, não são encontrados valores para a Venezuela para o período posterior ao ano de 2014, algo que pode ser explicado pela dificuldade de se obter informações confiáveis em meio ao processo de autocratização e da crise humanitária em que o país se encontra desde então. A solução criada foi aplicar o valor do PIB venezuelano de 2014 para os anos subsequentes (2015, 2016, 2017, 2018), mesmo que isso gere uma estratégia subótima que possivelmente supervaloriza a variável econômica desse país para os referidos anos. Contudo, trata-se da melhor maneira de lidar com dados faltantes para um país em crise - considerar a estagnação.

A dimensão demográfica de poder é medida pelo número de indivíduos com 15 anos ou mais que está trabalhando ou procurando emprego, a chamada força de trabalho. Essa variável privilegia a parcela da população que produz ou está apta a produzir economicamente para o país, excluindo, assim, aposentados e estudantes, por exemplo. Os dados são novamente do Banco Mundial.

Por fim, a pergunta do survey do V-Dem sobre grau de autonomia de um Estado para formulação da política externa será utilizada como uma proxy, ou seja, uma medida aproximada, ainda que não direta, para a operacionalização do elemento imaterial de poder. A pergunta mede a autonomia que o Estado possui em formular a sua política externa independente da influência de outros países (COPPEDGE et al., 2020COPPEDGE, Michael et al. V-Dem varieties of democracy: codebook v10, 2020. ). Os especialistas indicam, em uma escala de três valores, se o país foi: (0) não-autônomo, se a política externa do país foi controlada de jure ou de facto por uma força estrangeira; (1) semiautônomo, se um ator político externo constrange as possibilidades de atores domésticos perseguirem uma política externa independente em matérias importantes; ou (2) autônomo, onde atores domésticos definem a política externa livres de controle direto de atores estrangeiros. Os valores ordinais são transformados para intervalares, também entre 0 e 2, através do modelo de mensuração bayesiano adotado pelo instituto (para detalhes metodológicos, ver Coppedge et al., 2020COPPEDGE, Michael et al. V-Dem varieties of democracy: codebook v10, 2020. ). Esta variável é a melhor opção disponível com a cobertura geográfica e temporal necessária para a análise aqui proposta, sendo preterida, portanto, a alternativas de mensurações diretas de poder brando como a do indicador Soft Power 30 ou o Indicador Elcano de Presença Global, que não cobrem todo o período temporal aqui estudado (1990-2018). Ainda que a capacidade de definir autonomamente a política externa envolva uma avaliação, por parte dos especialistas, de elementos materiais, principalmente financeiros, o Estado que possui mais autonomia internacional não o faz somente por possuir mais recursos materiais, mas também por políticas, estratégias e diplomacia, que ao fim e ao cabo capturam em grande medida a dimensão imaterial de poder. Essa compreensão permite que utilizemos essa variável como uma proxy para nossa dimensão imaterial de poder.

Cabe nota ainda que esta é uma mensuração ex post, em que os especialistas examinam como o Estado se comportou. Ao contrário das mensurações de capacidades materiais que denotam a potencialidade daqueles recursos serem convertidos em poder, mas sem garantias de que isso acontecerá, aqui a mensuração do elemento imaterial já é uma avaliação de como o país se portou no cenário internacional. Isso posto, é possível dizer que a fórmula unificada apresenta vantagens ao incluir não só elementos materiais e imateriais, mas também capacidades (potencial) e performance (execução).

A Tabela 1 resume as variáveis aqui consideradas:

Tabela 1.
Variáveis, ordem de grandeza e fonte

Nas seções subsequentes, os indicadores são demonstrados.

Capacidades materiais (CM)

O primeiro dos indicadores apresentados é o de Capacidades Materiais (CM), a mensuração inspirada no CINC (SINGER; BREMER; STUCKEY, 1972SINGER, David; BREMER, Stuart; STUCKEY, John. Capability distribution, uncertainty, and major power war, 1820-1965. In: RUSSETT, Brune (ed.). Peace, war, and numbers. Beverly Hills: Sage, 1972. p. 19-48.), lastreada em três dimensões de poder - militar, econômica e demográfica - e que considera a detenção relativa desses recursos. A versão construída tem como universo total de recursos apenas a região (e não o globo, como o CINC). A Figura 1 apresenta o comportamento deste indicador ao longo do período analisado.

Figura 1.
Capacidades Materiais dos países sul-americanos (1990-2018)

Como esperado, este indicador coloca o Brasil com larga vantagem em relação aos demais países sul-americanos, com esse país alcançando quase 50% de todos os recursos. A trajetória desse indicador para o Brasil é ascendente até 2009, quando passa a cair. Essa queda - e que se repetirá na trajetória de todos os indicadores aqui apresentados - pode encontrar razões nas consequências da crise de 2008, o fim do boom dos preços das commodities e/ou a própria crise econômica que o Brasil passou a enfrentar a partir de 2013 (CARVALHO, 2018CARVALHO, Laura. Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018.).

Na trajetória dos demais casos, cabe destaque a troca na segunda posição do ranking entre Argentina, que até os anos 2000 ocupava esse posto, e a Colômbia, segunda força da região no século XXI, de acordo com esse índice. A principal razão para essa troca é o crescimento do pessoal de Forças Armadas que a Colômbia apresentou nos anos 2000. Bogotá investiu fortemente em capacidade militar para dar conta de seus conflitos internos com o narcotráfico, o que se observa nesse incremento do contingente militar, mas necessariamente isso não produz vantagem internacional. Tal fato possibilita uma crítica às mensurações de poder enquanto recursos: nem sempre possuir recursos permite a quantificação de poder pois a posse não se traduz e não indica de que maneira esses recursos serão utilizados (BECKLEY, 2018BECKLEY, Michael. The power of nations: measuring what matters. International Security, v. 43, n. 2, p. 7-44, 2018.).

Outra expectativa que foi levantada sobre mensuração de poder a partir de recursos era que a primeira década dos anos 2000 apresentaria um aumento do indicador para todos os países da região, em decorrência da brecha estrutural sistêmica e dos bons ventos econômicos. De modo a averiguar essa expectativa, propõe-se o indicador subsequente.

Capacidades Materiais brutas (CMb)

Nas capacidades materiais brutas, isto é, sem considerar a detenção de recursos como algo relativo, onde um país precisa perder para que outro ganhe, o Brasil também se encontra demasiadamente afastado. A Figura 2, no gráfico da esquerda, revela isso. No gráfico da direita os demais países da região são apresentados no detalhe. O que se percebe é que, de fato, quase todos os países aumentaram suas capacidades materiais durante o período de maior demanda externa por produtos primários, com destaque novamente para a Colômbia, pelas razões já discutidas previamente e com as ressalvas já mencionadas. Argentina, Venezuela, Equador e Chile são outros casos com incremento significativo. Bolívia, Uruguai e Peru são exemplos de países que, ainda que comparados somente com as outras ex-colônias espanholas da região, não apresentaram evolução considerável desse indicador.

Figura 2.
Capacidades Materiais brutas dos países sul-americanos (1990-2018)

Cabe destacar a queda que o indicador do Brasil apresenta na década de 2010 e uma comparação entre as modalidades relativa e absoluta de mensuração de recursos. Na mensuração de CM relativa, a queda do Brasil é anterior, acontecendo a partir de 2009. O que se observa é que considerando o crescimento dos recursos dos outros países, o Brasil perde poder, nos termos de CM, antes mesmo do início de sua crise econômica, em 2013. A queda da velocidade do crescimento dos recursos do Brasil, no final da década de 2010, já é suficiente para que o seu indicador apresente um declínio. O fato observável é somente um: o crescimento ou queda de recursos mensuráveis - dinheiro e pessoas; mas a percepção de poder varia a depender da abordagem adotada.

Autonomia internacional

De modo a iniciar a discussão sobre o elemento imaterial da fórmula unificada de poder, a Figura 3 apresenta a evolução do total da Autonomia Internacional (AI) da região durante o período considerado. Isso foi possível somando os valores de todos os países para cada ano. Há um significativo incremento da autonomia da região durante a primeira década dos anos 2000, em comparação com o que se tinha nos anos 1990. O gráfico ilustra o aproveitamento da brecha sistêmica e do bom momento para as economias sul-americanas exportadoras de commodities (WEYLAND, 2016WEYLAND, Kurt. Realism under hegemony: theorizing the rise of Brazil. Journal of Politics in Latin America, v. 8, n. 2, p. 143-173, 2016.; GALAGHER, 2016). A partir de 2010, contudo, a queda é vertiginosa, considerando a queda do preço internacional desses produtos.

Figura 3.
Autonomia Internacional da América do Sul - soma do valor de todos os países (1990-2018)

Assim, é possível dizer que o total de autonomia da região variou ao longo do período analisado: mantendo-se em estabilidade na década de 1990; com crescimento nos anos 2000, graças a condições estruturais mais favoráveis; e declínio a partir de 2010, quando essas condições começam a desaparecer. Observa-se também que os países conseguem usufruir de mais autonomia ao mesmo tempo e de maneira independente uns dos outros, pois as condições internacionais podem beneficiar a todos, não sendo necessário que um perca para que outro ganhe.

Nesse sentido, verifica-se que a autonomia internacional não é um bem relativo. A lógica da abordagem relativa se aplica adequadamente a posse de recursos materiais, em que, por exemplo, não é suficiente deter arsenal militar, mas é necessário possuir mais do que o seu rival. Para recursos imateriais, contudo, essa lógica não se sustenta. Os próximos indicadores ilustraram o argumento.

RISAmP

O RISAmP é o indicador construído a partir da fórmula unificada de poder que considera bens materiais e imateriais. Essa primeira versão, cuja trajetória dos países está exposta na Figura 4, leva em conta os bens materiais de maneira relativa, seguindo a lógica waltziana de poder enquanto recursos, e os bens imateriais de maneira absoluta, como argumentado na seção anterior.

Figura 4.
Relevance Index for South American Politics (1990-2018)

Surge então um indicador que não acentua as discrepâncias entre o Brasil e restante do grupo, permitindo a comparação entre os países, ou seja, ainda que o Brasil lidere o ranking para todo o período, os outros casos não estão distantes a ponto de inviabilizar o instrumento analítico criado e impossibilitá-lo de ser aplicado a realidade da política regional da América do Sul.

As condições geográficas do Brasil não impedem que seus vizinhos defendam os seus próprios interesses, contestando e disputando com o gigante regional. Um exemplo disso foi a nacionalização da exploração dos hidrocarbonetos bolivianos em 2006, quando se noticiou no Brasil que a Bolívia estava ocupando a Petrobrás (BOLÍVIA, 2006BOLÍVIA ocupa Petrobrás e nacionaliza exploração de petróleo e gás. Folha de São Paulo, 2006. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u95508.shtml. Acesso em: 28 set. 2020.
Disponível em: https://www1.folha.uol.co...
). Logo após assumir a presidência boliviana, Evo Morales decidiu nacionalizar a exploração do petróleo e do gás em seu território, mobilizando inclusive o Exército para os campos explorados por empresas estrangeiras que atuavam no país.

Se alguém considera que CM é a mensuração de poder mais adequada para o estudo das relações internacionais e observa os valores desse indicador para 2006, não compreende a lógica boliviana. Seria impraticável uma oposição de uma nação com indicador tão baixo diante de uma com maiores capacidades. Levar em consideração que a prática política é constituída por outros elementos, além das capacidades materiais, e somar a isso a variável da autonomia internacional, permite entender que em 2006 a Bolívia estava iniciando uma trajetória de ascensão de poder, que a levou ao terceiro lugar no índice aqui demonstrado, no ano de 2010.

Não se deve omitir, do mesmo modo, que as ações do então presidente Morales e de sua política externa colaboram para o aumento da pontuação da Bolívia no indicador de autonomia do V-Dem, uma vez que ele é construído de maneira ex post. No entanto, isso não altera o cenário, cálculos estratégicos e decisões feitas a partir das informações disponíveis, que levaram La Paz a defender, de forma bem-sucedida, os interesses bolivianos. Se a referência para a tomada de decisão fosse somente o indicador CM, ou qualquer outra avaliação das capacidades materiais, a atitude racional teria sido não agir, o que não foi o caso.

Como mencionado ao apresentar a fórmula, a versão do RISAmP mostrada na Figura 4 privilegia o elemento imaterial em detrimento do material na composição do indicador final, tendo em vista que Autonomia é uma variável cujos valores estão no intervalo entre 0 e 2 e o indicador de CM entre 0 e 1. Uma correlação entre os valores de RISAmP, CM e Autonomia Internacional revela que o coeficiente de correlação de Pearson (r) entre o indicador RISAmP e Autonomia é de 0.9, ao mesmo tempo em que o coeficiente entre RISAmP e CM é 0.6.

Considerando então o período estudado (1990-2018), é possível afirmar que a lógica imaterial de poder obteve preponderância em relação à lógica material no que se refere às diretrizes das relações interestatais sul-americanas, como argumentou Nye (2012)NYE, Joseph S. O futuro do poder. São Paulo: Benvirá, 2012. em sua interpretação das dinâmicas de poder no pós-Guerra Fria. Equilibrar a participação das duas variáveis na composição do RISAmP, contudo, é possível. Isso é demonstrado nas duas versões subsequentes. A primeira dela traz uma versão bruta do RISAmP, que considera CMb reescalado no intervalo entre 0 e 2, mesma ordem de Autonomia. Na segunda, tem-se uma opção relativa do RISAmP, na qual Autonomia Internacional é considerada como recurso relativo, o que posicionará o indicador de cada país como uma parcela do todo da região para aquele ano, tornando-se assim uma variável intervalada entre 0 e1, tal qual CM.

RISAmPb

Renunciando à interpretação realista waltziana de poder enquanto capacidades relativas, a versão bruta do indicador considera apenas a posse de recursos materiais, independente do quanto seu rival detém. A Figura 5 exibe a trajetória do indicador RISAmPb para os países e período estudados.

Figura 5.
Relevance Index for South American Politics, valores brutos (1990-2018)

Algumas considerações acerca do RISAmP se aplicam também a interpretação que pode ser feita do RISAmPb. A distância do Brasil para os demais países é baixa durante a década de 1990, ainda que se amplie grandemente na primeira década dos anos 2000. Se todos os países ganham em autonomia durante essa década, o afastamento do Brasil se justifica pela ampliação dos seus recursos materiais, como demonstrado no gráfico de CMb (Figura 2). É possível também pensar que a disparidade de poder do Brasil não foi tão grande, retomando, assim, o problema da mensuração de recursos materiais de maneira absoluta - aquela que privilegia as condições naturais geográficas.

Cabe apontar que a inclusão de ao menos uma variável imaterial corrige distorções apresentadas pelas versões exclusivamente materiais (CM e CMb). Em RISAmPb, tal como no indicador RISAmP, a mensuração do poder da Colômbia não é enviesada pelo aumento considerável nos valores de sua variável militar, não criando assim um caso fictício e sem correspondência na realidade. Desse modo, o RISAmPb surge como alternativa aos que estão dispostos a renunciar ao pressuposto neorrealista de poder enquanto posse relativa de recursos materiais, mas que também compreendem que nem tudo pode ser resumido a recursos no jogo da política internacional.

RISAmPr

Por fim, é possível construir uma versão do RISAmP que considere a Autonomia Internacional como um componente relativo, tal como em CM. Viu-se na seção “Autonomia internacional” que esse pressuposto teórico se distancia da realidade do sistema internacional, ainda assim, ela é apresentada na Figura 6, abaixo.

Figura 6.
Relevance Index for South American Politics, valores relativos (1990-2018)

Como a Autonomia Internacional é considerada de modo relativo, ela se torna uma variável entre 0 e 1, o que dá igual peso a CM e a AI na composição do RISAmPr. O que se observa na Figura 6, portanto, é aquele distanciamento observado na Figura 1, quando se mensurou CM. Comparando os dois indicadores é bem verdade que RISAmPr diminui a diferença observada em CM, mas a distância segue sendo significativa e pouco prática para a interpretação da realidade, tal como discutido na seção RISAmP.

Tanto em RISAmPb quanto em RISAmPr, quando se equilibra a participação das variáveis materiais e material na construção do indicador de poder aqui proposto, perde-se o que argumentamos na seção RISAmP sobre a realidade das relações de poder na América do Sul na virada do século XX para o XXI privilegiar, ainda que levemente, os aspectos imateriais em relação aos materiais. Consideremos, assim, que essa é uma força do RISAmP, e uma fraqueza das versões RISAmPb e RISAmPr.

Observa-se assim que, tanto em RISAmPb quanto em RISAmPr, quando se equilibra a participação das variáveis materiais e imaterial na construção do indicador de poder aqui proposto, perde-se o argumento sobre a realidade das relações de poder na América do Sul na virada do século XX para o XXI. A constatação que surge é a de que privilegiar, ainda que levemente, os aspectos imateriais em relação aos materiais é uma qualidade em RISAmP ausente nas versões RISAmPb e RISAmPr.

Considerações finais

Assim, algumas considerações emergem da discussão das distintas mensurações de poder construídas e discutidas na última seção deste trabalho, na qual se observa que concepções teóricas sobre o poder produzem indicadores distintos, ainda que sob a mesma realidade. Essa é uma mudança crucial que pode, em determinados casos, considerar perda de poder a um país que cresce em recursos absolutos, mas que não cresce tanto quanto seus rivais. Foi o que se observou na comparação das trajetórias do Brasil nos indicadores CM e CMb, por exemplo.

A principal lição aqui é perceber que definir poder a partir de termos absolutos ou relativos gera quadros diferentes. O mais importante nesses casos é lastrear as preferências na realidade observada, de modo a produzir indicadores com aderência a ela. Considerar recursos materiais de maneira relativa é condizente com a principal tradição das RI na quantificação do poder - o realismo waltziano. No entanto, adicionar nessa conta uma variável imaterial, como autonomia, de maneira relativa, pode gerar uma distribuição distorcida daquela variável.

A construção dos indicadores permitiu ainda um reforço à crítica feita pela corrente relacional de poder de que medir força deve levar em consideração mais do que possuir meios materiais. Faz-se também necessário averiguar se houve ou não conversão do poder potencial em poder de fato. O caso da Colômbia, no início dos anos 2000, ilustrou esse fato: quando AI foi incluída nos indicadores unificados, percebeu-se que na primeira década do século XX, os crescentes recursos colombianos - absolutos - não se converteram em poder de fato.

A principal vantagem do indicador RISAmP é a consideração unificada de abordagens distintas de poder, incluindo aspectos materiais, que podem vir a se converter em atitudes de poder (capacidades materiais), e imateriais, mensurados a partir de avaliação ex post de especialistas do comportamento dos Estados no sistema internacional. O RISAmP combinado ainda permite quebrar o determinismo presente na mensuração de poder enquanto recursos, especialmente quando se observa a relação do Brasil, um país de proporções continentais, com seus vizinhos sul-americanos.

Ademais, constatou-se que na realidade da política internacional, sobretudo no século XXI, os cálculos estratégicos não são realizados em uma lógica puramente material. A utilização dos meios não materiais (atração, prestígio, valores institucionais, cultura, ideologia etc.) nas dinâmicas de exercício do poder torna-se compatível e complementar com a concepção de posse de recursos, na medida em que gera um conceito realista mais abrangente e aplicável de poder. Dessa maneira, justifica-se a preferência pela versão do RISAmP, pois ela corrige as distorções das variáveis estruturadas em bens materiais, dando maior peso à variável de autonomia.

De modo a transformar especificações conceituais e teóricas em variáveis úteis a mensuração de fenômenos políticos, esse trabalho propôs a discussão de diferentes versões de um indicador de poder para a América do Sul, o que resultou na construção de um indicador unificado para avaliar a performance dos países no período 1990-2018. A discussão demonstrou que escolhas teóricas conduzem a aplicações empíricas distintas. O esperado é que os termos aqui apresentados, a despeito de suas limitações oriundas das especificidades dos casos, possam ser aproveitados, adequados ou sirvam como estímulo para estudos que busquem coesão entre conceitos e instrumentos de medição, entre a teoria e a prática.

O RISAmP também guarda o potencial de contribuir aos pesquisadores interessados na história recente da região, um período rico em transformações com diversos fenômenos a serem explicados, incentivando tanto estudos quantitativos como sendo o ponto de partida de análises qualitativas aprofundadas nos casos.

Referências

  • ADCOCK, Robert; COLLIER, David. Measurement validity: a shared standard for qualitative and quantitative research. American Political Science Review, v. 95, n. 3, p. 529-546, 2001.
  • AMORIM NETO, Octavio; MALAMUD, Andres. What determines foreign policy in Latin America? Systemic versus domestic factors in Argentina, Brazil and Mexico, 1946-2008. Latin American Politics and Society, v. 57, n. 4, p. 1-27, 2015.
  • ANDERS, T.; FARISS, C. J.; MARKOWITZ, J. N. Bread before guns or butter: introducing Surplus Domestic Product (SDP). International Studies Quarterly, v. 64, n. 2, p. 392-405, 2020.
  • ARON, R. Paz e guerra entre as nações. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002.
  • BALDWIN, David. Power and international relations. In: CARLSNAES, W.; RISSE, T.; SIMMONS, B. A. (orgs.). Handbook of international relations. London: Sage, 2013. p. 273-297.
  • BATISTA, I. R. Mensurando poder na América do Sul: integrando capacidades materiais e autonomia. In: Encontro da ABCP, 12, online. Anais [...]. 2020. Disponível em: Disponível em: https://cienciapolitica.org.br/web/system/files/documentos/eventos/2021/01/mensurando-poder-para-pautar-agenda-regional-2011-2018.pdf Acesso em 10 fev. 2021.
    » https://cienciapolitica.org.br/web/system/files/documentos/eventos/2021/01/mensurando-poder-para-pautar-agenda-regional-2011-2018.pdf
  • BECKLEY, Michael. The power of nations: measuring what matters. International Security, v. 43, n. 2, p. 7-44, 2018.
  • BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: Editora UnB, 1998.
  • BOLÍVIA ocupa Petrobrás e nacionaliza exploração de petróleo e gás. Folha de São Paulo, 2006. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u95508.shtml Acesso em: 28 set. 2020.
    » Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u95508.shtml
  • BRADY, Henry E.; COLLIER, David (orgs.). Rethinking social inquiry: diverse tools, shared standards. Lanham, Md.: Rowman and Littlefield, 2004.
  • BRICEÑO-RUIZ, José. Del regionalismo abierto al regionalismo poshegemónico en América Latina. In: ACOSTA, W. S. (org.). Política internacional e integración regional comparada em América Latina. San José: FLACSO, 2014.
  • CARDOSO, Fernando H.; FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
  • CARVALHO, Laura. Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018.
  • COPPEDGE, Michael et al. V-Dem varieties of democracy: codebook v10, 2020.
  • DAHL, R. The concept of power. Behavioral Science, v. 2, n. 3, p. 169-248, 1957.
  • DREZNER, Daniel. Power and international relations: a temporal view. European Journal of International Relations. v. 27, n. 1, p. 29-52, 2021. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1354066120969800 Acesso em: 10 abr. 2021.
    » https://doi.org/10.1177/1354066120969800
  • FLEMES, Daniel. Actores estatales y regionalismo estratégico: Brasil y Colombia en el orden multipolar. In: BUELVAS et al. (ed.). Colombia y Brasil:¿ socios estratégicos en la construcción de Suramérica. Bogotá: Editoral Pontificia Universidad Javeriana, 2012. p. 25-50.
  • FURTADO, Celso. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1971.
  • GALLAGHER, Kevin P. The China triangle: Latin America’s China boom and the fate of Washington consensus. New York: Oxford University Press, 2016.
  • GOERTZ, G. Social science concepts. A user’s guide. Princeton: Princeton University Press, 2006.
  • GSCHWEND, Thomas; SCHIMMELFENNIG, Frank (orgs.). Research design in political science. London: Palgrave Macmillan, 2007.
  • GULICK, E. V. Europe’s classical balance of power. New York: WW Norton, 1955.
  • HAAS, Ernst B. The balance of power: prescription, concept, or propaganda? World Politics, Princeton, v. 5, n. 4, p. 442-477, 1953.
  • HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
  • HOHN, Karl H. Geopolitics and the measurement of national power, 2011. 330f. Dissertação (Doutorado) - Faculdade de Economia e Ciências Sociais, Departamento de Ciências Sociais, Universidade de Hamburgo, Hamburgo, 2011.
  • KADERA, Kelly M.; SOROKIN, G. L. Measuring national power. International Interactions, v. 30, n. 3, p. 211-230, 2004.
  • KING, Gary; KEOHANE, Robert O.; VERBA, Sidney. Designing social inquiry. Scientific inference in qualitative research. Princeton: Princeton University Press, 1994.
  • KELLSTEDT, P. M.; WHITTEN, G. D. Fundamentos da pesquisa em ciência política. São Paulo: Blucher, 2015.
  • LASSWELL, Harold Dwight; KAPLAN, Abraham. Power and society: a framework for political inquiry. New Haven: Yale University Press, 1950.
  • LUKES, Steven. Power: a radical view. 2. ed. New York: Palgrave-MacMillan, 2005.
  • MARKOWITZ, Jonathan N.; FARISS, Christopher J. Power, proximity, and democracy: geopolitical competition in the international system. Journal of Peace Research, v. 55, n. 1, p. 78-93, 2018.
  • MCCLORY, J. The Soft Power 30 index. USC Center on public diplomacy, 2019.
  • MEARSHEIMER, J.J. The tragedy of great power politics. New York: W.W. Norton & Company, 2001.
  • MILLER, B. Making measures capture concepts: tools for securing correspondence between theoretical ideas and observations. In: GSCHWEND, Thomas; SCHIMMELFENNIG, Frank (orgs.). Research design in political science. London: Palgrave Macmillan, 2007. p. 83-102.
  • MORGENTHAU, HANS J. Politics among nations: the struggle for power and peace. New York: Alfred A. Knopf, 1948.
  • NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das relações internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
  • NYE, Joseph S. O futuro do poder. São Paulo: Benvirá, 2012.
  • NYE, J. Soft power: the means to success in world politics. NY: Public Affairs, 2004.
  • O’DONNELL, Guillermo; LINCK, Delfina. Dependencia y autonomía: formas de dependencia y estrategias de liberación. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1973.
  • PUIG, Juan C. Integración y autonomía de América Latina en las postrimerías del siglo xx. Integración Latinoamericana, v. 11, n. 109, p. 40-62, 1986.
  • QUINN, A.; KITCHEN, N. Understanding American power: conceptual clarity, strategic priorities, and the decline debate. Global Policy, v. 10, n. 1, p. 5-18, 2019.
  • RODRIGUEZ, Júlio César Cossio. Chacal ou cordeiro? O Brasil frente aos desafios e oportunidades do Sistema Internacional. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 55, n. 2, p. 70-89, 2012.
  • RODRIGUEZ, Octavio. O pensamento da CEPAL: síntese e crítica. Novos Estudos CEBRAP, n. 16, p. 8-28, 1986.
  • SARTORI, Giovanni. A política. Brasília: Editora UnB, 1997.
  • SCHENONI, Luis L.; ACTIS, Esteban. Argentina y Brasil: una unipolaridad regional com sesgo económico. Revista SAAP, v. 8, n. 1, p. 207-235, 2014.
  • SEAWRIGHT, J.; COLLIER, D. Rival strategies of validation: tools for evaluating measures of democracy. Comparative Political Studies, v. 47, n.1, p. 111-138, 2014.
  • SHEEHAN, M. J. The balance of power: history and theory. Londres: Routledge, 1996.
  • SINGER, David; BREMER, Stuart; STUCKEY, John. Capability distribution, uncertainty, and major power war, 1820-1965. In: RUSSETT, Brune (ed.). Peace, war, and numbers. Beverly Hills: Sage, 1972. p. 19-48.
  • SPROUT, H; SPROUT, M. (orgs.). Foundations of national power. Princeton: Princeton University Press, 1945.
  • SPYKMAN, N. J. America’s strategy in world politics: the United States and the balance of power. New York: Harcourt, Brace & Co., 1942.
  • STEINMETZ, S. R. Soziologie des krieges. Leipzig: J. A Barth, 1929.
  • STOPPINO, Mário. Poder. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora UnB, 1998.
  • VALENCIA, Alberto R.; RUCALVABA, Daniel. Geopolítica de la Alianza del Pacífico em América Latina, El Continente Americano y Asia Pacífico. In: ARANDA, Isabel R.; POSADA, Edgar V. (orgs.). Perspectivas y oportunidades de la Alianza del Pacifico. Bogotá: Colégio de Estudos Superiores de Administración - CESA, 2015.
  • VIGEVANI, Tullo; CEPALUNI, Gabriel. A política externa de Lula da Silva: a estratégia da autonomia pela diversificação. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, p. 273-335, 2007.
  • WALTZ, K. Theory of international politics. New York: McGraw-Hill, 1979.
  • WEBER, M. The theory of social and economic organization. New York: Free Press, 1947.
  • WEYLAND, Kurt. Realism under hegemony: theorizing the rise of Brazil. Journal of Politics in Latin America, v. 8, n. 2, p. 143-173, 2016.
  • WONKA, A. Concept specification in political science research. In: GSCHWEND, Thomas; SCHIMMELFENNIG, Frank (orgs.). Research design in political science. London: Palgrave Macmillan, 2007. p. 41-61.
  • WRIGHT, Q. A study of war. Chicago: University of Chicago Press, 1965.
  • YAN, Xuetong. The rise of China and its power status. Chinese Journal of International Politics, v. 1, n. 1, p. 5-33, 2006.
  • 4
    Ver: Batista (2020)BATISTA, I. R. Mensurando poder na América do Sul: integrando capacidades materiais e autonomia. In: Encontro da ABCP, 12, online. Anais [...]. 2020. Disponível em: Disponível em: https://cienciapolitica.org.br/web/system/files/documentos/eventos/2021/01/mensurando-poder-para-pautar-agenda-regional-2011-2018.pdf . Acesso em 10 fev. 2021.
    https://cienciapolitica.org.br/web/syste...
    .
  • 5
    Apesar de interagir com a literatura que aborda conceituação e mensuração na Ciência Política, haja vista as suas limitações, esse artigo não tem a intenção de esgotar a temática e não promove uma revisão bibliográfica sobre o tema. Para essa finalidade, conferir: King, Keohane e Verba (1994)KING, Gary; KEOHANE, Robert O.; VERBA, Sidney. Designing social inquiry. Scientific inference in qualitative research. Princeton: Princeton University Press, 1994.; Brady e Collier (2004)BRADY, Henry E.; COLLIER, David (orgs.). Rethinking social inquiry: diverse tools, shared standards. Lanham, Md.: Rowman and Littlefield, 2004.; Goertz (2006)GOERTZ, G. Social science concepts. A user’s guide. Princeton: Princeton University Press, 2006.; Gschwend e Schimmelfennig (2007)GSCHWEND, Thomas; SCHIMMELFENNIG, Frank (orgs.). Research design in political science. London: Palgrave Macmillan, 2007.; Miller (2007)MILLER, B. Making measures capture concepts: tools for securing correspondence between theoretical ideas and observations. In: GSCHWEND, Thomas; SCHIMMELFENNIG, Frank (orgs.). Research design in political science. London: Palgrave Macmillan, 2007. p. 83-102.; Wonka (2007)WONKA, A. Concept specification in political science research. In: GSCHWEND, Thomas; SCHIMMELFENNIG, Frank (orgs.). Research design in political science. London: Palgrave Macmillan, 2007. p. 41-61.; Adcock e Collier (2001)ADCOCK, Robert; COLLIER, David. Measurement validity: a shared standard for qualitative and quantitative research. American Political Science Review, v. 95, n. 3, p. 529-546, 2001.; Seawright e Collier (2014)SEAWRIGHT, J.; COLLIER, D. Rival strategies of validation: tools for evaluating measures of democracy. Comparative Political Studies, v. 47, n.1, p. 111-138, 2014.. A contribuição aqui proposta a essas tradições é uma aplicação prática, voltada a demonstrar como mensurações diferentes constroem indicadores diferentes, e como avaliar os distintos indicadores na busca pela melhor representação do conceito.
  • 6
    Instituto global sediado na Universidade de Gotemburgo, na Suécia, responsável pela elaboração de banco de dados que mensura variáveis e conceitos aplicáveis aos estudos da democracia. A seção “Distintos indicadores” apresenta mais detalhes sobre o referido indicador.
  • 7
    Para citar algumas abordagens alternativas e que se propõem a mensurar poder brando de maneira direta, o indicador Soft Power 30 desenvolvido pela agência de consultoria Portland apenas cobre o período entre 2015 e 2019, enquanto o Indicador Elcano de Presença Global do Real Instituto Elcano não possui dados para todo o período entre 1990 e 2018.
  • 8
    Quinn e Kitchen (2019)QUINN, A.; KITCHEN, N. Understanding American power: conceptual clarity, strategic priorities, and the decline debate. Global Policy, v. 10, n. 1, p. 5-18, 2019. abordam essa mesma discussão entre as análises focadas em capacidades nacionais e poder relacional ao estudar as concepções atuais do poder norte-americano. Já Drezner (2021)DREZNER, Daniel. Power and international relations: a temporal view. European Journal of International Relations. v. 27, n. 1, p. 29-52, 2021. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1354066120969800 Acesso em: 10 abr. 2021.
    https://doi.org/10.1177/1354066120969800...
    , analisa as implicações dos recortes temporais nas definições e aplicações práticas de conceitos de poder.
  • 9
    “a essência da política internacional é idêntica à sua contrapartida no campo doméstico. Tanto a política internacional quanto a doméstica são lutas pelo poder, modificadas apenas pelas diferentes condições sob as quais essa luta ocorre nas esferas nacional e internacional” (MORGENTHAU, 1948MORGENTHAU, HANS J. Politics among nations: the struggle for power and peace. New York: Alfred A. Knopf, 1948., p. 17, tradução nossa).
  • 10
    No entanto, mesmo compartilhando da mesma raiz, o poder político se difere do poder exercido nas relações sociais e na vida privada, uma vez que no primeiro há uma relação de controle entre autoridades e instituições públicas sobre o povo; enquanto no segundo, esse domínio se dá entre homens comuns.
  • 11
    Poder militar e força são termos empregados como sinônimos neste artigo.
  • 12
    O termo “balança de poder”, aqui mencionado, faz referências às teorias de equilíbrio no sistema internacional desenvolvidas no século XX e que estão presentes no Realismo Clássico. Para uma leitura mais aprofundada sobre teorias de balança de poder ler Wright (1965)WRIGHT, Q. A study of war. Chicago: University of Chicago Press, 1965. e Sheehan (1996)SHEEHAN, M. J. The balance of power: history and theory. Londres: Routledge, 1996..
  • 13
    Ver: Morgenthau (1948)MORGENTHAU, HANS J. Politics among nations: the struggle for power and peace. New York: Alfred A. Knopf, 1948., Haas (1953)HAAS, Ernst B. The balance of power: prescription, concept, or propaganda? World Politics, Princeton, v. 5, n. 4, p. 442-477, 1953. e Wright (1965)WRIGHT, Q. A study of war. Chicago: University of Chicago Press, 1965., entre outros.
  • 14
    Anarquia internacional; centralidade do Estado-nação; sistema de autoajuda; poder como a disponibilidade de recursos materiais; e predisposição para a guerra; ver Morgenthau (1948)MORGENTHAU, HANS J. Politics among nations: the struggle for power and peace. New York: Alfred A. Knopf, 1948..
  • 15
    “O poder latente constitui-se dos recursos sociais que o Estado tem a sua disposição para construir forças militares” (2001, p. 60, tradução nossa).
  • 16
    Apesar da sua ampla utilização por estudiosos da Ciência Política e Relações Internacionais, há críticas quanto à validade do indicador, sobretudo o seu caráter relativo e como a entrada ou saída de países no grupo de comparação pode afetar as capacidades percebidas dos Estados (KADERA; SOROKIN, 2004KADERA, Kelly M.; SOROKIN, G. L. Measuring national power. International Interactions, v. 30, n. 3, p. 211-230, 2004.). Conferir novos indicadores preocupados em mensurar poder e capacidades do Estado em Markowitz e Fariss (2018)MARKOWITZ, Jonathan N.; FARISS, Christopher J. Power, proximity, and democracy: geopolitical competition in the international system. Journal of Peace Research, v. 55, n. 1, p. 78-93, 2018. e Anders, Fariss e Markowitz (2020)ANDERS, T.; FARISS, C. J.; MARKOWITZ, J. N. Bread before guns or butter: introducing Surplus Domestic Product (SDP). International Studies Quarterly, v. 64, n. 2, p. 392-405, 2020..
  • 17
    Ver Hohn (2011)HOHN, Karl H. Geopolitics and the measurement of national power, 2011. 330f. Dissertação (Doutorado) - Faculdade de Economia e Ciências Sociais, Departamento de Ciências Sociais, Universidade de Hamburgo, Hamburgo, 2011..
  • 18
    Ver Bobbio et al. (1998)BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: Editora UnB, 1998..
  • 19
    Em termos gerais, o centro seria industrializado e de economia homogênea e diversificada (alta produção e complementariedade intersetorial), enquanto a periferia, subdesenvolvida e de economia heterogênea e especializada (atividades de alta e de baixa produção coexistindo e exportação concentrada em poucos produtos). Esses seriam os dois polos no qual o sistema internacional está dividido. Ver Furtado (1971)FURTADO, Celso. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1971., O’Donnell e Linck (1973)O’DONNELL, Guillermo; LINCK, Delfina. Dependencia y autonomía: formas de dependencia y estrategias de liberación. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1973. e Puig (1986)PUIG, Juan C. Integración y autonomía de América Latina en las postrimerías del siglo xx. Integración Latinoamericana, v. 11, n. 109, p. 40-62, 1986..
  • 20
    A seção “Distintos indicadores” apresenta mais detalhes sobre o referido indicador.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2021
  • Aceito
    25 Abr 2022
Universidade de Brasília. Instituto de Ciência Política Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Campus Universitário Darcy Ribeiro - Gleba A Asa Norte, 70904-970 Brasília - DF Brasil, Tel.: (55 61) 3107-0777 , Cel.: (55 61) 3107 0780 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbcp@unb.br