Resumo:
Este artigo analisa a face oculta do poder no Ministério Público Federal (MPF) e o poder de agenda de suas lideranças. Apresenta duas novidades: (i) a utilização de uma literatura que permite analisar o poder de uma estrutura de dominação (MPF) e daqueles que buscam controlá-la, ressaltando a face oculta; (ii) a análise de um banco de dados sobre a carreira dos oito PGRs que ocuparam o cargo desde 1988 e a composição do Conselho Superior (CSMPF), das Câmaras de Coordenação e Revisão (CCRs) e Corregedoria, pensado como registro da ação realizada pelos indivíduos. Como os mecanismos institucionais que são instrumentalizados pelas lideranças do MPF na sua luta por poder político estão relacionados à reprodução de uma elite organizacional, o resultado dessa luta precisa ser entendido como expressão do poder institucionalizado que as lideranças convertem em poder político, cuja face oculta é uma de suas características mais marcantes.
Palavras-chave: face oculta; poder burocrático; poder político; elite; organização; burocracia
Abstract:
This article examines the hidden face of power in the Brazilian Federal Prosecution Service (MPF) and the agenda power of its leaders. It presents two new developments: (i) the use of a literature that allows analyzing the power of a structure of domination (MPF) and those who seek to control it, highlighting the hidden face; (ii) the analysis of a database on the careers of the eight PGRs who have held office since 1988 and the composition of the Superior Council (CSMPF), the Coordination and Review Chambers (CCRs) and Internal Affairs, that serve as a record of individual activity. As the institutional mechanisms that are instrumentalized by the MPF leaders in their struggle for political power are related to the reproduction of an organizational elite, the result of this struggle needs to be understood as an expression of the institutionalized power that the leaders convert into political power, whose hidden face is one of its most outstanding features.
Keywords: hidden face; bureaucratic power; political power; elite; organization; bureaucracy
Apresentação
A literatura mais proeminente da Ciência Política sobre o Ministério Público (MP) da Constituição de 1988 (CF/88) enfatiza dois elementos centrais: i) no curso de um processo iniciado antes da Carta constitucional, durante a passagem do regime ditatorial para o democrático, foi atribuída amplamente ao MP a defesa de direitos difusos e coletivos, o que a CF/88 ratificou (ARANTES, 2002); ii) a novidade institucional estabeleceu a autonomia do MP em relação ao governo e ampla discricionariedade aos seus membros, sem o que de nada adiantariam maiores atribuições (KERCHE, 2009). Comum a ambos (“i” e “ii”) a discussão a respeito da necessidade de controles democráticos sobre o MP da CF/88.
Influenciadas por essa abordagem, pesquisas importantes se desenvolveram no âmbito das Ciências Sociais e Aplicadas (SILVA, 2001; MACIEL, 2002; SINHORETTO, 2007; CARVALHO; LEITÃO, 2010; LOSEKANN, 2013; COSTA; OLIVEIRA JUNIOR, 2016; OLIVEIRA, 2019; ROS, 2019; RODRIGUES, 2020; SILVEIRA et al., 2020; LONDERO, 2021; VASCONCELOS, 2021; SCHABBACH; GARCIA, 2021). Cabe apenas frisar que, para os fins da discussão que se pretende realizar aqui, elas reproduzem os elementos centrais ressaltados pela literatura mais proeminente, destacando a autonomia do MP da CF/88 em relação ao governo e os aspectos ligados às prerrogativas dos seus membros, especialmente a independência funcional e as implicações desta para as diferentes áreas de atuação cível e criminal.
Nessa mesma linha de abordagem, mudanças no comportamento de integrantes do MP, como se observou na operação “Lava Jato”, que teve papel fundamental no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, retirando a candidatura deste das eleições de 2018, foram apontadas (AVRITZER; MARONA, 2017; MARONA; KERCHE, 2021). Teria ocorrido uma passagem na forma de atuação dos membros do MP Federal (MPF), que, dos anos 1990 até meados dos anos 2000, mobilizavam a defesa de direitos coletivos (ação civil pública - ACP) para uso do direito penal no combate à corrupção. A constatação converge com o fato de terem interferido na dinâmica política e democrática do Brasil (ARANTES; MOREIRA, 2019).
Contudo, embora tenham trazido contribuições importantes, esses estudos se preocupam mais em entender a correspondência entre a mudança institucional e as formas de atuação dos membros do MP, sem dedicar atenção para aspectos organizacionais e societais que ajudam compreender os resultados desses mesmos estudos.
A falta de uma abordagem organizacional e societal tem consequências para o tipo de análise predominante que se faz sobre o MP até hoje; entre elas está a expressão de aspectos do poder sem abarcar a dinâmica política organizacional. Esse tipo de análise capta os efeitos visíveis que decorrem da luta política das lideranças dessa burocracia pública e das práticas aparentes dos integrantes dessa organização. Assim fazendo, não consideram: i) a permeabilidade desse contexto para a política e; ii) as questões relacionadas ao exercício de poder pelas lideranças do MP.
Nos trabalhos mais destacados sobre elites jurídicas e administração da justiça, a situação é diferente. Nestes, volta-se a atenção para o processo de institucionalização e de construção de projetos profissionais ligados à carreira dos membros do MP que resultaram da luta corporativa por mais poder burocrático e formas de interação com o poder político (BONELLI, 2002; ENGELMANN, 2006, 2020; ENGELMANN; PILAU, 2021; ALMEIDA, 2014; ZAFFALON, 2017). Também, nessa linha de estudos, que oferece as principais pistas para a análise que se busca realizar aqui, não se adentra em aspectos organizacionais cruciais para compreender a face menos visível do poder das lideranças dessa burocracia pública.
Visando suprir essa lacuna, este estudo analisa o que significa controlar as posições superiores do MPF e discute como isso ajuda a entender a constituição de uma agenda por suas lideranças e quais as suas implicações em termos de exercício de poder. Não se trata de um estudo sobre “qual”, mas sobre como se pode constituir uma agenda por suas lideranças no contexto da organização pública e os eventuais desdobramentos em termos de exercício de poder por elas.
Feitas essas considerações, a problemática neste estudo envolve as seguintes questões: i) o design da organização pública permite a atuação dos seus integrantes em toda a cadeia alimentar do poder; ii) em razão desse design, as suas lideranças conseguem constituir uma agenda para ditar o funcionamento concreto do MPF, que possui implicações no seu contexto, mas, também, para fora dele; iii) os caminhos da política que cruzam o MPF revelam a presença marcante de lideranças que registram atuação destacada na Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
Colocados os problemas nesses termos, a hipótese que orienta este estudo é a de que a constituição de uma agenda de poder pelas lideranças do MPF envolve os caminhos da política e o controle sobre os mecanismos institucionais nessa burocracia pública, os quais instrumentalizados possibilitam às suas lideranças a conversão do poder burocrático em poder político, nesse caso a chave para compreensão em relação à face oculta do seu poder.
Em relação a essa problemática, considera-se a interação complexa entre fatores exógenos e endógenos ao MPF, entre a estrutura de poder institucionalizado e o poder social, que moldam a política e a prática organizacional (ZALD; LOUNSBURY, 2010). Estas afetam o comportamento dos seus integrantes e, como se pretende demonstrar, no caso do MPF, estão atreladas a uma face pouco conhecida do poder das suas lideranças. Para tanto, operacionaliza-se a “situação de comando”, baseada na combinação entre posição e ação das elites organizacionais (REED, 2012), reconhecendo-se a necessidade de incluir na análise a dimensão relativa à face oculta do poder (BACHRACH; BARATZ, 1962, 1963).
Desse modo, o presente artigo apresenta duas contribuições. Primeiro, a utilização de uma literatura que permite analisar o poder de uma estrutura de dominação (MPF) e daqueles que buscam controlá-la, ressaltando a face oculta. Segundo, refere-se à análise de um banco de dados sobre a carreira dos oito PGRs que ocuparam o cargo desde 1988 e a composição do Conselho Superior do MPF (CSMPF), das Câmaras de Coordenação e Revisão (CCRs) e Corregedoria dessa organização pública, pensado como registro da ação realizada pelos indivíduos.
Assim, reafirma-se a importância da análise em nível micro, envolvendo mecanismos de recrutamento, de socialização e de reprodução social de uma elite organizacional para pensar problemas de nível macro, como o funcionamento do sistema político. Avança-se na compreensão sobre os mecanismos institucionais que estão relacionados à reprodução de uma elite organizacional e a sua luta por poder político. Explora-se o exemplo da agenda de combate à corrupção e a operação “Lava Jato”, quando as lideranças MPF/ANPR instrumentalizaram os mecanismos institucionais do MPF e exerceram poder político.
O artigo está organizado da seguinte maneira: a apresentação é seguida por uma seção com os aspectos teóricos do processo analítico; é feita uma breve apresentação do contexto do MPF, destacando a estrutura e atribuições; o objeto é então analisado, as implicações discutidas, juntamente com as limitações deste estudo; conclusões são indicadas ao final.
Aspectos teóricos do processo analítico
Nos últimos anos, observou-se o incentivo de estudos organizacionais com questões sobre elites (ZALD; LOUNSBURY, 2010). Entre as principais contribuições está uma perspectiva neo-weberiana que permite compreender e explicar a capacidade que grupos minoritários que governam estruturas de dominação têm de se engajar em estratégias que visam perseguir os seus interesses, para tanto se valendo das posições formais ocupadas nessas estruturas, como no caso da burocracia de Estado (REED, 2012). De acordo com essa perspectiva, é central a categoria de “situação de comando”, ou seja:
formações institucionais complexas que consistem em configurações hierarquicamente estratificadas de posições e relações interorganizacionais e intraorganizacionais que são moldadas e remodeladas principalmente, mas não exclusivamente, por meio de estratégias de comando político ofensivas e defensivas implantadas por grupos de elite localizados em diferentes níveis de tais configurações. Em sua luta pelo acesso monopolista aos escassos recursos econômicos, políticos, sociais e culturais que tais situações de comando disponibilizam - e as vantagens marcantes que esse acesso monopolista dá a alguns grupos de elite sobre outros - os grupos de elite lutam para controlar os mecanismos de estratificação através dos quais estes últimos são gerados, reproduzidos e transformados (REED, 2012, p. 210, tradução nossa).
Em linhas gerais, deve-se analisar a formação, reprodução e transformação de mecanismos de estratificação por meio dos quais as relações de poder se organizam em estruturas de dominação (REED, 2012). Nesse sentido, precisam ser encarados os resultados institucionais de lutas políticas complexas não apenas entre elites, mas, também, entre as minorias dominantes que se esforçam para ganhar vantagem sobre outros grupos organizados na busca de controlar a trajetória da mudança social.
No Brasil, os estudos sobre elites jurídicas apresentam resultados significativos a respeito, no que tange ao processo de institucionalização do MP e em relação às disputas de seus integrantes por espaços de poder no sistema de justiça com outras instituições, em especial com o Judiciário, a Defensoria Pública e as Polícias (BONELLI, 2002; ENGELMANN, 2006, 2020; ALMEIDA, 2014). Destacam-se, também, as análises e discussões que integram a dinâmica que permeia as relações da justiça com o poder político, como as reconfigurações políticas e corporativas das elites jurídicas e do MP na agenda de combate à corrupção (ENGELMANN; PILAU, 2021). Há, ainda, a abordagem de elites em torno do controle da administração da justiça, em que se observa a via de “mão dupla” da política nas relações que se estabelecem entre o Executivo e o Legislativo e as organizações do sistema de justiça (ZAFFALON, 2017).
Os resultados desses estudos sobre elites jurídicas lançam luz à permeabilidade do contexto das organizações do sistema de justiça quanto às questões de poder. Muito disso se deve à sociologia política que esses estudos realizam, fazendo com que as teorias das elites passem a ocupar um lugar mais central na discussão sobre o sistema de justiça brasileiro, ajudando a mapear recursos (sociais, políticos, culturais e simbólicos) que configuram mecanismos que permitem acesso às posições de topo da magistratura e do MP, e sinalizando para os caminhos da política que atravessam esse sistema.
Somando-se a essa tradição de estudos, a operacionalização da “situação de comando” pode representar um ganho analítico em relação às questões de agenda política no contexto de uma organização pública pelo que Scott (2008) chama de “storage and holding of power” com o “exercise and mobilization of power”. A “situação de comando” possibilita atrelar a ocupação do espaço formal dentro da organização pública às estratégias da elite de manter o monopólio sobre a distribuição de recursos institucionalizados (ZALD; LOUNSBURY, 2010; REED, 2012), vitais para o sucesso na luta pelo poder político.
Como as estratégias de uma elite burocrática não se limitam à luta por mais poder burocrático e nem sempre se trata de uma mera interação deste com o político (REED, 2012), a “situação de comando” permite a análise da luta de elites organizacionais para exercício do poder político. Poder político que, neste estudo, seguindo também uma tradição weberiana, refere-se às expectativas que dizem respeito ao exercício do poder institucionalizado e que se baseia no controle sobre uma estrutura de dominação, como é o caso do MPF, ramo especializado da burocracia jurídica do Estado. Mediante essa estrutura pública, que acompanha o processo de incriminação e punição (exerce o monopólio da ação penal), é que se exerce com exclusividade a violência legítima, fio condutor de ação do sistema político no Estado de Direito.
A “situação de comando” apresenta outra vantagem por integrar o estudo de “elites posicionais” com “elites de ação” (REED, 2012), o que em outros termos remete à discussão entre o elitismo e o pluralismo (GUNNELL, 1996; MIGUEL, 2003; PERISSINOTTO; CODATO, 2015), que não cabe aqui retomar. Considerando as limitações dos modelos elitista e pluralista denunciadas há mais de meio século (BACHRACH; BARATZ, 1962), o estudo de uma elite que luta pelo controle de uma estrutura de dominação como é o MPF, conhecida pela sua opacidade em termos de accountability (KERCHE, 2009; MARONA; KERCHE, 2021; VIEGAS et al., 2022a), precisa articular os aspectos que foram colocados em discussão sobre a face oculta do poder a fim de analisar a permeabilidade desse contexto para questões relacionadas à política e ao exercício de poder.
A análise que operacionaliza a “situação de comando” deve buscar compreender como elites organizacionais ocupam posições formais para, a partir destas, ditar os “rumos” de uma estrutura de dominação. Esses “rumos” são encarados como os resultados institucionais da sua luta por poder e se materializaram, por exemplo, na tomada de decisões de suas lideranças (REED, 2012). Já a perspectiva da face menos aparente do poder possibilita uma análise mais refinada sobre como essa mesma elite organizacional, na sua luta por mais poder, consegue convertê-lo em exercício de poder político, ainda que isso signifique participar ou influenciar diretamente as decisões políticas que conferem funcionamento ao Estado.
No MPF, o controle sobre determinadas posições de cúpula, a partir de onde se interfere no comportamento dos demais integrantes dessa burocracia, possibilita ditar o seu funcionamento concreto, o que se refere não apenas ao exercício de poder com traços de uma típica dominação burocrática, mas potencial exercício de poder político como se sustenta aqui. Por isso, importante que se conheçam: i) as posições políticas relevantes nessa estrutura, como assinala o “método posicional” (MILLS, 1956), e, igualmente; ii) como a tomada de decisões políticas relevantes podem se materializar em investigações e processos judiciais, conforme o “método decisional” (DAHL, 1958, 1961).3
Contudo, como salientam Bachrach e Baratz (1962), o modelo elitista enfoca a ocupação de posições concretas no topo da estrutura (MILLS, 1956) e o pluralista assume que o poder se reflete em decisões concretas (DAHL, 1958, 1961). Ambos - elitista e pluralista - ignoram a face oculta do poder e tomam como pressuposto a própria questão que está sob investigação (BACHRACH; BARATZ, 1962). Por exemplo, Dahl e aqueles que aceitam a abordagem pluralista não conseguem diferenciar o que chamam de “decisões políticas chave” das decisões rotineiras tomadas em uma comunidade (BACHRACH; BARATZ, 1962, p. 949). De modo frequente, esta abordagem acerca da tomada de decisões, em relação àquilo que se torna público, é a mais enfatizada nos estudos sobre o MP brasileiro, como se pretende discutir neste artigo.
Frisa-se que estudar a face menos aparente do poder de uma elite organizacional não anula a mais visível. A questão é que, como Bachrach e Baratz (1962, 1963) aduzem, antes de se perguntar “quem domina”, como fazem os elitistas, ou “quem tem poder”, como os pluralistas, deve-se buscar conhecer: i) quais são os procedimentos e as regras do jogo político, para então realizar uma investigação minuciosa a respeito de; ii) que indivíduos ou grupos ganham com a mobilização de vieses e se algum ou alguns são prejudicados.
Somente depois dessas duas etapas é que se pode investigar a dinâmica das “não-decisões”. Aqui, busca-se operacionalizar a “situação de comando” com os dois objetivos (“i” e “ii”) propostos por Bachrach e Baratz (1962, 1963), o que pode representar um ganho analítico acerca de como lideranças organizacionais conseguem converter o poder burocrático em exercício de poder político.
Vale dizer que, empiricamente, esse tipo de análise sobre os itens “i” e “ii” sugeridos por Bachrach e Baratz foi testado em diferentes oportunidades (HEADEY; MULLER, 1996; DÜR, 2008; MACLEAN, HARVEY; CHIA, 2010), e não cabe revisitar esse material. Contudo, nesses termos ainda não foi realizado em relação a uma organização como o MPF, cuja ação política das suas lideranças gera interferências no funcionamento do sistema político como assinalam os estudos sobre a “Lava Jato” (AVRITZER; MARONA, 2017; SA E SILVA, 2020; ENGELMANN, 2020; MARONA; KERCHE, 2021).
O que esses estudos sobre a “Lava Jato” não consideram é que os integrantes do MPF traçam estratégias políticas de carreira, dentro e fora da burocracia de Estado, sem abandonar a carreira pública (VIEGAS, 2020). Essas estratégias se orientam pela agenda de poder colocada pelas lideranças MPF/ANPR, o que até hoje permanece em um limbo em termos de discussão teórica e análise empírica para questões relacionadas à política e ao exercício de poder por esses “burocratas”.
Quem ocupou as posições da administração superior do MPF4
A PGR e o CSMPF são os principais órgãos da estrutura do MPF no que se refere ao controle e aos incentivos sobre o comportamento dos procuradores. As CCRs e a Corregedoria são fundamentais para que os procuradores atendam às expectativas das lideranças da organização pública. Em relação às atribuições de cada um desses órgãos, remete-se a um trabalho anterior, em que esses fatores se encontram descritos e analisados detalhadamente (VIEGAS, 2020).
No que importa, recorda-se que: os chefes do MPF (PGRs) registram em suas carreiras a passagem pelas posições de topo do MPF (CSMPF e CCRs), criadas pela Lei Complementar n. 75/93; os indicados para a PGR com base na lista tríplice da ANPR, entre 2003 e 2017, foram/são lideranças da associação. Como revela a carreira dos PGRs, no contexto do MPF, a luta pelo controle da organização pública pelas lideranças da ANPR tem início antes do surgimento e acolhimento da sua lista tríplice, já que eles também registram passagem pelos órgãos da administração superior (CSMPF e CCRs) (VIEGAS, 2020).
Ratificando essa constatação, a composição5 da CSMPF, CCRs e Corregedoria, entre 1993 e 2019, revela um achado importante, que ainda não foi objeto de análise e de discussão. No caso da composição do CSMPF, nesse mesmo período6, quanto aos segmentos eleitos pelo Colégio de Procuradores (órgão que reúne todos os membros da carreira do MPF), dos 28 conselheiros (N) 86% deles registram atuação política relevante na ANPR (Tabela 1).
Entre os escolhidos pelos pares - eleitos pelo Colégio de Sub-PGRs (recrutamento endógeno pela cúpula), de todos eles (N = 24) 66% registram passagem política destacada pela ANPR, no mesmo sentido dos eleitos pelo Colégio do MPF (todos os integrantes da carreira), ainda que em menor número, o que sugere uma correlação de forças mais restrita à cúpula (entre os Sub-PGRs).
Em todo caso, por mais de 25 anos, a maioria dos integrantes do CSMPF registra passagem pelas posições de topo da ANPR: presidência, diretoria e delegados (Tabelas 1 e 2). Portanto, não se trata de qualquer “tipo de procurador”8 com atuação na associação ou de mero associativismo, mas de lideranças que ocuparam posições de cúpula no MPF e na ANPR, que, aparentemente, revezam-se no poder (vide número de mandatos de alguns deles no CSMPF).
A composição das CCRs também apresenta uma maioria significativa de integrantes com atuação política relevante na ANPR. O que não surpreende, afinal 2/3 (dois terços) das CCRs foram escolhidos pelo CSMPF e 1/3 (um terço) por PGRs, que registram passagem pelas posições de topo da associação. Nesse ponto, quanto às CCRs, ainda que não seja possível estabelecer uma correlação, os dados sobre a composição delas mostram como o contexto do MPF e da ANPR e a dinâmica política que permeia as duas organizações (pública e privada) encontram-se próximos. Entre 1998 e 2019, a composição das CCRs, considerando os titulares, registra 64% de membros com atuação nas posições de topo da associação.9
No caso da Corregedoria do MPF10, a situação é semelhante. Dos 11 corregedores do MPF desde 1993, 90% registram passagem politicamente relevante na ANPR (posições de presidência, diretorias e delegados), ou seja, novamente, uma maioria expressiva no órgão que deve exercer a função de correição dos membros do MPF (Tabela 3).
Portanto, em relação à composição das posições superiores do MPF (CSMPF, CCRs e Corregedoria), o quadro delineado pode ser entendido como uma “situação de comando” (REED, 2012) exercida pelas lideranças organizacionais ligadas à ANPR. A imbricação intensa entre as posições superiores do MPF e a ANPR é evidente na composição dos órgãos superiores da estrutura pública ao longo do tempo. Na sequência, alguns problemas de ordem teórica e empírica serão discutidos sobre esses aspectos.
Discussão
O design do MPF definido pela CF/88 e a LC n. 75/93 e as atribuições dessa burocracia (monopólio da ação penal e defesa de direitos coletivos) autorizam os seus integrantes a atuarem em toda a cadeia alimentar de poder. Essa é uma questão das mais relevantes e que precisa ser considerada nas análises sobre essa burocracia. Praticamente, não há esfera da vida que escape da atuação dos integrantes dessa organização pública.
Em termos de exercício de poder, ocupar as posições no topo do MPF relaciona-se à constituição de uma agenda pelas lideranças MPF/ANPR no contexto da burocracia pública - sobre o comportamento dos demais integrantes - e fora desse contexto, com implicações para o funcionamento do Estado nas suas dimensões política, econômica e social, tendo em vista o design e as atribuições do MPF.
O CSMPF movimenta a carreira e organiza o concurso para ingresso no MPF. As CCRs chancelam acordos e desfechos em investigações cíveis e criminais. A equipe da Corregedoria correiciona os procuradores. Além disso, procuradores são designados pelos ocupantes das posições de topo (PGR e CSMPF) para atuar perante o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Superior Tribunal de Justiça (STJ), os Tribunais Regionais Federais (TRFs) e Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) (VIEGAS, 2020).11
As lideranças e os designados por elas atuam em investigações e se manifestam em ações, cíveis e criminais, que dizem respeito a interesses de ordem política, econômica e social - ressalta-se: toda cadeia alimentar de poder na federação. Por exemplo, atuam perante os Tribunais (STF, TSE, STJ, TRFs e TREs) em que se apresentam como investigados e réus uma enorme gama de agentes políticos (governadores, senadores, deputados federais e prefeitos).
Captando os efeitos mais visíveis do exercício desse poder por parte das lideranças do MPF, a maior parte dos estudos expressa aspectos institucionais que se referem ao poder burocrático, previsto nos estatutos jurídicos. Assim tratam das tomadas de decisões dos integrantes da organização pública em acordos, investigações e ações judiciais, e que se tornam públicas, conforme se poderia argumentar pelo “método decisional” (DAHL, 1958, 1961).
As tomadas de decisões são o foco das análises desde os trabalhos mais pioneiros até os mais recentes sobre o combate à corrupção e a “Lava Jato” (sem esgotar: ARANTES, 2002; ARANTES et al., 2010; KERCHE, 2009; ARANTES; MOREIRA, 2019; MARONA; KERCHE, 2021). Esses mesmos estudos atestam como os membros do MPF atuam nas mais diversas áreas, em diferentes momentos, e como essa atuação se desdobra em temas políticos, econômicos e sociais.
As pesquisas sobre judicialização e atuação extrajudicial do MP em políticas públicas centram atenção nos efeitos dos processos judiciais e da atuação extrajudicial, quanto à formulação e a implementação das políticas de saúde, educação, meio ambiente etc., inclusive discutindo os problemas que decorrem para separação de poderes (SILVA, 2001; VIANNA, 2002; CASAGRANDE, 2008; MCALLISTER, 2008; CARVALHO; LEITÃO, 2010; MAGGIO, 2018; OLIVEIRA, 2019; RODRIGUES, 2020; SILVEIRA et al., 2020; VASCONCELOS, 2021). Assim fazendo, atestam que os integrantes do MPF fiscalizam a administração pública e são capazes de elaborar políticas públicas substanciais no lugar dos gestores públicos.
Salienta-se que todos esses estudos sinalizam para a capacidade de constituir uma agenda no contexto do MPF: priorizar áreas e formas de atuação. Dito de outro modo, sugerem o negligenciamento de temas e formas de atuação. Ou seja, é latente a possibilidade de “não-decisões” no contexto do MPF. Todavia, não fornecem elementos para explicar como seria possível a constituição dessa agenda, seja porque nesses estudos o MP é um ambiente pouco hierarquizado, seja porque a independência funcional é relevante ao ponto de enxergar o risco de que cada membro do MP se constituir um potencial MP.
Em um trabalho sobre o desenvolvimento das capacidades institucionais no âmbito MPF entre 1988 e 2018 (LONDERO, 2021)12, evidencia-se a constituição da agenda de combate à corrupção pelo MPF, mostrando, empiricamente, como os recursos (pessoal, administrativo, treinamento, operacional, logístico etc.) foram destinados para determinadas áreas. Sem colocar nesses termos, oferece uma análise empírica sobre como o MPF negligenciou outras áreas de atuação igualmente relevantes, como em matéria de direitos coletivos. Do mesmo modo, não avança sobre os mecanismos institucionais que foram instrumentalizados pelas lideranças do MPF e que permitiram direcionar os recursos e orientar os comportamentos dos demais integrantes dessa burocracia pública.
Nos estudos de elites jurídicas, encontra-se a discussão sobre a permeabilidade do contexto do MP para questões políticas e sociais (BONELLI, 2002; ALMEIDA, 2014), e as ações políticas dos integrantes do MP não aparecem alheias às estruturas de poder fora do seu contexto (ZAFFALON, 2017), pelo contrário. Recentemente, explicitou-se como a implementação da agenda anticorrupção levada a efeito no Brasil se conformou em sintonia com organismos internacionais13 e encontrou nos governos Lula espaço para implementação da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) (ENGELMMAN; PILAU, 2021). Entrementes, o enfoque segue no resultado das conquistas corporativas, geralmente interpretando-o - este resultado - como institucionalização e aprendizado institucional, como ele se reflete nas tomadas de decisões dos burocratas em investigações e processos judiciais, e não em relação ao negligenciamento de temas politicamente relevantes para a sociedade.
Ressalta-se, assim, que todos esses estudos apresentam contribuições sem os quais não seria possível problematizar as questões tratadas aqui. Mas, o que se está salientando, de acordo com a “situação de comando” das lideranças MPF/ANPR, é que o controle sobre os mecanismos institucionais do MPF por elas possibilita-lhes a conversão do seu poder burocrático em exercício de político.
De maneira geral, os estudos sobre o MP pelos ângulos da Ciência Política e Administração Pública atestam que a luta das lideranças do MPF se trata de uma luta por mais poder burocrático, mas expressam também, ainda que não nesses termos, exercício de poder político por essas lideranças, e não mera interação - e esse é o ponto central nesta discussão.
A “situação de comando” das lideranças MPF/ANPR afeta o comportamento dos procuradores: ocupar posições relevantes politicamente no MPF é uma etapa da luta por poder, que legitima as lideranças (na expressão do seu poder burocrático) na tomada de decisões. Estas decisões se referem: à distribuição de recursos pessoal e técnico, à movimentação dos procuradores na carreira, à punição dos desvios, à chancela ou não de acordos e desfechos em investigações. Em suma, essas lideranças controlam o MPF, administrando-o a partir do topo e assim ditam o funcionamento da burocracia pública.
Além disso, essa “situação de comando” sugere a existência de imbricações intensas entre uma estrutura de dominação (locus do exercício de poder institucionalizado) e o mundo privado (associação). Trata-se de uma confusão público/privado - um problema sociopolítico, e não jurídico, frisa-se - relacionada ao design e à governabilidade da burocracia pública14, ou seja, aos caminhos da política que a cruzam e que estão diretamente relacionados ao seu funcionamento.
As decisões politicamente relevantes tomadas no contexto do MPF (do topo para a base) precisam ser compreendidas como atreladas à luta política por controlar posições relevantes na burocracia pública. Luta política que se faz de forma organizada e relacionada às estratégias de carreira política das lideranças e interesses corporativos dos demais integrantes, que se realiza dentro (MPF) e fora da estrutura pública (ANPR) - ainda que a associação não seja a única forma de se fazer política fora do MPF, vide carreira de Augusto Aras.
Sobretudo, como uma radiografia dos últimos 30 anos, este estudo fornece elementos para afirmar que a luta intra-elite, ou seja, entre os integrantes da burocracia pública, explicita uma verdadeira “situação de comando” pelas lideranças da ANPR que se organizam e se revezam para controlar o MPF.
Em termos da constituição de uma agenda de poder, esta “situação de comando” envolve agentes com trânsito entre os espaços público e privado e pressupõe a interação da elite organizacional, que busca controlar a estrutura de dominação, com diferentes atores e instituições (governo, políticos profissionais, partidos políticos, grupos organizados da sociedade, terceiro setor, a mídia etc.). Logo, é preciso considerar que essa também é uma luta extra-elite, não circunscrita ao MPF e ao sistema de justiça.
O trânsito entre os mundos público e privado sugere que as fortes imbricações dos caminhos da política vão além do contexto do MPF e do sistema de justiça e não se encontram dissociados: i) da governabilidade do MPF15, considerando a luta por ocupar posições políticas relevantes nessa burocracia e interesses corporativos, e; ii) das relações de poder que se estabelecem entre as suas lideranças, especialmente as com atuação destacada na ANPR, com outros instituições (públicas e privadas) e a sociedade organizada (notadamente o mundo privado).
Assim, o funcionamento concreto do MPF precisa ser pensado como expressão da combinação entre “storage and holding of power” com o “exercise and mobilization of power” (SCOTT, 2008). Nesses termos, razoável pressupor que as lideranças do MPF/ANPR possam implementar uma agenda de poder que se volta exclusivamente para os fins estatutários do MPF, estritamente para o exercício do poder burocrático. Mas isso parece pouco provável, até pelo que se presenciou nos últimos anos, conforme a literatura que trata da “Lava Jato” (sem esgotar: AVRITZER; MARONA, 2017; SA E SILVA, 2020; ENGELMANN, 2020; MARONA; KERCHE, 2021).
A conversão do poder burocrático em político é possível por instrumentalização dos mecanismos institucionais do MPF pelas suas lideranças, ocupando posições de cúpula na burocracia pública. Essa conversão se expressa tanto nas tomadas de decisões como em relação ao negligenciamento de temas que não se tornam públicos (hipótese de “não-decisões”). Por exemplo: os governadores gozam de foro preferencial no STJ, onde atuam lideranças e designados do MPF16, que podem tanto decidir (investigar e processar) em um determinado sentido, como negligenciar fatos e pessoas, arquivando investigações e realizando acordos e transações, que não se tornam necessariamente públicas (hipótese de “não-decisões”). As lideranças podem omitir-se em relação a pontos específicos, negligenciando temas que afetem, eventualmente, o seu projeto de poder, sem que sofram sanções, pois controlam os mecanismos institucionais de onde parte controle e punições.
No caso da agenda de combate à corrupção, o espaço formal de ação dos procuradores, definido pelos estatutos de leis, mudou consideravelmente nos últimos anos (VIEGAS et al., 2022b). Cabe frisar que a palavra final em direito penal, ou seja, em relação ao monopólio da violência legítima do Estado, é do MP. Igualmente, importante mencionar que a CF/88 não se refere ao MPF como órgão de investigação policial, pelo contrário, deve exercer o controle externo da atividade policial. Nesse aspecto, os procedimentos criminais investigatórios para o MPF não estavam previstos no Código de Processo Penal (CPP, Decreto - Lei n. 3.689 de 1941).
A primeira regulamentação ocorreu pelo Conselho Nacional do MP (CNMP), um órgão administrativo que deveria realizar o controle externo do MP brasileiro, e que é presidido pelo PGR, chefe do MPF. O CNMP expediu a Resolução n. 181 durante o mandato do PGR Rodrigo Janot (ex-presidente da ANPR), o mesmo que deu início à operação “Lava Jato” e que designou os seus primeiros integrantes (VIEGAS; LOUREIRO; ABRUCIO, no prelo).
Como resultado da agenda de combate à corrução, alterações importantes foram inseridas no CPP junto ao chamado “Pacote Anticrime” (Lei n. 13.964 de 2019). A reforma na legislação fez prever aspectos da Resolução n. 181 do CNMP no artigo 28 do CPP, reforçando o poder burocrático nas posições de topo do MPF (CSMPF e CCRs). Além disso, reproduziu outro ponto da referida Resolução, sobre a possibilidade de o integrante do MPF realizar acordos em matéria penal. Trata-se do chamado “plea bargain”, de origem norte-americana, o que ao tempo da expedição da Resolução era vedado no ordenamento jurídico brasileiro. Esse acordo criminal prevê uma série de requisitos; o preenchimento deles fica a critério do membro do MPF e de seus superiores (CSMPF e CCRs), e, posteriormente, deverá ser homologado perante o Poder Judiciário.
Na prática, investigações podem ou não ser iniciadas, acordos criminais em matéria eleitoral podem ou não ser celebrados pelos designados, com anuência dos superiores do MPF, e que isso pode coincidir com uma dada conjuntura política e variar conforme o caso concreto. Esse é, no mínimo, um imensurável poder de “barganha” com os agentes políticos do Congresso Nacional, que pode se voltar para a organização pública (MPF) na forma de orçamento, por exemplo, mas, também, em sentido negativo para o sistema político, afastando um candidato de eleições que lidera pesquisas de opinião, e poupar outros, em condições semelhantes.
Não se trata de mera ilação ou tom conspiratório, de fato issues foram negligenciados e uma agenda política foi colocada em prática (SA E SILVA, 2020; ENGELMANN, 2020; LONDERO, 2021), ainda que os estudos assim não se refiram expressamente.17 Não é demais lembrar que, com sucessivas intervenções, a “Lava Jato” minou a coalizão partidária que sustentava o governo federal ao ponto de ser entendida como fundamental no impeachment de Dilma Rousseff e, posteriormente, na eleição de Bolsonaro (AVRITZER; MARONA, 2017; SETZLER, 2020; MARONA; KERCHE, 2021).
No caso da atuação em defesa de direitos (área cível), o controle ocorre pelos órgãos da administração superior do MPF (CSMPF e CCRs). A principal e ainda vigente regulamentação sobre essa atividade é a Lei de Ação Civil Pública (LACP - Lei no 7.343 de 1985) e, de acordo com ela, o MPF pode ajuizar ações civis públicas para defesa de interesses difusos e coletivos (ARANTES, 2019). Nesse aspecto, destaca-se a atividade investigativa que ocorre nos inquéritos civis, antes do ajuizamento da ação. Em relação a isso, enfatizou-se que o inquérito civil representa “um poderoso instrumento de investigação, no curso do qual eles reúnem informações rumo à propositura da ação e, às vezes, utilizam-no como forma de pressão para soluções extrajudiciais dos conflitos” (ARANTES, 2002, p. 73). Contudo, em que consiste essa “forma de pressão”?
Considerando a discussão neste estudo, parece razoável que essa “forma de pressão” pode expressar exercício do poder político, assim como ocorre na instrumentalização dos procedimentos criminais, a depender da conotação que assumam, da conjuntura política e do caso concreto.
Atualmente, os acordos em matéria de corrupção precisam da chancela dos superiores do MPF. Há não muito tempo esses acordos eram vedados pela Lei n. 8.429 de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa, LIA). Foi, novamente, durante a gestão de Rodrigo Janot, com a expedição da Resolução n. 179/2017 do CNMP, que os membros do MP foram autorizados a realizar esses acordos contra a lei vigente (VIEGAS; LOUREIRO; ABRUCIO, no prelo). A situação foi contornada mais uma vez no “Pacote Anticrime”, que reproduziu a Resolução n. 179 do CNMP e alterou a LIA para possibilitar os acordos em corrupção.
Esses eventos que resultaram em mudanças legislativas precisam ser entendidos como resultado de uma mesma luta política, que ampliou o espaço de ação (discricionariedade) dos membros do MP. Uma luta que reforçou o poder daqueles que ocupam e se revezam nas posições de cúpula do MP, já que os acordos autorizados dependem da convalidação pelos superiores posicionados no topo dessa burocracia. E o que este estudo aponta é que a maioria da cúpula do MPF registra atuação política no topo da estrutura da ANPR (presidência, diretores e delegados).18
Como não poderia ser diferente, este estudo possui limitações. De fato, um dos problemas de qualquer pesquisa sobre a face oculta do poder está em demonstrá-la, como reconhecem Bachrach e Baratz (1962, 1963). Mas, eles também salientam que isso não pode ser um impeditivo ao estudo da face menos visível do poder.
Para compreender a agenda da ANPR, ideal que fossem analisadas outras características, além da intensa imbricação entre as posições superiores do MPF e a associação privada. Entre essas características, necessário se faz conhecer os integrantes desses órgãos e o seu perfil (todas as categorias “objetivas” de trajetória que compõem o retrato prosopográfico de órgãos como esses), mas fugiria do escopo do presente trabalho. A ANPR não é um bloco homogêneo e há conhecidos procuradores com atuação progressista na associação, como pode ser citado o caso da sua única mulher presidente, Ela Wiecko (1997-1999).
Outra limitação está em não avançar sobre aspectos ligados à ideologia que cimenta as relações nos contextos MPF/ANPR. A discussão sobre uma terceira face do poder salienta a necessidade de se levar a estrutura social mais a sério, atrelada à discussão sobre a ideologia (LUKES, 2005). A respeito, estudos apontam que uma das principais áreas de interesse de atuação dos membros do MP é o combate à corrupção, em detrimento de áreas sensíveis para a população (SADEK, 1997; LEMGRUBER et al., 2016). Recorda-se que, no caso do MPF, os seus membros são recrutados em um processo seletivo realizado pela própria burocracia, organizado pelo CSMPF, inerente ao que se pode chamar de um processo de reprodução da elite organizacional.
Embora se pressuponham divisões internas na elite dos procuradores e uma disputa pelo poder por diferentes grupos no contexto do MPF e da ANPR, o que também não cabe tratar aqui, ressalta-se que um “tipo de procurador” se mostrou capaz de se organizar para controlar a burocracia pública a partir das posições superiores, e a organização MPF se voltou para combate à corrupção nesse mesmo período, para se referir a apenas uma característica do perfil identificado, que registra trajetória de atuação na luta corporativa (ANPR).
Além disso, se cada integrante do MPF fizesse valer a sua autonomia e fosse movido pelo “voluntarismo político”, como propala a literatura (ARANTES, 2002), o resultado esperado poderia ser uma atuação pulverizada em diferentes temas, não em torno de um. O que não afasta o “voluntarismo político”. Mas este precisa ser pensado como mais um elemento para entender a ação dos membros do MPF.
A constituição de uma agenda política nesse contexto pressupõe hierarquização e reprodução de uma elite organizacional. Não há possibilidade de uma força tarefa como a que desencadeou a “Lava Jato” prosperar por “voluntarismo” dos procuradores e sem concordância dos superiores do MPF. Não se cogita uma agenda anticorrupção, que envolveu afastamentos da carreira para profissionalização no exterior (ENGELMANN; PILAU, 2021), sem anuência das lideranças do MPF/ANPR. Coube a estas autorizar os afastamentos, designar os integrantes da “Lava Jato”, decidir sobre o reforço de servidores especializados em contabilidade e finanças e outros conhecimentos que procuradores não dominam, além de recursos financeiros e estruturais para deslocamentos e viagens internacionais.
Sem anuência das lideranças MPF/ANPR em “situação de comando” não se cogita o desenvolvimento de capacidades estatais voltadas para o combate à corrupção. Portanto, considerando o design do MPF e o poder de suas lideranças no seu contexto, não se cogita uma atuação voltada para o combate à corrupção em determinada conjuntura política e social sem que fossem atendidas as expectativas das lideranças, frisa-se, e sem aderência em termos de valores e de visão de mundo, no contexto da burocracia pública e “fora” dela (ANPR), dada a presença marcante de lideranças MPF/ANPR no poder.
A lealdade dos integrantes do MPF para com a lista tríplice da ANPR verifica-se na composição do CSMPF, CCRs e Corregedoria e sugere como estão definidos os aspectos comportamentais no espaço público, permitindo aventar a hipótese da sobreposição de interesses privados (ANPR) sobre o público (MPF). Em um ambiente hierarquizado, como o que se ressalta aqui, uma atuação que contrarie os interesses da oligarquia dos procuradores do MPF/ANPR pode ser punida com o banimento. Significa estar fora do jogo político no MPF e na ANPR, ou seja, eventualmente fora da ascensão na carreira pelo mérito na burocracia pública, para não dizer da possibilidade de punições e perseguições, muitas destas - perseguições - invisíveis aos olhos dos analistas.
Não se trata apenas de projetos de autonomização e mais poder burocrático. Tampouco é possível vislumbrar a luta por poder por essas lideranças autônoma em relação ao político. A agenda política levada a efeito por aqueles que obtiveram sucesso em governar o MPF nos últimos anos parece vitoriosa para eles próprios e para os que pegaram carona nela, e isso vai muito além do MPF e do sistema de justiça.
Essa agenda caminhou no sentido da eleição de Bolsonaro para a Presidência da República (SA E SILVA, 2020; ENGELMANN, 2020), em sintonia tanto no aspecto conservador do discurso como em relação a um inimigo comum, alvo principal da “Lava Jato”. Nesse aspecto, reside a importância do cálculo político dos “burocratas-políticos” organizados em relação a quem melindrar (seletividade) e quando (timing), expressão da face oculta do poder.
Entre 2003 e 2017, quem presidiu o CNMP registra atuação na presidência da ANPR. Por isso, é importante que se investigue, quanto a esse mesmo período, como se constituíram as nomeações para o CNMP, a ver se reproduz o que se está a assinalar neste estudo: a intensa imbricação do contexto da burocracia pública com a associação de classe. Fato é que o CNMP não criou obstáculos para a “Lava Jato” (KERCHE, OLIVEIRA; COUTO, 2020).
Outras conquistas vieram ligadas à agenda de combate à corrupção. Por exemplo, a tramitação do Projeto de Emenda à CF-88 n. 37 (PEC 37), que buscava limitar a atuação extrajudicial do MP na esfera criminal. A maneira como foi colocada para o público que de início se mobilizava em 2013 por outros motivos (MESSENBERG, 2017; SA E SILVA, 2020; SETZLER, 2020), capitaneou os interesses do MP e fez com que a PEC 37 fosse derrotada e arquivada no Congresso Nacional (ARANTES; MOREIRA, 2019). Nesse ponto, pode ser importante estudar como a mesma agenda encontrou espaço nos meios de comunicação de massa, dada a relevância da comunicação política para a formação da opinião pública (MIGUEL, 2003; FERES JUNIOR; SASSARA, 2016; DAMGAARD, 2018; GOMES; MEDEIROS, 2019), o que não foi objeto deste artigo.
Depois das manifestações de 2013, o poder de investigação dos integrantes do MPF foi reforçado com alterações legislativas em matéria de direito penal e processual penal e na jurisprudência do STF (ampliação do espaço de ação), dando sustentação jurídica para a “Lava Jato”. No curso desta e durante o processo de impeachment de Dilma, os “burocratas-políticos” do MPF mobilizaram milhões de brasileiros em favor de uma mudança legislativa mais ampla, chamada de “10 Medidas”. Nesse caso, contaram com os meios de comunicação de massa e redes sociais, também com organizações da sociedade civil, a exemplo do “Vem Pra Rua” e do “Movimento Brasil Livre” (MBL), e do terceiro setor, como a “Transparência Internacional - Brasil”. A respeito, pode ser importante entender que relação se estabelece entre lideranças MPF/ANPR e setores organizados da sociedade.
Na realidade, a agenda de combate à corrupção materializada na “Lava Jato” operou sobre o sistema político (MARONA; KERCHE, 2021). Evidente que isso tem relação com a autonomia formal do MPF, mas não pode ser compreendido por completo sem considerar o design dessa burocracia e sem traçar os caminhos da política que a cruzam, e um deles se refere à ANPR.
A questão dos caminhos da política que cruzam o MPF se refere à uma dinâmica política com traços pouco democráticos e pouco republicanos. Primeiro, porque os membros do MPF atendem aos seus superiores - no período estudado, lideranças MPF/ANPR - para implementar uma agenda interna, que se volta para o contexto externo, por exemplo, sobre o sistema político, como no caso da “Lava Jato”. Segundo, porque essa mesma agenda foi possível de ser implementada porque um perfil de membros do MPF “específico” que registra luta política corporativa revezou-se no poder no topo da burocracia pública.
Assim, como tratado em um trabalho anterior (VIEGAS, 2020), o processo tanto de oligarquização como de “profissionalização política” dos procuradores tem como elemento constitutivo uma socialização em dois espaços de poder: o primeiro, institucionalizado (MPF), e o segundo, expressão do poder privado (ANPR). Em ambos as lideranças MPF/ANPR parecem suficientemente organizadas e capazes de imprimir uma agenda.
Não se trata de uma perspectiva conspiratória ou que cede de forma pessimista à busca de interesses individuais ou de um grupo por uma pequena elite de poder, enquanto um processo inevitável (DIEFENBACH, 2018). Mas, de um caso paradoxal em que uma organização privada (ANPR) atua dentro da organização pública (MPF). O contexto do MPF apresenta traços antidemocráticos e antirrepublicanos (dinâmica política) e nele se observa uma “situação de comando” que precisa ser entendida como potencialmente privatizante do exercício de poder punitivo e da defesa de direitos.
O que se sabia sobre as associações de classe ligadas ao MP brasileiro se referia ao lobby no Legislativo e Executivo federal (ARANTES, 2002; KERCHE, 2009; ARANTES; MOREIRA, 2019), em prol da escolha do chefe da organização (PGR), aprovação orçamentária e de leis, ou seja, na defesa de interesses corporativos.
A perspectiva do lobby converge com os estudos de elites jurídicas em relação ao processo de institucionalização e de disputas por espaços de ação com outras instituições do sistema de justiça (BONELLI, 2002; ALMEIDA, 2014; ENGELMANN; PILAU, 2021), em que as reconfigurações políticas e corporativas da agenda de combate à corrupção ampliam espaços de ação, resultando em mais poder burocrático em interação com o poder político. No mesmo sentido, as pesquisas sobre o desenvolvimento de capacidades estatais de combate à corrupção no MPF ressaltam a constituição da agenda de poder dos “procuradores políticos” (VILAÇA, 2017; LONDERO, 2021).
No caso das lideranças MPF/ANPR, elas formam um grupo ou coalizão que busca obter controle da burocracia pública. Como exercem poder sobre o comportamento dos integrantes da organização pública, conseguem êxito em relação à agenda, como no caso do combate à corrupção.
Por fim, a ideia de “profissionalização política” aplicada a membros de uma organização pública como o MP não é novidade, a exemplo dos EUA (MILLER; CURRY, 2018). A questão é que, nos EUA, a maior parte dos integrantes do equivalente ao seu MP é eleita pelo voto direto (WRIGHT, LEVINE; GOLD, 2021). Os membros do MPF não podem se filiar a partidos políticos e disputar eleições para cargos no Legislativo e no Executivo. Todavia, na realidade, é preciso reconhecer que as lideranças MPF/ANPR, organizadamente, são capazes de exercer poder político ao instrumentalizar os mecanismos institucionais do MPF, ainda que essa ação não encontre previsão nos estatutos jurídicos.
Considerações finais
Este estudo reafirma a importância de uma análise de elite que leve em consideração o recrutamento, a socialização e a reprodução social para compreender e explicar as mudanças nas estruturas de poder de nível macro no Brasil.
O controle sobre os mecanismos institucionais que conferem o funcionamento concreto do MPF é a chave para compreender como as suas lideranças são capazes de implementar uma agenda política dentro da burocracia pública. Sem precisar abandonar a carreira no MPF, são capazes de exercer poder político a partir do Estado. Como isso envolve, nas três últimas décadas, a presença das lideranças de uma organização privada (ANPR), pode se articular com setores específicos da sociedade para levar a efeito uma agenda privatizante dentro e a partir da estrutura de dominação (MPF).
Em nenhum momento, as mudanças legislativas que decorreram da agenda anticorrupção das lideranças MPF/ANPR e o “excelente” desempenho dos procuradores na “Lava Jato” levaram à democratização da organização pública. Também não inibiram os abusos nessa operação cometidos. Sequer criaram resistência, seja no âmbito do MPF ou do CNMP, para que um dos componentes da “Lava Jato”, o procurador da República Deltan Dallagnol, depois do capital político acumulado a partir do MPF, filiasse-se a um partido político e se lançasse candidato em 2022.
A agenda de combate à corrupção das lideranças MPF/ANPR se refere à luta política de uma elite organizacional, ainda que esta elite não seja um bloco homogêneo e registre clivagens, inclusive ideológicas. Mas fato é que essa agenda conferiu à elite de “procuradores políticos” o controle sobre a estrutura de dominação, que resultou no fortalecimento do poder burocrático. O resultado dessa luta precisa ser entendido como expressão do poder institucionalizado que as lideranças MPF/ANPR converteram em exercício de poder político, cuja face oculta é uma de suas características mais marcantes.
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Este trabalho é fruto do desenvolvimento de reflexões da minha tese de doutorado. Agradeço aos comentários e sugestões de Maria Rita Loureiro, Fernando Abrucio, Adriano Codato e Vanessa Elias de Oliveira. Agradeço, também, aos pareceristas anônimos pelas sugestões à versão atual. Por fim, informo que este trabalho foi realizado com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
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Sobre as vantagens e desvantagens dos métodos “posicional” e “decisional”, conferir: Perissinotto e Codato (2015).
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Banco de dados construído com base em informações que constam do site oficial do MPF e da ANPR, e de pedido de informação junto à PGR/MPF, que retornou com a composição do CSMPF e das CCRs.
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As regras sobre a composição desses órgãos do MPF são apresentadas com base na LC n. 75/93.
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O CSMPF é composto pelo PGR e o vice-PGR (indicado pelo PGR) como membros natos. Além desses dois, compõem o órgão mais quatro subprocuradores-gerais da república (sub-PGRs), eleitos pelo Colégio de Procuradores (todos integrantes da carreira do MPF) e mais quatro sub-PGRs eleitos pelos pares do Colégio dos Sub-PGRs (último nível da carreira).
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Diretoria da Fundação Pedro Jorge, mantida pela ANPR.
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Em analogia ao “tipo de pessoa” de Mills (1956). Em “The Power Elite” (1956), Mills aduz a importância da origem social, da circulação nas altas rodas, enfim, o acúmulo de relações sociais para proporcionar certo tipo de comportamento e “credencial” para aqueles que ocuparão as posições de comando na estrutura social. Nesse sentido, conhecer quem ocupa as posições de mando ajuda a entender etapas de socialização a que são submetidos os indivíduos que traçam estratégias políticas de carreira de ascensão rumo ao topo da organização.
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As CCRs são compostas por três titulares, sub-PGRs, preferencialmente, sendo que um é indicado pelo PGR e outros dois pelo CSMPF, para mandato de dois anos. Também, integram três suplentes, escolhidos de igual forma. No caso dos suplentes, 54% registram passagem pelas posições de topo da ANPR. Considerando titulares e suplentes, 60% registram esse mesmo tipo de passagem pela associação. O início das atividades das CCRs ocorreu em 1998. Os dados da composição das Câmaras foram obtidos via solicitação junto à PGR/MPF em 2019 e confrontados com informações públicas, constantes, inclusive, no site da ANPR em relação às posições ocupadas na associação.
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O corregedor-geral é escolhido pelo PGR entre os sub-PGRs, último nível da carreira do MPF, que integram uma lista tríplice elaborada pelo CSMPF, para exercício de mandato de dois anos, renovável uma vez.
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Nesse ponto, por mais que posições respeitem a critérios objetivos, definidas, por exemplo, pela Resolução n. 104 do CSMPF de 2010, como no caso da atuação perante o STJ por antiguidade entre os Sub-PGRs, diversas posições sensíveis do MPF, politicamente falando, são ocupadas por designados, inclusive junto à Corte Especial do STJ. Esses procuradores são designados pelas lideranças que ocupam o topo da administração, a exemplo dos procuradores da República que assessoram os sub-PGRs que oficiam ao STF, ao TSE e ao STJ.
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Sobre o desenvolvimento de capacidades estatais no âmbito do MPF, conferir Vilaça (2017).
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O combate à corrupção aparece com força na agenda dos organismos internacionais ainda na década de 1990, como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização das Nações Unidas (ONU), Organização dos Estados Americanos (OEA) e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esses mesmos organismos passam a promover uma agenda junto aos governos dos diferentes Estados nacionais (ENGELMMAN; PILAU, 2021; MARONA; KERCHE, 2021). Essa pressão internacional tem a ver com os custos que os índices de percepção de corrupção trazem para os investidores, ou seja, para a segurança na circulação internacional dos capitais (BRATSIS, 2014).
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Lembrando que a governabilidade do MPF pode se voltar contra o interesse público, na defesa dos interesses específicos dos procuradores, que produz uma disfunção (não orientada pelos estatutos jurídicos, mas por regras informais), conforme, por exemplo, uma interdependência de privilégios dos que integram essa carreira (VIEGAS, 2020).
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A depender da dinâmica que confere governabilidade ao MPF, que, eventualmente, pode expressar a sobreposição de interesses privados nesse contexto, o MPF pode funcionar contra os fins estatutários (CF/88), ou seja, contra o interesse público, caracterizando-se, assim, uma disfunção (VIEGAS, 2020).
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As ações dos procuradores designados, atendendo às lideranças da organização, eventualmente para indeferir ou não dar seguimento a denúncias criminais contra agentes políticos, indeferir ou não dar seguimento a denúncias eleitorais, indeferir ou não questionamentos sobre a constitucionalidade de leis e atos administrativos, repercutem na arena político-partidária.
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As revelações trazidas pelas “Vaza Jato” trouxeram um pouco de luz sobre a face oculta do poder no MPF, por exemplo sobre quem “melindrar” publicamente ou não, ou seja, sobre quando se deixa de agir, no sentido de “não-decisão” (BACHRACH; BARATZ, 1962), para beneficiar possíveis aliados políticos dentro e fora da burocracia pública. Para tanto, podem ser instrumentalizados os mecanismos institucionais em certa direção política, e não em outra. Conferir Martins et al. (2019).
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Apenas para se ter ideia do que representa a atividade extrajudicial do MPF, e do que isso significa em termos de poder para suas lideranças, com base nos relatórios do CNMP, foram instaurados mais de 500 mil procedimentos entre 2011 e 2019. No mesmo período, foram arquivados mais de 150 mil desses procedimentos perante as CCRs. Neles, foram celebrados milhares de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) e expedidas mais de 30 mil recomendações administrativas, muitos deles em matéria eleitoral e corrupção. Vide relatórios do CNMP do período, disponíveis no endereço eletrônico deste Conselho.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
04 Nov 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
13 Jan 2022 -
Aceito
06 Set 2022