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(Re) pensando a dependência latino-americana: Atlas Network e institutos parceiros no governo Bolsonaro

(Re)Thinking Latin American Dependency: Atlas Network and partner institutes in Bolsonaro’s Government

Resumo:

A partir de uma abordagem neogramsciana que privilegia o papel da hegemonia e da manutenção da dependência por meio do consentimento, esse trabalho trata de um esforço para a compreensão da atuação de institutos liberais brasileiros parceiros da estadunidense Rede Atlas e seu papel na difusão das ideias no governo brasileiro. Mais especificamente, busca-se compreender como que se dá a triangulação entre Atlas, institutos liberais brasileiros e dirigentes econômicos no contexto do governo Jair Bolsonaro. Para isso, foram coletados dados primários e condensados em gráficos e figuras em NodeXL e Excel. Como resultado, percebemos a Atlas como ferramenta de manutenção hegemônica estadunidense no Brasil que atua por meio de práticas político-pedagógicas impactando na institucionalização do projeto neoliberal.

Palavras-chave:
Rede Atlas; hegemonia; institutos liberais; Jair Bolsonaro; dependência

Abstract:

This study seeks to understand the role of Brazilian liberal institutes that are partners of the U.S.-based Atlas Network in the diffusion of ideas within the Brazilian government. The study is based on a neo-Gramscian theoretical perspective that emphasizes the role of hegemony and of the maintenance of dependency through the production of consent. More specifically, it aims to comprehend how the relationship between Atlas, Brazilian liberal institutes, and economic leaders is organized within Jair Bolsonaro’s government. To do so, we collected primary data that were condensed in graphics and images in NodeXL and Excel. We find that Atlas operates as tool for maintaining U.S. hegemony in Brazil through political-pedagogical practices that promote the institutionalization of the neoliberal project.

Keywords:
Atlas Network; hegemony; liberal institutes; Jair Bolsonaro; dependency

Introdução

Ao longo dos últimos anos, uma série de institutos liberais espalhados pela América Latina (AL) desenvolvem atividades para a criação de consentimento visando converter suas proposições particulares em defesa do livre mercado em proposições públicas na política doméstica desses países. A partir de uma suposta legitimidade “técnica” desses institutos, seus dirigentes atuam direta ou indiretamente no Executivo e Legislativo desses países. Um importante elo que sustenta e articula grande parte dos institutos liberais latino-americanos consiste na vinculação destes com o instituto neoliberal4 4 O neoliberalismo aqui é definido como um sistema normativo que possui influência na política econômica e nas relações sociais (DARDOT; LAVAL, 2016). estadunidense, Atlas Network (ou, Atlas Economic Research Foundation). A Atlas se configura como uma espécie de guarda-chuva voltado a orientar a criação e a manutenção de institutos neoliberais “parceiros”. Criado em 1981, esse instituto possui como finalidade “fortalecer uma rede global de organizações independentes da sociedade civil, que promovam a liberdade individual e removam as barreiras ao desenvolvimento humano” (ATLAS NETWORK, 2020aATLAS NETWORK. Our Story. 2020a. Disponível em: Disponível em: http://web.archive.org/web/20200413215257/https://www.atlasnetwork.org/about/our-story Acesso em: 12 jan. 2020.
http://web.archive.org/web/2020041321525...
, tradução nossa). Na hodiernidade, ele possui 470 institutos parceiros em 97 países distribuídos pelo globo. Só na América Latina e Caribe são 100 parceiros.

Embora a Atlas se apresente formalmente como uma organização privada, apartidária e apolítica; observa-se que boa parte de seus recursos financeiros advém do Departamento de Estado dos Estados Unidos e, mais especificamente, de organismos como o National Endowment for Democracy (NED) e o Center for International Private Enterprise (CIPE). Essas duas últimas organizações são criações governamentais estadunidenses e repassam recursos públicos para a Atlas e seus institutos parceiros partindo da premissa de que se o dinheiro público for filtrado por um número suficiente de camadas burocráticas, transforma-se em financiamento “privado” (CONRY, 1993 apud GUILHOT, 2003GUILHOT, Nicolas. Os profissionais da democracia em ação. In: LINS, Daniel; WACQUANT, Loïc (orgs.). Repensar os Estados Unidos: por uma sociologia do superpoder. Campinas: Papirus, 2003. p. 209-238.).

Na América Latina, a Atlas vem atuando com o objetivo de influenciar na implementação de agendas econômicas e no curso das mudanças políticas. A exemplo, desde 1998, o Cedice-Libertad (parceiro da Atlas na Venezuela), vem canalizando recursos advindos do NED e do CIPE para promoção de estratégias que visam desestabilizar governos e movimentos considerados de esquerda naquele país (GOLLINGER, 2005GOLLINGER, Eva. O código Chávez. Caracas: Monte Ávila Editores, 2005.). Em relação ao Brasil, há que se considerar a relação do Movimento Brasil Livre (MBL) com a Atlas e o papel desempenhado pelo grupo no impeachment da então presidenta Dilma Rousseff (AHARONIAN; RANGEL, 2018AHARONIAN, Aram; RANGEL, Álvaro. Rede Atlas: A força-tarefa dos “Libertários de Ultra-Direita” por uma ofensa capitalista na América Latina. Carta Maior, 17 ago. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Antifascismo/Rede-Atlas-a-forca-tarefa-dos-libertarios-de-ultradireita-por-tras-da-ofensiva-capitalista-na-America-Latina/47/41429 Acesso em: 22 jul. 2019.
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; FANG, 2017FANG, Lee. Esferas de influência. The Intercept, 11 ago. 2017. Disponível em: Disponível em: https://theintercept.com/2017/08/11/esfera-de-influencia-como-os-libertarios-americanos-estao-reinventando-a-politica-latino-americana/ Acesso em 12 jan. 2018.
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). A importância da América Latina é atestada, ainda, com a criação do primeiro centro regional da Atlas, em 2018. O Atlas Network’s Center for Latin America busca ser o elo de apoio e sustentação de uma frente dedicada à defesa e à promoção do neoliberalismo nos países da região. Para alcançar seus objetivos, o Centro atua destinando recursos financeiros, treinamentos e demais suportes para promover e aproximar institutos e indivíduos comprometidos em transformar, por meio dos preceitos neoliberais, os rumos econômicos e políticos da AL.

A partir de uma leitura teórica que privilegia o papel das ideias na manutenção da dependência, optou-se aqui por vincular as contribuições advindas da Teoria Marxista da Dependência (BAMBIRRA, 1978BAMBIRRA, Vânia. Teoría de la dependencia: una anticrítica. Cidade do México: Popular Era, 1978.; 2013BAMBIRRA, Vânia. O capitalismo dependente latino-americano. Florianópolis: Insular, 2013.; MARINI, 1973MARINI, Ruy Mauro. Dialética dela dependencia. México: Nueva Era, 1973.; DOS SANTOS, 1986DOS SANTOS, Theotônio. Imperialismo y dependencia. México: Era, 1986.; 1998DOS SANTOS, Theotônio La teoría de la dependencia: un balance histórico y teórico. In: SEGRERA, F. Los retos de la globalización: ensayos en homenaje a Theotônio dos Santos. Caracas: UNESCO, 1998. p. 93-151.; 2002DOS SANTOS, Theotônio. Teoría de la dependência: balance y perspectivas. México: Plaza y Janés, 2002.) em conjunto com os conceitos edificados por lentes neogramscianas (COX, 1981COX, Robert. Social forces, states and world orders: beyond international relations theory. Millenium. v. 10, n. 2, p. 126-155, 1981.; 1993COX, Robert. Gramsci, hegemony and international relations: an essay in method. In: GILL, Stephen (ed.). Gramsci, historical materialism and international relations. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. p. 49-66.; GILL, 2008GILL, Stephen. Power and resistance in the new world order. New York: Palgrave Macmillan, 2008.; GILL; LAW, 1993GILL, Stephen; LAW, David. Global hegemony and the structural power of capital. In: GILL, Stephen (ed.). Gramsci, historical materialism and international relations. Cambridge: Cambridge University Press, 1993.; VAN DER PIJL, 2005VAN DER PIJL, Kees. Transnational classes and international relations. Londres: Routledge, 2005.; SKLAIR, 2009SKLAIR, Leslie. The transnational capitalist class: theory and empirical research. Berlin: Duncker & Humblot, 2009.). A partir desta opção teórica, entende-se que visões de mundo e agendas políticas estão ligados e circunscritos por determinados contextos históricos e interesses específicos, sendo necessário (re)pensar o subdesenvolvimento a partir da recriação de estruturas de pensamento que levem em consideração as particularidades da periferia. Como destaca Robert Cox (1981)COX, Robert. Social forces, states and world orders: beyond international relations theory. Millenium. v. 10, n. 2, p. 126-155, 1981., toda teoria é desenvolvida para alguém e tem algum propósito. Nesse sentido, compreende-se que a produção de conhecimento advinda do centro se encontra ancorada em uma dada lógica de domínio, tanto em termos materiais como de conhecimento produzido. Desse modo, se torna necessário levar em consideração as singularidades históricas, geográficas, políticas, econômicas e sociais, buscando romper com uma dependência teórico-estrutural no âmbito das Relações Internacionais (RI) latino-americanas frente aos Estados Unidos (EUA), assim como com uma dependência de práticas e políticas econômicas na região.

Nesse sentido, a hegemonia estadunidense se apresenta a partir de estruturas cada vez mais extensíveis e interconectadas, não limitando-se ao uso de recursos materiais e coercitivos, mas privilegiando o uso de instituições sociais e da produção de ideias como um meio de legitimar seu domínio e direção (COX, 1981COX, Robert. Social forces, states and world orders: beyond international relations theory. Millenium. v. 10, n. 2, p. 126-155, 1981.; 1993COX, Robert. Gramsci, hegemony and international relations: an essay in method. In: GILL, Stephen (ed.). Gramsci, historical materialism and international relations. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. p. 49-66.). A partir deste quadro, os Estados Unidos promovem uma verdadeira institucionalização de estruturas hierárquicas que contribuem diretamente para a disseminação de uma agenda que contempla os seus interesses e os propaga enquanto universais. Dentro destes esforços, o neoliberalismo representa uma dimensão fundamental na propagação e na preservação da hegemonia estadunidense. Como observa Vanaik,

A expansão política dos Estados Unidos também pretende expandir o neoliberalismo. E expandir o neoliberalismo promove e ajuda a estabilizar o projeto de consolidação da hegemonia política estadunidense em todo o mundo mediante o recrutamento de grupos de adeptos que se beneficiam materialmente com tal expansão (2010, p. 12).

Imerso nessa conjuntura, observa-se a proliferação de institutos neoliberais, como é o caso da Atlas Network e seus congêneres latino-americanos. Por meio destes espaços, visualiza-se uma série de esforços que visam produzir e comercializar informações e políticas que possam penetrar no âmbito de governos, sendo seus projetos financiados por departamentos governamentais, corporações transnacionais e capitalistas privados (SKLAIR, 2009SKLAIR, Leslie. The transnational capitalist class: theory and empirical research. Berlin: Duncker & Humblot, 2009.). Partindo-se do exemplo dos institutos parceiros da Atlas no Brasil, é possível observar o impacto desta rede na conjuntura nacional conforme citação do presidente do Centro para a América Latina da Atlas:

Jair Bolsonaro ganhou a presidência do Brasil usando uma fórmula populista clássica - e com retórica feia que não conquista fãs entre a comunidade liberal clássica. Para seu crédito, no entanto, sua equipe econômica tem sido excelente no avanço da reforma da previdência, desencadeando o crescimento econômico por meio da desregulamentação e privatizando a Eletrobrás, a maior empresa de serviços públicos da América Latina. Parte do crédito vai para instituições como o Instituto de Estudos Empresariais (IEE), que desenvolveu tantos especialistas no mercado livre que agora desempenham papéis influentes na sociedade brasileira (ATLAS NETWORK’S CENTER FOR LATIN AMERICA, 2019ATLAS NETWORK. Atlas Network’s Center for Latin America - Annual Report 2019. 2019. Disponível em: Disponível em: http://web.archive.org/web/20210825004256/https://www.atlasnetwork.org/assets/uploads/misc/CLA-Annual-Report-2019-web.pdf Acesso em 08 set. 2019.
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, p. 4).

Os institutos liberais parceiros da Atlas na América Latina são utilizados enquanto espaços capazes de promover seus dirigentes na esfera política e, desse modo, influenciar na proposição de legislações que coadunam com os seus interesses hegemônicos. Nesse sentido, o objetivo dessa pesquisa é o de apresentar como que se dá a triangulação entre Atlas x institutos liberais x dirigentes econômicos no contexto brasileiro e como essa triangulação opera no âmbito político. Em síntese, trata-se de um esforço que visa compreender o movimento cristalizado na forma dos institutos liberais parceiros da rede Atlas no Brasil e seu papel na difusão das ideias atreladas a uma classe econômica dominante elucidando, desse modo, a ascensão de seus dirigentes no governo de Jair Bolsonaro e, mais especificamente, na sua equipe econômica. Implícita ou explicitamente, buscamos apresentar como institutos liberais e a promoção de seus dirigentes a quadros na política contribuem na produção de um consentimento neoliberal benéfico para a manutenção hegemônica estadunidense.

Entende-se que a Atlas, a partir de seus institutos parceiros, contribui diretamente para a manutenção de uma dependência que se opera não só a partir de estratégias de coerção, mas também de consentimento. Dentro disso, concebe-se a rede Atlas enquanto um mecanismo indireto de manutenção da hegemonia estadunidense na América Latina que, ao receber recursos advindos de Washington mediante organismos como o NED e o CIPE, desenvolve uma ampla gama de práticas político-pedagógicas que impactam diretamente os rumos políticos na região em prol da institucionalização de projeto neoliberal estadunidense.

A pesquisa contou com o uso de dados empíricos para sustentar a dimensão teórica apresentada. Nesse sentido, buscamos analisar o papel desempenhado pela Atlas e suas formas de arrecadação e financiamento, assim como o quadro de ascensão dos institutos liberais no Brasil e seus reflexos na conformação da equipe do governo Bolsonaro. Para isso, optou-se pela criação de uma base de dados em relação às trajetórias dos dirigentes de institutos liberais parceiros da Atlas com atuação nesse governo, utilizando informações disponibilizadas em suas biografias. Esse conjunto de informações foram condensadas em figuras realizadas através do software NodeXL buscando apresentar essas redes de relacionamento. Além disso, examinou-se uma série de documentos primários que vão desde os relatórios anuais das instituições até os Formulários 9905 5 O Formulário 990 é documento do Serviço de Receita Federal dos Estados Unidos (Internal Revenue Service) que congrega as informações financeiras de organizações sem fins lucrativos. referentes a Atlas (2020b)ATLAS NETWORK. Formulários 990. 2020b. Disponível em: Disponível em: https://www.atlasnetwork.org/financials Acesso em: 24 set. 2020.
https://www.atlasnetwork.org/financials...
, ao NED (2021)NED - National Endowment for Democracy. Formulários 990. 2021. Disponível em: Disponível em: https://projects.propublica.org/nonprofits/organizations/521344831 Acesso em: 03 mar. 2021.
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e ao CIPE (2021)CIPE - Center for International Private Enterprise. Formulários 990. 2021. Disponível em: Disponível em: https://projects.propublica.org/nonprofits/organizations/521398742 Acesso em: 03 mar. 2021.
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.

Por fim, por meio deste estudo, busca-se contribuir para uma literatura já posta acerca dos institutos liberais que se encontram em campos de conhecimento como Ciências Sociais, História e Ciência Política (GROS, 2003GROS, Denise. Institutos liberais e neoliberalismo no Brasil da Nova República. Porto Alegre: FEE, 2003.; CASIMIRO, 2016CASIMIRO, Flávio. A nova direita no Brasil: aparelhos de ação político-ideológica e a atualização das estratégias de dominação burguesa. Tese (Doutorado em História), Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2016.; BAGGIO, 2016BAGGIO, Katia. Conexões ultraliberais nas Américas. In: Encontro Internacional da ANPHLAC, 12., Campo Grande. Anais [...] Campo Grande, 2016.; ROCHA, 2018ROCHA, Camila. “Menos Marx, mais Mises”: uma gênese da nova direita brasileira (2006-2018). 2018. 233f. Tese (Doutorado em Ciência Política). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.; FRIDERICHS, 2019FRIDERICHS, Lidiane. A atuação política dos think tanks neoliberais brasileiros e argentinos: os casos do Instituto Liberal, do Instituto de Estudos Empresariais e do Instituto para el Desarrollo Empresarial de la Argentina (1983-1998) . 2019. 300f. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2019.), acrescida agora de uma análise que contemple conceitos como a própria construção de hegemonia, periferia e subordinação. Ademais, mediante essa pesquisa buscamos (re)pensar a dependência latino-americana para além de uma noção economicista e concentrada em causas materiais, mas levando em consideração o papel de práticas de consenso que são transmitidas por intermédio desses institutos.

Assim, dada a preponderância do domínio intelectual e seu papel desempenhado para conservação da hegemonia estadunidense, torna-se singular retomar as rédeas da nossa própria história, estudar soluções para os nossos próprios problemas entendendo todo um conjunto de práticas e ideias que condicionam o nosso próprio desenvolvimento. Nesse sentido, busca-se promover através deste estudo um resgate acerca das contribuições da Teoria da Dependência (TD), dentro da sua perspectiva marxista (BAMBIRRA, 1978BAMBIRRA, Vânia. Teoría de la dependencia: una anticrítica. Cidade do México: Popular Era, 1978.; 2013BAMBIRRA, Vânia. O capitalismo dependente latino-americano. Florianópolis: Insular, 2013.; MARINI, 1973MARINI, Ruy Mauro. Dialética dela dependencia. México: Nueva Era, 1973.; DOS SANTOS, 1986DOS SANTOS, Theotônio. Imperialismo y dependencia. México: Era, 1986.; 1998DOS SANTOS, Theotônio La teoría de la dependencia: un balance histórico y teórico. In: SEGRERA, F. Los retos de la globalización: ensayos en homenaje a Theotônio dos Santos. Caracas: UNESCO, 1998. p. 93-151.; 2002DOS SANTOS, Theotônio. Teoría de la dependência: balance y perspectivas. México: Plaza y Janés, 2002.), em consonância com os conceitos edificados por Antônio Gramsci, visando compreender o domínio estadunidense que leve em consideração o poder desempenhado pelas ideias.

Por fim, buscamos aqui evitar a utilização de termos de difícil aplicação e precisão conceitual como “direita” ou “extrema direita” contemporânea. O uso de institutos para divulgação de uma determinada agenda neoliberal não é recente. Tampouco podemos relacionar a agenda neoliberal única e exclusivamente a uma suposta “direita” (vale lembrar que um dos maiores retrocessos em termos de desregulamentação e de estado de bem-estar social nos EUA foi realizado no governo Democrata de Bill Clinton). Recentemente, alguns autores vêm realizando estudos baseados na relação entre o papel das ideias e a manutenção da estrutura capitalista (PIKETTY, 2020PIKETTY, Thomas. Capital e ideologia. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.; BORON, 2021BORON, Atilio. O feiticeiro da tribo. São Paulo: Autonomia Literária, 2021.; BLYTH, 2020BLYTH, Mark. Austeridade: a história de uma ideia perigosa. São Paulo: Autonomia Literária, 2020.; ALPEROVITZ; DALY, 2010ALPEROVITZ, Gar; DALY, Lew. Apropriação indébita. São Paulo: Senac, 2010.), assim como a partir de uma dimensão gramsciana a englobar uma forma contemporânea de “extrema direita” (BURIAN; SANAHUJA, 2020BURIAN, Camilo; SANAHUJA, Jose Antonio. La nueva extrema derecha neopatriota latinoamericana: el internacionalismo reaccionario y su desafio al orden liberal internacional. Conjuntura Austral, v. 11, n. 55, jul./set. 2020.). No entanto, como buscamos deixar claro na nossa pesquisa, não consideramos a Atlas Network como sintoma ou consequência da ascensão de uma suposta “direita” contemporânea. É, assim, estratégia antiga e previsível utilizada por uma classe social dominante nos EUA que tem apoio das classes dominantes latino-americanas para difundir uma agenda neoliberal que lhes é de seu interesse em termos de manutenção de privilégios materiais e de hegemonia.

O Neoliberalismo como instrumento de dependência

Resposta ao modelo keynesiano de bem-estar social, o neoliberalismo marcou a renovação do liberalismo clássico que passou a ter como principal função restaurar o mercado (GONZALBO, 2015GONZALBO, F. Historia mínima del neoliberalismo. México: Colegio de México, 2015.). Nesse sentido, o Colóquio Walter Lippmann foi um primeiro passo e “a primeira tentativa de criação de uma ‘internacional’ neoliberal que se prolongou em outros organismos” (DARDOT; LAVAL, 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Editora Boitempo, 2016., p. 70). Na esteira do Colóquio, em 1947, Hayek funda a Sociedade Mont Pélerin (SMP), fruto de um trabalho que contou com financiamento de grandes empresários e adesão de acadêmicos. Essa nova sociedade, uma organização exclusiva de ortodoxia ideológica, buscava cultivar determinados padrões de julgamento e moralidade e desenvolver uma filosofia de liberdade que fosse uma alternativa às ideias de bem-estar social dominantes. Pautado na premissa de que o livre mercado é um sistema perfeito, na necessidade de se sobrepor às “más ideias” keynesianas e realizar uma contrarrevolução ideológica, o projeto de Hayek (primeiro presidente da Sociedade) estava embasado em:

Reunir uma elite de pensadores com ideias semelhantes, cuidadosamente escolhidos, e mantê-los fora dos holofotes - para não atrair muita atenção. Essa elite, a Sociedade Mont Pélerin, seria o coração de uma estrutura muito maior, que incluiria faculdades e departamentos acadêmicos em várias universidades, como a Escola de Economia da Universidade de Chicago, para começar, e em um círculo externo, para colocá-lo assim, de forma muito mais visível, um amplo sistema de centros de estudos, centros de documentação e análise, consultorias, fundações, dedicados à difusão das ideias neoliberais (GONZALBO, 2015GONZALBO, F. Historia mínima del neoliberalismo. México: Colegio de México, 2015., p. 31).

Os planos e as necessidades da escola neoliberal dependiam não só do apoio financeiro dos detentores do capital, mas também dos centros de estudos e institutos criados com a intenção de difundir esse sistema de ideias. Essa difusão se dava por meio da elaboração de doutrinas, argumentos, programas políticos e econômicos na sociedade visando alcançar um sentimento de representatividade. É seguindo essa estratégia de substituições de ideias que o movimento neoliberal foi construindo credibilidade e uma agenda política contrária ao estado de bem-estar social. A SMP expandiu o seu alcance intelectual ao passo que organizou uma rede global de instituições - mais tarde comandada pela Atlas - comprometida em disseminar o ideário neoliberal (CARROLL; SAPINSKI, 2016CARROLL, William; SAPINSKI, Jean. Neoliberalism and the transnational capitalist class. In: SPRINGER, Simon; BIRCH, Kean; MACLEACY, Julie. The handbook of neoliberalism. London: Routledge, 2016.). Com o passar dos anos e com a internacionalização das estratégias desenvolvidas pela Sociedade em conjunto com aqueles centros de conhecimento originados por seus intelectuais, o ideário neoliberal passa a ser visto não apenas enquanto uma contraofensiva, mas agora como uma alternativa ao modelo vigente e sob a égide de um projeto político.

Na América Latina, a implementação do projeto neoliberal pode ser analisada a partir do governo de Augusto Pinochet no Chile (ANDERSON, 1995ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1995. p. 9-23.; HARVEY, 2011HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Loyola, 2011.; GONZALBO, 2015GONZALBO, F. Historia mínima del neoliberalismo. México: Colegio de México, 2015.). O golpe que destituiu Salvador Allende e instaurou uma ditadura militar no país representava os anseios e as ideias neoliberais que acabaram por marcar toda uma história na América Latina. No entanto, o processo de transformação de um país como o Chile em laboratório ideológico neoliberal se iniciou antes da efetivação do golpe e esse processo viria se completar muito tempo depois (GONZALBO, 2015GONZALBO, F. Historia mínima del neoliberalismo. México: Colegio de México, 2015.). O ponto de partida se deu nos anos 1950 quando o governo dos Estados Unidos organizou e financiou programas de bolsas que visavam a modernização dos estudos econômicos na América Latina. Como parte deste programa e base fundamental para a criação do laboratório neoliberal no Chile, realizou-se um acordo entre a Universidad Católica de Chile e o Departamento de Economia da Universidade de Chicago visando promover o intercâmbio de estudantes e da ideologia neoliberal que dominava os estudos da Escola de Chicago comandada por Milton Friedman. Como destaca Klein, “o plano original era simples: o governo dos Estados Unidos financiaria estudantes chilenos para aprender economia na mais reconhecidamente antivermelha escola do mundo - a Universidade de Chicago” (KLEIN, 2008KLEIN, Naomi. A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008., p. 46). O programa foi oficialmente lançado no ano de 1956 e esteve em funcionamento de 1957 a 1970, financiando estudantes chilenos e, posteriormente, argentinos, brasileiros e mexicanos. No entanto, esse programa possuía uma diferença em comparação aos demais programas de estudos no país:

O que diferenciava esse plano dos outros programas de treinamento que os estudantes latino-americanos faziam nos Estados Unidos, e que eram muitos, era o seu caráter ideológico indisfarçado. Ao escolher Chicago para treinar os chilenos - uma escola na qual os professores pregavam o mais completo desmantelamento dos governos com um enfoque unilateral -, o Departamento de Estado norte-americano dava um tiro de advertência em sua guerra contra o desenvolvimentismo, dizendo efetivamente para os chilenos que o governo dos Estados Unidos tinha decidido quais eram as ideias que seus estudantes mais qualificados deveriam e não deveriam aprender (KLEIN, 2008KLEIN, Naomi. A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008., p. 46).

Os “Chicago boys” demonstravam sua crença no ideário neoliberal e, com apoio financeiro da US Agency for International Development (USAID), tornaram-se uma espécie de missionários dessa visão de mundo desenvolvendo uma luta de ideias e um clima favorável para aplicação das mesmas. Esse processo atestou a pretensão por trás do programa, ou seja, “o objetivo do Projeto Chile era produzir guerreiros ideológicos capazes de vencer a batalha de ideias contra os economistas ‘vermelhos’ da América Latina” (KLEIN, 2008KLEIN, Naomi. A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008., p. 46). Com Pinochet, os “Chicago boys” ascendem ocupando cargos no governo e produzem as novas diretrizes econômicas do país. Como destaca Klein,

As propostas do documento final exibiam uma semelhança impressionante com aquelas encontradas no livro de Milton Friedman intitulado Capitalismo e liberdade: privatização, desregulamentação e cortes nos gastos sociais - a trindade do livre mercado. Os economistas chilenos treinados nos Estados Unidos tentaram implementar essas ideias pacificamente, dentro dos limites do debate democrático, mas foram rechaçados de forma esmagadora. Agora, os Garotos de Chicago e seus planos estavam de volta, num clima muito mais condizente com sua visão radical (2008, p. 59).

O Chile se converteu em um laboratório para os economistas neoliberais e, ainda, para a Sociedade Mont Pélerin que acompanhava de perto a aplicação das “leis naturais” da economia. O neoliberalismo chileno era traduzido para o mundo como um exemplo a ser seguido: os “Chicago Boys” eram os responsáveis pelo sucesso do novo modelo econômico chileno. A consolidação do neoliberalismo foi levada a cabo por intermédio de uma série de atividades e estratégias promovidas ativamente e conscientemente por um grupo de intelectuais que encontraram no Chile, e no regime autoritário de Pinochet, o lugar por excelência para implementação dos preceitos neoliberais enquanto projeto hegemônico. De fato, a construção e aplicação do neoliberalismo foi promovida e pensada para viabilizar as necessidades de um seleto grupo. No entanto, para aplicação prática do modelo na periferia do sistema internacional seria preciso o uso da força, como no caso chileno, ou do consenso, como seria o caso do Consenso de Washington. Com o fim dos regimes militares na América Latina, restou a segunda opção.

Cunhado em 1989 em uma conferência do estadunidense Institute for International Economics (WILLIAMSON, 2008WILLIAMSON, J. A short history of the Washington Consensus. In: SERRA, Narcís; STIGLITZ, Joseph. The Washington Consensus reconsidered: towards a new global governance. Londres: Oxford University Press, 2008.), o “Consenso de Washington” representava “um consenso para liberalização e globalização, e não um consenso para crescimento equitativo e desenvolvimento sustentável” (SERRA; SPIEGEL; STIGLITZ, 2008SERRA, Narcís; SPIEGEL, Shari; STIGLITZ, Joseph. Introduction: from the Washington Consensus towards a new global governance. In: SERRA, Narcís; STIGLITZ, Joseph. The Washington Consensus reconsidered: towards a new global governance. Londres: Oxford University Press, 2008., p. 6). O projeto possuía determinadas metas a serem adotadas ao passo que pregava a liberalização do mercado e do sistema financeiro, a fixação dos preços pelo mercado, o fim da inflação e a privatização de instituições públicas. O que torna relevante para o processo de desenvolvimento e a manutenção de condições de subdesenvolvimento, concentra-se na questão de que o Consenso de Washington não representava e nem foi pensado e estruturado para gerar desenvolvimento social, equidade ou ascensão dos países mais pobres. Pensado e criado pelos “senhores” do mercado, o seu objetivo era impulsionar o livre mercado, gerar lucros aos seus arquitetos e ainda fornecer poder político e ingerência internacional. Como expressa Noam Chomsky:

Os ‘grandes arquitetos’ do Consenso [neoliberal] de Washington são os senhores da economia privada, em geral empresas gigantescas que controlam a maior parte da economia internacional e têm meios de ditar a formulação de políticas e a estruturação do pensamento e da opinião (2002, p. 9).

Além desses “senhores da economia privada”, o Consenso também contou com a ajuda do governo dos Estados Unidos na sua formulação e implementação. O programa era um conjunto de pontos de vista sobre estratégias neoliberais de desenvolvimento que estavam associadas às instituições de Washington - FMI, Banco Mundial e OMC - e ao Tesouro dos EUA (SERRA; SPIEGEL; STIGLITZ, 2008SERRA, Narcís; SPIEGEL, Shari; STIGLITZ, Joseph. Introduction: from the Washington Consensus towards a new global governance. In: SERRA, Narcís; STIGLITZ, Joseph. The Washington Consensus reconsidered: towards a new global governance. Londres: Oxford University Press, 2008.). A junção do governo estadunidense com os think tanks corroborou para a implementação de uma hegemonia que se encontra embasada dentro de um discurso ideológico que gera consentimento, como é o caso do instituto núcleo difusor do pensamento neoliberal a partir dos anos 1990, a Atlas Network.

O uso de conceitos e ideias criados pelo centro e importados pela periferia, como é o caso da agenda neoliberal, pressupõe e reproduz a manutenção de condições de dependência no sistema internacional. Nossa leitura teórica propõe uma alternativa que foge do domínio acadêmico estadunidense no campo das Relações Internacionais já reconhecido por determinada literatura (HOFFMANN, 1977HOFFMANN, Stanley. An American social science: international relations. Daedalus, v. 106, n. 3, p. 41-60, 1977.; TICKNER, 2003TICKNER, Arlene. Ouvindo vozes da América Latina em estudos de relações internacionais. International Studies Perspectives, v. 4, ed. 4, p. 325-350, 2003.; ACHARYA; BUZAN, 2010ACHARYA, Amitav; BUZAN, Barry. Non-western international relations theory: perspectives on and beyond Asia. Londres: Routledge, 2010.; TICKNER; INOUE, 2016TICKNER, Arlene; INOUE, Cynthia. Many Worlds, Many Theories?. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 59, n. 2, p. 1-4, 2016.; VILLA et al., 2017VILLA, Rafael Antonio Duarte et al. Comunidades de relações internacionais na América Latina: uma análise das tendências a partir do TRIP 2014. Carta Internacional, v. 12, n. 1, p. 224-256, 2017.) vinculando teoria com a empiria de uma pesquisa que pretende apontar a continuidade de uma dependência econômica e intelectual da América Latina em relação ao centro dominante.

Uma característica marcante da Teoria da Dependência é que, para além de ser uma primeira teoria criada a partir de autores e conceitos latino-americanos para explicar as Relações Internacionais e as condições de subdesenvolvimento, não possui uma uniformidade teórica e metodológica.6 6 Críticas ao caráter plural e da falta de homogeneização associadas a essa teoria foram recorrentes. Um dos mais importantes críticos marxistas da TD foi Augustín Cueva que criticava o desenvolvimento associado proposto pela corrente Cardoso-Faletto, assim como alguns postulados da corrente marxista evidenciando a necessidade de uma maior homogeneização das correntes dependentistas (KATZ, 2020). Compartilhamos aqui a visão de duas vertentes exposta por Adrián Sotelo Valencia (2017)VALENCIA, Adrián Sotelo. Sub-imperialism revisited: dependency theory in the thought of Ruy Mauro Marini. Leiden: Brill, 2017. e Carlos Eduardo Martins (2011)MARTINS, Carlos Eduardo. Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2011. na qual a primeira vertente dependentista seria a reformista e social-democrata liderada por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto enquanto a segunda vertente seria a marxista liderada por Theotonio dos Santos, Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra, entre outros. Nossa leitura aqui é feita a partir dessa última vertente.

Tomando a dependência como objeto central dos seus estudos, os teóricos dependentistas marxistas caracterizam a mesma como um fator condicionante do desenvolvimento e gerador de relações de subordinação. “A situação de dependência do sistema capitalista mundial (que se manifesta historicamente através da dependência em relação a um centro hegemônico) é uma situação condicionante do desenvolvimento das sociedades latino-americanas” (BAMBIRRA, 2013BAMBIRRA, Vânia. O capitalismo dependente latino-americano. Florianópolis: Insular, 2013., p. 40), onde as relações de produção dos subordinados são modificadas e até recriadas com o intuito de assegurar a manutenção de um status quo hegemônico.

Entendendo o caráter condicional da dependência, apontamos que a mesma está fundada na integração desigual ao mercado mundial, componente primordial do atual sistema capitalista. É por meio da Divisão Internacional do Trabalho (DIT), estabelecida pela hegemonia controladora do sistema capitalista, que são acarretadas consequências que condicionam o não desenvolvimento dos países da AL entre elas a deterioração dos termos de troca, a superexploração do trabalho e a dependência ao capital estrangeiro. Seguindo o exposto, os teóricos dependentistas analisam que o desenvolvimento do sistema capitalista estabeleceu uma DIT hierarquizada e construída por classes e grupos sociais divergentes que se articulam em prol de seus interesses materiais (MARTINS, 2011MARTINS, Carlos Eduardo. Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2011.). De forma primordial, a DIT é responsável por realizar uma separação hierárquica onde os países subdesenvolvidos são responsáveis pela produção de produtos de baixo valor agregado e fadados ao eterno trabalho de exportadores de produtos primários. Em contraponto, os países desenvolvidos, sob o predomínio de grandes corporações e detentores de saber tecnológico, produzem produtos de alto valor agregado. Nesse sentido, a dependência se configura como uma situação na qual um certo grupo de países possui sua economia condicionada pelo desenvolvimento e expansão de outra economia o que leva a um sistema global em que os países dependentes se situam em atraso e subjugados à exploração dos países dominantes (DOS SANTOS, 1986DOS SANTOS, Theotônio. Imperialismo y dependencia. México: Era, 1986.).7 7 A Teoria da Dependência influenciou autores como Immanuel Wallerstein e Samir Amin e mesmo uma corrente teórica nas Relações Internacionais: O Sistema-Mundo, da qual Wallerstein e Amin fizeram parte. Teóricos dependentistas, o caso de dos Santos, por exemplo, também participaram do desenvolvimento do Sistema Mundo e mantinham debates acadêmicos com seus propositores.

A articulação entre os interesses dominantes do centro hegemônico e os interesses da classe dominante das sociedades dependentes, entretanto, é imprescindível para a compreensão da dependência. Dessa forma, “a dominação ‘externa’ é impraticável em princípio. A dominação só é possível quando se encontra apoio nos setores nacionais que dela se beneficiam.” (DOS SANTOS, 2017DOS SANTOS, Theotônio. La crisis de la teoria del desarrollo y las relaciones de dependencia en America Latina. In: JAGUARIBE, Helio. La Dependencia político-económica en América Latina. CLACSO, 2017. p. 125-155., p. 154). Daí a relevância de análises que levem em consideração essas classes e suas relações, como é o caso aqui exposto entre, de um lado, o centro hegemônico retratado pela Altas Network e, de outro lado, a classe dominante nas sociedades dependentes como é o caso dos institutos liberais no Brasil. Nesse sentido, o controle ideológico possui um papel fundamental na aceitação da posição de dependência corroborando para a legitimação do discurso dominante proveniente do centro. Dentro deste contexto, observa-se o desenvolvimento de centros ideológicos no seio da sociedade civil (como aparelhos privados de hegemonia, para Gramsci8 8 Os aparelhos privados de hegemonia não são instituições pré-definidas, mas ações, mecanismos, fundações e institutos que possuem um caráter histórico. Importante ressaltar que alguns desses aparelhos se perpetuaram com sucesso ao longo da história e, por sua costumeira naturalização, não são vistos como tais aparelhos. Esse é o caso da igreja, das escolas, dos jornais e revistas, entre outros. Isso expressa que, “a organização do consenso é deixada à iniciativa privada sendo, portanto, de caráter moral ou ético, já que se trata de consenso dado ‘voluntariamente’ de um modo ou de outro” (GRAMSCI, 2007, p. 91). ) que contribuem para a legitimação das práticas do centro hegemônico influenciando, desse modo, a opinião pública da sociedade. Esses centros, assim, são ferramentas nesse processo de dependência. É o caso da dependência econômica dos centros educacionais ligados às Ciências Sociais, aos governos ou a órgãos privados estadunidenses que buscam internacionalizar suas concepções ideológicas e culturais que geram condições para aceitação da condição de dependência (DOS SANTOS, 1978DOS SANTOS, Theotônio. Socialismo o fascismo: el nuevo carácter de la dependencia y el dilema latinoamericano. Cidade do México: Edicol, 1978.).

O fato medular na implementação do aparelho privado visando o alcance no consenso é a ideologia. Medular porque é derivado dessa ideologia, que representa a classe dominante, que vão ser tomadas ações políticas, econômicas e sociais. Além disso, é essa ideologia que preencherá os pensamentos e as instituições, efetivando a criação de um ambiente de homogeneidade ao passo que concede uma consciência prévia. Os construtores de ideologias, caracterizados por Gramsci como intelectuais, possuem o compromisso de “elevar a grande massa da população a um determinado nível cultural e moral, nível (ou tipo) que corresponde às necessidades de desenvolvimento das forças produtivas e, portanto, aos interesses das classes dominantes” (GRAMSCI, 2007GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. [volume 3]., p. 282).

Dada essa singularidade, torna-se necessário superar aqueles conceitos, reflexões e propostas científicas “importadas dos países centrais para abrir um campo teórico próprio, com sua metodologia própria, sua identidade temática e seu caminho para uma práxis mais realista” (DOS SANTOS, 1998DOS SANTOS, Theotônio La teoría de la dependencia: un balance histórico y teórico. In: SEGRERA, F. Los retos de la globalización: ensayos en homenaje a Theotônio dos Santos. Caracas: UNESCO, 1998. p. 93-151., p. 15). Ademais, ao contrário de estudos sobre o uso da coerção na manutenção hegemônica, tradicionais no âmbito das RI (MALINIAK; PETERSON; TIERNEY, 2017MALINIAK, D.; PETERSON, S.; TIERNEY, M. J. Teaching, research, and international policy project. Williamsburg, 2017. Disponível em: Disponível em: https://trip.wm.edu/ Acesso em 24 jan. 2019.
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; BARASUOL; SILVA, 2016BARASUOL, Fernanda; SILVA, André. International relations theory in Brazil: trends and challenges in teaching and research. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 59, n. 2, p. 1-20, 2016. [e005].), a dimensão das ideias e, portanto, do consentimento como formas de domínio hegemônico e de dependência da periferia têm sido pouco explorados.

Diante disso, parte-se aqui da perspectiva Gramsciana que entende a hegemonia enquanto um conjunto de funções de domínio e direção que são exercidas por uma classe dominante sobre o restante da sociedade fazendo uso de uma combinação de força e de consenso que se equilibram de modo variado sem que a força suplante o consenso (GRAMSCI, 2007GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. [volume 3].). Desse modo, a noção de consentimento passa a ocupar um espaço primordial na construção e reprodução daquela hegemonia estabelecida por determinado grupo dominante no âmbito doméstico. Como destaca Gramsci, as próprias “forças materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma e as ideologias seriam fantasias individuais sem as forças materiais” (GRAMSCI, 1999GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. [volume 1]., p. 238). De fato, pensar a dominação exige um exercício constante que leve em consideração as diversas dimensões utilizadas para a manutenção e reprodução de dado projeto hegemônico.

Nas Relações Internacionais, a leitura (neo)gramsciana tem sido feita por teóricos como Stephen Gill e Robert Cox. Nesse sentido, conforme Gill, “central para a manutenção da hegemonia é um sistema de regras baseado mais em aspectos consensuais do poder do que na coerção direta” (GILL, 2008GILL, Stephen. Power and resistance in the new world order. New York: Palgrave Macmillan, 2008., p. 14). Dentro disso, o Estado exerce um papel fundamental na reprodução e manutenção daquela hegemonia estabelecida domesticamente por determinado grupo dominante, fazendo uso da criação de regras e instituições que permitam a construção de um consentimento acerca desse domínio. De acordo com Cox, “as instituições econômicas e sociais, a cultura, a tecnologia associada a essa hegemonia nacional tornam-se padrões de emulação no exterior” (COX, 1993COX, Robert. Gramsci, hegemony and international relations: an essay in method. In: GILL, Stephen (ed.). Gramsci, historical materialism and international relations. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. p. 49-66., p. 61). Dessa forma, o Estado se apresenta como um espaço propicio para a internacionalização dos interesses de uma dada classe econômica que visa acessar as economias de outros países no exterior como uma forma de fortalecer as suas posições sociais.

Utilizando do seu poder financeiro, a classe dominante, por meio dos intelectuais que se utilizam da mídia, academia e dos institutos, cria um terreno ideológico, realizando uma reorganização do pensamento e da consciência coletiva. Dessa forma, essa classe implementa a sua concepção de mundo transformando a sociedade por meios pedagógicos que irão gerar uma educação “sintética”, convertendo tal visão em uma norma de vida (GRAMSCI, 1999GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. [volume 1].). Por fim, Gramsci foi taxativo quando expressou que “os intelectuais de um país influenciam a cultura de um outro país e a dirigem” (GRAMSCI, 1982GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982., p. 67). Isso se dá por conta da inter-relação entre forças nacionais e forças internacionais.

Implementada uma organicidade de pensamento, temos a construção de um bloco que agrega fatores socioculturais que detém a função de manutenção e disseminação do pensamento orgânico imposto, ou ainda, da concepção de mundo imposta. Gramsci nomeia essa organicidade como bloco histórico, sendo expressa como um conjunto complexo e contraditório das superestruturas, reflexo do próprio conjunto das relações sociais de produção (GRAMSCI, 1999GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. [volume 1].). De maneira direta, o bloco histórico é o elo orgânico entre política e sociedade civil sendo a hegemonia exercida dentro “de uma constelação social e política mais ampla” (GILL; LAW, 1993GILL, Stephen; LAW, David. Global hegemony and the structural power of capital. In: GILL, Stephen (ed.). Gramsci, historical materialism and international relations. Cambridge: Cambridge University Press, 1993., p. 93). Diante disso, as forças materiais seriam vistas como a junção do conteúdo e da ideologia que forma o bloco. O interior do bloco histórico é onde se encontram as relações de hegemonia e os mecanismos de dominação e dependências exercidos por uma classe social internacional e nacional dominante, a qual depende de seus intelectuais para organizar o bloco histórico que de forma direta compreende e organiza a própria hegemonia. Podemos visualizar essas relações empiricamente no caso da Atlas e seus congêneres brasileiros.

Por fim, é importante percebermos que a análise de Gramsci e seus proponentes na RI complementam a Teoria da Dependência ao passo que apresentam o elo que interliga todas as formas de dependência. A questão ideológica é a ponte para se entender todos os processos de dependência existentes - é a medula de todo processo que se ramifica nas mais severas consequências para as classes subalternas e nas mais lucrativas ações das classes hegemônicas nacionais e internacionais. No bloco histórico atual, os EUA desempenham estratégias hegemônicas. Eles são responsáveis pela implementação de uma governança disciplinar neoliberal a partir da associação com as elites locais. Para isso, contribui um conjunto de institutos (neo)liberais, ancorados e fortalecidos a partir dos esforços sedimentados pela Atlas Network que aproxima as elites nacionais em uma complexa rede transnacional e que veicula os interesses privados dessa mesma elite na forma de consenso.

O poder das ideias e o papel dos institutos liberais parceiros da Atlas no Brasil

A formação da Atlas e a consolidação de um coletivo neoliberal

A Atlas é parte de um processo histórico a que Friederich Hayek chamou de “batalha das ideias”. Ela se encontra ligada aos anseios de renovação do Liberalismo e suas origens se encontram entrelaçadas com a Sociedade Mont Pélerin, com seus intelectuais (Hayek, Ludwing Von Mises e Milton Friedmam) e com as ações empregadas por Antony Fisher. Hayek, figura proeminente da difusão do neoliberalismo, entendia que as estratégias para disseminação do ideário neoliberal deviam se embasar em perspectivas de longo prazo visando movimentar uma frente intelectual chamada de “revendedores de segunda mão”.9 9 “Jornalistas, professores, sacerdotes, palestrantes, publicistas, comentadores de rádio, escritores de ficção, cartunistas e artistas, todos que podem ser mestres na técnica de transmitir ideias, mas que, em geral, são amadores no que diz respeito à essência daquilo que querem transmitir” (HAYEK, 1949, p. 418). Esses revendedores seriam os responsáveis por criar um ambiente propício, influenciando a opinião pública, com vistas a alcançar um consenso neoliberal na sociedade. É sob o prisma do pensamento de Hayek que Fisher irá consolidar a organização dessa “batalha das ideias” na criação e disseminação dos “laboratórios de ideias” pelo mundo.

Tocado pelas ideias do economista, Fisher foi ao encontro de Hayek em 1940 na London School of Economics, buscando oferecer seus serviços para a disseminação das ideias neoliberais sugerindo a sua entrada no mundo na política. Convicto de sua concepção de longo prazo, Hayek o aconselhou a apresentar o seu caso aos intelectuais, demonstrando que o melhor caminho para a implementação do projeto neoliberal seria através de uma guerra travada no campo das ideias:

‘Devo entrar na política?’, pergunta ele [Fisher]. ‘Não,’ responde Hayek. ‘O curso da sociedade será alterado apenas por uma mudança nas ideias. Primeiro você deve atingir os intelectuais, professores e escritores, com argumentos fundamentados. Será sua influência na sociedade que prevalecerá, e os políticos seguirão’ (BLUNDELL, 2015BLUNDELL, John. Waging the war of ideas. London: Institute of Economic Affairs, 2015., p. 1).

Fisher deu início, assim, à criação do Institute of Economic Affairs (IEA) na Inglaterra, marcando o início de uma ofensiva neoliberal sedimentada no auxílio proporcionado por Hayek e pela SMP. Ao longo da década de 1970, o Instituto atingiria um nível grande de institucionalização das suas práticas e na década seguinte penetraria na política durante o governo de Margareth Thatcher. É integrando a equipe econômica do governo que o IEA e seus ativistas influenciaram a guinada britânica para adoção das práticas de livre comércio.

Com o sucesso obtido com o IEA, Fisher se tornou um mentor da institucionalização de institutos de pensamento e seus serviços foram solicitados no Canadá, onde foi convidado para ser diretor do Fraser Institute, e nos EUA, para erguer o Center for Economic Policy Studies, mais tarde renomeado Manhattan Institute for Policy Research. Fisher também foi responsável por fundar o Pacific Institute for Public Policy e, ainda no final da mesma década, se envolveria na formação do Center for Independent Studies, sediado na Austrália (ROCHA, 2018ROCHA, Camila. “Menos Marx, mais Mises”: uma gênese da nova direita brasileira (2006-2018). 2018. 233f. Tese (Doutorado em Ciência Política). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.). Dessa forma, “essas redes de laboratórios de ideias liberais exercem uma ação ofensiva e beligerante contra as ideias e projetos políticos que se opõem à ordem espontânea do mercado” (FARIA, 2017FARIA, Ana Lucia Barbosa. Os laboratórios de ideias liberais e a batalha ideológica. 2017. 272f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017., p. 189). Frente a esse rápido processo de disseminação desses institutos liberais, e com entendimento de Hayek e Fisher, percebeu-se a necessidade de uma organização diferente das demais como uma “articuladora” ou, ainda, uma “sementeira” com capacidades de coordenar a instalação de institutos neoliberais em um processo de nível transnacional (ROCHA, 2018ROCHA, Camila. “Menos Marx, mais Mises”: uma gênese da nova direita brasileira (2006-2018). 2018. 233f. Tese (Doutorado em Ciência Política). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.).

Munido do apoio de Hayek que percebia que “o método praticado pela IEA é o único que promete resultados reais” e que “deveria ser usado para criar institutos semelhantes em todo o mundo” (HAYEK, 1980HAYEK, Friederich. Carta para Antony Fisher. Margaret Thatcher Foundation, 1 jan. 1980. Disponível em: Disponível em: https://www.margaretthatcher.org/document/117149 Acesso em: 26 mar. 2021.
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), do auxílio da SMP e do IEA; Fisher decide criar, em Washington, em 1981, a Atlas Economic Research Foundation. No ano de 1987, a Atlas iria se associar ao Institute for Humane Studies, fundado pelo amigo de Fisher, F.A. Harper (ROCHA, 2015ROCHA, Camila. Direitas em rede: think tanks de direita na América Latina. In: CRUZ, Sebastião; KAYSEL, André; CODAS, Gustavo. Direita, volver! O retorno da direita e o ciclo político brasileiro. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2015. p. 261-278.) com a pretensão de apoiar e realizar parcerias com professores na promoção do ensino e da pesquisa sobre as ideias liberais clássicas. Essa união representava a conformação do núcleo de uma rede internacional de think tanks, como expressa Cockett:

Em 1987 a Atlas associou-se ao Institute for Humane Studies (IHS), fundado em 1961 por um acadêmico norte-americano e membro da Sociedade de Mont Pèlerin chamado F. A. Harper, com o objetivo de possuir uma estrutura institucional mais robusta que lhe colocasse à altura de sua missão, a de, segundo afirmara de forma direta John Blundell, presidente da Atlas e do IHS de 1987 a 1990, ‘abarrotar o mundo com think tanks que defendam o livre mercado’ (1995, p. 307).

As palavras de John Blundell, ex-presidente da Atlas, diretor geral do IEA e membro da SMP (FISCHER, 2018FISCHER, Karin. A rede de think tanks neoliberais. Diálogo Global, v. 8, n. 2, p. 8-10, ago. 2018. Disponível em: Disponível em: https://globaldialogue.isa-sociology.org/uploads/imgen/2013-v8i2-portuguese.pdf?1629117535 Acesso em: 12 jan. 2019.
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); traduziriam o objetivo da instituição recém-criada: a Rede Atlas seria fundada “para atuar como um suporte para outros think tanks e como uma agência para criar e apoiar think tanks de livre mercado em torno do mundo” (BLUNDELL, 2015BLUNDELL, John. Waging the war of ideas. London: Institute of Economic Affairs, 2015., p. 163). De fato, a Atlas possui o papel de institucionalizar “o processo de subsídio para a criação de novos laboratórios de ideias liberais, para esse fim, presta apoio financeiro, de infraestrutura, fornece treinamento de líderes, subsídios e distribui prêmios e auxílios” (FARIA, 2017FARIA, Ana Lucia Barbosa. Os laboratórios de ideias liberais e a batalha ideológica. 2017. 272f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017., p. 179). Diante do exposto, é possível perceber que a Atlas se encontra como peça central em um tabuleiro que visa disseminar o seu propósito socializante de toda uma rede de organizações que operam em uma coesão sistematicamente orquestrada que busca controlar e moldar a sociedade ao passo que institucionaliza a formação de indivíduos que irão compreender a vida humana sob os dogmas do livre mercado.

Indo para além do fomento do papel técnico, a Atlas atua como captadora e distribuidora de recursos financeiros para a construção e consolidação desses institutos pró-mercado no mundo. Dessa forma, podemos definir que no âmbito financeiro a Atlas é responsável por fornecer aos “empreendedores de ideias” quantias significativas de recursos ao passo que conecta esses empreendedores a possíveis doadores (FARIA, 2017FARIA, Ana Lucia Barbosa. Os laboratórios de ideias liberais e a batalha ideológica. 2017. 272f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.). Realizando uma análise sobre vinte e um anos dos Formulários 990 da Atlas (1998 - 2018), é possível verificar que a organização declarou ter recebido (somando os valores declarados) um total de US $139.499.207,00 em recursos financeiros (Gráfico 1) que, em sua maioria, foram distribuídos para os seus institutos parceiros ao redor do mundo.

Gráfico 1.
Recursos recebidos pela Atlas Network em US Dólares

No que tange ao repasse desses recursos financeiros, é possível constatar que num espaço de onze anos a grande maioria de recursos recebidos foi destinado ao exterior, o que demonstra o papel da rede Atlas como uma organização “guarda-chuva” na missão de promover recursos e fomentar institutos parceiros no mundo:

Gráfico 2.
Doações realizadas pela Atlas: Comparação EUA X Exterior

Levando em consideração esse caráter internacional de doações, se faz importante questionar e analisar para quais localidades esses “investimentos nas ideias” são enviados. Nos dados coletados, é possível verificar o repasse de recursos financeiros para América do Norte, Rússia, América do Sul, América Central, Ásia, Europa, África e Oriente Médio. A Europa figura como a maior receptora de recursos, recebendo um total de US $12.314,777. A América do Sul e América Central são a segunda região que mais recebeu recurso num montante de US $9.983,532 ao longo de onze anos. Desde 2016, entretanto, é essa a região que mais recebe recursos (Gráfico 3).

Gráfico 3.
Doação da Atlas por região

No que diz respeito à origem dos recursos financeiros da Atlas, a mesma expressa em seu website que “Desde sua fundação e de acordo com seus estatutos, a Atlas Network tem contado exclusivamente com doações voluntárias daqueles que apreciam os princípios de uma sociedade livre” (ATLAS NETWORK, 2021ATLAS NETWORK. Atlas Network’s Center for Latin America (Website). 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.atlasnetwork.org/partners/center-for-latin-america Acesso em: 12 set. 2021.
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). Por mais tocante que seja a fala referente às doações voluntárias dos defensores da liberdade, o capital recebido pela Atlas se encontra ligado a grupos de filantropia, corporações econômicas, outros think tanks neoliberais e a fundos estatais. Em um período de vinte e um anos de análise, a Atlas canalizou um total de US$ 139.499.207,00 milhões de dólares. No que tange seus patrocinadores não estatais, pode-se constatar que, no período de 1987 até 2017, foram seis seus principais doadores: John Templeton Foundation (U$ 9.669.538); Earhart Foundation (U$ 3.429.240); Donors Trust (U$ 2.512.690); Sarah Scaife Foundation (U$ 2.365.000) e a Exxon Mobil (U$ 1.082.500).

A Atlas ainda conta com recursos advindos de organizações que, por mais que se apresentem como não-governamentais, são financiadas por recursos anualmente aprovados e advindos do Departamento de Estado e que, posteriormente, são repassados pela USAID. Dentre as quais destacam-se, National Endowment for Democracy e o Center for Internacional Private Enterprise. Em relação ao NED, só nos últimos dez anos o valor recebido do Governo dos Estados Unidos passou de um total de 132 milhões (2009) para 300 milhões de dólares (2019), enquanto o CIPE contou durante o período de 2008 a 2018 com um montante de 27.480.712,89 milhões de dólares (NED, 2021NED - National Endowment for Democracy. Formulários 990. 2021. Disponível em: Disponível em: https://projects.propublica.org/nonprofits/organizations/521344831 Acesso em: 03 mar. 2021.
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; CIPE, 2021CIPE - Center for International Private Enterprise. Formulários 990. 2021. Disponível em: Disponível em: https://projects.propublica.org/nonprofits/organizations/521398742 Acesso em: 03 mar. 2021.
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).

Os “investimentos” proporcionados pelo NED e pelo CIPE alcançam inúmeros projetos de institutos vinculados à Atlas no âmbito da América Latina. Por meio dos recursos canalizados por tais organizações, desenvolvem-se um conjunto de iniciativas em vista de promover mudanças nos seus respectivos contextos em prol do livre mercado. Através de informações contidas nos relatórios anuais do CIPE referentes aos anos de 2008CIPE - Center for International Private Enterprise. CIPE Annual Report. 2008. Disponível em: Disponível em: http://web.archive.org/web/20100304043020/http://www.cipe.org/publications/report/2008/CIPE_AR2008.pdf Acesso em: 26 maio 2022.
http://web.archive.org/web/2010030404302...
a 2017CIPE - Center for International Private Enterprise. CIPE Annual Report. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.cipe.org/resources/?search=&resource_type%5B%5D=52&perpage=10&sortorder=DESC Acesso em: 24 set. 2021.
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, observou-se um total de dez organizações parceiras da Atlas agraciadas por seus recursos:

Quadro 1.
Organizações parceiras da Atlas que receberam financiamento do CIPE (em número de vezes que foram agraciadas) entre 2008CIPE - Center for International Private Enterprise. CIPE Annual Report. 2008. Disponível em: Disponível em: http://web.archive.org/web/20100304043020/http://www.cipe.org/publications/report/2008/CIPE_AR2008.pdf Acesso em: 26 maio 2022.
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e 2017CIPE - Center for International Private Enterprise. CIPE Annual Report. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.cipe.org/resources/?search=&resource_type%5B%5D=52&perpage=10&sortorder=DESC Acesso em: 24 set. 2021.
https://www.cipe.org/resources/?search=&...

Referente a este conjunto de iniciativas, destacam-se aquelas promovidas no âmbito do Instituto Libertad e Democracia (Peru), Fundación Paraguaya (Paraguai), Fundación Libertad (Argentina) e Centro de Difusión del Conocimiento Económico (CEDICE-Libertad) (Venezuela). O Instituto Libertad e Democracia (ILD) em conjunto com o CIPE vêm promovendo uma agenda ancorada em reformas econômicas de livre mercado, atuando inclusive para além do Peru (CIPE, 2013CIPE - Center for International Private Enterprise. CIPE Annual Report. 2013. Disponível em: Disponível em: http://web.archive.org/web/20140822132819/http://www.cipe.org/sites/default/files/publication-docs/2013%20CIPE%20Annual%20Report_0.pdf Acesso em: 26 maio 2022.
http://web.archive.org/web/2014082213281...
). Já a Fundación Paraguaya tem buscado desenvolver um projeto de inserção do empreendedorismo no sistema de educação nacional, visando fortalecer o “conhecimento e as competências empresariais de cerca de 900 professores de escolas públicas” (CIPE, 2011CIPE - Center for International Private Enterprise. CIPE Annual Report. 2011. Disponível em: Disponível em: http://web.archive.org/web/20130309145727/http://cipe.org/sites/default/files/publication-docs/AR2011_final_PDF.pdf Acesso em: 26 maio 2022.
http://web.archive.org/web/2013030914572...
). No que diz respeito à Fundación Libertad, foi criada a Rede de Políticas Públicas Federal tendo a finalidade de atrair líderes empresariais que possam contribuir para o retorno da Argentina a uma “economia de mercado mais vibrante” (CIPE, 2016CIPE - Center for International Private Enterprise. CIPE Annual Report. 2016. Disponível em: Disponível em: http://web.archive.org/web/20171126225505/http://www.cipe.org/annual-report/2016#featured-projects-latin-america Acesso em: 26 maio 2022.
http://web.archive.org/web/2017112622550...
). Por fim, o exemplo mais emblemático acerca desse relacionamento entre o CIPE e organizações da sociedade civil na AL é o caso do CEDICE na Venezuela que desempenhou um papel de oposição ao governo de Hugo Chávez desenvolvendo uma série de iniciativas que visavam desestabilizar o ambiente político e alterar a presidência em prol de uma guinada para um projeto neoliberal (GOLLINGER, 2005GOLLINGER, Eva. O código Chávez. Caracas: Monte Ávila Editores, 2005.).

Observa-se, assim, que por trás da Atlas Network existe todo um circuito financeiro que veicula tanto dinheiro público como privado, assim como os interesses particulares dos seus financiadores. Uma vez canalizado pelos seus institutos parceiros, o recurso é convertido em uma ampla rede de iniciativas que visam impactar na forma de reformas econômicas neoliberalizantes, tendo como principal direcionamento a América Latina.

A atuação da Atlas na América Latina: Uma análise das redes neoliberais no Brasil

A relação da Atlas e a busca pela difusão da ideologia neoliberal na AL se entrelaça com a chegada de Alejandro Chafuen ao instituto e, posteriormente, à sua presidência (1991-2017). Economista argentino radicado nos EUA e membro da Sociedade Mont Pèlerin, Chafuen foi convidado pessoalmente por Fisher para trabalhar na Atlas. Como resultado desses esforços, a instituição passou a se concentrar na América Latina e, atualmente, possui 101 institutos parceiros na região que visam “capacitar grupos de reflexão locais e organizações da sociedade civil que compartilham nossa crença na liberdade econômica para desenvolver e implementar soluções caseiras para os desafios das políticas locais”(ATLAS NETWORK’S CENTER FOR LATIN AMERICA, 2019ATLAS NETWORK. Atlas Network’s Center for Latin America - Annual Report 2019. 2019. Disponível em: Disponível em: http://web.archive.org/web/20210825004256/https://www.atlasnetwork.org/assets/uploads/misc/CLA-Annual-Report-2019-web.pdf Acesso em 08 set. 2019.
http://web.archive.org/web/2021082500425...
, p. 2). Para alcançar seus objetivos, o Centro para AL da Atlas atua destinando recursos financeiros, treinamentos e demais suportes para promover e aproximar institutos e indivíduos comprometidos em transformar, por meio dos preceitos neoliberais, os rumos econômicos e políticos da AL.

O Centro é atualmente dirigido por nove membros pertencentes a diversos países, o que reitera o caráter transnacional da rede Atlas. A direção do centro é realizada por Roberto Salinas e conta com uma equipe formada por diretores e conselheiros executivos (Quadro 2). Dentre estes, destaca-se Juan José Daboub, que atuou como ministro das finanças de El Salvador e como chefe de gabinete do presidente Francisco Flores (1999-2004), participando do processo de dolarização da economia e da conclusão de um acordo de livre comércio com os EUA, exercendo, posteriormente, o cargo de diretor administrativo do Banco Mundial (2006-2010); e Manuel Hinds, que exerceu a função de ministro da fazenda de El Salvador (1994-1999) e ficou conhecido como o arquiteto do processo de dolarização no país também tendo atuado à frente do Banco Mundial (1982-1992).

Quadro 2.
Dirigentes da Atlas Network’s Center for Latin America

A Atlas e seu Centro para AL não desempenham um papel marginal. Os seus “casos de sucesso” estão relacionados com o enfraquecimento de pautas e de governos considerados de esquerda. O primeiro caso de destaque é o México, onde os parceiros mexicanos da Atlas responderam fortemente à “Quarta Transformação” do presidente Andrés Manuel López Obrador. O Instituto Mexicano para a Competitividade trabalhou para expor abusos de gastos públicos por meio de projetos como a Política Comercial do México no Século XXI. Em uma ação conjunta, o presidente do México Evalúa, Luis Rubio, foi responsável pela publicação de folhetos que visavam desestabilizar Obrador. A atuação na AL também ganha destaque no que tange a criação de leis e de reformas legislativas. O primeiro caso expresso se passou em Honduras com a Fundación Eléutera que recebeu da Atlas o Prêmio Latin America Liberty 2019 por seu trabalho na reforma do código tributário. De acordo com o Centro, “os direitos de mais de 2 milhões de empresários em Honduras agora estão protegidos por lei, graças ao trabalho da Fundación Eléutera” (ATLAS NETWORK’S CENTER FOR LATIN AMERICA, 2019ATLAS NETWORK. Atlas Network’s Center for Latin America - Annual Report 2019. 2019. Disponível em: Disponível em: http://web.archive.org/web/20210825004256/https://www.atlasnetwork.org/assets/uploads/misc/CLA-Annual-Report-2019-web.pdf Acesso em 08 set. 2019.
http://web.archive.org/web/2021082500425...
, p. 9). Partindo para a região andina, é destaque a atuação do CEDICE, o mesmo instituto que recebeu financiamento direto do CIPE e trabalhou na desestabilização do governo Chávez. Almejando um projeto neoliberal, segue intensificando os seus trabalhos de “fornecer uma visão de como as instituições de liberdade poderiam ser restauradas quando a atual crise passar e houver uma oportunidade para mudanças reais” (ATLAS NETWORK’S CENTER FOR LATIN AMERICA, 2019ATLAS NETWORK. Atlas Network’s Center for Latin America - Annual Report 2019. 2019. Disponível em: Disponível em: http://web.archive.org/web/20210825004256/https://www.atlasnetwork.org/assets/uploads/misc/CLA-Annual-Report-2019-web.pdf Acesso em 08 set. 2019.
http://web.archive.org/web/2021082500425...
, p. 10).

Em relação ao Cone Sul, a Atlas destaca as atuações da rede uruguaia representada pelo Centro de Estudos para o Desenvolvimento que obteve sucesso na criação da nova lei de empreendedorismo que reduz custos e processos burocráticos para que empreendedores possam entrar com mais facilidade no mercado. Outro país que recebeu elogios é o Brasil. O relatório do Centro expressa que a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência da República é uma “surpresa agradável” e que a equipe econômica do governo “tem sido excelente no avanço da reforma previdenciária, desencadeando o crescimento econômico por meio da desregulamentação e privatizando a Eletrobrás, a maior concessionária da América Latina” (ATLAS NETWORK’S CENTER FOR LATIN AMERICA, 2019ATLAS NETWORK. Atlas Network’s Center for Latin America - Annual Report 2019. 2019. Disponível em: Disponível em: http://web.archive.org/web/20210825004256/https://www.atlasnetwork.org/assets/uploads/misc/CLA-Annual-Report-2019-web.pdf Acesso em 08 set. 2019.
http://web.archive.org/web/2021082500425...
, p. 4). O destaque é dado para a atuação do Instituto de Estudos Empresariais (IEE) no processo de privatização da Eletrobrás e para as ações empregadas pelo Livres no que diz respeito à regulamentação da infraestrutura no Brasil. Por fim, o Estudantes pela Liberdade (EPL) foi agraciado com o prêmio Smith Outreach de Estudantes da Atlas Network em 2019 por conta dos esforços desse instituto encabeçado por um de seus membros e Diretor Federal de Desburocratização, Geanluca Lorenzon, na condução da Medida Provisória da Liberdade Econômica assinada no governo Jair Bolsonaro.

Nesse sentido, a rede Atlas vem avançando e se articulando de forma cada vez mais estreita com indivíduos e institutos liberais no âmbito da AL, o que coincide com uma série de propostas que visam transformar os rumos políticos e econômicos da região sob o prisma de reformas neoliberais. A exemplo disso, tem se observado no Brasil uma série de dirigentes de institutos liberais que se utilizam de todo apoio logístico e financeiro fornecidos pela Atlas para ascender a cargos políticos, inclusive no governo federal, de forma mais ampla, com a finalidade de converter os seus interesses de classe em políticas de Estado.

Atuação dos parceiros da Atlas no Brasil e de seus dirigentes no governo Bolsonaro

A criação e a consolidação da rede de institutos liberais da Atlas no Brasil nos remetem a ações promovidas no passado que contribuíram de maneira substancial para o atual quadro de penetração dos seus dirigentes no governo Bolsonaro. É frente ao processo de redemocratização que parte do empresariado nacional buscou se reorganizar por meio de novos mecanismos de participação política e legitimação de seu domínio. Segundo Gramsci, esse tipo de atuação visa a “necessidade de criar condições mais favoráveis à expansão da própria classe” (GRAMSCI, 1982GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982., p. 4). Estabelecida a necessidade de criação dessas instituições ideológicas, o empresariado nacional contou com o desempenho singular de Hayek e Fisher que tiveram um papel fundamental na construção e assessoramento de uma elite empresarial interessada em promover os seus objetivos na forma de um consenso neoliberal, dentre os quais destacam-se nomes como de Og Leme, Donald Stewart, Henry Maksoud, Nahum Manela e José Stelle. As viagens realizadas por Hayek e Fisher ao Brasil contribuíram ainda para promover uma aproximação com o meio acadêmico nacional, sendo esse fundamental para o fomento de iniciativas em prol da disseminação das teses liberais no cenário político (ONOFRE, 2018ONOFRE, Gabriel. O papel de intelectuais e think tanks na propagação do liberalismo econômico na segunda metade do século XX. 2018. 368f. Tese (Doutorado em História). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018.).

De forma inversa à construção do IEA no Reino Unido, agora seria Antony Fisher o principal intermediador junto ao empresariado e intelectuais nacionais para construção dos primeiros institutos liberais no Brasil. A partir desse momento, Fisher não poupou esforços em fomentar, sob a égide da Atlas, os laços com pessoas que pudessem apoiar o desenvolvimento de uma rede de institutos liberais de modo a impactar de imediato a conjuntura política e econômica no Brasil. Tais esforços foram cristalizados por meio do encontro com o empresário Donald Stewart no início da década de 80. Stewart, com trajetória em organizações como a SMP, IEA e na Atlas Network, viu sua proximidade com o mundo neoliberal se converter, sob orientação de Hayek e Fisher, na criação do primeiro instituto liberal no Brasil (HAYEK, 1983HAYEK, Friederich. Os fundamentos da liberdade. São Paulo: Visão. 1983.). Sob o nome de Instituto Liberal do Rio de Janeiro (IL-RJ), temos o primeiro marco de um processo de consolidação e posterior disseminação de aparelhos privados de hegemonia difusores do neoliberalismo no país. Por meio desse instituto, articulou-se os interesses de uma camada de empresários e intelectuais, que compartilhavam o anseio em promover o neoliberalismo entre as elites “formadoras de opinião” no Brasil (CASIMIRO, 2016CASIMIRO, Flávio. A nova direita no Brasil: aparelhos de ação político-ideológica e a atualização das estratégias de dominação burguesa. Tese (Doutorado em História), Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2016., p. 238).

Sob influência da conformação dos institutos liberais no Brasil, assistiu-se, nos anos 1990, a penetração do ideário neoliberal, agora na forma de um projeto político consubstanciado a partir da ascensão de Fernando Collor à presidência do Brasil (1990-1992). Contudo, é com a vitória de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) que houve a materialização de uma hegemonia neoliberal, assim como o fortalecimento da tese que colocava o receituário destas premissas como garantidora da prosperidade e desenvolvimento da AL (CASIMIRO, 2011CASIMIRO, Flávio. A construção simbólica do neoliberalismo no Brasil (1983-1998): a ação pedagógica do Instituto Liberal. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal de São João del Rei, São João del-Rei, 2011.). Após um breve período de redução das atividades dos institutos liberais, em consequência da representação de seus interesses nos governos de Collor e FHC, percebeu-se uma rearticulação das forças neoliberais na forma de uma contraofensiva frente à ascensão de governos de esquerda no âmbito da AL. No Brasil, foi com a chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder (2003-2016), que se tem o momento de maior proliferação dos institutos liberais parceiros da Atlas. Desse modo, é possível observar um aumento de 3 institutos construídos ainda nas décadas de 80-90, para um total de 10 institutos criados a partir da ascensão do Partido dos Trabalhadores, sendo que, na contemporaneidade, a Atlas conta com um total de 15 institutos parceiros no país:

Figura 1.
Institutos brasileiros membros da Atlas Network e sua data de fundação

Por meio de uma nova roupagem e uma postura mais ativa, o movimento liberal, em estreita relação com apoio financeiro e logístico da Atlas, foi uma parte fundamental no contexto de mobilização e protestos generalizados no Brasil em prol do impeachment da presidenta Dilma Rousseff no ano de 2016. Nas palavras de Chafuen, presidente da Atlas na época, “surgiu uma abertura - uma crise - e uma demanda por mudanças, e nós tínhamos pessoas treinadas para pressionar por certas políticas” (CHAFUEN apudFANG, 2017FANG, Lee. Esferas de influência. The Intercept, 11 ago. 2017. Disponível em: Disponível em: https://theintercept.com/2017/08/11/esfera-de-influencia-como-os-libertarios-americanos-estao-reinventando-a-politica-latino-americana/ Acesso em 12 jan. 2018.
https://theintercept.com/2017/08/11/esfe...
). De acordo com o site da Atlas,

Vários parceiros independentes da Atlas Network no Brasil estão fazendo o trabalho pesado de reformar o clima intelectual e o debate sobre políticas. Juntos, eles estão espalhando as ideias da liberdade de maneiras novas e inovadoras, propondo soluções práticas e politicamente possíveis para as crises atuais (DIXON, 2016DIXON, Eric. Brazil’s ideological crossroads: Menos Marx; Mais Mises. Atlas Network, 18 ago. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.atlasnetwork.org/articles/brazils-ideological-crossroads-menos-marx-mais-mises Acesso em: 25 ago. 2019.
https://www.atlasnetwork.org/articles/br...
).

Winston Ling, fundador do IL-RS, atuou na construção da atual equipe econômica do governo Bolsonaro. Colega de Paulo Guedes na Universidade de Chicago e aluno de Milton Friedman, foi ele quem apresentou o então atual Ministro da Economia ao candidato à presidência, Jair Bolsonaro. Como destacado por Chafuen, “há alguns anos, Winston Ling me disse, confidencialmente, que viu potencial no Bolsonaro e que o estava apresentando a economistas notáveis da tradição de Chicago” (CHAFUEN, 2019aCHAFUEN, Alejandro. The new Brazil: philosophical divisions should not hinder Bolsonaro’s free society agenda. Forbes, 19 fev. 2019a. Disponível em: Disponível em: https://www.forbes.com/sites/alejandrochafuen/2019/02/19/the-new-brazil-philosophical-divisions-should-not-hinder-bolsonaros-agenda/?sh=f0f509c47ec6 Acesso em: 24 set. 2020.
https://www.forbes.com/sites/alejandroch...
). Como resultado do ambiente propiciado pelos institutos liberais e da própria atuação ativa por parte de indivíduos como Winston Ling, Paulo Guedes e do próprio Alejandro Chafuen; se observou a ascensão de dirigentes de institutos liberais ao governo Bolsonaro, compondo grande parte da sua equipe econômica.

Quadro 3.
Lista de dirigentes de institutos liberais e seus vínculos com o governo Bolsonaro

Em relação a esse conjunto de dirigentes e membros de institutos liberais, destacam-se aqueles que atuaram mais diretamente na equipe econômica de Guedes, em sua maioria vinculados ao Instituto Millenium do qual Guedes consta como fundador, assim como aqueles indivíduos com passagem pelo EPL do qual Winston Ling ocupa a posição de conselheiro na sede estadunidense. Para além das escolhas de cargos, Paulo Guedes é responsável pela adição de nomes como Paulo Uebel e Salim Mattar à sua equipe econômica. O próprio Guedes, enquanto cofundador do Banco Pactual, foi figura chave no processo de abertura de capital da empresa Localiza de Salim Mattar. Ademais, Eugênio Mattar, irmão de Salim, foi um dos que mais recebeu recursos da União no ano de 2020 (SALOMON, 2021SALOMON, Marta. O Campeão da verba pública. Piauí, 06 jan. 2021. Disponível em: Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/o-campeao-da-verba-publica/ Acesso em: 10 jan. 2021.
https://piaui.folha.uol.com.br/o-campeao...
).

Figura 2.
Dirigentes com atuação na equipe econômica do governo Bolsonaro10 10 Legenda: Traçado azul: atuam ou já atuaram na equipe econômica. Traçado preto: dirigentes e seus respectivos vínculos com os institutos liberais. Traçado vermelho: equipe econômica.

A influência deste conjunto de atores na política econômica vinculados aos institutos parceiros da Atlas no Brasil pode ser melhor apreendida a partir da materialização de medidas com impactos reais na agenda econômica do governo. A exemplo, tem-se o caso da implementação da Medida Provisória da Liberdade Econômica (MP de Liberdade Econômica) formulada com respaldo intelectual e logístico dos institutos liberais e de seus dirigentes. Para Chafuen (2019b)CHAFUEN, Alejandro. Como MP de Bolsonaro pode impulsionar o livre mercado. Forbes, 21 maio 2019b. Disponível em: Disponível em: https://forbes.com.br/negocios/2019/05/como-mp-de-bolsonaro-pode-impulsionar-o-livre-mercado/ Acesso em: 24 set. 2020.
https://forbes.com.br/negocios/2019/05/c...
, “é o melhor plano que vi e avaliei durante minha longa carreira em pesquisa e defesa de políticas”. São 14 os representantes dos institutos liberais brasileiros parceiros da Atlas na reunião sobre a formulação dessa Medida Provisória, conforme quadroabaixo:

Quadro 4.
Lista de dirigentes de institutos liberais na reunião da MP da Liberdade Econômica

Estando presente no interior do Estado e de suas instituições, esse conjunto de dirigentes liberais se utiliza do espaço estatal e de seus mecanismos para impor políticas econômicas e sociais que visam construir e consolidar um mundo neoliberal legítimo e indiscutível. Além da sua função de aparelho privado de hegemonia na disseminação da ideologia neoliberal, os institutos e seus indivíduos, que agora se encontram como atores políticos, utilizam instrumentos de poder político como comissões de especialistas e todo um conjunto de leis que objetiva transformar os interesses de uma minoria em interesse da maioria. Diante disso, é possível constatar que esses institutos liberais atuam em frentes que se interligam: é com a capacidade de promover estudos, concentração de conhecimento, eventos, absorção de intelectuais e forte presença na mídia que se viabiliza a construção de relatórios e propostas que viabilizam a entrada de determinados temas e práticas neoliberais na agenda política e no imaginário social. Nesse sentido, sua legitimidade cresce perante a sociedade e ascende no âmbito político como responsáveis por pensar as políticas públicas.

Considerações finais

Por meio deste trabalho, buscou-se analisar a atuação da Atlas Network, seus institutos parceiros e seus dirigentes no fomento a uma dependência teórico-estrutural da AL aos EUA. No que tange à atuação dos dirigentes, procedeu-se uma análise sob os membros da equipe econômica do Brasil no governo de Jair Bolsonaro. Para desenvolver tal análise, se realizou uma discussão em termos de teorias observando a necessidade de novos olhares dentro da RI, visto a existência de um domínio acadêmico e intelectual das teorias mainstream e do seu papel em desempenhar uma conservação da hegemonia estadunidense. Nesse sentido, é possível concluir que a Atlas é o centro de uma vasta rede de ligações que envolve inúmeros institutos liberais. Foi possível observar que as principais formas de contato e apoio aos seus parceiros se dá por intermédio do financiamento de projetos, formação de quadros técnicos e de especialistas, integração entre dirigentes de institutos liberais mediante a promoção de eventos, assim como a destinação de bolsas de estudo e premiações para aqueles indivíduos considerados merecedores. Através dessa atuação, a Atlas e seus institutos parceiros constroem condições para influenciar ou alterar a realidade política de países, priorizando e criando ambientes favoráveis para a implementação de políticas econômicas neoliberais. Sendo assim, é possível observar que a rede Atlas é um aparelho privado de hegemonia ocupando uma posição chave no esforço em desestabilizar governos não simpáticos a essa agenda hegemônica.

De fato, no desenvolvimento dessa pesquisa se evidencia determinadas aproximações da Atlas com a política externa dos EUA. Essa aproximação é verificada por meio da constatação de recebimento de recursos públicos por parte da Atlas e de seus institutos parceiros. Observou-se que boa parte dos seus recursos advém do Departamento de Estado dos Estados Unidos que se utiliza de um circuito que visa obscurecer, através do NED e do CIPE, o repasse de dinheiro público para os institutos parceiros da Atlas. Assim, a destinação de recursos públicos travestidos na forma de financiamento privado, permite com que esses institutos promovam programas e iniciativas com o intuito de fomentar reformas neoliberais, ao passo que buscam desestabilizar qualquer movimento que se apresente como ameaça à hegemonia estadunidense na região.

Outro fator evidenciado por esse estudo é a existência de uma triangulação relacional entra Atlas x institutos liberais x dirigentes econômicos. Envolvida por todos esses recursos e níveis de atuação, é nítida a utilização dos institutos liberais como espaços capazes de promover seus dirigentes às esferas políticas nacionais. Munidos de uma credencial e legitimidade supostamente “técnica”, os institutos por meio dos seus dirigentes são responsáveis por pensar as políticas de desenvolvimento de um país. O fator da existência da triangulação relacional é evidenciado pela análise da equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro no Brasil. Visto com otimismo pela Atlas, a eleição de Bolsonaro foi considerada uma surpresa agradável. Dessa forma, foi possível observar que ao menos 14 dirigentes de institutos parceiros da Atlas no Brasil fizeram parte do governo Bolsonaro. Ademais, a equipe econômica, sob o comando de Guedes, ele próprio um membro fundador de um desses institutos, contém 8 dirigentes de institutos liberais contemplando uma relação direta com 9 institutos liberais brasileiros.

Nesse sentido, concluímos que a Atlas, a partir de seus institutos parceiros, contribui diretamente para a manutenção de uma dependência não apenas econômica, mas também estrutural, que é operada a partir de estratégias de consentimento. Diante disso, é possível constatar uma continuidade da dependência da AL frente aos EUA que não se limita às diferenças materiais e que se utiliza de mecanismos menos evidentes se comparadas às intervenções militares recorrentes durante o século XX na região. Desse modo, a Atlas e seus institutos parceiros, por meio de uma ampla gama de práticas político-pedagógicas, impactam diretamente os rumos políticos em prol da institucionalização do projeto neoliberal, o que explica a continuidade e a perpetuação dessa dependência estrutural. Assim, os porta-vozes neoliberais em vez de lançar luz sobre as condições desiguais no sistema internacional, apenas eternizam as diferenças das condições, tanto no que diz respeito ao relacionamento dos países do centro e da periferia, como de suas frações de classe.

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  • 4
    O neoliberalismo aqui é definido como um sistema normativo que possui influência na política econômica e nas relações sociais (DARDOT; LAVAL, 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Editora Boitempo, 2016.).
  • 5
    O Formulário 990 é documento do Serviço de Receita Federal dos Estados Unidos (Internal Revenue Service) que congrega as informações financeiras de organizações sem fins lucrativos.
  • 6
    Críticas ao caráter plural e da falta de homogeneização associadas a essa teoria foram recorrentes. Um dos mais importantes críticos marxistas da TD foi Augustín Cueva que criticava o desenvolvimento associado proposto pela corrente Cardoso-Faletto, assim como alguns postulados da corrente marxista evidenciando a necessidade de uma maior homogeneização das correntes dependentistas (KATZ, 2020KATZ, Claudio. A Teoria da Dependência 50 anos depois. São Paulo: Expressão Popular, 2020.).
  • 7
    A Teoria da Dependência influenciou autores como Immanuel Wallerstein e Samir Amin e mesmo uma corrente teórica nas Relações Internacionais: O Sistema-Mundo, da qual Wallerstein e Amin fizeram parte. Teóricos dependentistas, o caso de dos Santos, por exemplo, também participaram do desenvolvimento do Sistema Mundo e mantinham debates acadêmicos com seus propositores.
  • 8
    Os aparelhos privados de hegemonia não são instituições pré-definidas, mas ações, mecanismos, fundações e institutos que possuem um caráter histórico. Importante ressaltar que alguns desses aparelhos se perpetuaram com sucesso ao longo da história e, por sua costumeira naturalização, não são vistos como tais aparelhos. Esse é o caso da igreja, das escolas, dos jornais e revistas, entre outros. Isso expressa que, “a organização do consenso é deixada à iniciativa privada sendo, portanto, de caráter moral ou ético, já que se trata de consenso dado ‘voluntariamente’ de um modo ou de outro” (GRAMSCI, 2007GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. [volume 3]., p. 91).
  • 9
    “Jornalistas, professores, sacerdotes, palestrantes, publicistas, comentadores de rádio, escritores de ficção, cartunistas e artistas, todos que podem ser mestres na técnica de transmitir ideias, mas que, em geral, são amadores no que diz respeito à essência daquilo que querem transmitir” (HAYEK, 1949HAYEK, Friederich. The intellectuals and socialism. Chicago: The University of Chicago Law Review, 1949., p. 418).
  • 10
    Legenda: Traçado azul: atuam ou já atuaram na equipe econômica. Traçado preto: dirigentes e seus respectivos vínculos com os institutos liberais. Traçado vermelho: equipe econômica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2021
  • Aceito
    02 Maio 2022
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