Resumo:
Este estudo analisa como as ações emergenciais temporárias, em contexto pandêmico, tornaram-se perenes na Política Cultural do Brasil. Para tanto, analisa elementos da referida Política, tendo como centralidade as estratégias de superação da pandemia e seu posterior aprimoramento. Busca descrever as mudanças institucionais ocorridas nos elementos do desenho da política em questão, à luz do arcabouço teórico da mudança institucional. Inicialmente, propõe-se uma discussão teórica sobre os efeitos da pandemia na mudança de políticas públicas, e evidencia como essas mudanças refletiram-se na Política Cultural do Brasil por meio da análise das representações discursadas na Câmara dos Deputados. Os resultados indicam que a pandemia, após aprovação das ações emergenciais, constituiu-se como força motriz para alinhamento dos autores e uma janela de oportunidade para a solidificação da Lei Aldir Blanc. As contribuições para o Campo de Públicas, podem ocorrer por meio da função das análises dos elementos constituintes do desenho da política, em que as crises se tornam fatores de engajamento e cooperação entre os agentes do Poder Legislativo para ações mais perenes.
Palavras-chave:
mudança institucional; Covid-19; Política Nacional de Cultura; Lei Aldir Blanc; policy design
Abstract:
This study analyzes how temporary emergency actions, in the context of a pandemic, became permanent components of Brazil’s cultural policy. To this end, it analyzes elements of the policy, focusing on strategies to overcome the pandemic and on the subsequent improvement of the policy. It seeks to describe the institutional changes that occurred in the design elements of the policy in question, in light of the theoretical framework of institutional change. Initially, it proposes a theoretical discussion on the effects of the pandemic on policy change, and shows how these changes have been reflected in Brazil’s cultural policy by analyzing discourse representations in the Chamber of Deputies. The results indicate that the pandemic, after the approval of the emergency actions, was a driving force for the alignment of the authors of the Aldir Blanc Law, and a window of opportunity for its consolidation. The article contributes to the field of public policy by analyzing the constituent elements of policy design, where crises become factors for engagement and cooperation among agents in the legislative branch in the long term.
Keywords:
institutional change; Covid-19; National Culture Policy; Aldir Blanc Law; policy design
Resumen:
Este estudio analiza cómo las acciones temporales de emergencia en un contexto pandémico se han convertido en permanentes en la Política Cultural de Brasil. Para ello, analiza elementos de la política, centrándose en las estrategias para superar la pandemia y su posterior mejora. Busca describir los cambios institucionales que han tenido lugar en los elementos de diseño de la política en cuestión, a la luz del marco teórico del cambio institucional. Inicialmente, propone una discusión teórica sobre los efectos de la pandemia en el cambio de las políticas públicas, y muestra cómo estos cambios se han reflejado en la Política Cultural de Brasil mediante el análisis de las representaciones realizadas en la Cámara de Diputados. Los resultados indican que la pandemia, después de la aprobación de las acciones de emergencia, fue un motor para el alineamiento de los autores y una ventana de oportunidad para la solidificación de la Ley Aldir Blanc. Se pueden hacer contribuciones al campo de las políticas públicas analizando los elementos constitutivos del diseño de políticas, donde las crisis se convierten en factores de compromiso y cooperación entre los agentes del poder legislativo para acciones más permanentes.
Palabras clave:
cambio institucional; Covid-19; Política Nacional de Cultura; Ley Aldir Blanc; diseño de políticas
Introdução
Eventos de crise, como o causado pela pandemia de Covid-19, podem funcionar como gatilhos de ativação de mecanismos de mudança institucional (Capano; Howlett, 2021). O período de emergência sanitária provocado pela pandemia contribuiu para que atores políticos movimentassem-se para implementar políticas públicas que visassem mudanças para mitigar efeitos da crise. Embora os choques tenham sido exógenos, as mudanças resultaram de demandas internas das instituições que, ao longo de períodos mais extensos, já estavam em curso de transformação gradual. Apesar de rápidas, essas mudanças não romperam com as políticas anteriores, mas aprimoraram as políticas existentes (Pircher, 2022).
Períodos de crises atuam como catalisadores na articulação de mudanças institucionais graduais (Deruelle; Engeli, 2021). Portanto, é importante analisar a ação de um evento ou choque externo enquanto catalisador e acelerador de mudança institucional gradual e transformativa, investigando se essas mudanças foram paradigmáticas ou apenas aperfeiçoamentos das regras anteriores.
Sobre o objeto - a perenização de ações, outrora emergenciais, aos trabalhadores e trabalhadoras do setor cultural - buscou-se uma explicação para essa superação à pandemia e manutenção da Lei Aldir Blanc. Entre as diversas medidas governamentais tomadas de forma emergencial e temporária para diversos setores, a Política Nacional de Cultura, instituída por meio da Lei Aldir Blanc, foi a única que se concretizou para além dos anos pandêmicos, a exemplo dos programas: “Auxílio emergencial”, “Vamos vencer”, “Manutenção do emprego e da renda”.
A literatura recente sobre o tema aponta uma série de lacunas a serem preenchidas. Há necessidade de confirmar as mudanças catalisadas pela crise, haja vista que a pandemia ainda se fazia presente à época (Deruelle; Engeli, 2021). Aponta-se a necessidade de entender como as questões sociais foram transformadas em políticas concretas (Deruelle; Engeli, 2021; Soon; Chou; Shi, 2021). Somado a isso, há uma lacuna sobre apreender as diferenças na percepção sobre a responsabilidade em um sistema de múltiplos níveis que podem afetar os interesses, estratégias e ações dos envolvidos, influenciando o momento e a velocidade de certas mudanças institucionais (Benveniste; Mizrahi, 2023).
Futuras pesquisas podem focar nas motivações por trás das decisões que direcionaram as mudanças em casos específicos (Cárdenas; Villanueva, 2023). Embora haja uma ênfase nas regras alteradas antes e durante a pandemia (Pircher, 2022), há limitações na compreensão da dinâmica interna do processo de mudança e do comportamento dos agentes no contexto das mudanças institucionais.
Isso se conecta com a observada concentração nas regras modificadas antes e durante a pandemia (Pircher, 2022). Contudo, há limitações quanto à compreensão da dinâmica interna do processo de mudança e do comportamento dos agentes no contexto da mudança institucional.
No caso brasileiro, tentou-se apreender essa dinâmica no setor cultural que foi bastante afetado pela pandemia. Atores culturais são importantes para as indústrias promotoras dos serviços no nicho e são majoritariamente autônomos ou dependentes de uma rede de empregos temporários. Ressalta-se que os atores envolvidos na mudança institucional conseguiram implementar os encaminhamentos previamente planejados. Assim, o processo de mudança institucional na Política Nacional de Cultura do Brasil potencialmente ilumina como mudanças políticas fundamentais podem ser estimuladas em tempos de crise.
O presente trabalho tem como objeto central as mudanças ocorridas na Política Nacional de Cultura à luz do desenho postulado por Mahoney e Thelen (2010). Essa pesquisa diferencia-se em razão de ter observado os atores e suas dinâmicas a partir dos seus respectivos discursos, haja vista que as demais pesquisas detiveram-se apenas nas mudanças de regras institucionais e suas respectivas tipologias (Benveniste; Mizrahi, 2023; Cárdenas; Villanueva, 2023; Chiodo, 2021; Deruelle; Engeli, 2021; Pircher, 2022; Schmidt, 2020; Soon; Chou; Shi, 2021).
Assim, busca-se responder o seguinte questionamento: Como as ações emergenciais temporárias da Lei Aldir Blanc 1, em contexto pandêmico, tornaram-se perenes na Política Cultural do Brasil resultando na Lei Aldir Blanc 2? O objetivo do trabalho é evidenciar os processos e formas em que ocorreram as mudanças institucionais na Política Nacional de Cultura, em função da Lei Aldir Blanc (LAB), para garantir a perenidade da política pública com base na Teoria da Mudança Institucional (Mahoney; Thelen, 2010).
Este estudo contribui para o campo das Políticas Públicas por trazer um olhar acerca das representações sobre mudanças institucionais em contexto de crise, demonstrando processos internos no âmbito institucional, a partir do discurso dos agentes, os quais se demonstraram capazes de tornar permanente uma política gestada para ser transitória. Ademais, descreve e provoca reflexões sobre as mudanças institucionais levadas a cabo na Política Nacional de Cultura.
Métodos e técnicas de pesquisa
A presente pesquisa deu-se por meio da análise do conteúdo verbal dos discursos emitidos nos espaços físicos e nas transmissões virtuais, realizados nas reuniões das comissões da Câmara dos Deputados, sessões do plenário e audiências públicas, por onde tramitaram as matérias legislativas que culminaram na aprovação da Lei Aldir Blanc (aqui denominada LAB I) e sua perenidade (aqui denominada LAB II). Tratam-se de Comissões da Câmara dos Deputados: a de Cultura, a de Finanças e Tributação, e a de Constituição e Justiça e Cidadania; bem como as audiências públicas e sessões de plenário da referida casa legislativa, levadas a cabo entre os dias 20 de março de 2020 a 04 de junho de 2020, referentes ao Projeto de Lei (PL) nº 1.075/2020; e ao PL nº 1.518/2021, de 23 de abril de 2021 a 11 de julho de 2022.
A pesquisa analisa mudanças institucionais com base na Teoria de Mudança Institucional, utilizando a técnica de análise de conteúdo. Essa abordagem sistemática permite fazer inferências sobre conteúdos verbais e visuais para descrever, quantificar e interpretar fenômenos (Sampaio, 2021). Assim, a categoria atribuída foi de “orador(a)”, enquanto agentes expoentes de discursos no âmbito do processo legislativo.
Os dados foram obtidos diretamente nas casas legislativas, por meio de pesquisa no Banco de Discursos (Câmara dos Deputados) e Pronunciamentos (Senado Federal). A seção do Banco de Discursos da Câmara dos Deputados correspondeu à quase totalidade dos dados encontrados, trazendo como resultados Atas de Sessão de Plenário e Notas Taquigráficas da Câmara dos Deputados. A seção possui as opções de busca por comissões ou por plenário. Contudo, no campo de busca das Comissões, somente a Comissão de Cultura (CCULT) retornou resultado de suas audiências públicas e discussão da matéria legislativa, as demais comissões apresentaram erros de carregamento que impossibilitaram o acesso aos discursos.
Por conseguinte, o conjunto dos dados soma 263 documentos, correspondentes aos discursos, sendo 95 vinculados à LAB I e 168 vinculados à LAB II, os quais foram sistematizados para análise por meio do software Iramuteq.
Para a extração do corpus principal dos conteúdos dos discursos correspondentes às subunidades de análise e para compor a unidade de análise, foram aglutinados a uma mesma unidade de análise os discursos proferidos nas casas legislativas. Totalizaram-se 99 oradores, ou seja, 99 unidades de análise de conteúdo. Ressalta-se que a maioria dos oradores corresponde aos parlamentares, porém, no âmbito das comissões, houve audiências públicas com a participação de membros da sociedade civil e do Poder Executivo. Para tratar o corpus de 123 páginas de discursos, foram descartados trechos de cumprimentos, aberturas e fechos de saudações, mantendo-se apenas o discurso relevante (Sampaio, 2021).
Além das categorias de análise, foi elaborado o Livro de Códigos, cujo conteúdo aborda as convenções de codificação, a partir da releitura do corpus. Por exemplo, existe a figura do presidente da comissão, do presidente do Congresso Nacional, do presidente da Câmara e do presidente do Senado, além do presidente da República. Assim, para enfatizar o presidente da República, substituiu-se os termos “governo Bolsonaro”, “Presidente Bolsonaro”, entre outros, por apenas “Bolsonaro”. Foram realizadas ainda análises de similitude e classificação hierárquica descendente. Ademais, foi elaborada uma planilha de codificação, contendo a data, o código do orador, o link do discurso e a transcrição do discurso.
Para dar mais confiabilidade e estabilidade à pesquisa, procedeu-se a um teste de amostra de 10% e outro de 50% do corpus, a fim de verificar se há possíveis desvios de consistência das categorias elencadas, bem como do Livro de Códigos. Posteriormente, o corpus foi inserido à plataforma Iramuteq com a finalidade de buscar as representações da mudança institucional.
Mudança institucional
Mudanças institucionais ocorrem por meio das decisões que são tomadas a partir dos regramentos já criados ou modificados. Essas decisões podem ser tomadas de forma individual ou por influência das instituições políticas e sociais (Peres, 2008). Logo, existem perspectivas teóricas diversas que tentam explicar como novas configurações ou alterações de regras ocorrem, assim como suas possíveis interpretações (Mahoney; Thelen, 2010).
Essas decisões decorrem dos regramentos criados ou modificados que podem ocorrer sob influência dos agentes de mudança. Ou seja, por mais que sejam pertinentes os elementos exógenos, que influenciam sobremaneira as mudanças institucionais, faz-se também necessário observar os elementos endógenos, que trazem mudança de forma incremental (Mahoney; Thelen, 2010).
Mahoney e Thelen (2010) propõem um modelo de contexto e características institucionais, bem como seus respectivos modos de mudança. São eles: drift (deriva ou desvio), conversion (conversão), displacement (deslocamento ou remoção) e layering (sobreposição ou camada). A mudança do tipo deriva ocorre em ambientes com alto nível de discricionariedade institucional, combinado a um contexto político de fortes possibilidades de veto, onde a inação ou negligência por parte dos membros institucionais não se traduz na mudança das regras, as quais são reinterpretadas ou modificadas através de causas externas. A conversão decorre da combinação de baixas possibilidades de veto e baixa discricionariedade, em que se tem a possibilidade de reinterpretar regras ambíguas. “Deslocamento configura-se quando há baixas possibilidades de veto e alto nível de discricionariedade institucional, quando regras novas substituem as antigas, levando a uma mudança abrupta ou surgimento de novas instituições, com ganho de importância frente às que outrora eram dominantes, mas em processo lento no horizonte temporal. A sobreposição ocorre em ambientes institucionais de baixa discricionariedade e forte poder de veto, onde se colocam novas regras que são anexadas às instituições que já existem e mudam de forma gradual seus status e estrutura sem a criação de novas instituições (Mahoney; Thelen, 2010). As mudanças institucionais também possuem um elo em que se classificam os tipos de agentes de mudança, conforme o quadro a seguir.
Os tipos de agentes de mudança podem ser: insurgentes, simbiontes, subversivos e oportunistas (Mahoney; Thelen, 2010). Os insurgentes, podem se moldar preferencialmente nas mudanças institucionais do tipo deslocamento, dado que essa é uma meta predominante desses atores.
Os simbiontes podem ser parasitários ou “amigáveis e recíprocos”, dado que seu sucesso possui relação de dependência da instituição. Quando parasitários, o comportamento tende a guiar-se pela busca de ganhos privados, de forma a prejudicar a instituição a longo prazo. Geralmente estão em ambientes com lacunas de conformidade, sendo associados à mudança do tipo deriva (Mahoney; Thelen, 2010).
Já os subversivos são os que tentam deslocar uma instituição, mas sem necessariamente quebrar suas regras. Assim, seguem as expectativas institucionais e trabalham dentro do sistema. Os tipos de mudança que os subversivos tendem a promover são as do tipo sobreposição. O contexto mais comum de surgimento dos subversivos é o de fortes possibilidades de veto em combinação às poucas oportunidades de interpretação - ou baixa discricionariedade - de modo que agem dentro do sistema para tentar atingir seus objetivos (Mahoney; Thelen, 2010).
Por fim, os oportunistas possuem preferências repletas de ambiguidades, sabem o custo de oposição ao status quo institucional, contudo também não são empreendedores da mudança. Assim, optam por agir na abertura de alguma “janela de oportunidade”, podendo ser os principais responsáveis pela rigidez da mudança institucional. Logo, tendem a estar nos contextos em que há poucos veto players ou impedimentos de mudança institucional e grande margem de discricionariedade ou manobra na forma como as instituições são aplicadas (Mahoney; Thelen, 2010).
Mudança institucional e Covid-19
O contexto de crise ocasionado pela pandemia de Covid-19 criou um impulso para mudanças institucionais. Trata-se de mudanças que encontraram gatilhos em fatores exógenos e foram levadas a cabo em curto prazo e de forma temporária, tendo em vista a emergência sanitária vivenciada no mundo e a necessidade de adaptação institucional para lidar com a crise.
Por exemplo, o momento de crise constituiu-se em um fator exógeno que ensejou diversos eventos de mudança nas formas de interação entre o governo central e governos locais na Espanha durante a pandemia (Benveniste; Mizrahi, 2023). Naquele caso, observou-se que as mudanças institucionais levadas a cabo nas relações entre os diversos níveis de governo na Espanha durante a pandemia de Covid-19 foram, inicialmente, de conversão, mas posteriormente, predominaram as mudanças do tipo sobreposição, tendo em vista a percepção dos atores políticos em adicionar-se normas às instituições locais existentes, com o objetivo de permitir-se a centralização do processo de tomada de decisão sobre saúde (Benveniste; Mizrahi, 2023).
Mudanças em camadas foram observadas também em outros setores no contexto da pandemia, muitas delas com caráter temporário. Ao observar mudanças nas instituições de proteção ao desemprego na Espanha, Cárdenas e Villanueva (2023) verificaram a adição de novos elementos às instituições já existentes, sem que houvesse substituição (Cárdenas; Villanueva, 2023).
Ao estudar contratações públicas na União Europeia, Pircher (2022) identificou que a pandemia abriu uma janela de oportunidade para atores supranacionais atuarem como empreendedores de políticas e impulsionarem a harmonização das regras de contratação. Tal harmonização deu-se por meio da introdução de novos instrumentos e técnicas em um processo de camadas (Pircher, 2022).
Ao avaliar a capacidade de resiliência das instituições do leste asiático para suportar a crise provocada pela pandemia, observa-se que as respostas de políticas sociais à crise deram-se por meio de mudanças institucionais em camadas, de duração temporária, as quais arrefecem à medida que as economias dão sinais de recuperação (Soon; Chou; Shi, 2021). A tendência de resposta em termos de políticas sociais aos desafios impostos pela pandemia no leste asiático deu-se em grande parte por meio de mudanças baseadas na extensão, não na substituição de instituições existentes (Chiodo, 2021).
É interessante observar que mudanças realizadas por meio de processos rápidos e abruptos tendem a remover as regras existentes e introduzir novas, como descrito no processo de deslocamento. Em geral, esse tipo de mudança é introduzido por atores que eram “perdedores” em um contexto anterior, e tornaram-se hegemônicos (Mahoney; Thelen, 2010). Contudo, observa-se um conjunto de relatos de mudanças institucionais estimuladas pelo contexto de crise sanitária, que se desenrolaram de forma rápida e sistêmica, mas que se deram por meio de emendas às regras anteriores, consubstanciando-se no tipo sobreposição.
As mudanças efetivadas, apesar de terem ocorrido num curto espaço de tempo, não significaram rupturas com políticas anteriormente empreendidas, de modo que se observou um aprimoramento das políticas já existentes (Pircher, 2022). Nesse processo, também se aponta o risco à legitimidade do sistema político, uma vez que o tempo para implementação de políticas públicas durante a crise é curto (Pircher, 2022).
Desse modo, o novo contexto de pandemia apresentou-se como condicionante para que diferentes atores implementassem suas estratégias para pautar seus interesses, pois o conflito social, de forma excepcional, apresentou-se em menores tensões e os grupos de interesses passaram a exigir políticas públicas semelhantes (Cárdenas; Villanueva, 2023). Essas tensões menores também podem ser vistas como uma mudança de paradigma, dado que, antes da pandemia, eventuais mudanças empreendidas poderiam ter sido vistas como inadequadas (Deruelle; Engeli, 2021).
A pandemia também foi vista como um fator catalisador para mudanças políticas, reforçando as funções dos estados de bem-estar social em momentos de crise (Deruelle; Engeli, 2021; Soon; Chou; Shi, 2021). Nesse sentido, postula-se que há um aprendizado e repertório padrão de políticas públicas, o que denota a relativa “efetividade” das políticas observadas em diversos países, onde o estado de bem-estar social trouxe reforço e fortalecimento da eficácia das respostas à crise pandêmica. Essas crises podem oferecer oportunidades únicas para revisar (ou consertar) as brechas institucionais de novos riscos sociais (Soon; Chou; Shi, 2021).
Ademais, observa-se ainda que a pandemia representou um momento de maior preocupação para obter a integração do maior número de atores, no que diz respeito à postura de demonstração de responsabilidade social (Grunwald; Schwill; Sassenberg, 2021).
Visões sobre policy design
A literatura sobre Policy Design, ainda que incipiente, busca traçar a perspectiva do desenho do conteúdo das políticas públicas (Lima; Aguiar; Lui, 2021). Policy design é o processo de definir objetivos políticos e selecionar ferramentas para alcançá-los de forma deliberada e consciente, utilizando conhecimento sobre os efeitos das políticas. Envolve a formulação, implementação e desenvolvimento de políticas para atingir ambições políticas específicas (Howlett; Mukherjee; Woo, 2015).
Essa perspectiva importa na medida em que a busca por alcance de objetivos das políticas públicas de forma efetiva é um interesse comum (Howlett; Lejano, 2013). Seu conceito, ainda amplo, pode ser guiado pelas características de composição de arranjos com aspecto resolutivo de algum problema público, onde residem atividades que visam obter acordos entre os tomadores de decisão e os formuladores da alternativa, que vão além de um mero componente processual (Howlett; Lejano, 2013). Assim, o conteúdo do desenho das políticas públicas dá-se em função dos seus elementos formadores. São eles: problemas, objetivos, instrumentos, beneficiários e resultados.
Geralmente, a elaboração de políticas acontece dentro de estruturas de governança e lógica política estabelecidas. Em cada situação de formulação, a ocorrência do “design” depende da vontade do governo de adotar uma abordagem sistêmica para o assunto. No entanto, ter essa intenção não garante projetos alternativos, pois também requer a capacidade do governo de modificar o estado atual das coisas (Howlett; Mukherjee; Woo, 2015).
A teoria da mudança institucional reconhece a importância de compreender melhor a evolução temporal dos projetos e espaços de design. Mahoney e Thelen (2010) destacaram que os arranjos macro-institucionais geralmente surgem não como resultado de planejamento calculado, mas sim através de processos de mudanças incrementais ou reformulações, como sobreposição ou deriva (Mahoney; Thelen, 2010).
Logo, ao longo deste trabalho e de forma complementar, serão analisados alguns elementos da Política Nacional de Cultura. São eles: os beneficiários, no que diz respeito ao público-alvo direto da política; os instrumentos, no que tange ao conteúdo formal da sua legislação; e a definição dos papeis dos entes federativos, incluindo as formas de financiamento da política. Assim, o público-alvo para o qual a política direciona-se, conforme a Lei Aldir Blanc, é o setor cultural, composto por trabalhadores e trabalhadoras, tidos como os que participam da cadeia produtiva de segmento artístico e cultural, a exemplo de artistas, contadores de histórias, produtores, técnicos, oficineiros, professores de escolas de arte e capoeira, entre outros (Brasil, 2020c).
Os instrumentos da Política Nacional de Cultura, no que tange à regulação, são os que serão listados em detalhe na próxima seção, em especial no Quadro 2. Quais sejam: o Sistema Nacional de Cultura (Lei nº 12.343, de 2 de dezembro de 2010); o Plano Nacional de Cultura (Emenda Constitucional nº 48 de 10 de agosto de 2005) e o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (Lei nº 12.343, de 2 de dezembro de 2010). Vale relembrar que os mesmos mecanismos de regulação em nível federal também podem ser replicados em nível estadual e municipal, a partir da adesão dos entes federativos ao Sistema Nacional de Cultura.
Quanto ao orçamento, a Política Nacional de Cultura estrutura-se a partir do Fundo Nacional da Cultura, do Incentivo a Projetos Culturais e dos Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart), sendo que este último não se encontra em operação. Esse conjunto de mecanismos são instituídos por meio da Lei nº 8.313/91 (Brasil, 1991) que, por sua vez, também instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC).
No que diz respeito à tributação, o PRONAC também é parte dos mecanismos da Lei Rouanet, a qual dispõe de isenção tributária ao setor privado que tenha financiado, via patrocínio, a execução de projetos no âmbito artístico-cultural. Além disso, a Constituição Federal prevê a possibilidade aos demais entes federativos de instituírem lei própria de incentivo à cultura, por meio de mecanismos de isenção fiscal ou abatimento nas tributações devidas por parte do setor privado.
Por fim, quanto aos instrumentos de informação, o PNC ganha legitimidade em função do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), o qual dispõe da agregação dos dados de adesão ao Sistema Nacional de Cultura (SNC) e à Lei Aldir Blanc. Além disso, é possível encontrar informações a respeito das proposições e encaminhamentos oriundos das Conferências Nacionais de Cultura, a partir da plataforma de informações do Conselho Nacional de Política Cultural, instância de promoção da participação ativa da sociedade civil organizada.
A política nacional de cultura
Antes do contexto principal de análise, cumpre suscitar os aspectos de mudança institucional da política de cultura no Brasil, cujo ponto de partida é a Constituição Federal (CF) de 1988. Registram-se as principais mudanças conforme o Quadro 2. Em seguida, na Figura 1, apresenta-se um panorama da evolução da política nacional de cultura desde a Constituição Federal.
A CF dispõe, no artigo 215, que o Estado garantirá a todos “o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional”, de modo que “apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (Brasil, 1988). Ao ser inserida no texto constitucional, a Política Nacional de Cultura inaugura-se permitindo que mais dispositivos e aprimoramentos sejam incluídos, incrementalmente. Destaca-se ainda que o referido artigo constitucional ainda prevê a criação de legislação para o Plano Nacional de Cultura a fim de conduzir a produção, promoção e difusão de bens culturais; a democratização do acesso aos bens de cultura; e a valorização da diversidade étnica e regional (Brasil, 1988). Essa democratização traduz-se também no acesso à cultura na sua individualidade e coletividade, enquanto resultado a ser promovido pela Política Nacional de Cultura, em que todos os cidadãos e cidadãs são tidos enquanto beneficiários e beneficiárias finais no desenho da política. Portanto, para dar cumprimento aos ditames constitucionais acima citados, foram estabelecidos os demais dispositivos legais:
A ordem lógica dos dispositivos seria a de criação do SNC, seguido do PNC e o SNIIC. Contudo, a tramitação de PEC costuma levar mais tempo, pelo seu rito de aprovação, e maior necessidade de capital político por parte do interessado na aprovação. Assim, primeiro entraram em vigor os componentes do SNC, e depois o próprio SNC.
Por tratar-se de uma federação, o Brasil conduz boa parte de suas políticas públicas de forma compartilhada entre os entes federativos. Assim, o SNC constitui-se como instrumento de fortalecimento das políticas culturais, por ser o principal dispositivo de articulação dos papeis e das ações entre os entes federativos para dar cumprimento às metas que venham a ser propostas no Plano Nacional de Cultura (Brasil, 2010).
A articulação para alcance dos objetivos é precedida por termo de adesão voluntária dos entes locais e subnacionais, em consonância com o Art. 3º, inciso XII, § 2º da referida lei. O instrumento denominado “Acordo de Cooperação Federativa” estabelece o comprometimento dos referidos entes em desenvolver seus sistemas de cultura locais e subnacionais. A partir do “Acordo de Cooperação Federativa”, os entes colocam-se no papel de instituir seus respectivos Sistemas Municipais de Cultura (SMC) e Sistemas Estaduais de Cultura (SEC), de forma a integrar o SNC. Esses sistemas devem possuir uma estrutura mínima composta por: órgão gestor, conselho de política cultural, conferência, plano de cultura e sistema de financiamento próprio.
O órgão gestor traduz-se na figura da secretaria de cultura em nível municipal ou estadual e é responsável por realizar as aplicações dos recursos oriundos do Sistema de Financiamento instituído pelo respectivo ente por meio do Fundo de Cultura. A lei de criação desse fundo estipula a porcentagem dos recursos ordinários de arrecadação do ente que deverá compor seu orçamento. O Conselho da política cultural, no geral, possui caráter consultivo, podendo ser também deliberativo a depender da lei de criação e sua principal atribuição é de, junto ao gestor, orientar a aplicação dos recursos do fundo de cultura de forma compatível com a política cultural do ente federativo. Por sua vez, a política cultural possui validade de 10 anos, em que são dispostas as metas a serem alcançadas, de acordo com as características e mapeamento das manifestações culturais existentes no respectivo ente federativo.
Quando convocados, os entes federativos devem realizar suas respectivas conferências de cultura. Consideradas a fase de maior espaço de participação social, as conferências municipais enviam seus delegados e propostas para a etapa estadual que, por sua vez, em sistema de votação, escolhem seus delegados, representantes dos estados para a etapa nacional. Esta última, a partir das ações discutidas, trará os anseios populares que alimentarão a execução da Política Nacional de Cultura (Brasil, 2023).
Passando para verificação do Sistema Nacional de Cultura e sua adesão, tem-se que, em atenção aos requisitos acima citados, os estados possuem adesão em sua totalidade ao Sistema Nacional de Cultura (SNC). Em nível local, 52,2% (2907), de um total de 5570 municípios (Brasil, 2020e), não haviam feito a adesão ao SNC até o ano de 2019. No que diz respeito à participação por meio das Conferências Nacionais de Cultura, a articulação federal deixou de apresentar certa periodicidade a partir de 2013.
A Figura 1 apresenta uma linha do tempo dos principais eventos de modificação da Política Nacional de Cultura, bem como os eventos de diretrizes principais, desde a redemocratização do país. Assim, os eventos apanhados dão conta dos marcos de modificação mais robusta da política cultural os quais definem diretrizes de execução da respectiva política.
As conferências nacionais vinham sendo realizadas com frequência. A partir de 2013, ocorre um hiato de quase 10 anos de não realização das Conferências Nacionais de Cultura, prejudicando, assim, a execução da própria política nacional. A 4ª Conferência Nacional de Cultura está prevista para 2024. Assim, optou-se por não a incluir na linha temporal em razão de ainda não ter ocorrido e haver apenas sua convocação.
Nesse hiato, observa-se que o setor cultural possuía tímidas ações de articulação para a Política Nacional de Cultura, de sorte que os maiores recursos e movimentações davam-se à parte, no formato de mecenato ou de iniciativas diretas do Governo Federal, tais como a Lei Rouanet, que funciona por meio de renúncia fiscal. Por meio dessa lei, os valores captados aos projetos culturais acabavam por chegar apenas aos nomes mais renomados e presentes na indústria cultural, aprofundando, assim, as desigualdades de acesso aos recursos. Embora não esteja no escopo desta análise, destaca-se que esta Lei foi reformulada recentemente para reverter essas distorções.
Em 2016, o Ministério da Cultura foi extinto após reforma administrativa resultante na Lei nº 13.341, de 29 de setembro de 2016, passando a ter status de secretaria. Essa situação permaneceu até 2022, na forma da Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019. Em 2023, o status de ministério volta a ser conferido, por meio da Medida Provisória (MPV) nº 1.154, de 1º de janeiro de 2023.
Em 2020, a pandemia de Covid-19 constituiu-se como fator exógeno, tido como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 30 de janeiro de 2020. Assim, as ações emergenciais para a contenção da crise instaurada pela pandemia começaram a ser demandadas sob o aspecto de Políticas Públicas (Frey, 2000).
No aspecto da natureza de suas atribuições, o Poder Executivo seria o principal formulador de políticas públicas emergenciais para atender à população, nos âmbitos sociais, econômicos e de saúde pública. Ainda que pautada na Agenda, a pandemia teve fragmentações de ações que foram iniciadas tardiamente. Como reação inicial do Poder Executivo, foi instituído o Grupo Executivo Interministerial de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e Internacional, por meio do Decreto nº 10.211, de 30 de janeiro de 2020. Posteriormente, foi criado um Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19, por meio do Decreto nº 10.277, de 16 de março de 2020 (Brasil, 2020a). Posterior a esses dispositivos, foi instaurado o Decreto Legislativo nº 06/2020, de 20 de março de 2020, a partir da solicitação do Presidente da República, por meio da Mensagem nº 93/2020, para o reconhecimento do estado de calamidade pública no país.
Nesse contexto de paralisia gerada pelo isolamento social determinado, ampliaram-se as demandas por variadas políticas públicas, de diversas ordens e magnitudes, que exigiam um grau de resposta da burocracia estatal para sua formulação e implementação no formato dessas ações emergenciais. Dentre elas, podem ser citadas as ações do Auxílio Emergencial, do Programa de Apoio ao Microempresário, bem como a determinação de diversas medidas sanitárias.
Na seara de atingidos pelo desemprego, estava o setor cultural, um dos principais afetados pela pandemia, dado que a realização de eventos teve que ser paralisada, comprometendo, assim, uma escala produtiva que corresponde a 3% do PIB Nacional. As fragilidades do setor de artes e cultura foram cada vez mais exacerbadas, de maneira que as lacunas de proteção social e econômica aos artistas e profissionais da cultura ficaram ainda mais evidentes. Isso porque esses atores que se revelaram chave no funcionamento das indústrias criativas e culturais são, em sua maioria, autônomos ou dependentes de uma rede de empregadores a um só tempo (UNESCO, 2020).
Entretanto, devido à não-ação do Governo Federal, o Poder Legislativo passou a ter protagonismo por sua atuação como participante visível e de importante influência no processo decisório. Em 26 de março de 2020, foi apresentado o Projeto de Lei nº 1.075/2020, o qual foi aprovado de forma quase unânime e sancionado na forma da Lei nº 14.017, de 29 de junho de 2020. Popularmente, ficou conhecida como Lei Aldir Blanc a qual “dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020” (Brasil, 2020c).
Pelas regras da LAB I, após a execução dos mecanismos de destinação dos recursos, tendo eventuais sobras, os valores deveriam ser revertidos aos cofres da União no ano seguinte. Em 2021, após articulação do Poder Legislativo, foi conquistada a possibilidade de uma nova rodada de mecanismos de destinação, a fim de que os recursos fossem destinados em sua totalidade nos estados e municípios que, porventura, possuíam saldo, até o final de 2021. Nesse ano, também foi estendido o prazo para prestação de contas por parte dos entes locais e subnacionais.
Em maio do mesmo ano, foi proposto o Projeto de Lei nº 1.518/21 com o objetivo de criar “uma política nacional permanente de fomento ao setor cultural brasileiro, executada de forma descentralizada nos estados, municípios e Distrito Federal, com recursos federais” (Brasil, 2021). Esse projeto foi convertido na Lei nº 14.399/2022 - LAB 2, entendida como a tentativa de mudança institucional permanente, no sentido de a regra inicial não perder a validade com o passar dos efeitos da pandemia.
Mudanças nos elementos do desenho da política nacional de cultura
Em termos instrumentais, no aspecto legislativo, as principais mudanças são o advento da LAB 1 com “ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública”. O escopo dessas ações foi aproveitado de maneira perene na LAB 2 que “institui a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura”.
Em termos financeiros, na LAB 1, essas ações emergenciais tiveram como novidade a ocorrência da descentralização dos recursos do Fundo Nacional de Cultura (FNC) da União aos demais entes federativos (Semensato; Barbalho, 2021). Outrora, os acessos aos FNC davam-se por editais próprios em nível federal a serem acessados pelos agentes, por exemplo, os Pontos de Cultura. Logo, adveio o Decreto nº 10.464/2020, que determinou a destinação dos recursos em nível municipal ou estadual no prazo de 120 e 60 dias, respectivamente, após o recebimento do repasse (Semensato; Barbalho, 2021). Dado o contexto de emergência, essa nova funcionalidade permitiu a chegada dos recursos de forma mais rápida, sem a necessidade inicial de implementação dos Sistemas de Municipais ou Estaduais de Cultura, que previam uma série de instrumentos que dependiam dos processos legislativos dos entes ou de regulamentação das legislações que dispunham.
No curto prazo determinado para a destinação dos recursos, somado às baixas capacidades de estrutura burocrática e tecnológica dos municípios, verificou-se a dificuldade de atendimento pleno ao objetivo da lei. Desse modo, foi necessária a prorrogação da destinação, cuja autorização ocorreu apenas em 29 de dezembro de 2020, por meio da Medida Provisória nº 1.019, e os recursos puderam ser destinados em 2021.
Outra mudança importante deu-se na maneira de acesso aos recursos pelos entes federativos, os quais deveriam propor Planos de Ação na Plataforma Mais Brasil e, mediante a aprovação, o município ou estado estaria apto a receber os recursos do Governo Federal. A partir do recebimento dos valores, o ente deveria prosseguir com as ações planejadas para a destinação final dos recursos aos beneficiários. Além disso, após a destinação dos recursos e das contrapartidas eventualmente previstas como nos mecanismos de execução, os municípios e estados que fizeram a adesão também se responsabilizam pelas prestações de contas dos recursos ao Governo Federal, por meio da Plataforma Mais Brasil, recentemente renomeada como “Transferegov.br”.
Na nova versão da Lei Aldir Blanc, a União deve descentralizar os recursos aos municípios e estados “no primeiro exercício subsequente ao da entrada em vigor desta Lei e nos 4 (quatro) anos seguintes” (Lei nº 14.399/2022). Com efeito da descentralização inicial realizada, tem ocorrido o incentivo de adesão ao Sistema Nacional de Cultura, ou a execução da política cultural nos entes locais e subnacionais.
Por fim, merece destaque o público-alvo da Política Nacional de Cultura. Os beneficiários ainda são os cidadãos e cidadãs que dispõem do direito de fruição e acesso à cultura. Contudo, ao promover o acesso dos recursos aos trabalhadores e fazedores de arte e cultura, a nova versão da política potencializa diretamente a classe que promove a cultura, enquanto também amplia o alcance e efetividade da Política Nacional de Cultura.
Resultados e discussão das análises
A Figura 2, a seguir, apresenta uma nuvem de palavras capaz de resumir os principais termos utilizados ao longo das deliberações sobre o projeto de lei que culminou na Lei Aldir Blanc.
Cerne central dessa discussão, a “cultura” encontra-se como forma de maior frequência com 632 ocorrências nos discursos. Além da forma singular, a cultura também foi associada a outros termos, a fim de evidenciar suas relações nos discursos. Assim, com relação à literatura mobilizada, observa-se que os Agentes da Mudança institucional condizem a presença do termo “trabalhadores da Cultura”, como sendo também o público-alvo e principal beneficiário da Política Nacional de Cultura; “cultura brasileira”, como direito fundamental e cultural, como também relativo à “Cultura”. Após este último termo, tem-se o verbo “querer” em suas diversas formas associadas, seguida do termo “projeto”, “brasileiro” e “lei”. Infere-se que a cultura e o projeto de lei a ela associado foi debatida de forma intensa e, o verbo “querer” como manifestação de desejo de realizar a aprovação da LAB 1 e LAB 2. A saber:
políticas culturais que tanto o setor cultural almeja há muito tempo, sobre o seu desenvolvimento, foram discutidas, por muitos anos, por fazedores [...], por gestores [...], por produtores culturais, por conselheiros de cultura. Todos os agentes culturais do País reuniram-se para a [...] [construção do] Plano Nacional de Cultura. Porém, [...], nós não tivemos um mecanismo tão importante como a LAB, que trouxe os elementos necessários para fazer com que muitas das ações previstas no plano fossem implementadas” (Dutra, 2021, p. 7).
Dessa forma, ao observar os principais verbos, os agentes de mudança observados condizem com a tipologia que a literatura da mudança institucional alcunhou como “subversivos”. Por serem ações já previstas em planos de cultura, entende-se o papel subversivo, dadas as fortes possibilidades de veto em combinação às poucas oportunidades de interpretação trazidas pela pandemia. Pois, querer a aprovação acompanhada do adjetivo “importante”, e do verbo “precisar” junto ao substantivo “Brasil”, objeto da política pública junto aos trabalhadores da cultura, reforça a necessidade de mudança na legislação, de forma legitimada.
Os agentes “subversivos” atuam em ambientes com baixa discricionariedade (Mahoney; Thelen, 2010). A pandemia ressaltou a preocupação em integrar o maior número possível de atores, o que resultou em um aumento do engajamento e do senso de coletividade por parte do parlamento (Grunwald; Schwill; Sassenberg, 2021). Esse período representou um momento de consenso, com baixa discricionariedade, sobre a importância da mobilização para o bem-estar social, trazendo maior visibilidade às classes mais afetadas. Destaca-se que os atores importam e, nesse caso, em sua maioria perfazem o poder legislativo cujos interesses não convergiram de tal forma antes do advento da pandemia.
Assim, a cultura, enquanto direito, também se mostrou importante aliada no alívio às tensões causadas pela crise da Covid-19, pois sua fruição está relacionada à sociabilidade, à comunicação, à integração e senso de pertencimento. Essas características ficaram sensíveis aos momentos de isolamento e distanciamento social, quando houve a necessidade de reinventar-se para manter o lazer, ainda que à distância, por meio de lives e chamadas de vídeo.
A inserção dos profissionais da cultura nas diversas cadeias produtivas revitalizou esses setores em comunidades e cidades menores, para além das regiões metropolitanas. Com a alocação de recursos nos municípios, houve um estímulo ao setor cultural, incentivando a valorização dos artistas e criadores locais pelas estruturas governamentais. A cultura impulsiona setores como alimentação, vestuário, produção audiovisual, infraestrutura e transporte, promovendo a circulação de dinheiro na economia local.
O gráfico de similitude apresentado na Figura 3permite observar a relação das formas no corpus (Vasconcelos, 2021), em que foram analisadas as 125 formas mais ativas.
Observa-se a centralidade da “cultura” como veio de ligação entre os grupos e subgrupos (áreas de intersecção). Os termos foram distribuídos em 6 grupos, sendo o mais expressivo o que apresentou “cultura”, “Brasil”, “país” e “importante”, que aqui nomeia-se como Grupo A. Os demais grupos possuem como centrais as seguintes formas: “Pandemia” e “Momento” - Grupo B; “brasileiro”, “parlamento” e “direito” - Grupo C; “querer”, “governo”, “projeto” - Grupo D; “veto”, “LPG” e “LAB2” - Grupo E; e, por fim, “recurso”, “município” e “chegar” - Grupo F. A relação mais forte observada está entre os grupos A e D, onde o conjunto deles revela, no Grupo D, o ímpeto em querer aprovar os projetos de lei referentes às ações emergenciais em sua primeira fase, reforçada pelas palavras “pandemia”, “aprovar” e “Jandira Feghali”, ligada à “relatoria” da LAB1. Enquanto o grupo A demonstra a relação em seu círculo da cultura como “importante”, ligada também ao “país” e “precisar”, revelando a necessidade e legitimidade da causa cultural.
Ao observar a relação entre os Grupos A e B, é possível observar a temporalidade da legislação, em que “momento” se encontra como interseção entre os grupos, reforçando a ideia temporal em que se necessitava realizar a votação da LAB1.
Sobre a relação entre os grupos A e C, observa-se a ideia de aproximação entre parlamento e sociedade brasileira. O termo “milhão” e formas associadas faz referência aos diversos adjetivos sobre a magnitude dos impactos causados pela pandemia. Os termos complementares aparecem de formas diferentes e, portanto, em frequências menos expressivas. Entre eles, podem ser citados os “1 milhão de contaminados em 2020”, “5 milhões de artistas que tiveram suas atividades paralisadas”, os “1,3 milhão de profissionais dos setores públicos ou privados atuantes na área da saúde”, os “33 milhões de pessoas no mapa da fome”, os “700 milhões de valores ainda não empenhados” durante a execução da LAB 1 que seriam revertidos ao Governo Federal.
No que se refere à relação entre Grupos A e E, há interseção sobre o termo “veto”, cujo contexto refere-se aos vetos totais que a LAB 2 passou ao chegar ao Poder Executivo Federal. O termo “veto” possui ligação com “derrubar”, o que indica o momento em que se defendia a derrubada dos vetos. Outro termo que ganha relevância é “LPG”, relativo à Lei Paulo Gustavo. Ambas as legislações foram debatidas e votadas em conjunto em função da temática cultural, tendo a LPG maior enfoque no nicho audiovisual. As duas leis, outrora vetadas, tiveram seus vetos derrubados, sendo aprovadas em dezembro de 2022.
Acerca da relação entre os grupos e o Grupo F, a intersecção está nos termos “cultura”, “recurso” e “município”. Isso revela o ponto comum de os municípios estarem ligados à transferência de recursos para a execução da política de cultura.
Foi realizada também uma Classificação Hierárquica Descendente (CHD), por meio da qual separaram-se corpus por meio de classes (ou sub-corpora) que se formam conforme a apresentação de segmentos de textos de um mesmo vocabulário, ou semelhantes entre si (Klamt; Santos, 2021).
O grau de aproveitamento dos segmentos de classificados foi de 93,17%. Da esquerda para a direita, as partições geradas deram origem a cinco classes. Na primeira partição, tem-se o maior sub-corpora que gerou a classe 5 separada das demais. A segunda partição gerou as classes 1 e 2. Simultaneamente, a terceira partição gerou as classes 3 e 4. A Classe 5 representa 27,89% dos segmentos de texto; a Classe 2 representa 19,85%, seguida de 22,31% da Classe 3, a Classe 4 corresponde a 13,84% dos segmentos textuais e a Classe 1 corresponde a 16,11%.
Assim, são geradas as Unidades de Contexto Elementar, a partir das Unidades de Contexto Inicial (UCI), que permitem verificar a proximidade das classes, além da proximidade das próprias palavras que foram analisadas na análise de similitude representada na figura anterior. A Figura 5 apresenta as classes representadas com suas palavras de maior significância associadas entre si.
A classe 5, de maior representatividade, congrega os termos “recurso”, “município”, “conta” e “prazo”. Em contexto, tem-se presente nos discursos a preocupação com o prazo para prestação de contas dos recursos recebidos pelos municípios, que foi considerado exíguo. Após o recebimento dos recursos em outubro de 2020, os municípios deveriam dar destinação final ao público-alvo até dezembro do mesmo ano. Outros termos representados são “descentralização”, “Fomento”, e “SNC”, o que permite traçar um paralelo sobre a estruturação do Sistema Nacional de Cultura (SNC) por meio do envio dos recursos da União aos Municípios.
Observa-se que as classes 1 e 2 possuem maior frequência no que diz respeito à pandemia, seus efeitos e medidas de contenção. A Classe 1 traz “povo”, “Bolsonaro”, “600 reais”, demonstrando que a população estava em maior situação de vulnerabilidades sociais que demandam medidas de bem-estar social. Assim, o Governo Federal concedeu o Auxílio Emergencial que, inicialmente, foi proposto no valor de trezentos reais. O referido auxílio deu-se por meio da MPV nº 1000/2020, e o valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) ocorreu somente após emenda do Poder Legislativo (Brasil, 2020b).
Observa-se ainda a ligação contextual de “Bolsonaro” e “saúde”, ou “Bolsonaro” e “indígena”. À época, apesar das medidas emanadas pelas instituições da Presidência da República ou Ministério da Saúde, o então Presidente da República emanava discursos em plataformas de redes sociais (Cordeiro, 2022) e em rede nacional de televisão, por meio de pronunciamentos oficiais que iam na contramão das recomendações das instituições federais. O termo “indígena” remete ao contexto em que também houve veto parcial nº 27/2020 (Brasil, 2020d) ao Projeto de lei nº 1.142, de 2020, que visava “medidas urgentíssimas de apoio aos povos indígenas em razão do novo coronavírus (Covid-19)”, sendo o mesmo veto derrubado e, posteriormente, transformado na Lei Ordinária 14.021/2020 (Brasil, 2020f).
Já na classe 2, há destaque de conexão entre os termos “pandemia”, “arte”, “economia”, “país” e “trabalhadores da cultura”. Nesse contexto, há referência ao entendimento da importância dos “trabalhadores da cultura” para a “economia” do “país” e do quanto a fruição da “arte” poderia ser uma das maneiras de lidar com os densos períodos de isolamento social.
Na segunda partição, as classes 3 e 4, simultaneamente relacionadas, têm, respectivamente, os termos “Jandira Feghali” e “veto” como os mais citados. O contexto refere-se à LAB 2, que foi vetada em sua totalidade pelo Executivo Federal e, na outra interface, está a Deputada Jandira Feghali, autora da LAB 2 e relatora da LAB 1. Cumpre salientar que, à época, o Presidente da República seria o veto player de maior atuação nesse contexto de mudança institucional de perenização e superação da Política Nacional de Cultura para além da pandemia. Já Jandira Feghali seria a principal agente de mudança dada a articulação inicial na relatoria da LAB1 e o apoio obtido para alavancar a LAB2.
Em sequência, as relações de palavras da classe 3, demonstram congratulações direcionadas à atuação da deputada Jandira Feghali, bem como da autora da LAB1, que também possui expressividade de ocorrências no corpus, a Deputada Benedita da Silva. Os demais termos referem-se às atividades do processo legislativo, tais como “reunião”, “aprovação” e “comissão”.
Por fim, a classe 4 apresentou o processamento dos termos “derrubar”, “LPG”, “votar”, “senado”, “derrubado”, “LAB2”. Na contextualização, os discursos referem-se à busca dos agentes de mudança pela derrubada dos vetos às Leis Paulo Gustavo e LAB2. Busca esta que logrou êxito pelo alinhamento de ação entre Câmara dos Deputados e Senado Federal.
Representações da mudança institucional
As mudanças institucionais ocorreram por sobreposição. Isso fica claro ao observar-se como, ao longo da pandemia, as ações que começaram como soluções de emergência transformaram-se em práticas permanentes com o passar do tempo. Na fase da LAB1, observa-se que a mudança do tipo sobreposição se deu, principalmente, no momento de instituição da Lei que estabeleceu ações emergenciais ao setor cultural. Os atores envolvidos coadunam com a tipologia subversiva à luz da mudança institucional, isso porque conseguiram empreender os encaminhamentos das conferências nacionais de cultura, sem necessariamente empreender uma mudança institucional transformativa, a exemplo do tipo deslocamento.
Já a LAB2 entende-se como uma mudança institucional por conversão. Isso porque as medidas emergenciais que tinham previsão temporária de duração tornaram-se permanentes após a crise, passando a uma adição de 5 anos com períodos de revisão e avaliação da política. A eficácia das ações emergenciais durante a pandemia, demonstrada pela LAB1, mostrou os benefícios dessas medidas para o setor cultural. Além disso, os envolvidos na época aproveitaram a situação para superar obstáculos, como os vetos à LAB2, em um contexto eleitoral favorável, e conseguiram a aprovação unânime da lei, apesar da oposição inicial do Poder Executivo.
Conclusões e sugestões para futuras pesquisas
A pandemia constituiu-se um evento crítico o qual, por sua urgência, definiu automaticamente a Agenda dos governos em todos os níveis e países. Uma vez instalado o período de calamidade, criou-se um senso de emergência em que os atores empreenderam políticas públicas em direção à mudança pretendida (Chiodo, 2021).
Os resultados mostram que, durante a pandemia, a mudança institucional seguiu principalmente o padrão de sobreposição. O mesmo ocorreu nas mudanças relacionadas às interações entre o governo central e governos locais na Espanha, conforme descrito por Benveniste e Mizrahi (2023), em que houve a transferência da autoridade de forma descendente, ampliando a autonomia dos entes locais. Isso envolveu a adição de novos elementos às instituições existentes, mudando seu funcionamento e estrutura (Cárdenas; Villanueva, 2023).
No âmbito cultural, os entes locais e subnacionais tiveram maior autonomia sobre as formas de destinação dos recursos aos trabalhadores e trabalhadoras da cultura. Apesar da inovação na descentralização dos recursos, esses parâmetros já eram pontos de aprimoramento da Política em curso, uma vez que seguiram os encaminhamentos postulados outrora nas conferências nacionais de cultura.
Também cabe ser observado se houve o surgimento de novas regras ou se foram sobrepostas às antigas, a fim de averiguar a mudança de paradigma (Schmidt, 2020) ou “melhoria” da regra anteriormente posta. Nesse sentido, o elemento novo criado para a política foi a regra de adesão das ações emergenciais por meio do sistema convênio entre entes federativos, à época, a conhecida como Plataforma Mais Brasil que dispunha da possibilidade de submissão dos Planos de Ação para aplicação dos recursos destinados pela LAB1.
O contexto de pandemia também foi tido como um risco à legitimidade do sistema político, uma vez que o tempo para implementação da política durante a crise foi curto (Pircher, 2022). Porém, essa visão não pode ser estendida para o objeto deste trabalho, visto que, no processo de agenda e debate das ações emergenciais ao setor cultural, foram amplamente promovidas as participações em processos de escutas nas audiências públicas pela participação da sociedade civil e representantes do setor cultural. Isso conferiu maior legitimidade ao conjunto das ações emergenciais que foram elaboradas, também levando em conta contribuições de atores externos.
Tendo o locus do Poder Legislativo como espaço para empreendimento da mudança institucional, a discricionariedade dos atores presentes era de baixo nível, dado o consenso instalado pelo senso de solidariedade na pandemia. Isso significou maior engajamento e senso de coletividade por parte do parlamento. O que se refletiu na votação quase unânime da LAB1.
Entretanto, a segunda fase desse conjunto de ações, LAB2, é entendida como a tentativa de mudança institucional permanente, no sentido de a regra inicial não perder a validade com o passar dos efeitos da pandemia. Assim, postula-se que a mudança empreendida passou a ser do tipo conversão, dando solidez à política cultural em nível descentralizado, e resultando na Lei nº 14.399/2022, que instituiu a “Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura”. Tendo o locus do Poder Legislativo como espaço para empreendimento da mudança institucional, a discricionariedade dos atores presentes era de baixo nível, dado o consenso instalado pelo senso de solidariedade na pandemia.
Com relação aos elementos da Política Nacional de Cultura, o ponto principal é a forma de financiamento, que permaneceu com o Governo Federal em 2020. A partir de 2023, a descentralização dos recursos tornou-se permanente aos demais entes federados, no valor de R$ 3 bilhões a serem executados e distribuídos a estados e municípios. Essa descentralização dos recursos visa impulsionar as economias locais.
No que se refere às representações da Mudança Institucional ocorridas a partir dos agentes de mudança, enquadram-se os agentes como “Subversivos”, visto provocaram mudanças do tipo sobreposição. Contudo, em um segundo momento, na fase de perenização da Política Nacional de Cultura, os mesmos agentes de mudança podem ser classificados como oportunistas. O único veto player mais aparente seria o então Presidente da República, que, apesar dos vetos à LAB 2 (), não logrou inviabilizar a política. Observa-se também o quanto a crise apresentou-se como fator de engajamento e cooperação entre os agentes do Poder Legislativo, mas não do Poder Executivo.
Ainda há lacunas que precisam ser preenchidas, considerando as mudanças provocadas pela crise da Covid-19 (Deruelle; Engeli, 2021). É essencial investigar como questões sociais serão traduzidas em políticas concretas (Deruelle; Engeli, 2021; Soon; Chou; Shi, 2021) e compreender como as diferentes percepções de responsabilidade podem influenciar os interesses e ações dos atores, afetando o ritmo e a natureza das mudanças institucionais (Benveniste; Mizrahi, 2023).
Também há o que se explorar quanto às motivações por trás das decisões que impulsionaram mudanças em casos específicos (Cárdenas; Villanueva, 2023). Apesar do foco nas regras alteradas antes e durante a pandemia (Pircher, 2022), há limitações na compreensão da dinâmica interna das mudanças institucionais e do comportamento dos agentes nesse processo.
Esta pesquisa soma-se à literatura sobre Mudança Institucional ao demonstrar como os agentes de mudança comportam-se em momentos de crise, podendo atuar em papeis distintos, a depender do contexto, bem como suas tipologias. Em contraste, as outras pesquisas que se detiveram apenas nas regras que acarretam mudança institucional e suas respectivas tipologias (Benveniste; Mizrahi, 2023; Cárdenas; Villanueva, 2023; Chiodo, 2021; Deruelle; Engeli, 2021; Pircher, 2022; Schmidt, 2020; Soon; Chou; Shi, 2021). Contudo, vale destacar que este estudo possui algumas limitações, tais como um possível desdobramento de análise em separado dos agentes de mudança na categoria “trabalhadores e trabalhadoras da cultura” e “membros do Poder Legislativo”. Além disso, entende-se que é de suma importância verificar os efeitos da política sobre os entes locais e os subnacionais.
Referências
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1
Para replicação dos dados: https://doi.org/10.7910/DVN/LQECDV
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2
Agradecemos ao programa de Mestrado em Políticas Públicas e Governo da FGV EPPG pelo apoio financeiro.
Editado por
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Debora Rezende de Almeida
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Rebecca Neaera Abers
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BRASIL. IBGE divulga estimativa da população dos municípios para 2020. Agência IBGE de Notícias. 27 ago. 2020e. Disponível em: Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28668-ibge-divulga-estimativa-da-populacao-dos-municipios-para-2020 Acesso em: 19 jun. 2023.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Fev 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
19 Abr 2024 -
Aceito
16 Out 2024