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Tolerância política e ativismo de protesto no Brasil: efeitos comportamentais do apoio a direitos políticos

Political tolerance and protest activism in Brazil: behavioral effects support for political rights

Resumo:

A literatura sobre comportamento político tem analisado as relações entre atitudes de tolerância política e diferentes formas de ativismo, com resultados conflitantes. Procurando contribuir com essa agenda, esse artigo explora dados da onda de 2018 do Latin American Public Opinion Project (LAPOP) para analisar os efeitos da manifestação de tolerância política sobre o ativismo de protesto no contexto brasileiro. Trata-se, portanto, de estudo sobre possíveis consequências comportamentais de atitudes políticas em um contexto de crescente polarização afetiva. Utilizando técnica não paramétrica de combinações (Coarsened Exact Matching - CEM), os resultados encontrados indicam que, mesmo tendo seus efeitos controlados por variáveis explicativas reconhecidas pelos estudos sobre participação, o impacto positivo da tolerância política é consistente, favorecendo o ativismo político contestatório.

Palavras-chave:
tolerância política; participação; protesto; atitudes políticas; comportamentos políticos

Abstract:

Literature on political behavior has analyzed the relationships between attitudes of political tolerance and different forms of activism, with conflicting results. In order contribute to this agenda, this article explores data from the 2018 wave of the Latin American Public Opinion Project to analyze the effects of the expression of political tolerance for protest activism in the Brazilian context. It constitutes, therefore, a study of the possible behavioral consequences of political attitudes in a context of growing affective polarization. Using a non-parametric combination technique (Coarsened Exact Matching - CEM), the results indicate that, even when the effects are controlled by explanatory variables recognized by studies on participation, the positive impact of political tolerance is consistent and favors contestatory political activism.

Keywords:
political tolerance; participation; protest; political attitudes; political behavior

Introdução

A polarização política no Brasil tem sido analisada nos últimos anos por artigos inspirados pelo debate norte-americano acerca das rivalidades entre grupos sociais e do ressentimento cultural de alguns grupos conservadores após período de intensa mudanças de valores (MASON, 2018MASON, Lilliana. Uncivil agreement: how politics became our identity. Chicago: Chicago University Press, 2018.; NORRIS; INGLEHART, 2019NORRIS, Pippa; INGLEHART, Ronaldo. Cultural backlash: Trump, Brexit, and authoritarian populism. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2019.). Esses trabalhos têm encontrado evidências de polarização afetiva, principalmente entre pessoas favoráveis e contrárias ao Partido dos Trabalhadores ou às lideranças políticas como Lula e Bolsonaro (BELLO, 2020BELLO, A. Dynamic political polarization mood: evidences from Brazil. In: Encontro Anual da ANPOCS, 44., 2020. Anais eletrônicos [...] [on-line]. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3uM7H2H Acesso em: 10 jan. 2021.
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; FUKS; MARQUES, 2020FUKS, Mario; MARQUES, Pedro. Afeto ou ideologia: medindo polarização política no Brasil. In: ENCONTRO DA ABCP, 12., 2020, João Pessoa. Anais eletrônicos [...], João Pessoa, Universidade Federal da Paraíba, 2020. p.1-15. Disponível em: Disponível em: https://cienciapolitica.org.br/web/system/files/documentos/eventos/2021/01/afeto-ou-ideologia-medindo-polarizacao-politica-brasil-2578.pdf Acesso em: 10 jul. 2021.
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).

As bases dessa polarização remontam aos tumultuados anos de 2015 e 2016, com seus protestos contra e a favor de a então presidente Dilma Rousseff. Já nesse momento, algumas manifestações verbais, cartazes e faixas usadas pelos participantes apresentavam conteúdos que sugerem atitudes e valores de intolerância política. Temendo que esse clima se convertesse em episódios de violência física, a Secretaria de Segurança e Paz Social do Distrito Federal, como foi amplamente noticiado pela imprensa nacional, construiu um muro de ferro com um quilômetro de extensão ao longo do gramado da Esplanada dos Ministérios em frente ao Congresso Nacional, separando grupos favoráveis e contrários ao governo no momento em que ocorreram as votações na Câmara e no Senado sobre a admissibilidade do processo de impeachment da presidente. Nas redes sociais essa polarização afetiva atingiu (e continua atingindo) níveis ainda mais agudos, provavelmente em razão da expectativa (ou ilusão) de anonimato e impunidade que esse ambiente inspira.

No curto governo de Michel Temer, vice que assumiu a presidência após o impedimento de Rousseff, o quadro permaneceu inalterado e as eleições presidenciais de 2018 explicitaram de forma inequívoca o antagonismo político. Terminado esse processo eleitoral, antagonismos relevantes parecem ter permanecido, inclusive contaminando o debate público sobre as políticas de enfrentamento da catástrofe planetária da pandemia de Covid-19. São incertas as consequências desse quadro sobre as atitudes de tolerância política dos brasileiros, principalmente em razão da falta de dados longitudinais para mensurar potenciais efeitos, mas parece ser plausível supor que a natureza afetiva das polarizações não contribui para a disseminação de posturas de respeito aos direitos políticos daqueles que são vistos como adversários.

Esse artigo parte desse contexto para apresentar resultados de pesquisa que procurou avaliar as relações entre essas atitudes de tolerância política e comportamento participativo em modalidades de protesto político. Se a polarização com bases afetivas tem se mostrado um fenômeno relevante, a sua possível associação com a intolerância e seus correlatos comportamentais merece nossa atenção.

É preciso lembrar que tolerância e participação estão frequentemente associadas normativa e teoricamente (DAHL, 1997DAHL, Robert. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Edusp, 1997.). Qualquer ordem política que almeje esse status deveria prever garantias constitucionais para que diferentes grupos participassem da disputa por poder político com liberdade para difundir suas ideias e angariar adeptos. Mas para além dessas garantias institucionais, é preciso reconhecer que a existência de um consenso mínimo a respeito de valores democráticos básicos é parte importante do complexo processo de consolidação e aprofundamento das democracias modernas.

Se, normativamente, participação e tolerância estão ligadas, no plano empírico, a literatura ainda não tem respostas definitivas sobre a natureza dessa relação, ainda que pesquisadores do comportamento político venham se dedicando ao assunto há pelo menos cinco décadas. Por um lado, alguns autores defendem a existência de uma relação positiva, baseada na semelhança de requisitos e recursos que tais atitudes e comportamentos demandariam (McCLOSKY, 1964McCLOSKY, Herbert. Consensus and ideology in American politics. American Political Science Review, v. 58, p. 361-382, 1964.; STOUFFER, 1955STOUFFER, Samuel. Communism, conformity, and civil liberties. New York: Doubleday, 1955.; SULLIVAN; PIERESON; MARCUS, 1982SULLIVAN, John.; PIERESON, James; MARCUS, George. Political tolerance and American democracy. Chicago: The University of Chicago Press, 1982.; VERBA; SCHLOZMAN; BRADY, 1995VERBA, Sidney; SCHLOZMAN, Kay.; BRADY, Henry. Voice and equality: civic voluntarism in American politics. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1995.). Pesquisadores vinculados a essa primeira perspectiva, entretanto, raramente são capazes de informar qual a direção dessa relação, frequentemente afirmando existir mútua influência. De outro, estão autores que apontam uma relação negativa entre posturas tolerantes e participação política, derivado de diferenças fundamentais entre atitudes tolerantes e intolerantes. A primeira seria fraca, flexível e internamente inconsistente como posição (GIBSON, 1998GIBSON, James. Putting up with fellow Russians: an analysis of political tolerance in the fledgling Russian democracy. Political Research Quarterly, v. 51, n. 1, p. 37-68, 1998.; PEFFLEY; KNIGGE; HURWITZ, 2001PEFFLEY, Mark.; KNIGGE, Pia; HURWITZ, Jun. A multiple values model of political tolerance. Political Research Quarterly, v. 54, n. 2, p. 379-406, 2001.), gerando assim apatia política (MUTZ, 2005MUTZ, Diana. Hearing the other side: deliberative vs. participatory democracy. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2005.). A segunda seria forte, rígida e consistente, favorecendo comportamentos ativos em defesa de sistemas de crenças do indivíduo (MARCUS et al., 1995MARCUS, George et al. With malice toward some: How people make civil liberties judgments. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1995.).

Dialogando com essa literatura, nossa intenção é contribuir para o debate sobre os efeitos comportamentais da tolerância política, investigando a relação entre a manifestação de atitudes tolerantes em relação a grupos que são alvos de desafeição e o engajamento em atividades de protesto político num contexto de crescente polarização afetiva e mobilização de rua.

Enfrentando o desafio da endogeneidade inerente a esses dois fenômenos, utilizamos técnica não paramétrica de combinações (Coarsened Exact Matching - CEM), para controlar os efeitos da tolerância por variáveis que normalmente têm sido empregadas nos estudos sobre participação política, procurando assim identificar o que, de fato, é efeito dessas atitudes sobre o engajamento cívico.

Mais especificamente, nossa atenção se voltou para o que a literatura sobre participação classifica como ativismo contestatório: o envolvimento em protestos. Esse tipo de engajamento envolve necessariamente um elemento de mobilização e a interação com outros cidadãos em torno de assuntos específicos. Trata-se também de uma atividade que envolve altos custos, sejam esses informacionais, de tempo, ou mesmo associados à potencial repressão estatal aos atos de protesto. Considerando esses altos custos, a nossa expectativa é que a participação em protesto demande um compromisso atitudinal e valorativo com a democracia, sendo, portanto, os tolerantes mais propensos a esse tipo de ativismo. Como fator complementar, mobilizamos também argumentos do campo da psicologia social que têm afirmado uma tendência individual de busca por consistência entre atitudes e comportamentos (SCHER; COOPER, 1989SCHER, Steven; COOPER, Joel. Motivational basis of dissonance: the singular role of behavioral consequences. Journal of Personality and Social Psychology, v. 56, p. 899-906, 1989.; COOPER, 2007COOPER, Joel. Cognitive dissonance: fifty years of a classic theory. Berkeley, CA: Sage, 2007.). Neste sentido, atitudes de tolerância e comportamento de protesto teriam semelhanças que favoreceriam essa tendência de compatibilização (ABBARNO, 2013ABBARNO, Aaron. The behavioral consequences of political tolerance. 2013. Ph.D. Thesis. Graduate Faculty of The Dietrich School of Arts and Sciences. University of Pittsburgh, 2013.).

Os dados que utilizamos foram produzidos pelo Latin American Public Opinion Project - LAPOP, coordenado pela Universidade de Vanderbilt no ano de 2017. Para além da contribuição acerca da natureza da relação entre esses dois fenômenos centrais para a democracia, é importante destacar que o nosso contexto nacional confere relevância adicional à pesquisa, já que, em uma jovem democracia como a brasileira, o tempo de experiência com a democracia é curto e as possibilidades de incorporação de atitudes democráticas são ainda incertas e seus efeitos comportamentais ainda mais.

Dividimos o texto em quatro partes, além dessa introdução. Na primeira seção, discutimos com mais detalhes as duas perspectivas sobre a relação entre tolerância e participação. Na segunda, apresentamos o material empírico utilizado em nossos testes, bem como os procedimentos metodológicos empregados. Na terceira seção, construímos um quadro descritivo da tolerância política e do ativismo de protesto no contexto nacional. Na quarta seção, são apresentados os resultados dos testes sobre a relação entre tolerância e ativismo político.

Controvérsias sobre a relação entre tolerância política e participação

A natureza da relação entre atitudes de tolerância e ativismo político tem sido abordada de forma variada, alguns considerando as atitudes como explicativas do comportamento e outras defendendo que é no ativismo que as atitudes são apreendidas e internalizadas. O trabalho pioneiro de Stouffer (1955)STOUFFER, Samuel. Communism, conformity, and civil liberties. New York: Doubleday, 1955. sobre tolerância a grupos não conformistas nos EUA do período macarthista inaugura o debate sobre a existência de uma relação entre tolerância e ativismo político. A partir da comparação dos dados sobre adesão a normas democráticas e, mais especificamente, sobre tolerância entre líderes comunitários e os demais cidadãos, o autor encontrou uma relação positiva entre as duas variáveis. Stouffer identificou que, entre esse primeiro grupo, ativo politicamente no nível local, havia maior adesão a valores democráticos e pontuações significativamente maiores na escala de tolerância usada na pesquisa.

Poucos anos depois, Prothro e Grigg (1960)PROTHRO, James; GRIGG, Charles. Fundamental principles of democracy: bases of agreement and disagreement. The Journal of Politics, v. 22, p. 276-294, 1960. confirmaram esse resultado ao constatarem que indivíduos que manifestam princípios e atitudes contrárias à democracia tendem a ser mais apáticos em situações concretas. Usando amostras de duas cidades norte-americanas (Ann Arbor e Tallahassee) os autores encontraram mais de 42% de concordância com a afirmação de que um militante do movimento negro não deveria poder concorrer ao cargo de prefeito, mas uma disposição bem menor para agir contra uma eventual candidatura semelhante.

McClosky (1964)McCLOSKY, Herbert. Consensus and ideology in American politics. American Political Science Review, v. 58, p. 361-382, 1964. chega à conclusão semelhante em artigo que comparou a adesão a princípios democráticos, dentre eles a tolerância, entre os eleitores comuns e membros ativos politicamente ligados aos partidos Democrata e Republicano nos EUA. De maneira bastante otimista, os autores concluíram que a democracia norte-americana era viável porque aqueles que manifestaram pouca adesão aos princípios democráticos, ou ainda são confusos e incoerentes a respeito deles, são os mesmos que apresentam menos disposição para agir politicamente.

Mais recentemente Sullivan et al. (1993)SULLIVAN, John et al. Why politicians are more tolerant: selective recruitment and socialization among political elites in Britain, Israel, New Zealand, and the United States. British Journal of Political Science, v. 23, n. 1, p. 51-76, 1993. demonstraram que as elites políticas tendem a manifestar maior tolerância não necessariamente em razão de alguma característica demográfica específica, mas em razão da socialização promovida pelo constante convívio com ideias divergentes que sua atuação na vida pública proporciona. A partir de uma amostra expressiva de políticos britânicos, israelenses, neozelandeses e norte-americanos, concluem que a necessidade de lidar constantemente com grupos extremistas e defensores de ideias opostas as suas tende a elevar os níveis de tolerância política em relação a desafetos e adversários. É interessante destacar que, nesse estudo, os níveis de percepção de ameaça encontrados entre as elites são semelhantes aos registrados em pesquisas com a população em geral, mas as experiências políticas cotidianas desses profissionais parecem gerar o que os autores chamam de deslocamento entre tal percepção e a tolerância.

Algumas pesquisas, todavia, apontaram que essa relação entre ativismo e tolerância pode não ser consistente se considerarmos importantes controles como educação, gênero, região, exposição aos meios de comunicação, dentre outros (JACKMAN, 1972JACKMAN, Robert. Political elites, mass publics, and support for democratic principles. The Journal of Politics, v. 34, n. 3, p. 753-773, 1972.). É o caso da pesquisa publicada por Nunn, Crockett e Williams (1978)NUNN, Clyde; CROCKETT, Harry; WILLIAMS, Allen. Tolerance for nonconformity. San Francisco: Jossey-Bass, 1987., que apesar de encontrar diferenças entre lideranças comunitárias e eleitores em geral, tal como Stouffer, constataram que as distinções desaparecem com a inclusão de controles, principalmente a escolaridade.

Sullivan, Piereson e Marcus (1982)SULLIVAN, John.; PIERESON, James; MARCUS, George. Political tolerance and American democracy. Chicago: The University of Chicago Press, 1982. também alertam para a natureza espúria desse relacionamento, enfatizando os condicionantes demográficos da tolerância, que obviamente seriam também os condicionantes do ativismo político. Educação, nível de informação política e dogmatismo seriam importantes variáveis moderadoras que, ao serem consideradas, alteram os resultados encontrados nas pesquisas que listamos anteriormente. Os resultados do livro, obtidos por análise de equações estruturais, revelam que os efeitos do envolvimento político sobre a tolerância, quando controlados por essas três variáveis intervenientes, é mínimo e não atinge os padrões desejáveis de significância estatística.

Trabalhos recentes têm apresentado um olhar diferente sobre essa relação e proposto que a tolerância poderia ser uma atitude forjada pela experiência participativa. Peffley e Rohrschneider (2003)PEFFLEY, Mark.; ROHRSCHNEIDER, Robert. Democratization and political tolerance in seventeen countries: a multi-level model of democratic learning. Political Research Quarterly, v. 56, n. 3, p. 243-257, 2003., por exemplo, defendem que as pessoas podem desenvolver valores compatíveis com as liberdades civis quando se engajam em ações de protesto. Usando uma massa enorme de dados provenientes do projeto World Values Survey para um total de dezessete países, os autores encontram efeitos importantes provocados pela intensidade do envolvimento em atividades de protesto sobre a manifestação de atitudes de tolerância, mesmo controlando os efeitos desse envolvimento político pela escolaridade, sexo, dogmatismo, interesse por política e outras variáveis relevantes.

Ainda que esses trabalhos críticos resumidos nos três últimos parágrafos questionem de diferentes maneiras os estudos do século passado, suas conclusões continuam favoráveis à ideia de que tolerância e participação seriam elementos que caminhariam juntos. Uma segunda perspectiva sobre o assunto, entretanto, reúne pesquisadores que afirmam justamente o inverso, propondo a existência de relação negativa, através da qual a tolerância diminuiria o engajamento contestatório.

Mutz (2005)MUTZ, Diana. Hearing the other side: deliberative vs. participatory democracy. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2005. demonstrou que indivíduos que têm no seu círculo de relações pessoas com opiniões políticas distintas das suas tendem a manifestar atitudes mais tolerantes em relação a pontos de vista com os quais discordam. Mas, em contrapartida, essas mesmas pessoas tendem a apresentar menores níveis de participação política (MUTZ, 2005MUTZ, Diana. Hearing the other side: deliberative vs. participatory democracy. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2005.). Os mais tolerantes à diversidade tenderiam a sentir desconforto na manifestação de suas preferências através de ações políticas, preferindo manter a harmonia no seu círculo de relações.

De maneira semelhante, Guge e Meffert (1998)GUGE, Michael.; MEFFERT, Michael. Political consequences of attitudinal ambivalence. In: ANNUAL MEETING OF MIDWEST POLITICAL SCIENCE ASSOCIATION, 56th., 1998, Chicago. Anais […] Chicago: Washington University, 1998. associam a exposição prolongada a visões políticas distintas à ambivalência a respeito de convicções pessoais, o que poderia também minar o interesse pelo ativismo. Lavine (2001)LAVINE, Howard. The electoral consequences of ambivalence toward presidential candidates. American Journal of Political Science, v. 45, n. 4, p. 915-929, 2001., em interessante investigação sobre a formação de intenções de voto e avaliações de candidatos, também aponta o nível de diversidade política da rede de relações dos indivíduos como um componente que conduz à indecisão e instabilidade.

Gibson (2006)GIBSON, James. Enigmas of intolerance: fifty years after stouffer’s communism, conformity, and civil liberties. Perspectives on Politics, v. 4, n. 1, p. 21-34, 2006. trata desse tema apontando como tolerância e intolerância são atitudes com propriedades distintas e não polos de um contínuo atitudinal. A intolerância, como já haviam demonstrado Sullivan, Piereson e Marcus (1982)SULLIVAN, John.; PIERESON, James; MARCUS, George. Political tolerance and American democracy. Chicago: The University of Chicago Press, 1982. e Marcus et al. (1995)MARCUS, George et al. With malice toward some: How people make civil liberties judgments. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1995., é em grande medida uma resposta a ameaças sociotrópicas ao sistema político como um todo ou ao grupo a que pertence o sujeito. Portanto, seria uma reação forte e rígida, que não raramente é interpretada e justificada pelos sujeitos como uma atitude de defesa da própria democracia ameaçada. A tolerância, em contraste, seria uma atitude fraca e caracterizada pela ambivalência e inconsistência interna ou nos termos de McClosky e Brill (1983)McCLOSKY, Herbert; BRILL, Alida. Dimensions of tolerance: what Americans believe about civil liberties. New York: Russell Sage, 1983., um julgamento “laissez faire”, que se efetiva pela inação.

Marcus et al. (1995)MARCUS, George et al. With malice toward some: How people make civil liberties judgments. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1995. concordam com esse diagnóstico e afirmam que “os intolerantes são mais propensos a tomar medidas para impedir que um grupo exerça seus direitos do que os tolerantes geralmente ativos são para proteger os direitos do grupo” (p. 208, tradução nossa). De uma pessoa que odeia um grupo específico se espera ação que impeça que a mensagem do grupo odiado seja divulgada, mas de uma pessoa que tolera não se espera uma ação, mas apenas que assista passivamente o grupo tolerado fazer tudo aquilo que a lei lhe faculta.

Trabalho recente de Ribeiro e Fuks (2019)RIBEIRO, Ednaldo Aparecido; FUKS, M. Tolerância política no Brasil. Opinião Pública, v. 25, p. 531-555, 2019. sobre o caso brasileiro, apesar de não discutirem a relação entre tolerância e comportamentos participativos, colaboram para essa discussão ao identificarem que a adesão normativa ao princípio da participação é um preditor estatisticamente significativo e com efeito positivo sobre a tolerância política. Ou seja, estabelecem uma relação causal inversa, ainda que a variável sobre participação não seja comportamental. Ribeiro e Borba (2019)RIBEIRO, Ednaldo; BORBA, Julian. Tolerância política no Brasil recente: evolução de indicadores e condicionantes. Caderno CRH, v. 32, p. 641-657, 2019. [on-line] também sugerem essa ligação utilizando medida diferente de tolerância política, focalizando dois grupos específicos: pessoas que falam mal da forma de governo e homossexuais.

Uma contribuição relevante para o debate é oferecida por Abbarno (2013)ABBARNO, Aaron. The behavioral consequences of political tolerance. 2013. Ph.D. Thesis. Graduate Faculty of The Dietrich School of Arts and Sciences. University of Pittsburgh, 2013. ao apontar que uma série de fatores tidos como relevantes na explicação da tolerância também fazem parte do grupo de condicionantes do ativismo político. Insegurança psicológica (STOUFFER, 1955STOUFFER, Samuel. Communism, conformity, and civil liberties. New York: Doubleday, 1955.; SNIDERMAN, 1975SNIDERMAN, Paul. Personality and democratic politics. Berkeley: University of California Press, 1975.), apoio a normas democráticas (SULLIVAN; PIERESON; MARCUS, 1982SULLIVAN, John.; PIERESON, James; MARCUS, George. Political tolerance and American democracy. Chicago: The University of Chicago Press, 1982.; FINKEL, 2003FINKEL, Steven. Can democracy be taught? civic education, civil society, and the development of democratic political culture. Journal of Democracy, v. 14, n. 4, p. 137-151, 2003.), percepção de ameaça (GIBSON, 2006GIBSON, James. Enigmas of intolerance: fifty years after stouffer’s communism, conformity, and civil liberties. Perspectives on Politics, v. 4, n. 1, p. 21-34, 2006. ) são alguns desses condicionantes compartilhados que tornam muito complexa a tarefa de distinguir o que, de fato, seria efeito das atitudes de tolerância sobre o comportamento político (ou vice-versa).

O problema metodológico fundamental nos trabalhos que lidam, de maneira central ou periférica, com essa relação, está, portanto, na separação dos efeitos diretos das atitudes de tolerância daqueles provocados por outros preditores individuais da participação política (ABBARNO, 2013ABBARNO, Aaron. The behavioral consequences of political tolerance. 2013. Ph.D. Thesis. Graduate Faculty of The Dietrich School of Arts and Sciences. University of Pittsburgh, 2013.). O desenvolvimento das técnicas experimentais tem oferecido ferramentas que podem ajudar nessa tarefa (MORTON; WILLIAMS, 2010MORTON, Rebecca; WILLIAMS, Kenneth. Experimental political science and the study of causality: from nature to the Lab. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2010.), mas mesmos pesquisadores que utilizam dados observacionais baseados em surveys com amostras probabilísticas nacionais podem se valer de alguns princípios do modelo Neyman-Rubin (RUBIN, 2006RUBIN, Donald. Matched sampling for causal effects. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2006.). Na próxima seção, apresentamos detalhes dessa estratégia de análise, mas precisamos destacar agora uma importante consequência que essa identificação dos efeitos da tolerância pode trazer.

Uma vez que os efeitos da manifestação dessas atitudes sobre o ativismo político se mostram relevantes mesmo diante de controles comuns aos dois fenômenos, a interpretação que enfatiza a base comum de atributos individuais perde relevância. Abbarno (2013)ABBARNO, Aaron. The behavioral consequences of political tolerance. 2013. Ph.D. Thesis. Graduate Faculty of The Dietrich School of Arts and Sciences. University of Pittsburgh, 2013. propõe um modelo explicativo alternativo segundo o qual a tolerância e a participação são fenômenos positivamente relacionados porque são psicologicamente interpretadas pelos sujeitos como semelhantes em razão dos seus elevados custos sociais. Como apontamos anteriormente nessa seção, a tolerância é uma exceção entre as atitudes de apoio aos princípios democráticos, pois o custo social de concordar com a expressão política de grupos que são socialmente reprovados pela maioria é alto. Como aponta Sullivan et al. (1993)SULLIVAN, John et al. Why politicians are more tolerant: selective recruitment and socialization among political elites in Britain, Israel, New Zealand, and the United States. British Journal of Political Science, v. 23, n. 1, p. 51-76, 1993. , a manifestação de tolerância exige que o indivíduo desvincule a sua percepção de ameaça em relação ao grupo preferencial de desafeição do seu juízo sobre os direitos políticos dos membros desse grupo. Desta forma, aqueles que toleram os grupos que são frequentemente alvos de desafeição (como os comunistas, homossexuais e ateus) enfrentam discordância, conflito e reprovação social. A título de ilustração, em países de maioria cristã como o Brasil, a tolerância ao grupo de pessoas que defende a legalização do aborto envolve custo tão elevado que pode inibir boa parte dos indivíduos de ser tolerante em relação a esse grupo.

A intolerância, por sua vez, é frequentemente apontada como a resposta mais “natural” diante de minorias politicamente perigosas (MARCUS et al, 1995MARCUS, George et al. With malice toward some: How people make civil liberties judgments. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1995.), sendo a posição majoritária dos indivíduos diante do seu grupo prioritário de desafeição.

A participação política, principalmente de natureza contestatória, envolveria também custos elevados, já que depende da cooperação com outros e envolve doses significativas de conflito. Mesmo a assinatura de um abaixo-assinado envolve a publicização de posições que podem gerar discordância, crítica e conflito, e quanto mais pública (ou menos privada) for a modalidade de ação, maiores serão seus custos sociais (ULBIG; FUNK, 1999ULBIG, Stacy; FUNK, Carolyn. Conflict avoidance and political participation. Political Behavior, v. 21, n. 3, p. 265-282, 1999.; VERBA; NIE, 1972VERBA, Sidney; NIE, Norman. Participation in America: political democracy and social equality. New York: Harper and Row, 1972.).

Nesses termos, tolerância e ativismo seriam comportamentos e atitudes psicologicamente consistentes porque envolvem situações semelhantes em termos da exposição aos custos sociais elevados (FURR; FUNDER, 2003FURR, Michael; FUNDER, David. A multimodal analysis of personal negativity. Journal of Personality and Social Psychology, n. 74, p. 1580-1591, 1998.). Posicionar-se de forma favorável à expressão política de grupos rejeitados por segmentos substantivos da sociedade e se envolver em ações políticas com elevado grau de contenciosidade seriam, desta forma, percebidas como psicologicamente semelhantes, o que elevaria a probabilidade de sua ocorrência conjunta nos indivíduos (ABBARNO, 2013ABBARNO, Aaron. The behavioral consequences of political tolerance. 2013. Ph.D. Thesis. Graduate Faculty of The Dietrich School of Arts and Sciences. University of Pittsburgh, 2013.).

Dados e estratégias de análise

Os procedimentos empíricos para a mensuração da tolerância política pressupõem o questionamento sobre a quem ela se dirige e quais atividades são permitidas ou negadas ao grupo de referência. O estudo pioneiro de Stouffer (1955)STOUFFER, Samuel. Communism, conformity, and civil liberties. New York: Doubleday, 1955. lidava com a prevalência de uma ameaça ideológica única, o comunismo. Com isso, seu trabalho de mensuração era bastante facilitado, já que se tratava apenas de identificar em que medida os direitos políticos desse grupo eram aceitos pelos cidadãos. A dificuldade cresce exponencialmente quando não é possível identificar, com clareza, os grupos que são alvos de intolerância. O General Social Survey, principal fonte de dados sobre o tema nos Estados Unidos, por exemplo, inclui em seu levantamento cinco grupos: ateus, comunistas, homossexuais, militaristas e racistas (SMITH et al., 2016SMITH, Tom et al. General Social Surveys, 1972-2014. Chicago: NORC at the University of Chicago, 2016.).

Para Sulivan, Piereson e Marcus (1982), o problema dessas abordagens é que elas não levavam em consideração uma questão conceitual que tem importante consequência empírica: a (in)tolerância só pode ocorrer quando um indivíduo tem atitudes negativas em relação a um determinado grupo. Segundo os autores, ao limitarem os alvos da tolerância a determinados grupos impopulares, elas correm o risco de medir a tolerância de apenas parte da população.

Isso ocorre porque a escolha do grupo de desafeição está intimamente associada à ideologia do indivíduo; ou seja, ela não é aleatória. Segundo Sulivan, Piereson e Marcus (1982), os estudos clássicos de tolerância tinham como foco grupos de esquerda (especialmente, os comunistas). Devido a esse viés, os estudos clássicos: 1) identificaram, de forma equivocada, um aumento de tolerância política nas duas décadas que se seguiram ao estudo de Stouffer, já que os comunistas deixaram de ser o alvo quase exclusivo de intolerância nos EUA; 2) e superdimensionaram o impacto da escolaridade e da zona de moradia, já que o público-alvo de desafeição dos indivíduos menos escolarizados e de moradores de cidades pequenas, nos EUA, é à esquerda.

Para evitar o problema do viés derivado da escolha de determinados grupos como alvo da intolerância, esses autores formularam um modelo em que o pesquisador pergunta primeiro ao entrevistado qual o grupo que ele não gosta e, depois, faz perguntas específicas apenas sobre os direitos desses grupos. Essa forma de mensuração tem sido denominada como a abordagem do least-liked group. Ao contrário dos estudos anteriores, essa medida de tolerância não tem como alvo um grupo pré-definido, mas sim o grupo em relação ao qual o indivíduo se opõe.

Para o contexto da América Latina, o Latin American Public Opinion Project (LAPOP) é a única fonte de dados sobre o tema e até a sua onda de 2014 empregava a técnica dos grupos identificados. Em seu questionário, essa pesquisa inseria um grupo bastante genérico e ampliado de “pessoas que falam mal da forma de governo”, e os entrevistados deveriam apontar seu grau de aprovação ao exercício de direitos políticos fundamentais: votar, manifestar publicamente, concorrer a cargos públicos e discursar.

Como já alertamos, esse procedimento abre uma janela considerável para erros de mensuração principalmente porque aqueles que são críticos à forma de governo apresentam, obviamente, tendência a concordar mais fortemente com a fruição de todos esses direitos. A estratégia do least-liked poderia evitar esse problema, já que inicialmente o entrevistado informaria qual o seu grupo de maior rejeição, o que excluiria seus grupos de identificação ou pertencimento. Felizmente o LAPOP incluiu uma bateria de questões seguindo essa abordagem mais apropriada na sua edição conduzida no Brasil no primeiro semestre de 2017.

Seguindo as orientações gerais propostas por Sulivan, Piereson e Marcus (1982), o questionário do LAPOP apresenta a seguinte pergunta para identificação do grupo de desafeição dos entrevistados:

Falando de alguns grupos de pessoas, poderia informar o quanto gosta ou desgosta dos listados abaixo. Usaremos agora uma escala de 1 a 10, na qual 1 significa “desgosto muito” e 10 significa “gosto muito”.

  1. Pessoas que defendem a legalização do aborto

  2. Pessoas que defendem o regime militar

  3. Comunistas

  4. Petistas/ Simpatizantes do PT

  5. PSDBistas/ Simpatizantes do PSDB (LAPOP, 2017LAPOP - Latin American Public Opinion Project. AmericasBarometer. Brazil Database, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.vanderbilt.edu/lapop/brazil.php Acesso em: 10 jul. 2021.
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    )

Na sequência os indivíduos são convidados a se posicionarem em relação a fruição de alguns direitos políticos do seu grupo de desafeição prioritário (o menos gostado, em uma tradução literal do least liked). Para tanto, a seguinte questão é utilizada:

Falando do grupo de pessoas que o(a) sr./sra menos gosta...

Em uma escala de 1 a 10, na qual 1 significa “desaprova fortemente” e 10 significa “aprova fortemente”...

  1. O quanto o sr./sra. aprova o direito dessas pessoas de votar?

  2. O quanto o sr./sra. aprova o direito dessas pessoas de fazer um discurso público?

  3. O quanto o sr./sra. aprova o direito dessas pessoas de concorrer a um cargo público? (LAPOP, 2017)

As respostas oferecidas são tomadas como atitudes em relação ao exercício desses direitos e compõem assim medidas de tolerância política tendo como referência os grupos de desafeição de cada respondente. Tomadas de forma isolada, relativas a cada direito, ou na sua forma agregada, essas medidas serão consideradas adiante como variáveis independentes em modelos multivariados construídos para testar hipóteses sobre possíveis efeitos comportamentais da tolerância.

Para analisar esses dados, valemo-nos de uma técnica que permite separar os efeitos diretos da tolerância política sobre a participação daqueles produzidos por outras medidas individuais que podem ser preditores tanto das atitudes tolerantes quanto do ativismo político. Proposta por Lacus, King e Porro (2012)LACUS, Stefano; KING, Gary; PORRO, Giuseppe. Political Analysis, v. 20, n. 1, p. 1-24, 2012., os procedimentos reunidos na chamada Coarsened Exact Matching (CEM) permitem balancear e parear indivíduos levando em consideração diferentes variáveis, incluindo na análise apenas os respondentes que apresentam características semelhantes em todas as dimensões observacionais, com exceção da medida de interesse.

Ao encontrarmos na literatura especializada um conjunto de fatores explicativos para a adoção de atitudes tolerantes e para o ativismo de protesto, é possível incluí-los em um modelo que permite identificar quais são os efeitos independentes da tolerância sobre os níveis de participação política dos brasileiros e, com esse procedimento, equilibrar tolerantes e intolerantes em termos de um conjunto de covariantes. A CEM produz esse balanceamento escolhendo um nível fixo de desequilíbrio prévio, esperando que o número de observações restantes na amostra seja suficientemente grande. Ou seja, nos dois grupos (tolerantes e intolerantes), são mantidos apenas os casos em que o nível mínimo de correspondência entre as características é verificado, o que pode reduzir significativamente o número final de unidades de análise. Diferentemente do que ocorre nos já conhecidos modelos de regressão múltipla com inclusão de controles, na CEM, a análise é restrita a grupos cuja comparação é justificável empiricamente, já que os respondentes incluídos nos grupos são aproximadamente equivalentes no que diz respeito aos fatores que poderiam prever sua designação em um conjunto ou outro.

Para ilustrar esse processo, podemos considerar que a manifestação de atitudes tolerantes, mas também o ativismo de protesto, sejam influenciados pela adesão normativa à democracia como forma de governo e pela idade dos indivíduos. A CEM irá estratificar tolerantes e intolerantes em razão de níveis “grosseiros” (coarsened) de adesão à democracia e idade para facilitar o pareamento entre um indivíduo intolerante jovem com forte adesão à democracia e outro respondente tolerante igualmente jovem e com forte adesão à democracia. Os níveis de adesão à democracia e a idade foram, desta forma, balanceados entre intolerantes e tolerantes, o que favorece o argumento de que as eventuais diferenças encontradas na variável dependente de participação podem ser atribuídas ao agrupamento de origem do sujeito (tolerante ou intolerante).

Esse balanceamento exige, portanto, que nossa medida de tolerância política seja convertida em dicotômica. Apesar da expressiva perda de informação que tal procedimento acarreta, defendemos que os ganhos analíticos são inestimáveis. Maiores detalhes sobre as variáveis utilizadas e sobre as especificações dos modelos são fornecidos nas seções seguintes.

O quadro atual da tolerância e da participação em protestos no Brasil

Como descrevemos acima, os entrevistados pelo LAPOP foram perguntados sobre seus sentimentos em relação a cinco grupos. As respostas em uma escala de “gosto” de 1 (desgosto muito) a 10 (gosto muito), foram utilizadas para estabelecer qual é o grupo de referência para a segunda bateria de perguntas, sobre os três direitos políticos, que geram a medida de tolerância.

Ribeiro e Fuks (2019)RIBEIRO, Ednaldo Aparecido; FUKS, M. Tolerância política no Brasil. Opinião Pública, v. 25, p. 531-555, 2019., utilizando essas questões, encontram como principal grupo de desafeição o das “pessoas que defendem a legalização do aborto” (31,8%), seguido pelos “comunistas” (19,9%), “petistas” (18,8), “peessedebistas” (18,5%) e “pessoas que defendem o regime militar” (11%). Sobre os direitos, sugerem a existência de uma escala de importância na percepção dos brasileiros, que tendem a tolerar mais o voto e menos a possibilidade dos seus desafetos concorrerem a cargos públicos.

Como mencionamos acima, o modelo estatístico que iremos empregar exige que nossa medida de tolerância seja dicotômica, a fim de produzir a separação da amostra em dois grupos. Para isso, consideramos as médias das pontuações de cada direito para estabelecer um ponto de corte que separa tolerantes e intolerantes. Com isso, aqueles que estão abaixo de 6 no primeiro direito são considerados intolerantes, enquanto aqueles que apresentam valores superiores (incluindo o 6) pertencem ao grupo dos tolerantes. Considerando essa designação, a Tabela 1 apresenta o percentual de tolerantes para cada um dos direitos, lembrando que a referência do entrevistado é o grupo que ele menos gosta. Assim como Ribeiro e Fuks (2019)RIBEIRO, Ednaldo Aparecido; FUKS, M. Tolerância política no Brasil. Opinião Pública, v. 25, p. 531-555, 2019., não temos padrões ótimos de tolerância universalmente válidos e nem medidas anteriores para o nosso contexto nacional, o que dificulta a avaliação desses percentuais como positivos ou negativos. Ainda assim, dois destaques podem ser feitos: por um lado é preocupante que, nos três direitos, a amostra esteja praticamente dividida entre os dois grupos, sendo que, no segundo direito, os tolerantes constituem a minoria (desconsiderando a margem de erro da pesquisa); por outro lado, esse mesmo artigo de Ribeiro e Fuks (2019)RIBEIRO, Ednaldo Aparecido; FUKS, M. Tolerância política no Brasil. Opinião Pública, v. 25, p. 531-555, 2019. mostra que, em comparação com o público norte-americano, ainda que os grupos de desafeição seja distintos, a tolerância entre os brasileiros é ligeiramente maior.

Tabela 1.
Tolerantes por direito, Brasil, 2017 (%).

Ainda que seja viável a análise sobre os efeitos de cada uma dessas três dimensões da tolerância, optamos nesse artigo por utilizar uma única medida integrada considerando as atitudes de aprovação ou reprovação dos três direitos. Para tanto, conduzimos o teste de consistência interna proposto por Cronbach (1951)CRONBACH, Lee. Coefficient alpha and the internal structure of tests. Psychometrika, v. 16, p. 297-334, 1951. e o valor encontrado de 0,85 confirmou a pertinência dessa redução. Como as distribuições percentuais anteriormente exibidas já indicavam, existe uma forte tendência de respostas semelhantes às questões sobre os três direitos entre os componentes da amostra nacional. Com isso, procedemos o cálculo de um índice somatório que denominamos de Índice de Tolerância Política (ITP) que, após a padronização para variar entre 0-10, registrou média de 6,19. Assim como procedemos em relação as medidas isoladas, também dicotomizamos esse índice a partir da sua média e encontramos 52% de tolerantes. É essa variável que será nossa medida independente fundamental e a base para o pareamento produzido pela técnica de CEM.

Fechando essa seção descritiva, apresentamos um quadro da participação política em protestos no contexto nacional.5 5 A questão é: Nos últimos 12 meses, o(a) Sr.(a) de alguma manifestação ou protesto público? (sim/não) (LAPOP, 2017). Os percentuais de envolvimento nessa modalidade aparecem abaixo (Tabela 2) e indicam grande variação nos dados, chegando a 22,4% em 2008, declinando radicalmente nas três rodadas seguintes e aumentando novamente em 2017 para 14,1% que dizem ter participado de protestos no último ano.

Tabela 2.
Participação política por modalidade, Brasil, 2017 (%).

Na próxima seção, considerando apenas os dados de 2017, propomos um modelo de análise para identificar os efeitos comportamentais da tolerância no contexto nacional recente.

Efeito da tolerância política sobre a participação em protesto

Como já apontamos anteriormente, um indivíduo tende a ser mais tolerante quando não percebe seu grupo de desafeição política como ameaçador, quando apoia princípios democráticos e quando possui uma personalidade menos dogmática e insegura (SULLIVAN; PIERESON; MARCUS, 1982SULLIVAN, John.; PIERESON, James; MARCUS, George. Political tolerance and American democracy. Chicago: The University of Chicago Press, 1982.; MARCUS et al., 1995MARCUS, George et al. With malice toward some: How people make civil liberties judgments. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1995.). Além desses, a literatura aponta também alguns fatores demográficos clássicos como relevantes, como a escolaridade e a idade (MARCUS et al., 1995MARCUS, George et al. With malice toward some: How people make civil liberties judgments. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1995.).

Alguns desses fatores podem também explicar diferenças na participação política entre tolerantes e intolerantes. Como também já discutimos acima, a literatura nacional recente tem validado, em boa medida, o modelo do Voluntarismo Cívico proposto por Verba, Schlozman e Brady (1995)VERBA, Sidney; SCHLOZMAN, Kay.; BRADY, Henry. Voice and equality: civic voluntarism in American politics. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1995., enfatizando a relevância dos recursos individuais materiais, cognitivos e sociais para o ativismo em diferentes modalidades de ação política (RIBEIRO; BORBA, 2015RIBEIRO, Ednaldo; BORBA, Julian. Participação política na América Latina. Eduem: Maringá, 2015.). Escolaridade, interesse por política e nível de envolvimento em redes não-políticas de recrutamento seriam algumas das variáveis mais relevantes para explicar o comportamento engajado em nosso contexto.

Para o balanceamento que resulta da implementação da CEM, precisamos incluir os preditores que supostamente atuariam sobre as duas variáveis centrais de nosso estudo (tolerância e participação). Infelizmente, os dados do LAPOP de 2017LAPOP - Latin American Public Opinion Project. AmericasBarometer. Brazil Database, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.vanderbilt.edu/lapop/brazil.php Acesso em: 10 jul. 2021.
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não oferecem medidas equivalentes às empregadas pela literatura sobre tolerância no que diz respeito à sensação de ameaça e aos traços de personalidade, de modo que nosso modelo será bastante parcimonioso ao incluir apenas escolaridade, idade e adesão à democracia. Esses três fatores também são relacionados como importantes condicionantes da participação política.

A variável escolaridade foi codificada para distinguir os entrevistados que possuem educação superior, sendo assim uma medida binária. A idade, por sua vez, foi convertida em três faixas para minimizar a perda de dados com a técnica de CEM, sendo a primeira até 30 anos, a segunda de 31-50 e a terceira com mais de 50. Por fim, a adesão à democracia é mensurada pelo grau de concordância com a clássica afirmação churchilliana: “A democracia tem alguns problemas, mas é melhor do que qualquer outra forma de governo” (LAPOP, 2017LAPOP - Latin American Public Opinion Project. AmericasBarometer. Brazil Database, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.vanderbilt.edu/lapop/brazil.php Acesso em: 10 jul. 2021.
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), com escala que vai de 1 a 7.

O resultado desse pareamento por CEM é a distribuição dos casos exposta na Tabela 3 e indica que, com todos os procedimentos de recodificação descritos, foi possível alocar no grupo dos intolerantes 658 participantes, e no de tolerantes 632 casos, resultando em perda relativamente pequena de 104 entrevistados.

Tabela 3.
Distribuição dos casos após pareamento por CEM.

Todavia, para além desse procedimento de balanceamento, é preciso também incluir alguns controles que possam garantir que eventuais efeitos da tolerância sobre a participação não derivem da ausência de importantes preditores dessa última em nossos modelos. Por isso, seguindo o modelo do Voluntarismo Cívico proposto por Verba, Schlozman e Brady (1995)VERBA, Sidney; SCHLOZMAN, Kay.; BRADY, Henry. Voice and equality: civic voluntarism in American politics. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1995., incluímos uma medida de engajamento subjetivo e outra sobre as redes de recrutamento. Como a escolaridade é o principal recurso individual listado pela literatura sobre participação e já foi incluída como critério de balanceamento da CEM, ela não será considerada como controle aqui.

O interesse por política, usado frequentemente como medida de engajamento subjetivo, é uma escala de quatro pontos, onde 1 significa “nenhum interesse” e o 4 “muito interesse”. A medida de associativismo foi produzida combinando perguntas sobre o envolvimento em três tipos de organizações da sociedade civil (organizações religiosas, associações de pais e mestres e associações de bairros) e tem escala que vai de 0 a 3.

A Tabela 4 apresenta resultados de dois modelos logísticos binários. A primeira coluna exibe os coeficientes do modelo balanceado pela técnica de CEM sem os devidos controles, ou seja, contendo apenas o efeito da condição de ser tolerante sobre a probabilidade de ter participado de um protesto ou manifestação nos últimos 12 meses (considerando a data de dados), tendo como grupo de comparação os intolerantes. A segunda coluna apresenta os resultados com os dois controles incluídos. A primeira observação importante diz respeito à semelhança de efeitos nos modelos, ambos estatisticamente significativos para a condição de tolerante. Ser tolerante eleva em 55% (coeficiente de 0,44 e exponencial de 1,55) a probabilidade sem os controles e em 60% com os dois controles inseridos (coeficiente de 0,47 e exponencial de 1,60). Notem que ao invés da nossa variável de tratamento perder efeito no segundo modelo, ocorre um ganho explicativo, o que confirma a relevância desse fator.

Os efeitos dos controles apenas confirmam aquilo que trabalhos anteriores já apontaram para períodos anteriores: o interesse por política e o envolvimento em redes de recrutamento são importantes condicionantes do ativismo de protesto (RIBEIRO; BORBA, 2015RIBEIRO, Ednaldo; BORBA, Julian. Participação política na América Latina. Eduem: Maringá, 2015.).

Tabela 4.
Tolerância política e participação, Brasil, 2017.

Como antecipamos na seção em que revisamos as controvérsias sobre a relação entre a manifestação de atitudes de tolerância e o ativismo político, seguindo Abbarno (2013)ABBARNO, Aaron. The behavioral consequences of political tolerance. 2013. Ph.D. Thesis. Graduate Faculty of The Dietrich School of Arts and Sciences. University of Pittsburgh, 2013., acreditamos que o efeito que encontramos pode ser explicado por dois fatores complementares: o primeiro, ligado à semelhança de custos percebidos para a tolerância e para a ação de participar, e o segundo, relacionado à busca individual por consistência entre atitudes e comportamentos.

Diferentemente de modalidades que podemos classificar como privadas (votar, doar recursos para campanhas, contatar representantes políticos, dentre outras), o engajamento em manifestações e passeatas envolve a expressão pública de preferências e crenças que expõe o participante ao conflito, em alguns casos com consequências para a integridade física dos manifestantes e das pessoas contrárias à manifestação. É também em razão dessa sua natureza não privada que o protesto político envolve montante significativo de cooperação interpessoal. Justamente por essa natureza coletiva e conflituosa, os recursos necessários para essas modalidades são distintos de ações levadas à cabo de forma privada. Verba, Schlozman e Brady (1995)VERBA, Sidney; SCHLOZMAN, Kay.; BRADY, Henry. Voice and equality: civic voluntarism in American politics. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1995. identificam que, enquanto o voto é potencializado pela escolaridade e interesse por política moderado, o envolvimento em protestos depende de forte interesse e intenso envolvimento em redes de associação.

Mais recentemente a literatura tem apontado também a relevância de fatores psicológicos sobre a percepção individual a respeito dos custos da ação política, especialmente aqueles ligados a tendências individuais de aversão ao risco e ao conflito (KAM, 2012KAM, Cindy. Risk attitudes and political participation. American Journal of Political Science, v. 56, n. 4, p. 817-836, 2012.). Ulbiq e Funk (1999), encontraram que quanto menor a aceitação ao conflito, menor é a probabilidade de envolvimento em modalidades contestatórias. É importante, todavia, apontar que essa tendência à rejeição ao contencioso não é algo ligado apenas à constituição da personalidade individual, sendo, em grande medida, derivada de avaliações conjunturais específicas de situações particulares (MANDRIK; BAO, 2005MANDRIK, Carter; BAO, Yeqing. Exploring the concept and measurement of general risk aversion. Advances in Consumer Research, v. 32, n. 4, p. 532-539, 2005.), não sendo assim atributo indelével de algumas pessoas apenas.

A tolerância nos parece ser uma atitude política igualmente custosa, pelo menos se a entendermos como disposição favorável ao exercício de direitos políticos por grupos que gozam de considerável rejeição social, tal como definem Sullivan et al. (1993)SULLIVAN, John et al. Why politicians are more tolerant: selective recruitment and socialization among political elites in Britain, Israel, New Zealand, and the United States. British Journal of Political Science, v. 23, n. 1, p. 51-76, 1993. . Ainda que, em nosso estudo, os grupos-alvo de intolerância não constituam unanimidades (tal como eram os comunistas no período macarthista estudado por Stouffer), pessoas que defendem o aborto, militaristas, comunistas e partidários de PT e PSDB não são exatamente grupos socialmente valorizados no contexto atual. Sendo assim, tolerar tais grupos expõe o indivíduo ao conflito com a parcela da população que rejeita esses grupos ao ponto de lhes negar direitos políticos.

Como argumenta Abbarno (2013)ABBARNO, Aaron. The behavioral consequences of political tolerance. 2013. Ph.D. Thesis. Graduate Faculty of The Dietrich School of Arts and Sciences. University of Pittsburgh, 2013., defender os direitos políticos de grupos-alvo de desafeição de parcelas expressivas da população exporia o indivíduo a custos semelhantes ao exercício do seu próprio direito político de manifestação em protestos. Uma vez assumindo os custos da tolerância, essas pessoas tenderiam a perceber como menores os custos inerentes à exposição ao conflito nessa modalidade contestatória de participação política.

Além disso, como bem demonstrado na psicologia social, pessoas que agem de forma inconsistente com suas atitudes tendem a experimentar um estado motivacional que causa alteração em atitudes ou comportamentos (COOPER, 2007COOPER, Joel. Cognitive dissonance: fifty years of a classic theory. Berkeley, CA: Sage, 2007.), como um mecanismo de recuperação da consistência cognitiva (SCHER; COOPER, 1989SCHER, Steven; COOPER, Joel. Motivational basis of dissonance: the singular role of behavioral consequences. Journal of Personality and Social Psychology, v. 56, p. 899-906, 1989.; COOPER, 2007COOPER, Joel. Cognitive dissonance: fifty years of a classic theory. Berkeley, CA: Sage, 2007.). Nestes termos, a manifestação de atitudes de tolerância passa a exigir uma estratégia comportamental compatível com uma situação de consistência interna que favorece o engajamento em modalidades com potencial contencioso. Essa tendência de busca por compatibilidade, como já afirmamos acima, deve ser entendida em nosso modelo explicativo como complementar à percepção acerca da semelhança de custos, inclusive sendo o seu sucedâneo, já que, após identificar que se trata de atitudes e comportamentos igualmente custosos, é que a junção dos dois passa a ser algo que melhora a consistência cognitiva interna.

É isso o que os resultados que encontramos sugerem: atitudes de tolerância política produzem uma redução nos custos de participação percebidos pelos indivíduos, ao mesmo tempo que contribui para a manutenção de um estado de consistência cognitiva pela compatibilização entre atitudes e comportamentos semelhantes.

Considerações finais

O presente trabalho se junta aos recentemente publicados por Ribeiro e Fuks (2019)RIBEIRO, Ednaldo Aparecido; FUKS, M. Tolerância política no Brasil. Opinião Pública, v. 25, p. 531-555, 2019. e Ribeiro e Borba (2019)RIBEIRO, Ednaldo; BORBA, Julian. Tolerância política no Brasil recente: evolução de indicadores e condicionantes. Caderno CRH, v. 32, p. 641-657, 2019. [on-line], no esforço de mapear o quadro atual da tolerância política no contexto nacional, marcado por crescente polarização afetiva (BELLO, 2020BELLO, A. Dynamic political polarization mood: evidences from Brazil. In: Encontro Anual da ANPOCS, 44., 2020. Anais eletrônicos [...] [on-line]. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3uM7H2H Acesso em: 10 jan. 2021.
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), o que, na interpretação desses autores, coloca-nos no pior dos mundos em relação à legitimidade da democracia.

Num contexto como esse, é de fundamental importância compreender as bases e consequências políticas de algumas atitudes políticas constitutivas do “good citizen”. Aqui, ocupamo-nos das possíveis consequências comportamentais das atitudes de tolerância política, investigando a relação entre atitudes favoráveis à fruição de direitos políticos para grupos-alvo de desafeição e o engajamento em formas de ativismo contestatório.

Por meio do uso da técnica do CEM (Coarsened Exact Matching), pudemos explorar o relacionamento entre os dois fenômenos, tendo sido evidenciado que a tolerância política se relaciona positivamente com o ativismo contestatório no Brasil.

Feita a constatação, desenvolvemos um caminho explicativo que mobiliza desenvolvimentos recentes no campo da psicologia política e que exploram a similaridade da atitude tolerante e do comportamento de protesto em termos dos seus custos sociais. Esta semelhança de custos sociais seria complementada pela busca por coerência entre atitudes e comportamentos. No caso específico, tanto a atitude de tolerância política diante de grupos que são alvo de desafeição quanto a participação em protesto implicam custos sociais elevados, em termos de exposição ao conflito e a rejeição social.

Reconhecemos que outros elementos podem estar relacionados a este mecanismo causal que liga protesto e tolerância, como, por exemplo, as dimensões da personalidade individual (MARCUS et al., 1995MARCUS, George et al. With malice toward some: How people make civil liberties judgments. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1995.; MONDAK et al., 2011MONDAK, Jeffery et al. The participatory personality: evidence from Latin America. British Journal of Political Science, v. 41, n. 1, p. 211-221, 2011.; GALLEGO; OBERSKI, 2012GALLEGO, Aina; OBERSKI, Daniel. Personality and political participation: the mediation hypothesis. Political Behavior, n. 34, p. 425-451, 2002.; RIBEIRO; BORBA, 2016RIBEIRO, Ednaldo; BORBA, Julian. Personalidade e protesto político na América Latina: bases psicossociais da contestação. Soc. Estado, v. 31, n. 2, p. 373-340, 2016. [on-line]). Aqui, a ausência de questões dessa natureza no survey que utilizamos (LAPOP, 2017LAPOP - Latin American Public Opinion Project. AmericasBarometer. Brazil Database, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.vanderbilt.edu/lapop/brazil.php Acesso em: 10 jul. 2021.
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), impediu o teste empírico. Mas fica o registro da necessidade de se incorporar tal dimensão em estudos futuros.

Por fim, considerando a conjuntura recente do Brasil, cabe algum tipo de questionamento sobre as evidências empíricas encontradas neste trabalho. Se tolerância política e comportamento de protesto estão relacionadas positivamente, qual a razão de que as várias mobilizações que sacudiram o país desde 2013 terem justamente como um de seus frames a intolerância em relação aos partidos? Não temos respostas para esta questão, que pode se constituir em uma importante agenda de pesquisa.

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  • RIBEIRO, Ednaldo Aparecido; FUKS, M. Tolerância política no Brasil. Opinião Pública, v. 25, p. 531-555, 2019.
  • RIBEIRO, Ednaldo; BORBA, Julian. Tolerância política no Brasil recente: evolução de indicadores e condicionantes. Caderno CRH, v. 32, p. 641-657, 2019. [on-line]
  • RUBIN, Donald. Matched sampling for causal effects. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2006.
  • SCHER, Steven; COOPER, Joel. Motivational basis of dissonance: the singular role of behavioral consequences. Journal of Personality and Social Psychology, v. 56, p. 899-906, 1989.
  • SMITH, Tom et al. General Social Surveys, 1972-2014. Chicago: NORC at the University of Chicago, 2016.
  • SNIDERMAN, Paul. Personality and democratic politics. Berkeley: University of California Press, 1975.
  • STOUFFER, Samuel. Communism, conformity, and civil liberties. New York: Doubleday, 1955.
  • SULLIVAN, John et al. Why politicians are more tolerant: selective recruitment and socialization among political elites in Britain, Israel, New Zealand, and the United States. British Journal of Political Science, v. 23, n. 1, p. 51-76, 1993.
  • SULLIVAN, John.; PIERESON, James; MARCUS, George. Political tolerance and American democracy. Chicago: The University of Chicago Press, 1982.
  • ULBIG, Stacy; FUNK, Carolyn. Conflict avoidance and political participation. Political Behavior, v. 21, n. 3, p. 265-282, 1999.
  • VERBA, Sidney; NIE, Norman. Participation in America: political democracy and social equality. New York: Harper and Row, 1972.
  • VERBA, Sidney; SCHLOZMAN, Kay.; BRADY, Henry. Voice and equality: civic voluntarism in American politics. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1995.
  • 5
    A questão é: Nos últimos 12 meses, o(a) Sr.(a) de alguma manifestação ou protesto público? (sim/não) (LAPOP, 2017LAPOP - Latin American Public Opinion Project. AmericasBarometer. Brazil Database, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.vanderbilt.edu/lapop/brazil.php Acesso em: 10 jul. 2021.
    https://www.vanderbilt.edu/lapop/brazil....
    ).

ANEXO

Programação em linguagem R para a CEM

##Criação de quatro bancos distintos para os modelos com as quatro variáveis dependentes##

TPprot <- TP[,c(“Prot”, “ITdic”, “EdSupII”, “Int”, “Assoc”, “Dem”, “FxId”)]

#Instalação e ativação do pacote CEM

install.packages(“cem”)

library(cem)

#Modelo para Protesto

TPprot.cem <- data.frame(na.omit(TPprot))#Cria o banco TPprot.cem com a retirada de todos os NA (missing)

mat.prot.cem <- cem(treatment = “ITdic”, data = TPprot.cem, drop = “Prot”)#Cria os grupos de controle e tratamento a partir da condição de tolerante/intolerante

mat.prot.cem #exibe o resultado desse matching

TPprot.cem$ITdic <- as.numeric(TPprot.cem$ITdic)#conversão da variável ITdic em numérica

est.prot <- att(mat.prot.cem, Prot ~ ITdic, data = TPprot.cem, model = “logit”) # Estima os coeficientes dos preditores do envolvimento em protesto considerando o matching pela condição de tolerante/intolerante, sem controles

summary(est.prot)

est.prot.contr <- att(mat.prot.cem, Prot ~ ITdic + Int + Assoc, data = TPprot.cem, model = “logit”)# Estima os coeficientes dos preditores do envolvimento em protesto considerando o matching pela condição de tolerante/intolerante, com controles

summary(est.prot.contr)

est.prot.contr

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2021
  • Aceito
    08 Jan 2022
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