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Gênero na propaganda eleitoral: as candidatas dos pleitos majoritários de 2018 e o discurso protagonizado no Horário Gratuito Político Eleitoral (HGPE) 1 1 Este artigo recebeu apoio da CAPES (Finance Code: 001).

Gender in electoral advertising: female candidates in the 2018 majority elections and the discourse mobilized in free televised electoral advertising

Resumo:

O objetivo do artigo é discutir as características das campanhas de candidatas, com foco na perspectiva da comunicação eleitoral desenvolvida pelas pleiteantes e tendo como ponto de partida as dificuldades e entraves apontados pelos estudos sobre gênero e política. A análise empírica, a partir da observação sistematizada de 488 segmentos do HGPE, investiga como seis mulheres que disputaram cargos do executivo nacional e estadual construíram a campanha na TV durante as eleições de 2018. O foco esteve na sistematização da agenda temática, da abordagem discursiva, dos apelos e da presença de estereótipos. Os resultados evidenciam uma campanha neutra, embora haja diferenças entre elas, sobretudo nos temas abordados e na menor presença de estereótipos quando comparado a investigações anteriores.

Palavras-chave:
campanha eleitoral; gênero; horário eleitoral; candidatas

Abstract:

This paper aims to discuss the characteristics of female candidates’ campaigns, focusing on their electoral communication. The article builds on the findings of gender and politics research about the difficulties and obstacles faced by female candidates. The empirical analysis was based on the systematic observation of 488 segments of free political advertising time, and investigates how six women who ran for Presidency and state governments built their TV campaigns during 2018 elections. The focus was on the systematization of the thematic agenda, discursive approaches, appeals and stereotypes. The results demonstrate that the campaign was characterized by substantial neutrality, although there are differences among the female candidates, especially on the topics covered. Stereotypes were less common compared to previous research.

Keywords:
electoral campaign; gender; free electoral broadcast airtime; women candidates

Introdução

Os estudos sobre gênero e política no Brasil que focam na participação feminina demonstram como é problemática essa atuação numa esfera predominantemente masculina (MIGUEL, 2014MIGUEL, Luis Felipe. Gênero e representação política. In: MIGUEL, L. F.; BIROLI, F. Feminismo e política. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 17-30.; SILVEIRA, 2019SILVEIRA, M. Democracia de gênero e seus desafios: como as ações afirmativas para participação feminina na política devem ser aprimoradas. Revista da Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 75, 2019.). Nas disputas eleitorais, os problemas aparecem em diversos graus, como na inserção e escolha das mulheres como candidatas pelos partidos (ARAÚJO, 2005ARAÚJO, Clara. Partidos políticos e gênero: mediações nas notas de ingresso das mulheres na representação política. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 24, p. 193-215, 2005.; ARAÚJO; ALVES, 2007ARAÚJO, Clara; ALVES, José Eustáquio Diniz. Impactos de indicadores sociais e do sistema eleitoral sobre as chances das mulheres nas eleições e suas interações com as cotas. DADOS - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 50, n. 3, p. 535-577, 2007.; ARAÚJO; BORGES, 2012ARAÚJO, Clara; BORGES, Doriam. O “gênero”, os “elegíveis” e os “não-elegíveis”: uma análise das candidaturas para a Câmara Federal em 2010. In: ALVES, J. E. D.; PINTO, C. R. J. (orgs). Mulheres nas eleições 2010. São Paulo: ABCP/Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2012. p. 337-386.), no baixo financiamento que possuem (JUNCKES et al., 2015JUNCKES, Ivan Jairo et al. Posicionamento das mulheres na rede de financiamento eleitoral e seu desempenho nas eleições de 2010 no Brasil: a dinâmica estrutural da exclusão e marginalização feminina no poder político. Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 6, n. 1, p. 25-47, 2015.), nos entraves familiares para que possam disputar o cargo (BIROLI, 2018BIROLI, Flávia. Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 2018.) e a dificuldade de construção de um histórico de capital político e social, tal qual possuem parte significativa dos homens (SACCHET; SPECK, 2012SACCHET, Teresa; SPECK, Bruno W. Financiamento eleitoral, representação política e gênero: uma análise das eleições de 2006. Opinião Pública, Campinas, v. 18, n. 1, p. 177-197, 2012.).

Apesar de haver avanços do ponto de vista institucional (SILVEIRA, 2019SILVEIRA, M. Democracia de gênero e seus desafios: como as ações afirmativas para participação feminina na política devem ser aprimoradas. Revista da Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 75, 2019.), reforçamos que as candidaturas femininas ainda ficam no limite dos 30% previsto na cota de gênero nas disputas proporcionais. Nas eleições estaduais de 2018, elas representaram 31,65% (9.197) do total de 29.057 concorrentes, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Quando se observa a distribuição por cargos, isso se mostra ainda mais problemático: apenas 30 mulheres concorreram aos governos dos estados como cabeça de chapa, contra 173 homens. Os dados divididos por região apontam para o seguinte cenário: 4 candidaturas aos governos dos estados do Centro Oeste; 12 do Nordeste; 4 do Norte; 7 do Sudeste e 3 do Sul. Em termos nacionais, tivemos apenas duas candidatas à presidente: Marina Silva (REDE) e Vera Lúcia Salgado (PSTU), contra 12 candidaturas masculinas.

As dificuldades de inserção na esfera política e os entraves ligados aos diferentes aspectos, no entanto, não terminam quando as mulheres, finalmente, adentram as disputas. Nos casos das eleições majoritárias ao executivo, automaticamente as candidatas têm espaço garantido e não precisam disputar aparição no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) com outros candidatos, tampouco se valer das cotas de distribuição (CERVI, 2011CERVI, Emerson Urizzi. O uso do HGPE como recurso partidário em eleições proporcionais no Brasil: um instrumento de análise de conteúdo. Opinião Pública, Campinas, v. 17, n, 1, p. 106-136, 2011.; TAVARES; MASSUCHIN, 2019TAVARES, Camilla Quesada; MASSUCHIN, Michele Goulart. Mulheres na política: a presença das candidatas à deputada federal na propaganda eleitoral televisiva de 2014. ANIMUS, Santa Maria, v. 18, n. 37, p. 62-83, 2019.). No entanto, outros dois pontos permeiam a discussão sobre gênero que transparece na comunicação política: as características dos discursos que colocam as mulheres em situações difíceis (double bind) (HOLTZ-BACHA, 2013HOLTZ-BACHA, Christina. Quem cuida das crianças? A representação das mulheres do alto escalão político pelos media. Revista Compolítica, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 45-60, 2013.) e a não existência de uma pauta preocupada com questões de gênero, dentro de uma perspectiva feminista (PINTO; MORITZ, 2009PINTO, Celi; MORITZ, Marina Freitas. A tímida presença da mulher na política brasileira: eleições municipais em Porto Alegre (2008). Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 9, p. 61-87, 2009.). Isso indica que mulheres enfrentam problemas para construir a própria candidatura e muitas delas não se alinham com a agenda de gênero (PINTO; MORITZ, 2009PINTO, Celi; MORITZ, Marina Freitas. A tímida presença da mulher na política brasileira: eleições municipais em Porto Alegre (2008). Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 9, p. 61-87, 2009.).

Deste modo, os dados e reflexões propostos neste artigo buscam responder a duas perguntas: Como as candidatas a cargos majoritários se apresentam ao público a partir da propaganda eleitoral televisiva? O discurso utilizado por elas traz uma abordagem neutra ou as mulheres levantam a bandeira da representação feminina e/ou de uma agenda feminista? Estas indagações são respondidas com base na parte empírica do artigo que busca identificar como seis candidatas a cargos majoritários à presidência e aos governos dos estados nas eleições de 2018 - Cida Borghetti (PP/PR), Fátima Bezerra (PT/RN), Eliana Pedrosa (PROS/DF), Márcia Tiburi (PT/RJ), Suely Campos (PP/RR) e Marina Silva (REDE/Brasil) - construíram sua campanha na propaganda televisiva, espaço central de visibilidade, formação da imagem e proposição de temas. Para isso, foi realizada uma observação sistemática dos programas do HGPE (488 segmentos), que visa identificar características da propaganda da candidatura destas mulheres, a partir da técnica de Análise de Conteúdo (AC).

Neste artigo, diferente de outras análises já presentes na literatura nacional (CERVI, 2011CERVI, Emerson Urizzi. O uso do HGPE como recurso partidário em eleições proporcionais no Brasil: um instrumento de análise de conteúdo. Opinião Pública, Campinas, v. 17, n, 1, p. 106-136, 2011.; CARVALHO; KNIESS; FONTES, 2018CARVALHO, Fernanda Cavassana; KNIESS, Andressa; FONTES, Giulia Sbairini. Representação feminina na propaganda eleitoral partidária no Brasil: as candidatas à deputada federal pelo Paraná na TV. Estudos em Comunicação, Corvilhã, v. 1, p. 231-246, 2018., TAVARES; MASSUCHIN, 2019TAVARES, Camilla Quesada; MASSUCHIN, Michele Goulart. Mulheres na política: a presença das candidatas à deputada federal na propaganda eleitoral televisiva de 2014. ANIMUS, Santa Maria, v. 18, n. 37, p. 62-83, 2019.), observa-se as eleições majoritárias ao invés de eleições proporcionais. E, apesar de algumas características, como apelos direto e pautas mais específicas, tenderem a ser mais facilmente encontradas no caso das proporcionais por conta da disputa se basear em nichos específicos do eleitorado, isso não significa que políticas e direitos para as mulheres, assim como falas direcionadas a elas, não possam aparecer nas campanhas majoritárias aqui analisadas. Elas podem aparecer justamente porque tal tema obteve destaque nos debates políticos recentes, da mesma forma que meio ambiente ou minorias (PINTO, 1994PINTO, Celi Regina Jardim. Donas de casa, mães, feministas, batalhadoras: eleições 1994. Revista Estudos Femininistas, Florianópolis, v. 2, n. 2, p. 297-312, 1994.). Portanto, colaborando com outras pesquisas (PINTO; MORITZ, 2009PINTO, Celi; MORITZ, Marina Freitas. A tímida presença da mulher na política brasileira: eleições municipais em Porto Alegre (2008). Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 9, p. 61-87, 2009.; ALVES; MARTINS, 2019ALVES, Mércia; MARTINS, Joyce Miranda Leão. A reinvenção da imagem pública de duas prefeitas candidatas: Luizianne Lins e Marta Suplicy no horário eleitoral. Revista Compolítica, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 119-150, 2019.; MOTA, 2013MOTA, Fernanda. Estereotipia e sub-representação feminina no horário eleitoral gratuito brasileiro: um estudo de caso das eleições presidenciais de 2010. In: CONGRESSO DA COMPOLÍTICA, 5, Curitiba. Anais [...] Curitiba: Grupo de Trabalho de Mídias e Eleições, 2013.), buscamos identificar marcas de gênero, investigar as especificidades das mulheres candidatas na disputa majoritária ao executivo e entender como diferentes candidatas se articulam com o tema, comparando-as.

O texto segue dividido em mais seis partes: a próxima seção é dedicada à discussão teórica sobre as dificuldades enfrentadas pelas mulheres na arena política, à luz dos conceitos da comunicação política. Embora sejam abordados os problemas inerentes à trajetória e construídos historicamente, o foco do tópico é discutir os problemas diretamente envolvidos com a comunicação eleitoral. O terceiro tópico apresenta os aspectos metodológicos da pesquisa, identificando o percurso e as escolhas da investigação. A seguir explicamos brevemente a trajetória política de cada candidata, o que se torna importante para a análise dos dados encontrados. Na sequência, são apresentados os resultados empíricos, postos em diálogo com a abordagem teórica. Por fim, são feitas as conclusões.

Da esfera privada para a política e os “problemas” na comunicação eleitoral

Neste artigo, compreende-se que a sub-representação das mulheres na política pode ser explicada por três grandes eixos - o caráter patriarcal das instituições, os padrões culturais e de socialização das mulheres que caracterizam o âmbito político como masculino e os constrangimentos estruturais (MIGUEL; BIROLI, 2010MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flavia. Práticas de gênero e carreiras políticas: vertentes explicativas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 18, n. 3, p. 653-679, 2010.; SILVEIRA, 2019SILVEIRA, M. Democracia de gênero e seus desafios: como as ações afirmativas para participação feminina na política devem ser aprimoradas. Revista da Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 75, 2019.) - os quais têm impacto na construção dos argumentos e dos discursos utilizados na comunicação eleitoral.5 5 Embora o texto, neste início, apresente o contexto prévio aos desafios no âmbito da comunicação eleitoral, como os entraves políticos e aqueles socialmente construídos, não é objetivo da discussão teórica aprofundá-los. Nossa perspectiva é evidenciar essa trajetória das problemáticas inseridas no percurso das mulheres antes de se depararem com os dilemas na comunicação eleitoral e que ajudam a explicar discursos presentes na própria comunicação.

Os problemas que se inserem na trajetória das mulheres na esfera política são resultado de uma herança construída social e historicamente (OKIN, 2008OKIN, Simone Moller. Gênero, o público e o privado. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 305-332, 2008.), que ultrapassam o ambiente privado, sendo que a dificuldade de inserção e permanência das mulheres no ambiente político ocorre porque este era um espaço no qual apenas homens circulavam. Segundo Okin (2008)OKIN, Simone Moller. Gênero, o público e o privado. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 305-332, 2008., as dificuldades das mulheres que transparecem em distintas áreas - inclusive na política - se dá porque elas sempre foram vistas como responsáveis pelo ambiente doméstico. Essa responsabilidade sobre o lar que se credita quase que exclusivamente à mulher é um dos fatores que dificulta sua saída da esfera privada para ocupar os espaços públicos, uma vez que muitas não possuem incentivos nem rede de apoio. Deste modo, tem-se o que Biroli (2018)BIROLI, Flávia. Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 2018. define como uma espécie de “patriarcado público”. Isso se reflete, sobretudo, nos espaços de representação política, onde as mulheres enfrentam dificuldades de diferentes espectros para poderem se candidatar a cargos públicos.

Um desses entraves se dá por motivos institucionais (ARAÚJO; ALVES, 2007ARAÚJO, Clara; ALVES, José Eustáquio Diniz. Impactos de indicadores sociais e do sistema eleitoral sobre as chances das mulheres nas eleições e suas interações com as cotas. DADOS - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 50, n. 3, p. 535-577, 2007.; SPOHR et al., 2016SPOHR, Alexandre Piffero et al. Participação política de mulheres na América Latina: o impacto de cotas e de lista fechada. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 24, n. 2, p. 417-441, 2016.; SILVEIRA, 2019SILVEIRA, M. Democracia de gênero e seus desafios: como as ações afirmativas para participação feminina na política devem ser aprimoradas. Revista da Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 75, 2019.). Para driblar essa dificuldade, foi instituída a obrigatoriedade do cumprimento da cota de gênero a partir de 2009.6 6 A obrigatoriedade de cumprimento da cota de gênero passou a ser exigida com a Lei Nº 12.034, de 29 de setembro de 2009, apesar de existir desde 1997. Apesar desse incentivo à participação, as dificuldades ultrapassam a candidatura, que começa pelo recrutamento dos partidos. É preciso ter competitividade e, embora a Lei das Cotas seja relevante para o processo de inserção das mulheres na política, ela não garante a eleição destas porque esse processo torna-se longo e envolve outras variáveis, tal como o espaço nos partidos e o financiamento.

No que tange às instituições partidárias, aquelas constituídas de forma orgânica e mais à esquerda acabam oferecendo mais subsídios às mulheres que desejam ingressar na política (ARAÚJO, 2005ARAÚJO, Clara. Partidos políticos e gênero: mediações nas notas de ingresso das mulheres na representação política. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 24, p. 193-215, 2005.). E, ainda dentro do cenário das legendas, as mulheres encontram dificuldade de ganhar espaço em processos de disputa internos porque os partidos não fazem uma formação de lideranças partidárias femininas (BOLOGNESI, 2012BOLOGNESI, Bruno. A cota eleitoral de gênero: política pública ou engenharia eleitoral? Revista Paraná Eleitoral, Curitiba, v. 1, n. 2, p. 113-129, 2012.). Ainda no âmbito partidário, tem-se o problema ligado ao financiamento das campanhas, ponto essencial das disputas eleitorais (CERVI, 2010CERVI, Emerson. Financiamento de campanhas e desempenho eleitoral no Brasil: análise das contribuições de pessoas físicas, jurídicas e partidos políticos às eleições de 2008 nas capitais de Estado. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 4, p. 135-167, 2010.). Carlomagno e Codato (2018)CARLOMAGNO, Marcio; CODATO, Adriano. Profissão, sexo e dinheiro: mensuração da acumulação de desigualdades na competição eleitoral brasileira. Colombia Internacional, Bogotá, n. 95, p. 79-107, 2018. mostraram que as mulheres estão na faixa que tem maior dificuldade de competir no cenário eleitoral porque possuem baixa disposição, receita e patrimônio. Junckes et al. (2015)JUNCKES, Ivan Jairo et al. Posicionamento das mulheres na rede de financiamento eleitoral e seu desempenho nas eleições de 2010 no Brasil: a dinâmica estrutural da exclusão e marginalização feminina no poder político. Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 6, n. 1, p. 25-47, 2015. também mostram que a distribuição de recursos é bem assimétrica mediante à questão de gênero. As diferenças só diminuem quando se trata de mulheres que já possuem cargos e são candidatas à reeleição (CARLOMAGNO; CODATO, 2018CARLOMAGNO, Marcio; CODATO, Adriano. Profissão, sexo e dinheiro: mensuração da acumulação de desigualdades na competição eleitoral brasileira. Colombia Internacional, Bogotá, n. 95, p. 79-107, 2018.).

Esses problemas que dificultam a inserção das mulheres na macropolítica a partir de cargos eletivos, embora pareçam superados quando as candidatas finalmente se encontram em posições competitiva - como é o caso das incluídas neste trabalho -, seguem presentes nas disputas eleitorais e são estudadas sob a tríade mídia-política-gênero (SARMENTO, 2018SARMENTO, Rayza. Estudos feministas de mídia e política: uma visão geral. BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo, v. 87, p. 181-202, 2018.), quando dizem respeito à comunicação da campanha. Na literatura internacional, Sapiro et al. (2011)SAPIRO, Virginia et al. Gender, context, and television advertising: a comprehensive analysis of 2000 and 2002 house races. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 64, n. 1, p. 107-119, 2011., Dolan (2005)DOLAN, Kathleen. Do women candidates play to gender stereotypes? Do men candidates play to women? Candidate sex and issues priorities on campaign websites. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 58, n. 1, p. 31-44, 2005. e Schneider (2014)SCHNEIDER, Monica. Gender-based strategies on candidate websites. Journal of Political Marketing, n. 13, p. 264-290, 2014. mostram como a propaganda evidencia diferenças de gênero e retoma entraves anteriores no âmbito do discurso.

Sobre o HGPE, para o caso brasileiro, visualizado como uma forma tradicional e institucional dos candidatos e candidatas se apresentarem ao público, já é possível identificar uma série de estudos que demonstram a preocupação com as questões de gênero na comunicação da campanha. No que tange à distribuição do tempo e os espaços de fala, especialmente sobre as disputas proporcionais, Cervi (2011)CERVI, Emerson Urizzi. O uso do HGPE como recurso partidário em eleições proporcionais no Brasil: um instrumento de análise de conteúdo. Opinião Pública, Campinas, v. 17, n, 1, p. 106-136, 2011., Carvalho, Kniess e Fontes (2018CARVALHO, Fernanda Cavassana; KNIESS, Andressa; FONTES, Giulia Sbairini. Representação feminina na propaganda eleitoral partidária no Brasil: as candidatas à deputada federal pelo Paraná na TV. Estudos em Comunicação, Corvilhã, v. 1, p. 231-246, 2018.) e Tavares e Massuchin (2017TAVARES, Camilla Quesada; MASSUCHIN, Michele Goulart. Comunicação, gênero e política no Brasil: as candidatas do Paraná na propaganda eleitoral televisiva. Revista Latinoamericana de Comunicación - CHASQUI, Quito, n. 135, p. 39-54, 2017.; 2019)TAVARES, Camilla Quesada; MASSUCHIN, Michele Goulart. Mulheres na política: a presença das candidatas à deputada federal na propaganda eleitoral televisiva de 2014. ANIMUS, Santa Maria, v. 18, n. 37, p. 62-83, 2019. trazem resultados que enfatizam a sub-representação das candidatas, o pouco espaço de fala e diferenças entre os partidos.

Como o objeto deste artigo é a propaganda para cargos majoritários do executivo - para a presidência e governo estadual -, não entra aqui o impasse da distribuição de tempo do horário eleitoral que ainda é um problema evidente para as mulheres que se candidatam para cargos da disputa proporcional (Câmara Federal e Câmara Municipal) (CERVI, 2011CERVI, Emerson Urizzi. O uso do HGPE como recurso partidário em eleições proporcionais no Brasil: um instrumento de análise de conteúdo. Opinião Pública, Campinas, v. 17, n, 1, p. 106-136, 2011.; TAVARES; MASSUCHIN, 2017TAVARES, Camilla Quesada; MASSUCHIN, Michele Goulart. Comunicação, gênero e política no Brasil: as candidatas do Paraná na propaganda eleitoral televisiva. Revista Latinoamericana de Comunicación - CHASQUI, Quito, n. 135, p. 39-54, 2017.; 2019)TAVARES, Camilla Quesada; MASSUCHIN, Michele Goulart. Mulheres na política: a presença das candidatas à deputada federal na propaganda eleitoral televisiva de 2014. ANIMUS, Santa Maria, v. 18, n. 37, p. 62-83, 2019.. Nos casos estudados neste artigo, o tempo é dedicado exclusivamente à candidatura e cada partido/coligação disputa o pleito com apenas um(a) candidato(a) a esses cargos, por isso as candidatas não passam por essa disputa evidenciada nas pesquisas sobre distribuição do tempo no HGPE. Assim, mulheres que disputam os governos dos estados e a presidência, por exemplo, têm o direito assegurado de fazer propaganda no rádio e na televisão, embora possam usar esses espaços de forma distinta, como mostra este artigo.7 7 Apesar do tempo de aparição no rádio e TV ser assegurado às candidatas a cargos majoritários, sabemos que existem diferenças significativas em sua distribuição, a depender do partido/coligação. Para mais informações sobre os programas eleitorais das candidatas analisadas neste trabalho, ver Quadro 1.

Assim, em relação às características mais substanciais sobre o conteúdo das mensagens, os trabalhos de Panke e Iasulaitis (2016)PANKE, Luciana; IASULAITIS, Sylvia. Mulheres no poder: aspectos sobre o discurso feminino nas campanhas eleitorais. Opinião Pública, Campinas, v. 22, n. 2, p. 385-417, 2016. e de Panke, Iasulaitis e Nebot (2015)PANKE, Luciana; IASULAITIS, Sylvia; NEBOT, Carmen Pineda. Género y Campañas Electorales en América Latina: un análisis del discurso femenino en la propaganda televisiva. Razon y Palabra, Quito, n. 91, p. 1-40, 2015. permitem evidenciar a presença de estereótipos em falas e em temáticas, mas, ao mesmo tempo, evidenciam também que as candidatas mostram elementos que definem a liderança política. Mota (2013)MOTA, Fernanda. Estereotipia e sub-representação feminina no horário eleitoral gratuito brasileiro: um estudo de caso das eleições presidenciais de 2010. In: CONGRESSO DA COMPOLÍTICA, 5, Curitiba. Anais [...] Curitiba: Grupo de Trabalho de Mídias e Eleições, 2013., ao analisar os discursos do HGPE em 2010, quando duas mulheres concorriam à Presidência, verificou a entrada da temática gênero ao longo dos programas, o que mostra a inserção do tema na esfera política, mesmo na esfera majoritária. Mas, por outro lado, foi verificada a presença de estereótipos que, na perspectiva da autora, não se tratam exatamente de uma escolha das candidatas porque os tipos ideais de mulheres também estão internalizados no público, o que torna o uso de determinados discursos uma forma de se aproximar dos eleitores (MOTA, 2013MOTA, Fernanda. Estereotipia e sub-representação feminina no horário eleitoral gratuito brasileiro: um estudo de caso das eleições presidenciais de 2010. In: CONGRESSO DA COMPOLÍTICA, 5, Curitiba. Anais [...] Curitiba: Grupo de Trabalho de Mídias e Eleições, 2013.). Em 2014, por outro lado, quando três mulheres disputaram a Presidência, as temáticas de gênero foram incipientes (MARTINS; ALTMANN, 2018MARTINS, Joyce; ALTMANN, Cristina. Os usos do gênero na campanha presidencial de 2014: mulheres na propaganda eleitoral brasileira. Teoria e Pesquisa, São Carlos, v. 27, n. 1, p. 48-70, 2018.).

Como é possível perceber, a diferença entre homens e mulheres também acaba transparecendo nos recursos propagandísticos. Neste sentido, as barreiras e problemas que transcendem as candidaturas também perpassam a esfera da comunicação eleitoral (PANKE; IASULAITIS, 2016PANKE, Luciana; IASULAITIS, Sylvia. Mulheres no poder: aspectos sobre o discurso feminino nas campanhas eleitorais. Opinião Pública, Campinas, v. 22, n. 2, p. 385-417, 2016.). Desse modo, a primeira pergunta a ser respondida no artigo - como as mulheres constroem o discurso e se apresentam ao público? - tem como base a discussão sobre as implicações de suas falas. No geral, as mulheres perpassam pelo que a literatura chama de double bind, pois as escolhas sempre são difíceis e podem gerar resultados negativos (HOLTZ-BACHA, 2013HOLTZ-BACHA, Christina. Quem cuida das crianças? A representação das mulheres do alto escalão político pelos media. Revista Compolítica, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 45-60, 2013.). É importante mencionar que elas têm dificuldade de construir sua campanha e de se colocarem perante o eleitorado porque muitas vezes a própria cobertura da imprensa acaba reforçando questões pouco relacionadas à política nas candidaturas (SCHONKER-SCHRECK, 2004SCHONKER-SCHRECK, Daniella. Political marketing and the media: women in the 1996 Israeli elections - a case study. Israel Affairs, Londres, v. 10, n. 3, p. 159-177, 2004.; SARMENTO, 2012SARMENTO, Rayza. Quem faz a sua maquiagem? A senhora sabe cozinhar?: estereótipos sobre o feminino na entrevista de Dilma Rousseff à Patrícia Poeta. In: Encontro Nacional da ULEPICC, 4, Rio de Janeiro. Anais [...] Rio de Janeiro, 2012.) e ainda usam de estereótipos ao abordá-las (MIGUEL; BIROLI, 2009MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Mídia e representação política feminina: hipóteses de pesquisa. Opinião Pública, Campinas, v. 15, n. 1, p. 55-81, 2009.).

Biroli (2018)BIROLI, Flávia. Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 2018. reforça que a expectativa ora é por uma mulher que se apresente enquanto tal e chame a atenção para questões de gênero, ora por uma apresentação mais próxima de elementos tidos como masculinos (como associar-se, por exemplo, a temas como infraestrutura ou economia). Panke (2016)PANKE, Luciana. Campanhas eleitorais para as mulheres: desafios e tendências. Curitiba: Editora UFPR, 2016., por exemplo, identifica que os perfis mais comuns são o de guerreira, mãe e profissional, quando as mulheres exploram o seu histórico. Porém, nem sempre esses enquadramentos agradam, seja por reforçar estereótipos, seja por não levar as mulheres a demonstrar competência. Assim, por vezes, elas tentam se aproximar de um padrão masculino, mas nem sempre isso é visto como positivo porque as mulheres, ao mesmo tempo, ainda são ligadas a um perfil de feminilidade, maternidade, entre outros. Esses exemplos de encruzilhadas demonstram parte significativa da dificuldade que as candidatas enfrentam na exposição das campanhas eleitorais. Esses problemas perpassam desde candidatas ao executivo municipal (MARTINS; ALVES, 2019; PANKE; AZEVEDO JR, 2022PANKE, Luciana; AZEVEDO JR., Ary. Mulheres na política: de coadjuvantes a protagonistas, o papel das vice-prefeitas na Baixada Santista, Brasil. Más Poder Local, n. 48, p. 44-65, 2022.) até presidentas (PANKE, 2016PANKE, Luciana. Campanhas eleitorais para as mulheres: desafios e tendências. Curitiba: Editora UFPR, 2016.), não sendo exclusivos, portanto, das disputas proporcionais.

As diferenças de gênero na propaganda política aparecem na literatura, a partir de trabalhos empíricos de Panagopoulos (2004)PANAGOPOULOS, Costas. Boy talk-girl talk: gender differences in campaign communication strategies. Women and Politics, Londres, v. 26, n. 3-4, p. 131-155, 2004., Banwart (2010)BANWART, Mary Christine. Gender and candidate communication: effects of stereotypes in the 2008 election. American Behavioral Scientist, Thousand Oaks, v. 54, n. 3, p. 265-283, 2010., Huddy e Terkildsen (1993)HUDDY, Leoni; TERKILDSEN, Nayda. The consequences of gender stereotypes for women candidates at different levels and types of office. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 46, n. 3, p. 503-525, 1993. e Kahn (1993)KAHN, Kim Fridkin. Gender differences in campaign messages: the political advertisements of men and women candidates for U.S. Senate. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 46, n. 3, p. 481-502, 1993., nos quais os autores e autoras indicam os aspectos negativos que isso agrega às campanhas. As pesquisas mostram que há estereótipos nas campanhas e eles aparecem de diversas formas. O mais evidente é em relação aos assuntos abordados, em que as mulheres quase sempre se detêm a temas considerados soft e do universo feminino (PANAGOPOULOS, 2004PANAGOPOULOS, Costas. Boy talk-girl talk: gender differences in campaign communication strategies. Women and Politics, Londres, v. 26, n. 3-4, p. 131-155, 2004.). Dessa forma, são abordagens distintas para homens e mulheres no que tange os temas selecionados para dar atenção na campanha (KAHN, 1993KAHN, Kim Fridkin. Gender differences in campaign messages: the political advertisements of men and women candidates for U.S. Senate. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 46, n. 3, p. 481-502, 1993.; SAPIRO et al., 2011SAPIRO, Virginia et al. Gender, context, and television advertising: a comprehensive analysis of 2000 and 2002 house races. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 64, n. 1, p. 107-119, 2011.). No caso das mulheres, os principais issues identificados por trabalhos anteriores estão relacionados à maternidade, educação, temas sociais e bem-estar, enquanto os homens falam mais sobre economia, transportes e infraestrutura. Não se objetiva, com a distinção entre o que a literatura denomina como hard ou soft, desvalorizar uma série de agendas que interessam a diversos grupos sociais, mas tais denominações dizem respeito ao fato de que alguns temas são aqueles vistos como fundamentais de serem resolvidos por uma gestão; estão entre os temas de maior preocupação no ranking dos problemas identificados pelos cidadãos e são as agendas, por vezes, mais amplas e que ganham mais atenção dentro das disputas políticas, por impactarem maior quantidade de pessoas.

Por outro lado, além deste ponto sobre distintas características que perpassam a construção discursiva no HGPE, também chama a atenção a presença de reivindicações para o público feminino. Assim, o segundo questionamento do artigo - O discurso utilizado por elas traz uma abordagem neutra ou as mulheres levantam a bandeira da representação feminina e/ou de uma agenda feminista? - dialoga diretamente com o ponto apresentado por Biroli (2010)BIROLI, Flávia. Mulheres e política nas notícias: estereótipos de gênero e competência política. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 90, p. 45-69, 2010., em que a autora afirma que a presença mais efetiva das mulheres não garante, essencialmente, que, junto dela, estejam também discursos e práticas feministas, no que diz respeito, principalmente, ao direito das mulheres, já que podem ou não optar em falar sobre questões de gênero nas campanhas (SCHONKER-SCHRECK, 2004SCHONKER-SCHRECK, Daniella. Political marketing and the media: women in the 1996 Israeli elections - a case study. Israel Affairs, Londres, v. 10, n. 3, p. 159-177, 2004.; SAPIRO et al., 2011SAPIRO, Virginia et al. Gender, context, and television advertising: a comprehensive analysis of 2000 and 2002 house races. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 64, n. 1, p. 107-119, 2011.). De modo mais específico, a agenda feminista, em muitos casos, não aparece no discurso (LIU, 2018LIU, Shan-Jan Sarah. Are female political leaders role models? Lessons from Asia. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 71, n. 2, p. 1-15, 2018.) e o que aparece são, na verdade, características atreladas às questões estereotipadas (ALVES; MARTINS, 2019ALVES, Mércia; MARTINS, Joyce Miranda Leão. A reinvenção da imagem pública de duas prefeitas candidatas: Luizianne Lins e Marta Suplicy no horário eleitoral. Revista Compolítica, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 119-150, 2019.). Neste sentido, mais do que falar de gênero e política, as candidatas reproduzem uma visão muito mais próxima de um modelo feminino do que feminista, pouco atrelado às reivindicações e direitos, algo que Pinto e Moritz (2009)PINTO, Celi; MORITZ, Marina Freitas. A tímida presença da mulher na política brasileira: eleições municipais em Porto Alegre (2008). Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 9, p. 61-87, 2009. já identificaram em pesquisa anterior.

A literatura supracitada, por exemplo, não mostra nenhum apego a temas que inserem o gênero na discussão de política pública. Por outro lado, justamente porque os julgamentos dos eleitores e eleitoras também são permeados por diferenças de gênero (AALBERG; JENSSEN, 2007AALBERG, Toril; JENSSEN, Anders Todal. Gender stereotyping of political candidates: an experimental study of political communication. Nordicom Review, Gotemburgo, v. 28, n. 1, p. 17-32, 2007.; BANWART, 2010BANWART, Mary Christine. Gender and candidate communication: effects of stereotypes in the 2008 election. American Behavioral Scientist, Thousand Oaks, v. 54, n. 3, p. 265-283, 2010.) que as mulheres se aliam a um modelo, digamos, esperado de candidaturas, dentro de um perfil que retoma valores patriarcais e se aproximam menos de uma agenda voltada a direitos das mulheres na política. De forma adicional, é possível citar o fato de que muitas candidatas nem sequer buscam falar de questões que são associadas ao gênero - seja a partir de uma perspectiva feminina ou feminista. Um exemplo disso foi a eleição para o congresso estadunidense, analisada por Sapiro et al. (2011)SAPIRO, Virginia et al. Gender, context, and television advertising: a comprehensive analysis of 2000 and 2002 house races. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 64, n. 1, p. 107-119, 2011.. Liu (2018)LIU, Shan-Jan Sarah. Are female political leaders role models? Lessons from Asia. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 71, n. 2, p. 1-15, 2018. e Christie (2012)CHRISTIE, Jane L. Negotiating gendered discourses: Michelle Bachelet and Cristina Fernández de Kirchner. 2012. Tese (Doutorado em Filosofia) - The University of Auckland, Auckland, 2012. também mostram que no cenário asiático e nas eleições argentinas, respectivamente, as eleitas têm dificuldade de trabalhar com uma agenda de gênero, o que vale tanto para congressistas quanto para o executivo.

Portanto, o que se verifica é que há, para as mulheres, uma dificuldade de incorporar pautas e propostas com alguma perspectiva de gênero tanto no período de campanha quanto no mandato. Tendo esse contexto em vista, o próximo tópico apresenta a metodologia empregada nesta pesquisa, com o foco de verificar se houve algum tipo de avanço nas campanhas televisivas das candidatas selecionadas, em relação ao padrão que a literatura aponta, conforme discutimos neste tópico.

Descrição da abordagem metodológica e apresentação das candidatas

Os dados que compõem o corpus desta pesquisa foram coletados por integrantes8 8 As autoras agradecem a Luana Fonseca, Nayara Nascimento, Regilson Furtado e Sarah Dantas, que trabalharam no processo de codificação dos dados durante o primeiro semestre de 2019. do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Sociedade (COPS), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), e dizem respeito aos programas do HGPE em bloco que foram disponibilizados nas páginas oficiais das candidatas na internet. Como mencionado na introdução, em 2018 havia apenas 30 mulheres disputando o cargo de governadora e somente duas pleiteantes ao cargo de presidenta. No entanto, uma parcela significativa não apresentava chances reais de serem eleitas. Por isso, para este estudo exploratório no que tange a relação entre campanhas eleitorais e discurso das candidatas, selecionamos cinco candidatas a governadora - as mais bem posicionadas nas pesquisas de intenção de voto de cada região brasileira -, e uma candidata à presidência, seguindo o mesmo critério. Destaca-se que não se busca qualquer generalização sobre os resultados em relação a todas as candidatas e de qualquer eleição, já que o corpus diz respeito somente a 2018, mas espera-se trazer luz a nuances importantes de serem investigadas e discutidas no âmbito das campanhas eleitorais.

Como não era possível gravar o HGPE das candidatas de todos os estados, a busca foi feita ao longo do período de campanha, entre 31 de agosto e 4 de outubro de 2018, e os programas foram baixados dos sites e páginas do Facebook para posterior análise. Assim, integraram o artigo candidatas que fizeram essa disponibilização dos dados, sendo que muitas não tinham a prática, o que dificultou a inserção de um número de casos maior. Ou seja, as que tinham a prática replicavam periodicamente e foram, portanto, incluídas na pesquisa. Entende-se esta como uma das limitações da presente pesquisa, pois a coleta ficou condicionada à disponibilização feita pelas próprias candidatas em suas páginas na internet. Portanto, os dados aqui precisam ser compreendidos a partir dessas ponderações.

A pesquisa é desenvolvida a partir da análise de conteúdo quantitativa - já que, mesmo com poucas candidatas, os programas são pormenorizados - e as variáveis utilizadas são baseadas no trabalho de Figueiredo et al. (2000)FIGUEIREDO, Marcus et al. Estratégias de persuasão em eleições majoritárias: uma proposta metodológica para o estudo da propaganda política. In: FIGUEIREDO, Rubens (org.). Marketing político e persuasão eleitoral. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2000., mas como se trata de uma análise centrada na perspectiva de gênero, buscaram-se ainda categorizações advindas de Biroli (2018)BIROLI, Flávia. Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 2018., Panke (2016)PANKE, Luciana. Campanhas eleitorais para as mulheres: desafios e tendências. Curitiba: Editora UFPR, 2016., Panke e Iasulaitis (2016)PANKE, Luciana; IASULAITIS, Sylvia. Mulheres no poder: aspectos sobre o discurso feminino nas campanhas eleitorais. Opinião Pública, Campinas, v. 22, n. 2, p. 385-417, 2016. e de Miguel (2010)MIGUEL, Luis Felipe. Apelos discursivos em campanhas proporcionais na televisão. Política & Sociedade: revista de sociologia política, Florianópolis, v. 9, n. 16, p. 151-175, 2010.. Para este trabalho, utilizou-se o segmento como unidade de análise. O segmento é definido a partir da permanência do tema, orador e cenário; ou seja, um trecho que possui autonomia discursiva (ALBUQUERQUE, 1999ALBUQUERQUE, Afonso. Aqui você vê a verdade na tevê: a propaganda política na televisão. Rio de Janeiro: MCII/UFF, 1999.). Porém, com a profissionalização das campanhas e incrementos nas estratégias discursivas, os programas eleitorais passaram a incorporar muito mais imagens e elementos gráficos (ALBUQUERQUE; TAVARES, 2019ALBUQUERQUE, Afonso; TAVARES, Camilla. Horário gratuito de propaganda eleitoral: estilo, estratégias, alcance e os desafios para o futuro. In: FIGUEIREDO, Argelina; BORBA, Felipe (eds). 25 anos de eleições presidenciais no Brasil. Curitiba: Appris, 2018.). Portanto, neste trabalho, foi considerado como um segmento o trecho do horário eleitoral em que se mantinham tema e orador. Quando um desses elementos mudava, iniciava-se um novo segmento. Assim, os programas das candidatas foram detalhados em diversas unidades que alcançaram o total de 488 segmentos, ou seja, essas pequenas partes autônomas que expressam algum tipo de mensagem.

Previamente à coleta de dados, quatro integrantes do grupo de pesquisa foram treinados a partir do livro de codificação e realizaram uma coleta teste, onde categorizaram os mesmos programas, a fim de verificar a confiabilidade do entendimento sobre as variáveis, procedimento indicado por Sampaio e Lycarião (2018)SAMPAIO, Rafael; LYCARIÃO, Diógenes. Eu quero acreditar! Da importância, formas de uso e limites dos testes de confiabilidade na análise de conteúdo. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 26, n. 66, p. 31-47, 2018. e Krippendorff (2004)KRIPPENDORFF, Klaus. Content analysis: an introduction to its methodology. Thousand Oaks: Sage, 2004..9 9 O treinamento e teste de codificação é aceito pela comunidade acadêmica quando se trata de análise de conteúdo, não sendo necessário a dupla codificação para todo o corpus. A dupla codificação nos testes é considerada suficiente tanto para a validação dos dados quanto para a própria replicação do livro de codificação por outros pesquisadores. A conferência foi realizada por dupla e, ao final, obteve-se no mínimo 80% de validação entre os codificadores em cada uma das variáveis. A partir disso, os programas foram aleatoriamente distribuídos entre eles.

Para este artigo, trabalha-se com as seguintes variáveis, que foram observadas em todos os segmentos que compõem o corpus da pesquisa: temáticas, estratégias discursivas, abordagem do discurso, direcionamento do discurso e características de apresentação das candidatas no HGPE (estereótipos). A primeira observação diz respeito ao tema abordado, isso porque, segundo Panagopoulos (2004)PANAGOPOULOS, Costas. Boy talk-girl talk: gender differences in campaign communication strategies. Women and Politics, Londres, v. 26, n. 3-4, p. 131-155, 2004., as mulheres normalmente estão associadas a temas considerados leves e do universo feminino, como saúde e educação, por exemplo. Assim, foram feitas adaptações à proposição de temas usada para análise do HGPE, para identificar em que medida as candidatas se relacionam com determinados temas, considerando também aqueles que dizem respeito ao direito das mulheres. Ainda dentre os temas, há a formação da imagem, onde são incluídos os casos em que a candidata utiliza o horário eleitoral para falar da sua trajetória e questões relacionadas à sua própria imagem/pessoa; a metacampanha, que diz respeito a assuntos específicos da própria campanha, como a agenda da candidata; e o cardápio, que representa aqueles segmentos que apresentam um conjunto de políticas públicas variadas, não sendo possível categorizar em um único tema. Ao todo, foram 18 possibilidades temáticas incluídas na análise, mutuamente excludentes, ou seja, o segmento poderia ser enquadrado em apenas uma categoria.

A segunda característica trata das estratégias discursivas, advindas dos estudos tradicionais sobre HGPE, a partir de Figueiredo et al. (2000)FIGUEIREDO, Marcus et al. Estratégias de persuasão em eleições majoritárias: uma proposta metodológica para o estudo da propaganda política. In: FIGUEIREDO, Rubens (org.). Marketing político e persuasão eleitoral. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2000.. Elas se dividem em estratégias típicas de desafiante e típicas de mandatário. A intenção é associar esses dados à possibilidade que as candidatas possuem de explorar certas características que depende de histórico político em contraposição a outras, como presença de patrono, que podem associá-las à família que já possui histórico político, por exemplo. Esta variável é composta por categorias que podem coexistir num mesmo segmento, a saber: a) apresentação de problemas e soluções; b) utilização de pesquisas de opinião pública; c) argumentos de como as propostas seriam realizadas; d) ataque ao adversário; e) ataque à administração; f) crítica à baixa participação feminina na política; g) patrono político; h) citação de outras mulheres no discurso.

A terceira variável diz respeito à abordagem do discurso, que está relacionado com a proposição de Biroli (2018)BIROLI, Flávia. Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 2018. sobre a possibilidade ou não de associação das mulheres a um discurso de fato representativo de uma agenda feminista na política. Assim, a variável está dividida em três categorias, também mutuamente excludentes: a) abordagem feminista, quando apela a algum tipo de direito, legislação sobre inserção da política, dentre outros; b) abordagem feminina, quando o segmento é marcado pela afirmação da identidade das candidatas enquanto mulheres, trazendo discussões a respeito da maternidade, trabalho em casa, cuidado dos filhos, dentre outros; c) abordagem neutra, quando não apela para nenhum tipo de identificação de gênero.

Outra característica analisada é o direcionamento do discurso, que se trata de uma adaptação da observação dos apelos discursivos (MIGUEL, 2010MIGUEL, Luis Felipe. Apelos discursivos em campanhas proporcionais na televisão. Política & Sociedade: revista de sociologia política, Florianópolis, v. 9, n. 16, p. 151-175, 2010.), mas aqui voltado especialmente para compreender se, quando as candidatas falam, dirigem-se a um grupo específico(a), que poderia ser: a) outras mulheres; b) minorias ou c) universal, quando não se destina a nenhum grupo específico no que diz respeito ao direcionamento discursivo. Essa variável tem relação com o fato de que, historicamente, apesar de predominar a ausência de apelos, quando eles aparecem são direcionados a outras mulheres no caso das candidatas das disputas proporcionais (TAVARES; MASSUCHIN, 2017TAVARES, Camilla Quesada; MASSUCHIN, Michele Goulart. Comunicação, gênero e política no Brasil: as candidatas do Paraná na propaganda eleitoral televisiva. Revista Latinoamericana de Comunicación - CHASQUI, Quito, n. 135, p. 39-54, 2017.; 2019)TAVARES, Camilla Quesada; MASSUCHIN, Michele Goulart. Mulheres na política: a presença das candidatas à deputada federal na propaganda eleitoral televisiva de 2014. ANIMUS, Santa Maria, v. 18, n. 37, p. 62-83, 2019.. Assim, estima-se que tal forma de abordagem também possa aparecer nas disputas majoritárias, mesmo que não seja preponderante, por conta do desenho eleitoral ser distinto e da necessidade mais ampla de mais votos. Por outro lado, as mulheres representam mais de 50% do eleitorado, o que poderia justificar a presença desses apelos. Com as discussões de gênero e dos direitos das mulheres mais presentes na esfera política, pode ser que em algum momento também apareçam no HGPE, mesmo nas campanhas ao executivo.

Observa-se ainda, de modo adicional, o estereótipo que aparece nos segmentos. Esta caracterização é baseada em Panke (2016)PANKE, Luciana. Campanhas eleitorais para as mulheres: desafios e tendências. Curitiba: Editora UFPR, 2016., que afirma que os estereótipos são imagens mentais que formamos com base em determinados aspectos e nos ajudam a compreender um grupo específico. A partir do estudo realizado sobre candidaturas femininas em diversos países latino-americanos, a autora define seis tipologias: dona de casa, guerreira, mãe, atenciosa/sensível, submissa e trabalhadora (PANKE, 2016PANKE, Luciana. Campanhas eleitorais para as mulheres: desafios e tendências. Curitiba: Editora UFPR, 2016.). No caso do HGPE, essas categorias aparecem normalmente quando a candidata está apresentando seu histórico ou usando da credibilidade que possui em outras esferas. “Eu sou mãe” (estereótipo de mãe), “Eu gerencio o lar” (estereótipo de dona de casa), “Sou professora e sei cuidar dos outros” (estereótipo de atenciosa/sensível), “Eu trabalho desde muito jovem” (estereótipo de trabalhadora), “Sempre lutei por uma sociedade mais justa e igualitária” (estereótipo de guerreira) e “Sou filha do ex-governador...” (estereótipo de submissa) são alguns dos exemplos. A variável dialoga com a literatura que reforça a existência de estereótipos, tanto na forma de apresentação quanto na de avaliação, o que faz com que as candidatas usem de tais estratégias de apresentação (SAPIRO et al., 2011SAPIRO, Virginia et al. Gender, context, and television advertising: a comprehensive analysis of 2000 and 2002 house races. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 64, n. 1, p. 107-119, 2011.).

Essas variáveis elencadas serão observadas a partir de uma perspectiva geral e comparativa entre as candidatas, verificando-se similaridades e diferenças entre elas. A partir dos dados, pretende-se responder às seguintes questões:

  1. Como as mulheres constroem o discurso e se apresentam ao público?

  2. O discurso utilizado por elas traz uma abordagem neutra ou as mulheres levantam a bandeira da representação feminina e/ou de uma agenda feminista?

Estas duas indagações estão diretamente relacionadas aos impasses apresentados na literatura sobre as dificuldades que as mulheres possuem de construírem um discurso ora mais próximo do “esperado” para candidatas; ora pouco ligado à perspectiva das mulheres e mais próximo a um discurso padrão de temas sempre presentes no debate eleitoral. Além disso, busca-se identificar a proximidade das candidatas com um discurso feminista que, de fato, leva os problemas de gênero para o debate.

Para a análise, os programas do horário eleitoral foram divididos por segmento, como mencionamos anteriormente. Ao todo, foram categorizados 488 segmentos e, deste total, nos interessam 432, nos quais há elementos temáticos e de fala10 10 Dos 488 segmentos coletados, consideramos apenas aqueles que tinham conteúdo de fala e que pudessem trazer elementos para a pesquisa. Assim, as vinhetas de abertura e fechamento dos programas foram desconsideradas. , sendo 152 de Cida Borghetti, 92 de Fátima Bezerra, 40 de Eliana Pedrosa, 29 de Márcia Tiburi, 90 de Suely Campos e 29 de Marina Silva. É importante mencionar que as comparações são feitas dando atenção ao percentual ocupado pelo tema dentro do total dos programas de cada candidata quando elas são comparadas, já que o tempo de cada uma é distinto - em função dos partidos e coligações - o que acaba gerando números diferentes de segmentos, o que também varia conforme a profissionalização das equipes de comunicação.

A trajetória política das candidatas

Antes de passarmos aos resultados, faremos uma breve apresentação do histórico das candidatas. Cada uma delas representa uma região do país, e foram escolhidas por conveniência. A escolha por conveniência se dá quando o pesquisador define os integrantes do corpus de acordo com critérios diversos. No caso deste trabalho, demos preferências às candidatas que estavam à frente nas pesquisas de intenção de voto de cada estado/região (quando havia mais de uma disputando o cargo eletivo) ou que foram eleitas (como foi o caso de Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte). Outro fator importante foi a disponibilidade dos programas do HGPE na internet, já que esta era nossa única fonte viável de acesso aos dados. Como mencionado anteriormente, poucas mulheres disputaram os cargos ao executivo em 2018, somando-se 32 entre as aspirantes ao governo dos estados e à presidência. Apesar da inclusão de cinco candidatas ao governo do estado e uma à presidência, ambas as disputas são majoritárias, o que traz semelhanças no modo como tal tema pode ser articulado durante a campanha. Ademais, como se trata de uma perspectiva comparativa e não há interpretação dos dados agregados, não há qualquer enviesamento dos dados. O objetivo deste trabalho, vale ressaltar também, não é generalizar os resultados, mas apresentar insights a partir dos casos selecionados para a análise, que poderão servir de base para estudos futuros com outros recortes e abordagens metodológicas.

Passando à apresentação das candidatas, inicia-se com Cida Borghetti (PP), que disputou as eleições de 2018 como candidata ao governo do estado do Paraná. Na época, ela ocupava o cargo de governadora após a renúncia de Beto Richa (PSDB), do qual era vice.11 11 Devido a isso, não consideramos Cida Borghetti como candidata à reeleição, visto que em 2014 disputou como vice-governadora na chapa com Beto Richa (PSDB). Em 2018, embora ocupasse o cargo de governadora, foi o primeiro ano em que saiu como cabeça de chapa. A trajetória política de Cida está muito atrelada a de seu marido, o ex-ministro da Saúde do governo de Michel Temer, Ricardo Barros (PP). A primeira eleição que Cida disputou foi para a prefeitura de Maringá, reduto eleitoral da família, em 2000. A eleição para o primeiro cargo eletivo veio em 2003, quando foi eleita deputada estadual e assim permaneceu por dois mandatos (2003-2010). Elegeu-se deputada federal (2011-2014) com a maior votação entre mulheres. Apesar do cenário favorável, não conseguiu se eleger governadora em 2018, tendo feito apenas 15,53% dos votos válidos.

Fátima Bezerra (PT), por outro lado, foi a única mulher eleita governadora no país em 2018, pelo Rio Grande do Norte. A trajetória política de Fátima começou ainda na década de 1990, quando se candidatou à Prefeitura de Natal pela primeira vez, em 1996. Depois disso, disputou mais três vezes (2000, 2004 e 2008), sem sucesso. Já ocupou o cargo de deputada estadual por dois mandatos (1995-2002), de deputada federal por três vezes (2003-2014) e senadora (2015-2018). Em 2018, foi a mais votada no primeiro turno e obteve 57,6% no segundo.

A candidata ao governo do Distrito Federal, Eliana Pedrosa (PROS), ingressou na carreira política em 2002, quando foi eleita deputada distrital. Permaneceu no cargo por mais dois mandatos (2006-2010) e em 2014 chegou a ser anunciada como candidata a vice-governadora, o que não se consolidou. Em vez disso, disputou o cargo de deputada federal, mas não se elegeu. Em 2018 concorreu ao cargo de governadora pela primeira vez, mas também não obteve sucesso nas urnas - fez 6,99% e terminou o pleito em quinto lugar.

A candidata ao governo do estado do Rio de Janeiro, Márcia Tiburi (PT), é a outsider das candidatas. Diferente das demais que possuem uma longa trajetória na vida política, Tiburi disputou a primeira eleição em 2018, já para o cargo de governadora, incentivada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É a única candidata da nossa amostra autodeclarada feminista. Uma das justificativas para a decisão de disputar o cargo eletivo em 2018 foi as mulheres. “Não basta se dizer feminista, falar do feminismo, ser feminista, expor uma compreensão de mundo feminista. Você tem que fazer alguma coisa. Ir para a ação”, declarou em entrevista à Folha de S. Paulo naquela época (TIBURI, 2018TIBURI, Márcia. Entro na política como mais uma intrusa, diz Márcia Tiburi sobre pré-candidatura no Rio. [Entrevista concedida a] Cátia Seabra. São Paulo, Folha de S. Paulo, 3 jul. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/07/entro-na-politica-como-mais-uma-intrusa-diz-marcia-tiburi-sobre-pre-candidatura-no-rio.shtml . Acesso em: 16 mar. 2020.
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018...
). Ela conquistou 5,85% dos votos e terminou o primeiro turno em sétimo lugar.

Suely Campos (PP), candidata ao governo de Roraima, é a única dentre as candidatas a concorrer à reeleição. Ela foi eleita governadora em 2014 depois que o marido, Neudo Campos (PP), teve a candidatura indeferida pelo Tribunal Regional Eleitoral de Roraima. Na época, Campos fez o anúncio de que a esposa o substituiria na chapa, mas disse que continuariam a atuar juntos. Antes de assumir o maior posto do estado, Suely Campos foi deputada federal (2003-2007) e vice-prefeita da capital Boa Vista (2009-2013). Em 2018, disputou a reeleição em meio a diversas polêmicas envolvendo seu governo e acabou em terceiro lugar (11,13%), ficando de fora do segundo turno.

Por fim, a única candidata a disputar o cargo de Presidente da República em 2018, Marina Silva (REDE), é a que possui uma carreira política mais consolidada. Iniciou na vida pública ainda na década de 1980 e conquistou o primeiro cargo eletivo em 1988, como vereadora da cidade de Rio Branco, no Acre. Depois, foi eleita deputada estadual (1990-1994), com votação recorde; senadora, por dois mandatos (1995-2011). Foi ministra do Meio Ambiente (2003-2008) do governo Lula e disputou a primeira eleição presidencial em 2010. Em 2014, assumiu a cabeça de chapa após a morte de Eduardo Campos, de quem era vice. Em 2018, disputou o cargo pela terceira vez, terminando na oitava posição. Apesar de ter recordes de votação ao longo de sua trajetória e ter sido a senadora eleita mais jovem da história, Marina Silva fez apenas 1% dos votos.

Quadro 1.
Sistematização das características das candidatas e candidaturas

Como se pode perceber no Quadro 1, a trajetória das candidatas consideradas neste trabalho é bastante distinta, bem como sua campanha e desempenho nas urnas. Apesar de a maioria já ter disputado e ocupado cargos públicos, cinco não conseguiram se eleger. Agora que se conhece o histórico de cada candidata, passemos à apresentação dos resultados empíricos.

Resultados das campanhas feitas por mulheres: com qual agenda e para quem?

O primeiro dado apresentado diz respeito aos temas abordados nos programas do HGPE. Em relação à discussão proposta no texto, a primeira coisa que chama a atenção é que somente 2,3% de todos os segmentos (432) se dedicaram a discutir o direito das mulheres, conforme podemos ver no gráfico a seguir (Gráfico 1). Os dados também mostram que as candidatas procuraram propor mais políticas voltadas a grupos minoritários (4,9%) do que para as próprias mulheres (4,4%). Isso significa que, mesmo tendo mulheres disputando cargos eletivos, os anseios e as particularidades de gênero são poucos considerados durante a campanha, pelo menos nos programas televisivos desta eleição, reiterando o que já propunha Biroli (2010)BIROLI, Flávia. Mulheres e política nas notícias: estereótipos de gênero e competência política. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 90, p. 45-69, 2010..

As mulheres candidatas, por outro lado, normalmente buscam focar em temas como saúde e educação, algo já constatado pela literatura e que acaba criando um padrão de que candidatas sempre aparecem associadas a estas temáticas (PANAGOPOULOS, 2004PANAGOPOULOS, Costas. Boy talk-girl talk: gender differences in campaign communication strategies. Women and Politics, Londres, v. 26, n. 3-4, p. 131-155, 2004.). No entanto, chama a atenção o percentual relativo à economia (12%) e infraestrutura (8%) - temas que tendem a ser menos debatidos por mulheres e mais associados às candidaturas masculinas (KAHN, 1993KAHN, Kim Fridkin. Gender differences in campaign messages: the political advertisements of men and women candidates for U.S. Senate. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 46, n. 3, p. 481-502, 1993.). Embora a literatura indique que as mulheres tendem a se alinhar àqueles temas mais associados a elas (SCHNEIDER, 2014SCHNEIDER, Monica. Gender-based strategies on candidate websites. Journal of Political Marketing, n. 13, p. 264-290, 2014.), este dado mostra o encaminhamento das candidatas para uma campanha mista (SCHNEIDER, 2014SCHNEIDER, Monica. Gender-based strategies on candidate websites. Journal of Political Marketing, n. 13, p. 264-290, 2014.) - pelo menos no horário eleitoral - que foge do padrão identificado pela literatura (KAHN, 1993KAHN, Kim Fridkin. Gender differences in campaign messages: the political advertisements of men and women candidates for U.S. Senate. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 46, n. 3, p. 481-502, 1993.; PANAGOPOULOS, 2004PANAGOPOULOS, Costas. Boy talk-girl talk: gender differences in campaign communication strategies. Women and Politics, Londres, v. 26, n. 3-4, p. 131-155, 2004.).

Gráfico 1.
Percentual de temas abordados nos programas do HGPE (N=432)

A formação da imagem, função clássica do horário eleitoral, segundo Albuquerque (1999)ALBUQUERQUE, Afonso. Aqui você vê a verdade na tevê: a propaganda política na televisão. Rio de Janeiro: MCII/UFF, 1999., apareceu em cerca de 30% dos segmentos e a metacampanha em pouco menos de 20%. Somando essas duas categorias, temos quase 50% dos segmentos do HGPE, ou seja, mais da metade esteve voltada aos temas, mostrando-se a categoria mais ampla. Isso indica que as candidatas observadas neste trabalho tiveram uma campanha, de certa forma, propositiva, apesar da pouca preocupação com uma agenda de gênero. Por outro lado, demonstram uma relativa proximidade com temas atípicos para candidaturas femininas, por conta do maior destaque dado para economia e infraestrutura.

O gráfico seguinte traz os dados referentes aos temas, mas separados por candidatas. Neste momento, agrupamos as categorias originais de temas e reorganizamos a tabela em duas partes temáticas: política para mulheres e outras políticas públicas.12 12 Neste momento, consideramos apenas os temas propriamente ditos, excluindo os segmentos de metacampanha e formação da imagem, por isso o total de casos é menor (N=225) do que nas demais tabelas.

Gráfico 2.
Percentual de temas agrupados de acordo com cada candidata (N=225)

Políticas voltadas apenas às mulheres ou grupos minoritários foram mais abordadas - proporcionalmente - por Fátima Bezerra (14%), Marina Silva (15%) e Cida Borghetti (22%). Em lado oposto estão Eliana Pedrosa, Suely Campos e Márcia Tiburi. Vale destacar que Márcia Tiburi, embora não tenha tocado na pauta das mulheres, demonstra a preocupação em propor políticas públicas para um público minoritário (comunidades, surdos, etc.).

Mas, no geral, no que tange o foco nas mulheres, não identificamos diferenças em relação ao espectro ideológico, ainda que outras pesquisas mais amplas tendem a mostrar algumas diferenças, seja sobre temas abordados ou em relação ao espaço destinado às mulheres no HGPE proporcional (CARVALHO; KNIESS; FONTES, 2018CARVALHO, Fernanda Cavassana; KNIESS, Andressa; FONTES, Giulia Sbairini. Representação feminina na propaganda eleitoral partidária no Brasil: as candidatas à deputada federal pelo Paraná na TV. Estudos em Comunicação, Corvilhã, v. 1, p. 231-246, 2018.). Além disso, a realidade dos anos 1990, abordada por Pinto (1994)PINTO, Celi Regina Jardim. Donas de casa, mães, feministas, batalhadoras: eleições 1994. Revista Estudos Femininistas, Florianópolis, v. 2, n. 2, p. 297-312, 1994., não se alterou, pois a autora já relatava a dificuldade de inserir a pauta de direito das mulheres à época, seja entre candidatas proporcionais ou majoritárias. Além disso, Pinto (1994)PINTO, Celi Regina Jardim. Donas de casa, mães, feministas, batalhadoras: eleições 1994. Revista Estudos Femininistas, Florianópolis, v. 2, n. 2, p. 297-312, 1994. reforça que ser mulher não necessariamente está atrelado à discussão sobre direitos e isso se dá para três das seis mulheres analisadas, nas quais o tema é irrisório ou nulo.

O próximo dado diz respeito à abordagem do discurso, ou seja, de que forma a candidata construía sua mensagem - com a perspectiva feminina, feminista ou neutra. A primeira informação interessante é que apenas 1 em cada 10 segmentos apresentava uma abordagem específica - o que corrobora com os resultados apresentados anteriormente, já que poucos trechos apresentaram proposição de política pública e direitos voltada especificamente à mulher (19 de 225 segmentos entre todas as candidatas). No entanto, na formação da imagem também era possível que houvesse algum tipo de discurso que levasse a um enquadre do segmento como feminista ou feminino. Mesmo assim, 91% dos segmentos não traziam qualquer um dos dois discursos, fazendo uma apresentação generalista que sequer dialogava com questões relacionadas à mulher. De fato, trata-se de eleições majoritárias, o que pode exigir um discurso mais generalista, alinhado a questões amplas, no entanto, políticas públicas para mulheres e pautas de gênero têm se destacado como temas emergentes nas democracias contemporâneas (PINTO, 1994PINTO, Celi Regina Jardim. Donas de casa, mães, feministas, batalhadoras: eleições 1994. Revista Estudos Femininistas, Florianópolis, v. 2, n. 2, p. 297-312, 1994.).

Observando a abordagem do discurso entre as candidatas, percebe-se algumas diferenças entre elas. Márcia Tiburi, apesar ter sido a candidata que mais propôs questões voltadas às minorias, preferiu não ancorar seu discurso numa abordagem feminina nem feminista, assim como Suely Campos.

Gráfico 3.
Abordagem do discurso de acordo com cada candidata (%) (N=432)

Marina Silva, por outro lado, destaca-se por utilizar discursos que envolvem direito das mulheres (10%), enquadrados aqui a partir de uma abordagem feminista por serem direitos historicamente presentes no movimento. Esse dado é significativo para entender que, mesmo em disputa majoritária, a candidata utilizou-se de um discurso mais atrelado à gênero, o que pode estar relacionado a seu histórico de atuação em movimentos sociais, ainda que não fossem sobre a temática gênero. Cida Borghetti também se destaca neste sentido (10%). Uma possível explicação é o fato de que Cida foi a primeira mulher a ocupar o cargo de governadora do estado do Paraná. Mas, ao mesmo tempo, também invoca elementos femininos para construir seu discurso (8%), tentando trazer um equilíbrio entre a mulher no ambiente público com a “atenciosa”. Fátima Bezerra e Eliana Pedrosa utilizaram menos discursos feministas, com 6% e 3%, respectivamente. Eliana Pedrosa usou mais do discurso feminino (8%).

A presença desse discurso feminino - da mulher mãe e dona de casa - antes do diálogo com propostas de políticas efetivas - ou de forma concomitante, como ocorre no caso de Cida Borghetti -, já aparecia articulado nas considerações feitas por Pinto (1994)PINTO, Celi Regina Jardim. Donas de casa, mães, feministas, batalhadoras: eleições 1994. Revista Estudos Femininistas, Florianópolis, v. 2, n. 2, p. 297-312, 1994., sobre o trânsito nos dois âmbitos. E, apesar da possível aliança às questões partidárias (ARAÚJO, 2005ARAÚJO, Clara. Partidos políticos e gênero: mediações nas notas de ingresso das mulheres na representação política. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 24, p. 193-215, 2005.), aqui a distribuição das abordagens não se concentra em um único partido ou espectro ideológico.

Além da abordagem do discurso, investigamos também se as candidatas direcionam sua mensagem para algum grupo específico aproximando-se do apelo (MIGUEL, 2010MIGUEL, Luis Felipe. Apelos discursivos em campanhas proporcionais na televisão. Política & Sociedade: revista de sociologia política, Florianópolis, v. 9, n. 16, p. 151-175, 2010.). O gráfico 4 mostra a quem se direciona o discurso das candidatas mulheres no HGPE televisivo. Eliana Pedrosa, Márcia Tiburi e Suely Campos foram as candidatas que não se dirigiram a nenhum grupo especificamente, com um discurso mais universal. As demais, embora em um percentual muito baixo, fizeram algum tipo de referência.

Gráfico 4.
Direcionamento do discurso entre as candidatas (%) (N=432)

Apesar de ter um dos menores tempos de aparição no HGPE dentre as candidatas estudadas neste trabalho, Marina Silva tem se mostrado a que mais considera o eleitorado feminino nos discursos. Ela foi a que mais se dirigiu às eleitoras nos seus segmentos (10%), mesmo sendo uma eleição nacional, seguida por Cida Borghetti (7%) e Fátima Bezerra (7%). Apesar de ser um percentual muito baixo quando comparado aos demais, demonstra que houve pelo menos a preocupação, em algum momento, de falar especificamente com as mulheres que equivalem a 52% do eleitorado brasileiro, conforme dados de 2018 do Superior Tribunal Federal (STF).

Mas o dado que chama a atenção é o que não se destina a nenhum grupo específico, caracterizando-se como universal. Mesmo sendo mulheres candidatas, elas não se preocupam em conversar diretamente com o eleitorado feminino em boa parte do tempo. Não se colocam como as candidatas das mulheres, mesmo sendo importante o voto feminino. Esta é uma estratégia para se distanciar dos nichos e buscar um discurso mais genérico, destinado a todo o eleitorado, sem fazer distinção de gênero nas agendas, seja por opção ou por dificuldade, como a literatura tem mostrado (LIU, 2018LIU, Shan-Jan Sarah. Are female political leaders role models? Lessons from Asia. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 71, n. 2, p. 1-15, 2018.; SAPIRO et al, 2011SAPIRO, Virginia et al. Gender, context, and television advertising: a comprehensive analysis of 2000 and 2002 house races. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 64, n. 1, p. 107-119, 2011.; CHRISTIE, 2012CHRISTIE, Jane L. Negotiating gendered discourses: Michelle Bachelet and Cristina Fernández de Kirchner. 2012. Tese (Doutorado em Filosofia) - The University of Auckland, Auckland, 2012.) e, por vezes, para parecer mais com o “perfil masculino” dentro do estereótipo do público. Se por um lado parece uma estratégia condizente com o cargo executivo, por outro demonstra que nem sempre as candidatas mulheres se colocam como representantes das demais nos cargos públicos. Um exemplo é Marcia Tiburi, que mesmo se autodeclarando feminista, esteve distante tanto das eleitoras quanto das pautas feministas na propaganda televisiva de 2018.

As marcas da diferença: as estratégias discursivas usadas pelas candidatas

Além da tematização e abordagem, investigamos também as estratégias que as candidatas utilizaram no discurso televisivo do HGPE. Aqui são nove possibilidades, as quais podem coexistir no mesmo segmento. Também vale lembrar que nem todo segmento possui estratégia, portanto o total de casos aqui é diferente das demais tabelas.13 13 O percentual de casos contabiliza mais de 100% na somatória porque as estratégias podem e devem coexistir num mesmo segmento. A primeira constatação deste gráfico é a baixa quantidade de segmentos que empregaram alguma estratégia. Do total do estudo (N=432), as estratégias foram utilizadas em 129 segmentos nos programas televisivos das candidatas. Considerando que, na maioria dos casos, as estratégias coexistem, percebemos a baixa utilização desse recurso discursivo.

Gráfico 5.
Percentual de estratégias empregadas nos programas do HGPE

O dado que mais impressiona é referente às estratégias que consideram alguma relação com gênero, que aparecem em apenas quatro segmentos, considerando os programas das seis candidatas. Não houve, por exemplo, segmentos com críticas à baixa participação feminina na política, o que reitera que as mulheres não tendem a fazer uma campanha que exacerba as questões feministas (BIROLI, 2010BIROLI, Flávia. Mulheres e política nas notícias: estereótipos de gênero e competência política. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 90, p. 45-69, 2010.). Esse resultado corrobora com a ideia de que a presença de candidatas não traz, efetivamente, uma pauta relacionada a elas para a esfera política e leva-nos a discutir sobre a necessidade de representação que não se restringe somente à presença das mulheres na esfera política - ainda que este seja o primeiro passo. Apesar da importância da representação efetiva no que tange a políticas e direitos, Pinto e Silveira (2018)PINTO, Celi Regina J.; SILVEIRA, Augusta. Mulheres com carreiras políticas longevas no legislativo brasileiro (1950-2014). Opinião Pública, Campinas, v. 24, n. 1, p. 178-208, 2018. mostram que as mulheres que fizeram carreira na política não eram ligadas a movimentos feministas, o que pode explicar, em partes, essas ausências.

As demais estratégias empregadas são generalistas e já comumente encontradas nas pesquisas sobre HGPE. A estratégia mais empregada foi a “apresentação de problemas e soluções” (40,3%), que se refere a abordar um problema real e propor soluções para ele. A indicação das redes sociais no horário eleitoral foi outra estratégia bem utilizada, estando presente em praticamente um em cada cinco segmentos. Muitos programas traziam na tela o user da candidata nas redes sociais - uma clara estratégia para fazer com que o(a) eleitor(a) buscasse também informações sobre a candidata na internet, onde é possível fazer uma campanha mais abundante, já que não há limitação de tempo nem espaço.

Um dado relevante diz respeito ao uso do patrono da candidata (15,5%), utilizado para associar sua imagem no pleito a uma pessoa com prestígio e status social e/ou político (TAVARES, 2014TAVARES, Camilla Quesada. Patrono x personalidade política: como estes personagens aparecem no horário gratuito de propaganda eleitoral televisivo dos partidos PT e PSDB nas eleições presidenciais de 2002, 2006 e 2010 no Brasil. Agenda Política, São Carlos, v. 2, n. 1, p. 10-46, 2014.). No caso deste trabalho, o único patrono que apareceu foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nos programas de Fátima Bezerra e Márcia Tiburi, ambas do PT. Isso significa que as candidatas que se utilizaram desta estratégia fizeram-no para se associar unicamente à imagem de Lula. Esse dado é relevante porque não mostra a associação das candidatas com pais, esposos ou familiares políticos homens, o que poderia evidenciar uma trajetória forçada por questões familiares e que já foi levantada pela literatura, indicando que boa parte das candidatas chegam por essa via à esfera eleitoral (PINTO, 1994PINTO, Celi Regina Jardim. Donas de casa, mães, feministas, batalhadoras: eleições 1994. Revista Estudos Femininistas, Florianópolis, v. 2, n. 2, p. 297-312, 1994.). Inclusive, Cida Borghetti, que poderia facilmente ter usado de tal estratégia, não o fez, o que nos faz levantar a hipótese de que esta pode ser uma tendência na qual as candidatas, ao menos na campanha televisiva a cargos majoritários, não precisam reforçar laços familiares e patriarcais.

Em relação à distribuição das estratégias separadas por candidatas, observamos que Suely Campos foi a que mais recorreu às estratégias para construir seu discurso no HGPE (36 vezes) quando comparada às demais concorrentes, seguida de Fátima Bezerra (32 vezes) e Cida Borghetti (31 vezes). As que menos utilizaram as estratégias mencionadas nesta análise foram Márcia Tiburi (17), Marina Silva (7) e Eliane Pedrosa (6), o que, neste caso, tem relação com o tempo e o número de segmentos decorrentes deste. A exceção é Marina Silva que, mesmo com pouco tempo e segmentos, consegue uma posição mais efetiva no diálogo com pautas feministas, com o movimento feminista e com as próprias eleitoras, o que pode ser explicado pelas discussões que permearam a campanha quanto a posicionamentos misóginos do então candidato do PSL, Jair Bolsonaro. Ainda que indiretamente, temas de gênero atravessaram a disputa e podem ter se refletido em um posicionamento de enfrentamento da candidata.

Apesar de só ter utilizado de estratégias discursivas em poucos segmentos, Marina Silva foi a única candidata que fez alguma referência ao movimento feminista - em 3 dos 7 segmentos que continham algum tipo de estratégia. Já recorrer a outras mulheres de reconhecimento político ou social para construir o discurso apareceu somente em um segmento, o de Fátima Bezerra. Nele, a pessoa citada foi Manuela D’Ávila (PCdoB), que disputava o cargo de vice-presidente na chapa com Fernando Haddad (PT). Embora tenhamos entre nosso corpus candidatas que se colocam mais à esquerda do espectro ideológico, que seriam responsáveis por um maior recrutamento de mulheres (ARAÚJO, 2005ARAÚJO, Clara. Partidos políticos e gênero: mediações nas notas de ingresso das mulheres na representação política. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 24, p. 193-215, 2005.), como é o caso de Márcia Tiburi, o HGPE televisivo não foi o espaço para chamar outras mulheres a participar da vida pública, nem para recorrer a outras mulheres com algum tipo de expressividade social e/ou política para comporem o discurso. Nem mesmo os movimentos feministas nos programas televisivos.

Até aqui podemos perceber que a campanha das candidatas no HGPE está muito mais próxima de uma campanha que se considera generalista do que de uma campanha direcionada, com perspectiva feminista, o que condiz com as considerações de Dolan (2005)DOLAN, Kathleen. Do women candidates play to gender stereotypes? Do men candidates play to women? Candidate sex and issues priorities on campaign websites. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 58, n. 1, p. 31-44, 2005. e Panagopoulos (2004)PANAGOPOULOS, Costas. Boy talk-girl talk: gender differences in campaign communication strategies. Women and Politics, Londres, v. 26, n. 3-4, p. 131-155, 2004. sobre a não diferenciação como estratégia para não serem associadas a temas menos centrais, em função dos estereótipos presentes nos próprios eleitores que hierarquizam temas e abordagens. De forma comparada, percebe-se algumas relações de maior proximidade com a pauta de gênero, direitos das mulheres e com as eleitoras, como ocorre entre Marina Silva, Fátima Bezerra e Cida Borghetti. Além disso, a proposição que associa a esquerda com pautas de gênero não ficou tão perceptível nesta análise.

Estereótipos das campanhas

Estes dados dizem respeito aos estereótipos utilizados nos discursos e, primeiramente, mostram que as candidatas, em mais da metade dos segmentos (51,9%), não fazem qualquer referência nem mesmo àqueles comumente associados a elas, como de mãe, por exemplo. Se, por um lado, afastam-se de uma agenda de gênero, como visto anteriormente, por outro não buscam reforçar a ideia de que precisam se diferenciar a partir de estereótipos - muitas vezes presentes e “exigidos” pelo eleitorado (AALBERG; JENSSEN, 2007AALBERG, Toril; JENSSEN, Anders Todal. Gender stereotyping of political candidates: an experimental study of political communication. Nordicom Review, Gotemburgo, v. 28, n. 1, p. 17-32, 2007.; BANWART, 2010BANWART, Mary Christine. Gender and candidate communication: effects of stereotypes in the 2008 election. American Behavioral Scientist, Thousand Oaks, v. 54, n. 3, p. 265-283, 2010.). Os dados apresentados no gráfico 6, portanto, dizem respeito apenas aos segmentos em que foram encontradas tais características e mostram a distribuição dos distintos estereótipos elencados.

Gráfico 6.
Distribuição dos estereótipos entre as candidatas (%) (N=208)

O que observamos é que em praticamente 72% dos segmentos que apresentam algum tipo de estereótipo, as mulheres se apresentaram sob a ótica da mulher trabalhadora, seguida pela guerreira (16,8%) e atenciosa (9,1%). Somente em 2,4% dos segmentos as mulheres se apresentaram como mães. Esse resultado é, novamente, bastante significativo, pois as candidatas preferiram se colocar como mulheres fortemente trabalhadoras, ou seja, imagem do ambiente profissional e não do privado - como é o caso da mãe. No entanto, é preciso notar que mesmo quando as mulheres se prendem ao estereótipo de trabalhadora ou de guerreira, é algo justamente usado para se impor no mundo da política, o que não ocorre em relação aos candidatos. Portanto, seu uso não deixa de ser resultado da cultura política que historicamente restringiu a trajetória pública das mulheres (BIROLI, 2018BIROLI, Flávia. Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 2018.).

Apesar de “mãe” estar entre os estereótipos mais encontrados nas candidaturas femininas de países da América Latina (PANKE, 2016PANKE, Luciana. Campanhas eleitorais para as mulheres: desafios e tendências. Curitiba: Editora UFPR, 2016.), no presente estudo foi bem pouco utilizado, o que é um achado importante. Apesar de este trabalho não considerar uma amostra representativa e incorporar outras disputas, para que se possa dizer que há uma mudança ampla, ele nos fornece insights para investigações futuras, como, por exemplo, verificar se esse resultado tem relação com a própria trajetória das candidatas, que já possuem vida pública e são conhecidas por suas ações enquanto mulheres governantes e/ou profissionais. O resultado poderá ser diferente, no entanto, se observarmos disputas para Câmaras Municipais ou para Assembleias Legislativas, quando há menos histórico da vida pública para ser abordado. Além disso, há diferenças entre as próprias candidatas em relação aos usos desses estereótipos.

Gráfico 7.
Estereótipo utilizado de acordo com as candidatas (%)

O estereótipo de trabalhadora foi o mais utilizado por todas as candidatas, com destaque para Suely Campos, que recorreu a esse estereótipo em 100% dos casos. Mas, de forma comparativa, há diferenças. Marina se dividiu entre a imagem de mulher trabalhadora (53%) e guerreira (47%), assim como Fátima Bezerra (68% e 29%, respectivamente). Cida Borghetti e Eliane Pedrosa se colocaram como trabalhadoras (62% e 68%, respectivamente), mas também como guerreiras (19% e 11%, respectivamente) e atenciosas (16% para ambas). Márcia Tiburi, por outro lado, foi a candidata que, proporcionalmente, mais utilizou o estereótipo de mãe (14%). Menos da metade dos seus segmentos apresentou estereótipos, mas entre eles a imagem de trabalhadora (86%) e mãe (14%) destacaram.

Apesar da possível interlocução entre os discursos - femininos e feministas - e os estereótipos, eles não estão necessariamente alinhados. O estereótipo de mãe pode ser utilizado sem necessariamente estar associado a uma abordagem feminina e/ou feminista. O fato de a candidata recorrer ao estereótipo de mãe pode vir num contexto menos doméstico, e sim relacionado a outras questões. Um exemplo é a própria Márcia Tiburi, que recorre ao estereótipo de mãe para discutir o direito dos surdos, já que sua filha é surda. Outro exemplo é a própria Cida Borghetti, que usa o discurso de mulher atenciosa ao mesmo tempo em que é aquela que mais fala de direito e políticas para mulheres, numa perspectiva enquadrada como feminista por conta das pautas elencadas pela candidata.

Novamente, nestes últimos casos, nota-se como as mulheres articulam imagens mais ou menos tradicionais com conquistas mais recentes (PINTO, 1994PINTO, Celi Regina Jardim. Donas de casa, mães, feministas, batalhadoras: eleições 1994. Revista Estudos Femininistas, Florianópolis, v. 2, n. 2, p. 297-312, 1994.), como do acesso ao mercado de trabalho e ao espaço público. Apesar de reforçarmos que a presença de estereótipos por si só revela marcas das diferenças entre candidatos e candidatas, percebe-se um dado relevante em relação àquilo que tem aparecido historicamente na literatura nacional e internacional, quanto ao que tipicamente passa a ser usado pelas candidatas como forma de construir sua imagem diante do eleitorado. Os achados sobre 2018 e as candidaturas majoritárias são significativos para pensar novas formas como detalharemos melhor a seguir.

Considerações finais

O texto buscou discutir as características da comunicação eleitoral das candidatas, tanto no que diz respeito à presença de uma agenda de gênero, quanto nos elementos que trazem estereótipos às disputas e marcas que diferenciam as candidaturas. A partir da análise descritiva, considerando a campanha televisiva de seis mulheres candidatas a cargos de governadora e presidenta da República, identificamos poucas novidades em relação ao que a literatura já apontou, apesar de alguns achados oferecerem insights pertinentes para o debate.

Respondendo à primeira questão de pesquisa, sobre como as mulheres constroem seu discurso de campanha e se apresentam ao público, após análise de 432 segmentos dos programas eleitorais televisivos de Cida Borghetti (PP/PR), Fátima Bezerra (PT/RN), Eliana Pedrosa (PROS/DF), Márcia Tiburi (PT/RJ), Suely Campos (PP/RR) e Marina Silva (Rede/Brasil), percebe-se que os dados alinham as respectivas candidatas com análises de pesquisas similares, realizadas em âmbito nacional e internacional, especialmente sobre a busca por uma campanha mais generalista, com poucos discursos sobre políticas para mulheres (DOLAN, 2005DOLAN, Kathleen. Do women candidates play to gender stereotypes? Do men candidates play to women? Candidate sex and issues priorities on campaign websites. Political Research Quarterly, Salt Lake City, v. 58, n. 1, p. 31-44, 2005.; PINTO, 1994PINTO, Celi Regina Jardim. Donas de casa, mães, feministas, batalhadoras: eleições 1994. Revista Estudos Femininistas, Florianópolis, v. 2, n. 2, p. 297-312, 1994.).

Apesar de observarmos a manutenção de algumas estratégias, três achados da pesquisa merecem destaque, que podem indicar novidades na campanha de mulheres candidatas, de modo geral. O primeiro deles é que elas priorizaram temas considerados hard, como economia e infraestrutura, fugindo das temáticas que tradicionalmente já estão associadas, segundo a literatura, com as mulheres. O segundo dado importante é que elas não recorreram, pelo menos na campanha televisiva, à imagem de familiares homens como recurso de construção discursiva. O terceiro achado que merece destaque é que, em mais de 50% dos segmentos, as candidatas não buscaram reforçar nenhum estereótipo, nem mesmo de trabalhadoras ou profissionais, distanciando-se, inclusive, de estereótipos advindos da esfera privada, como o de mãe. Esse resultado se diferencia das conclusões de Panke (2016)PANKE, Luciana. Campanhas eleitorais para as mulheres: desafios e tendências. Curitiba: Editora UFPR, 2016. e de Martins e Alves (2019)ALVES, Mércia; MARTINS, Joyce Miranda Leão. A reinvenção da imagem pública de duas prefeitas candidatas: Luizianne Lins e Marta Suplicy no horário eleitoral. Revista Compolítica, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 119-150, 2019., sugerindo algum tipo de avanço em relação ao uso dos estereótipos.

Sobre a segunda questão, que indaga se o discurso utilizado por elas traz uma abordagem neutra, feminina e de uma agenda feminista, constatamos que a campanha televisiva ainda está longe de enfatizar uma agenda feminista (BIROLI, 2010BIROLI, Flávia. Mulheres e política nas notícias: estereótipos de gênero e competência política. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 90, p. 45-69, 2010.). As candidatas não apresentaram propostas que tinham como finalidade a garantia ou ampliação dos direitos das mulheres. Além disso, poucas vezes se dirigiram a elas, mesmo que elas sejam a maior parte do eleitorado brasileiro. Isso não é novidade, se considerarmos que pesquisas como de Pinto e Moritz (2009)PINTO, Celi; MORITZ, Marina Freitas. A tímida presença da mulher na política brasileira: eleições municipais em Porto Alegre (2008). Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 9, p. 61-87, 2009. já perceberam tal ausência nas majoritárias de Porto Alegre. No entanto, passados mais de 10 anos das eleições de 2008 e com o avanço das pautas de gênero, poderia haver maior presença de políticas e direitos das mulheres em destaque, já que o tema perdeu espaço, inclusive, para direitos a outras minorias, que também é um assunto de viés segmentado.

Os dados sobre estas seis candidatas também reforçam que ter mulheres na disputa não significa, necessariamente, direitos e políticas para estas e uma agenda feminista em pauta, seja por uma escolha unicamente das candidatas ou pelo indicativo de que isso não interessaria, no geral, aos eleitores (AALBERG; JENSSEN, 2007AALBERG, Toril; JENSSEN, Anders Todal. Gender stereotyping of political candidates: an experimental study of political communication. Nordicom Review, Gotemburgo, v. 28, n. 1, p. 17-32, 2007.; BANWART, 2010BANWART, Mary Christine. Gender and candidate communication: effects of stereotypes in the 2008 election. American Behavioral Scientist, Thousand Oaks, v. 54, n. 3, p. 265-283, 2010.). Os resultados, inclusive, chegam muito perto dos achados de Martins e Altmann (2018)MARTINS, Joyce; ALTMANN, Cristina. Os usos do gênero na campanha presidencial de 2014: mulheres na propaganda eleitoral brasileira. Teoria e Pesquisa, São Carlos, v. 27, n. 1, p. 48-70, 2018. sobre uma ausência do debate sobre gênero em campanhas. E, comparando as candidatas, nem mesmo as de esquerda trouxeram o tema para a disputa. Estes dados vão ao encontro da percepção de Biroli (2018)BIROLI, Flávia. Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 2018. sobre as cobranças feitas às mulheres e da dificuldade de promover uma campanha eleitoral, o que reforça o conceito de double bind, pois as escolhas sempre são difíceis para elas (HOLTZ-BACHA, 2013HOLTZ-BACHA, Christina. Quem cuida das crianças? A representação das mulheres do alto escalão político pelos media. Revista Compolítica, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 45-60, 2013.).

Atendo-nos às distinções comparativas, Marina Silva se mostrou entre as candidatas mais inclusivas no que tange às questões de gênero, ainda que numa campanha nacional. Ela apresentou propostas de políticas públicas voltadas para mulheres e/ou minorias, fez referência ao movimento feminista em seu discurso, direcionando-o também para as mulheres. Vale ressaltar, ainda, que o tempo parece não ser o impeditivo para tal discurso. Por outro lado, foi a candidata que mais recorreu ao estereótipo de guerreira, ou seja, mais distante do tradicional, voltado ao ambiente privado (PANKE, 2016PANKE, Luciana. Campanhas eleitorais para as mulheres: desafios e tendências. Curitiba: Editora UFPR, 2016.), o que tem relação com sua trajetória de vida, muitas vezes relatada na propaganda televisiva analisada.

Cida Borghetti se destaca pelos estereótipos de trabalhadora, guerreira e mãe, evidenciando a mescla discursiva, mas também trouxe políticas para as mulheres e discussão sobre direitos, dentro de uma abordagem tanto feminina quanto feminista. Fátima Bezerra - a única candidata eleita - trouxe temas e políticas para mulheres, dirigiu-se a elas e apresentou uma agenda feminista, embora trouxesse muitos estereótipos de forma concomitante. Mas é importante reforçar que, apesar de não ser uma forma típica para vencer disputas - especialmente de majoritárias - a abordagem de gênero foi recorrente em diversos sentidos, contrariando a literatura.

Suely Campos, Márcia Tiburi e Eliana Pedrosa, por outro lado, foram as candidatas que mais se distanciaram de uma campanha voltada às mulheres. Não utilizaram estratégias típicas, não trataram de políticas e não tiveram um discurso direcionado. A única coisa que apareceu foram os estereótipos. No geral, muitos estereótipos foram encontrados nas candidaturas do PT, no entanto, o tema gênero propriamente dito ficou bastante ausente - especialmente no caso de Márcia Tiburi - diferente do que a literatura esperava para candidatas de partidos mais alinhados à esquerda (ARAÚJO, 2005ARAÚJO, Clara. Partidos políticos e gênero: mediações nas notas de ingresso das mulheres na representação política. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 24, p. 193-215, 2005.).

Percebemos, de modo geral, que as campanhas femininas, pelo menos no que diz respeito ao recorte proposto neste trabalho, ainda precisam avançar, tanto numa agenda de gênero quanto mais afastada de estereótipos discursivos atrelados, principalmente, ao espaço privado. É importante ressaltar que o artigo trouxe dados apenas das disputas majoritárias, sem informações sobre as disputas proporcionais e que, neste caso, poderia abrir espaço para uma agenda de gênero mais visível, já que o voto, neste caso, tende a ser mais direcionado. De toda forma, compreende-se a importância de tal agenda nas eleições - sejam majoritárias ou proporcionais - e acredita-se que esta possa aparecer em distintos cenários, inclusive competitivos, como de Fátima Bezerra, por exemplo.

Por fim, é relevante mencionar que antes dos estereótipos desenhados nas campanhas e na comunicação eleitoral, existem aqueles presos às decisões dos eleitores e eleitoras que acabam, do ponto de vista estratégico eleitoral, sendo mais decisivos que a busca por uma agenda coerente. A partir da discussão da literatura, percebe-se que é preciso uma mudança sobre o processo de hierarquização dos temas de interesse por parte do público para depois exigir que candidatas levem para a esfera eleitoral a discussão sobre gênero, ou mesmo que sejam eleitas quando falam sobre temas tidos como “mais leves”, embora legítimos. Enquanto as temáticas de gênero não forem vistas como assunto relevante, dificilmente gestoras do executivo serão eleitas enfatizando tal agenda. Equacionar estas questões e ainda fugir de estereótipos, como visto, é complexo. Entrar na disputa, portanto, não é um processo simples para as candidatas e ganhar a disputa é um percurso longo, desafiador e estratégico, que depende tanto de quem está na disputa quanto de quem faz as escolhas nas urnas. Deste modo, a comunicação eleitoral traz à tona novos e complexos desafios para pensar as relações entre gênero e política.

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  • 1
    Este artigo recebeu apoio da CAPES (Finance Code: 001).
  • 5
    Embora o texto, neste início, apresente o contexto prévio aos desafios no âmbito da comunicação eleitoral, como os entraves políticos e aqueles socialmente construídos, não é objetivo da discussão teórica aprofundá-los. Nossa perspectiva é evidenciar essa trajetória das problemáticas inseridas no percurso das mulheres antes de se depararem com os dilemas na comunicação eleitoral e que ajudam a explicar discursos presentes na própria comunicação.
  • 6
    A obrigatoriedade de cumprimento da cota de gênero passou a ser exigida com a Lei Nº 12.034, de 29 de setembro de 2009, apesar de existir desde 1997.
  • 7
    Apesar do tempo de aparição no rádio e TV ser assegurado às candidatas a cargos majoritários, sabemos que existem diferenças significativas em sua distribuição, a depender do partido/coligação. Para mais informações sobre os programas eleitorais das candidatas analisadas neste trabalho, ver Quadro 1.
  • 8
    As autoras agradecem a Luana Fonseca, Nayara Nascimento, Regilson Furtado e Sarah Dantas, que trabalharam no processo de codificação dos dados durante o primeiro semestre de 2019.
  • 9
    O treinamento e teste de codificação é aceito pela comunidade acadêmica quando se trata de análise de conteúdo, não sendo necessário a dupla codificação para todo o corpus. A dupla codificação nos testes é considerada suficiente tanto para a validação dos dados quanto para a própria replicação do livro de codificação por outros pesquisadores.
  • 10
    Dos 488 segmentos coletados, consideramos apenas aqueles que tinham conteúdo de fala e que pudessem trazer elementos para a pesquisa. Assim, as vinhetas de abertura e fechamento dos programas foram desconsideradas.
  • 11
    Devido a isso, não consideramos Cida Borghetti como candidata à reeleição, visto que em 2014 disputou como vice-governadora na chapa com Beto Richa (PSDB). Em 2018, embora ocupasse o cargo de governadora, foi o primeiro ano em que saiu como cabeça de chapa.
  • 12
    Neste momento, consideramos apenas os temas propriamente ditos, excluindo os segmentos de metacampanha e formação da imagem, por isso o total de casos é menor (N=225) do que nas demais tabelas.
  • 13
    O percentual de casos contabiliza mais de 100% na somatória porque as estratégias podem e devem coexistir num mesmo segmento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2022
  • Aceito
    23 Ago 2022
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