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Alteração superficial e pedogeomorfologia no sul do Complexo Bação - Quadrilátero Ferrífero (MG)

Superficial alteration and pedogeomorphology in the south of the Bação Complex - Quadrilátero Ferrífero - MG, Brazil

Resumos

Alguns aspectos dos processos de alteração superficial e seus reflexos na pedogeomorfologia Quaternária na sub-bacia do alto Ribeirão Maracujá, no Complexo Bação, Quadrilátero Ferrífero, MG, são aqui caracterizados. São investigados caracteres relativos à dinâmica evolutiva de três vertentes (toposseqüências 1, 2 e 3), situadas sobre gnaisses, mas com graus de erodibilidade diferenciados. Nos segmentos de alta vertente das toposseqüências 1 e 2, os perfis de solos são pouco desenvolvidos e autóctones. Na toposseqüência 3, no mesmo segmento, ocorre um Latossolo com feições de aloctonia. Nos segmentos de meia vertente, das três toposseqüências ocorrem perfis latossólicos espessos, desenvolvidos a partir de sedimentos coluviais provindos da alta vertente. Nos segmentos de baixa vertente, há ruptura nos processos de transporte e deposição dos sedimentos, sendo o perfil de solo da toposseqüência 2 um Latossolo Câmbico autóctone e, nas toposseqüências 1 e 3, perfis desenvolvidos a partir de materiais alúvio-coluviais depositados sobre o saprolito gnáissico. Apesar de a dinâmica evolutiva das três vertentes corroborar os modelos geomorfológicos tropicais até o segmento de meia vertente, a jusante, a ruptura do coluvionamento na baixa vertente evidencia um recente desequilíbrio morfodinâmico. Além disso, as evidências micromorfológicas e mineralógicas não sinalizam correlação com susceptibilidade erosiva diferenciada verificada na área.

intemperismo; micromorfologia; solos gnáissicos


This study defines some aspects of superficial alteration processes and their reflexes on the Quaternary pedogeomorphology in the sub-basin of the upper Maracujá River, in the Complexo Bação, ferriferous zone, State of Minas Gerais, Brazil. Characteristics related to the dynamic evolution of three gneiss-underlayered toposequences (1, 2, and 3) at different erosion stages were investigated. In the top slope segments of the toposequences 1 and 2 the soil profiles are little developed and present an in situ evolution. In toposequence 3, the soil profile of the same top slope segment is a well developed Oxisol with allochthonous features. Similarly, in the mid slope segments of the three toposequences, the soil profiles are thick, Latosolic, originated from the colluvial sediments that descended from the top slope. However, there is a rupture in the sediment transport and deposition process in the low slope segments. The soil profile of toposequence 2 is an autochthonous Cambic Oxisol, while the toposequences 1 and 3 profiles were developed from alluvial - colluvial materials deposited on the gneiss saprolite basement. Despite the fact that dynamic evolution of the top and mid slope segments of the three toposequences corroborate the tropical geomorphological models up to the mid slope segment, the rupture in colluvial deposition to the lower slope segments suggests a recent morphodynamic imbalance. Besides, the micromorphological and mineralogical features do not present any correlation with the differentiated erosive susceptibility verified in the area.

weathering; micromorphology; gneiss soils


SEÇÃO V - GÊNESE, MORFOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO DO SOLO

Alteração superficial e pedogeomorfologia no sul do Complexo Bação - Quadrilátero Ferrífero (MG)1 1 Trabalho referente à parte da Tese de Doutorado em Geociências do primeiro autor, em desenvolvimento no Departamento de Geologia, Escola de Minas, Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP.

Superficial alteration and pedogeomorphology in the south of the Bação Complex - Quadrilátero Ferrífero - MG, Brazil

M. A. FigueiredoI; A. F. D. C. VarajãoI; J. D. FabrisII; I. S. LoutfiI; A. P. CarvalhoI

IProfessora Adjunta e Bolsistas de Iniciação Científica do Departamento de Geologia, Escola de Minas, Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP. Campus Morro do Cruzeiro, CEP 35400-000 Ouro Preto (MG). E-mail: m67f@yahoo.com.br; angelica@degeo.ufop.br

IIProfessor Titular do Departamento de Química, Instituto de Ciências Exatas, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Campus Pampulha, CEP 31270-901 Belo Horizonte (MG) E-mail: jdfabris@ufmg.br

RESUMO

Alguns aspectos dos processos de alteração superficial e seus reflexos na pedogeomorfologia Quaternária na sub-bacia do alto Ribeirão Maracujá, no Complexo Bação, Quadrilátero Ferrífero, MG, são aqui caracterizados. São investigados caracteres relativos à dinâmica evolutiva de três vertentes (toposseqüências 1, 2 e 3), situadas sobre gnaisses, mas com graus de erodibilidade diferenciados. Nos segmentos de alta vertente das toposseqüências 1 e 2, os perfis de solos são pouco desenvolvidos e autóctones. Na toposseqüência 3, no mesmo segmento, ocorre um Latossolo com feições de aloctonia. Nos segmentos de meia vertente, das três toposseqüências ocorrem perfis latossólicos espessos, desenvolvidos a partir de sedimentos coluviais provindos da alta vertente. Nos segmentos de baixa vertente, há ruptura nos processos de transporte e deposição dos sedimentos, sendo o perfil de solo da toposseqüência 2 um Latossolo Câmbico autóctone e, nas toposseqüências 1 e 3, perfis desenvolvidos a partir de materiais alúvio-coluviais depositados sobre o saprolito gnáissico. Apesar de a dinâmica evolutiva das três vertentes corroborar os modelos geomorfológicos tropicais até o segmento de meia vertente, a jusante, a ruptura do coluvionamento na baixa vertente evidencia um recente desequilíbrio morfodinâmico. Além disso, as evidências micromorfológicas e mineralógicas não sinalizam correlação com susceptibilidade erosiva diferenciada verificada na área.

Termos de indexação: intemperismo, micromorfologia, solos gnáissicos.

SUMMARY

This study defines some aspects of superficial alteration processes and their reflexes on the Quaternary pedogeomorphology in the sub-basin of the upper Maracujá River, in the Complexo Bação, ferriferous zone, State of Minas Gerais, Brazil. Characteristics related to the dynamic evolution of three gneiss-underlayered toposequences (1, 2, and 3) at different erosion stages were investigated. In the top slope segments of the toposequences 1 and 2 the soil profiles are little developed and present an in situ evolution. In toposequence 3, the soil profile of the same top slope segment is a well developed Oxisol with allochthonous features. Similarly, in the mid slope segments of the three toposequences, the soil profiles are thick, Latosolic, originated from the colluvial sediments that descended from the top slope. However, there is a rupture in the sediment transport and deposition process in the low slope segments. The soil profile of toposequence 2 is an autochthonous Cambic Oxisol, while the toposequences 1 and 3 profiles were developed from alluvial - colluvial materials deposited on the gneiss saprolite basement. Despite the fact that dynamic evolution of the top and mid slope segments of the three toposequences corroborate the tropical geomorphological models up to the mid slope segment, the rupture in colluvial deposition to the lower slope segments suggests a recent morphodynamic imbalance. Besides, the micromorphological and mineralogical features do not present any correlation with the differentiated erosive susceptibility verified in the area.

Index terms: weathering, micromorphology, gneiss soils.

INTRODUÇÃO

A evolução da paisagem de ambientes tropicais tem sido bem estudada, principalmente quanto ao intemperismo químico, fator preponderante nos processos de denudação geoquímica (Millot, 1983; Thomas, 1994a). Vários aspectos têm sido abordados e, entre eles, o estádio de desenvolvimento do solo como indicador de variações na dinâmica geomorfológica ao longo do tempo (Thomas, 1994a,b; Figueiredo, 1999; Figueiredo et al., 1999; Vidal-Torrado & Lepsch, 1999). O estádio de intemperismo dos solos está intimamente ligado a processos climáticos e, ou, tectônicos.

Do ponto de vista climático, os solos, quando expostos a ambientes úmidos (tropicais), são alvo de intenso intemperismo químico responsável pela rápida transformação dos minerais primários (Lucas & Chauvel, 1992; Macias & Chesworth, 1992). No entanto, mesmo em condições de intenso intemperismo químico, muitos solos de regiões úmidas tropicais ainda externam uma correlação mineralógica e morfológica direta com as características da rocha mãe (Macias & Chesworth, 1992).

Pelo lado tectônico, determinada região, ao ser submetida a soerguimentos cíclicos, possibilita o encaixamento da rede de drenagem local, visto que, em busca de reequilíbrio com o nível de base regional, os cursos fluviais tendem a incidir verticalmente os vales (encaixamento), desencadeando, por sua vez, um aumento no gradiente de declividade das vertentes. São geradas as condições para intensificação da erosão, sobretudo nos segmentos de alta e média vertente. No segmento de baixa vertente, são provocados desequilíbrios hidrológicos de subsuperfície, onde o nível da zona piezométrica também se rebaixa, em busca do equilíbrio com o perfil fluvial em mutação. A água, movimentando-se ao longo de planos de fraturas, concentrar-se-ia subsuperficialmente e desencadearia erosão linear acelerada (voçorocas).

Nesta perspectiva, haveria um rebaixamento generalizado na paisagem, com a retirada (erosão) de grande parte da massa dos horizontes superficiais. Com a proximidade do front de intemperismo em alguns segmentos de vertente, haveria um rejuvenescimento pedogenético, cujos horizontes B atuais manteriam características de parentesco com o substrato rochoso e, ou, saprolítico (autoctonia). Entretanto, não há dados suficientes que demonstrem, de maneira inquestionável, sua ocorrência na área de investigação deste trabalho.

No Complexo Bação, Quadrilátero Ferrífero, particularmente na sua área sul, ocorrem vertentes com baixa declividade em cujo eixo desenvolvem-se solos de origem gnáissica (rocha predominante na área), com diferentes graus de alteração. As características mineralógicas desses solos foram estudadas apenas por Parzanese (1991), cujo trabalho objetivou a relação entre natureza pedológica e gênese de voçorocas na região.

Os solos da área em questão são considerados como Latossolos Vermelho-Amarelos distróficos (Cetec-MG, 1983), Latossolos Vermelho-Escuros e Cambissolos álicos (Radambrasil, 1983). Conforme Parzanese (1991), os Latossolos Vermelho-Amarelos são dominantes, indicando perfis bastante lixiviados. Nos locais de relevo mais suave, predominam os Latossolos; nas zonas de interflúvios, ocorrem muitos Cambissolos com forte influência da rocha parental gnáissica. O solo é pouco espesso na alta vertente (litólico/câmbico), espesso na meia (latossólico) e novamente pouco espesso na baixa vertente (latossólico/câmbico).

A correlação pedogeomorfológica entre solos alóctones e solos autóctones é de fundamental importância para a interpretação dos estádios de evolução dos perfis de intemperismo e das vertentes (Queiroz Neto, 2000). Sabe-se que com os ciclos de erosão e sedimentação verificados na região durante o Quaternário (Valadão & Silveira, 1992), os solos produzidos nas zonas de interflúvio foram transportados (gravitacionalmente ou através de erosão hídrica) e depositados em vários pontos da vertente. Nos solos pedologicamente evoluídos da região, Bacellar (2000) relata ter sido impossível determinar, com segurança, a gênese desses solos, se eluvial ou coluvial. Entretanto, o autor supracitado não se valeu da utilização de estudos micromorfológicos que, provavelmente, poderiam ajudar a elucidar tal indagação. Aspectos micromorfológicos, tais como: a organização do fundo matricial, as características texturais dos grãos esqueletais e as microfeições (Brewer, 1976; Eswaran & Stoops, 1979; Bullock et al., 1985; Castro, 1999, Sander, 2002), podem determinar a natureza do geomaterial investigado, inclusive quanto à sua susceptibilidade à erosão (Castro, 1999).

No intuito de contribuir para o entendimento da evolução recente dos solos da região em questão, faz-se uma avaliação da alteração superficial e da pedogeomorfologia, a partir de estudos macromor-fológicos e micromorfológicos, obtidos de análises mineralógicas, químicas e físicas dos materiais.

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA

A área de estudo localiza-se no sul do Complexo Bação, entre os paralelos 20 º 20 00 " e 20 º 23 ' 16 " S e os meridianos 43 º 38 ' 32 " e 43 º 42 ' 16 " W, abrangendo aproximadamente 38,4 km2. O Complexo Bação encontra-se no SSE do Quadrilátero Ferrífero - QF (Figura 1), no estado de Minas Gerais, sudeste do Brasil, e constitui o embasamento cristalino granito-gnáissico-migmatítico das unidades geológicas do Quadrilátero Ferrífero. Tal complexo é caracterizado como gnaisse Funil (Salaroli, 1999; Vilela, 1999) e tem como características básicas: composição global granodiorítica, com bandas tonalítica (bandas escuras) e granitóide rica em quartzo (bandas claras) (Salaroli, 1999; Vilela, 1999; Bacellar, 2000). Os minerais predominantes são o quartzo e os plagioclásios, que se alternam em faixas de enriquecimento, ora maior em quartzo, ora maior em plagioclásio. As bandas enriquecidas em quartzo (55 % em volume, conforme Salaroli, 1999), são, muitas vezes, resistentes ao encaixamento da drenagem e dissecação do relevo, mantendo-o em níveis de base locais (Bacellar, 2000).


A geomorfologia da área pode ser descrita como uma paisagem de colinas policonvexas de baixa declividade quando no domínio gnáissico. Os regolitos são espessos, com saprolito profundo, demonstrando intensa atuação de intemperismo químico. A rede de drenagem desenvolve-se sob controle estrutural, com planícies fluviais de agradação sedimentar recentes (Bacellar, 2000). Os sedimentos acumulados nas planícies, cujo volume parece ser incompatível com a capacidade de transporte da rede de drenagem, são provenientes do grande número de voçorocamentos ocorrentes nas vertentes sob domínio gnáissico, evidenciando o processo de agradação. Os cursos fluviais têm profundidade mínima e continuam recebendo grande aporte de sedimentos areno-siltosos. Todos os vales fluviais têm fundo plano – considerando a grande acumulação de sedimentos - e o contato entre a planície fluvial e o segmentos de baixa vertente se dá de forma abrupta, em ruptura de declive.

MATERIAL E MÉTODOS

A partir do levantamento de campo, precedido de interpretações em fotografias aéreas (escala 1: 25.000) e ortofotos (escala 1: 10.000), foram selecionadas três vertentes para este estudo (Figura 2). A escolha está relacionada com a área não voçorocada (toposseqüência 1), área de voçorocamento ativo (toposseqüência 2), área de voçorocamento inativo (toposseqüência 3).


Objetivando estabelecer o grau de relacionamento evolutivo entre o substrato rochoso gnáissico e o perfil pedológico nas três vertentes analisadas, na toposseqüência 1, foram abertas quatro trincheiras nos segmentos de alta vertente, meia vertente superior, meia vertente inferior e baixa vertente (Figura 3a). Na toposseqüência 2, foram abertas três trincheiras, uma em cada segmento de vertente (Figura 3b). A toposseqüência 3 é caracterizada por quatro trincheiras (Figura 3c), seguindo a mesma técnica das vertentes anteriores. As trincheiras apresentaram profundidade média de 1,9 m e foram complementadas com tradagens em diferentes profundidades.




Nas trincheiras, os perfis foram descritos, utilizando-se técnica adaptada de Lemos & Santos (1996), e foram coletadas amostras deformadas e indeformadas nos diferentes horizontes e suas transições. As análises granulométricas foram efetuadas, conforme método da Embrapa-Solos (1997). A análise química total dos elementos maiores (óxidos) foi realizada utilizando-se fluorescência de raios-X em um equipamento Rigaku, modelo 3064. As análises mineralógicas foram efetuadas na fração terra fina, destorroada e passada em peneira de malha de 2 mm, assim como na fração argila, utilizando um difratômetro Rigaku, modelo Geigerflex CN D/MAX-B com tubo de cobre, além do equipamento T.A. Instruments, modelo SDT 2960 para análise térmica diferencial e gravimétrica (ATD/ATG). A análise micromorfológica foi realizada em dois modelos de microscópio petrográfico com luz polarizada e plana. Um Leica, modelo DMLP, equipado com câmera digital Nikon, modelo COOLPIX 990, e outro Leitz, modelo Laborlux 12 POL S, equipado com o mesmo equipamento fotomicrográfico. As descrições foram realizadas com base nos métodos de Brewer (1976) e Bullock, et al. (1985), além do suporte dos trabalhos de Curi, et al. (1985) e Resende, et al. (1997).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Toposseqüência 1 (VDB)

Esta toposseqüência (Figuras 2 e 3a), representada por quatro perfis pedológicos (VDB4 + VDB1 + VDB2 + VDB3), corresponde a uma vertente de perfil longitudinal convexo-côncavo, com cobertura vegetal constituída de pastagem plantada do tipo Brachiaria brizantha. Apresenta declividade de 45 % no terço superior; de 15 % no terço médio e de 20—25 % no terço inferior . De acordo com o método preconizado por Lemos & Santos (1996), a cobertura superficial vai de extremamente a muito pedregosa na alta vertente e pouco a não-pedregosa na meia e baixa vertente. Sítios de afloramentos do gnaisse com direção de foliação 45 º ESE delimitam a variação de declividade da toposseqüência, caracterizando a passagem da meia vertente para a baixa vertente.

Neste segmento de transição, ocorre uma concentração de cascalhos angulosos associados a boulders esparsos de gnaisse. Os solos ocorrentes nesta toposseqüência são pouco desenvolvidos (ausência de horizonte B) na alta vertente, apresentam veios de quartzo e turmalinitos suborizontalizados e fragmentados em granulometrias diversas e são bem desenvolvidos e argilosos na meia vertente (horizontes B profundos). Na baixa vertente, os solos são pouco desenvolvidos (ausência do horizonte B), gleizados, argilosos e apresentam feições da atividade fluvial pretérita.

A evolução pedogeomorfológica da toposseqüência 1 indica importantes mudanças na sua dinâmica recente, revelada pelas descrições, macroscópica (Quadro 1) e micromorfológica (Quadro 2), dos principais horizontes. No segmento de alta vertente (VDB4), a pedregosidade da superfície diferencia-se dos demais segmentos. É caracterizada por nódulos litorreliquiais gnáissicos, de tamanhos variados (1-3 cm de diâmetro), subarredondados, cuja configuração interna mostra halo ferruginoso (2-3 mm de espessura), envolvendo um núcleo de rocha em melhor preservação (Figura 4a). Juntam-se aos nódulos fragmentos de quartzo (de veio) e de turmalinitos angulosos, com tamanhos variando de 2 a 15—20 cm. Micromorfologicamente, o horizonte C (Figura 4b) do perfil de alta vertente (VDB4) apresenta bandamento gnáissico reliquial com ferruginizações nas lamelas micáceas e nos bordos e fraturas dos quartzos.







No perfil da meia vertente superior (VDB1), a análise micromorfológica do horizonte B (Figura 4c) evidencia a presença de nódulos litorreliquiais em contato nítido com o plasma argilo-ferruginoso de composição caulinita, gibbsita e goethita (Figura 4d). Adicionalmente, a presença de um esqueleto predominantemente quartzoso com ferruginizações (Figura 4e) semelhantes às do perfil da alta vertente, mas sem continuidade no plasma, revela a aloctonia deste material.

Analogamente, na meia vertente inferior, o perfil VDB3 apresenta o horizonte B espesso com feições pedológicas representadas por nódulos silto-argilosos, indicativas de aloctonia. Ambos os perfis da meia vertente apresentam os atributos diagnósticos necessários para serem considerados B latossólico (Bw). Entretanto, a identificação de elementos litorreliquiais demonstra que ainda há ligações evidentes com a rocha parental, portanto com feições intermediárias para B incipiente (Bi).

No segmento de baixa vertente o perfil de solo é pouco evoluído, com ausência de horizonte B, e desenvolve-se em ambiente redutor a partir de sedimentos aluviais depositados sobre o saprolito gnáissico. Observações microscópicas mostram a foliação gnáissica reliquial com a ocorrência incipiente de um plasma de composição, caulinita, gibbsita, goethita e sericita (Figura 4f).

Desta forma, a toposseqüência 1 tem o seu segmento de alta vertente representado por um perfil pouco desenvolvido, intensamente perturbado por veios intrusivos, numa zona de interflúvio sustentada por geomateriais muito resistentes ao intemperismo (quartzo e turmalinito), dificultando a formação de um perfil de solo homogêneo. Tais circunstâncias demonstram tratar-se de um local onde a erosão laminar é atualmente atuante (aumento da declividade), provocando o desmonte e espalhamento dos fragmentos (nódulos) encontrados no perfil de alta vertente. As frações mais finas (silte e argila) são transportadas mais rapidamente vertente abaixo em direção ao segmento de meia vertente, deixando para trás as frações mais grosseiras (nódulos litorreliquiais e fragmentos de quartzo e turmalinito). Adicionalmente, a presença localizada de nódulos litorreliquiais no horizonte B da meia vertente e as ferruginizações esqueletais interrompidas evidenciam o caráter alóctone de pelo menos parte destes horizontes. Como fonte destes materiais, a zona de alta vertente seria a mais provável.

Do segmento de meia vertente para jusante, observa-se um comportamento pedogeomorfológico distinto, evidenciado pela ruptura de declive onde afloramentos de gnaisse funcionam como um anteparo, sustentando a zona de coluvionamento e interrompendo o fluxo de sedimentos coluviais provindos do transporte gravitacional e hídrico dos segmentos a montante. Ou seja, no segmento de meia vertente, processa-se um acúmulo de sedimentos, proporcionando condições favoráveis ao aprofundamento e intensificação do intemperismo químico, responsável pela formação dos perfis latossólicos ali verificados. A jusante do afloramento gnáissico, as características superficiais são compostas de sedimentos grosseiros (fração cascalho), cuja granulometria vai diminuindo gradativamente em direção ao segmento de baixa vertente.

O perfil do segmento de baixa vertente apresenta marcante diferenciação em relação aos perfis de montante. Desenvolve-se a partir de material aluvial depositado sobre o saprolito gnáissico deferruginizado, caracterizando um ambiente de saturação hídrica com acúmulo de matéria orgânica nas camadas superficiais e ausência de horizonte B. O local amostrado indica uma zona de forte influência do ambiente fluvial, sem qualquer indício de materiais de natureza coluvial, encontrando-se desenvolvido sobre um terraço (paleoplanície fluvial), que sobrepõe o saprolito gnáissico, caracterizando a incisão do Ribeirão Maracujá.

A distribuição dos elementos maiores (Quadro 3) corrobora estes resultados, destacando-se maior concentração de SiO2 e K2O no saprolito do segmento de baixa vertente e uma deferruginização característica do seu perfil glei, onde teores mais baixos de Fe2O3 são encontrados.


Toposseqüência 2 (VH)

A toposseqüência 2 (Figuras 2 e 3b) corresponde a uma vertente de perfil longitudinal convexo-côncavo-convexo, com declividades variando de 30-35 % no terço superior, 15-30 % no terço médio e inferior. O extrato vegetacional corresponde a cerrado degradado com fisionomias de campo limpo e campo cerrado associado a Brachiaria brizantha nas pastagens plantadas. A cobertura superficial vai de não-pedregosa na alta vertente a ligeiramente pedregosa na meia vertente e na baixa vertente. Os perfis de solos ocorrentes nesta toposseqüência apresentam o horizonte B com variadas espessuras e diferentes graus de evolução. Na alta vertente, o horizonte B é incipiente e aponta para um perfil de natureza câmbica. Na meia vertente, o horizonte B é profundo, apresenta granulometria argilosa e pouca ocorrência de fragmentos de quartzo. Na baixa vertente, o perfil é parcialmente desenvolvido (Latossolo Câmbico), com forte ocorrência de feições granulares litorreliquiais, distribuídas por todo o perfil.

Esta toposseqüência é representada por três perfis pedológicos (VH2 + VH3 + VH4) cujas descrições macroscópicas e microscópicas encontram-se nos quadros 1 e 2, respectivamente. O Perfil de alta vertente (VH2) apresenta um horizonte C saprolítico que, gradualmente, passa para um horizonte B incipiente com estruturas parentais (foliação) do embasamento gnáissico ainda identificáveis macroscopicamente. Microscopicamente, este horizonte C (Figura 5a), à semelhança do perfil da alta vertente da toposseqüência 1, mostra litorrelíquias gnáissicas em associação com o esqueleto quartzoso com ferruginizações nas bordas e nos espaços intergrãos e com um plasma incipiente, argilo-ferruginoso, mineralogicamente composto por caulinita, gibbsita, goethita, com traços de sericita (Figura 5b). No segmento de meia vertente, o perfil (VH3) é bastante desenvolvido, apresentando o horizonte B uma estruturação bastante uniforme, dificultando a identificação macroscópica de qualquer resquício de estruturas parentais. Micromorfologicamente, o horizonte B (Figura 5c), à semelhança do mesmo horizonte da média vertente da toposequência 1, apresenta um esqueleto quartzoso com ferruginizações em contato abrupto com o plasma composto de caulinita, gibbsita e goethita (Figura 5d), revelando aloctonia do material. No perfil da baixa vertente (VH4), são identificadas macro e microscopicamente estruturas litorreliquiais pseudomorfizadas distribuídas de forma decrescente no perfil no sentido base - superfície, atestando sua natureza autóctone. Microscopicamente, o horizonte B (Figura 5e) apresenta um plasma argilo-ferruginoso de composição caulinítica e gibsítica (Figura 5f), envolvendo o esqueleto quartzoso.




O contato do segmento de baixa vertente com a incipiente planície fluvial se dá numa ruptura de declive (Figura 3b) e não de forma gradacional, de acordo com os modelos geomorfológicos tradicionais de evolução de vertentes (Carson & Kirkby, 1972; Young, 1972, Ollier & Pain, 1996).

Analogamente à toposseqüência 1, a distribuição dos elementos maiores (Quadro 3) corrobora as evidências micromorfológicas, ocorrendo uma maior concentração de SiO2 e K2O nos horizontes saprolíticos e depleção de ferro na baixa vertente. Desta forma, similarmente à toposseqüência 1 supracitada, conclui-se que os perfis de alta e baixa vertente assumem um processo evolutivo semelhante e distinto do perfil de meia vertente. Os perfis de alta vertente e baixa vertente são caracterizados como autóctones eluviais (Cambissolo e Latossolo Câmbico, respectivamente), evidenciados pela clara relação gradacional decrescente, no sentido base topo, de estruturas litorreliquiais. A ausência de qualquer resquício de organização e de relação gradacional com o horizonte C evidencia o caráter alóctone coluvial do perfil de meia vertente.

Toposseqüência 3

A toposseqüência 3 (Figura 3c) corresponde a uma vertente de perfil longitudinal convexo, com declividades variando de 15 % no terço superior e médio a 40—45 % no terço inferior. O extrato vegetacional corresponde a cerradão subperenifólio (mata) na alta vertente, seguido de espécies gramíneas, herbáceas e arbustivas naturais (campo cerrado) no segmento de meia vertente superior; gramíneas e herbáceas rasteiras na meia vertente inferior (aumento da declividade) e vegetação gramínea e herbácea densa no segmento de baixa vertente. A cobertura superficial vai de não-pedregosa na alta vertente a ligeiramente pedregosa na meia vertente e na baixa vertente. Os perfis de solos ocorrentes são bem desenvolvidos (horizonte B profundo) e argilosos na alta vertente e, na meia vertente, transicionam para um pedoambiente litólico (neossolo litólico), com granulometria franco-argilosa a franco-siltosa. Na baixa vertente, o solo é pouco desenvolvido (ausência de horizonte B), argiloso, apresentando forte desferruginização dos horizontes de subsuperfície e feições da atividade fluvial pretérita.

Esta toposseqüência é representada por quatro perfis pedológicos (VOVH1 + VOVH2 + VOVH3 + VOVH4), cuja descrição macroscópica (Quadro 1), acompanhada da descrição micromorfológica (Quadro 2), mostra a mesma ruptura evolutiva evidenciada nas toposseqüências 1 e 2. O perfil de alta vertente (VOVH1) apresenta características de maturidade pedológica, manifestada pela espessura (aproximadamente 3 m, diagnosticada por tradagem) e uniformização estrutural macroscópica do horizonte B. Micromorfologicamente, este horizonte B (Figura 6a) é representado por um plasma argilo-ferruginoso constituído de caulinita, gibbsita e goethita (Figura 6b) envolvendo um esqueleto quartzoso e nódulos pedorreliquiais. O segmento de meia vertente superior (VOVH2) apresenta feições macro e micromorfológicas (Figura 6c) similares às do perfil anterior, apresentando o horizonte B um plasma argilo-ferruginoso caulinítico e gibbsítico (Figura 6d), um esqueleto quartzoso com impregnações ferruginosas abruptamente interrompidas no contato com o plasma e nódulos pedorreliquiais. Adicionalmente, no talude da cabeceira da voçoroca situada neste mesmo segmento, constata-se a ocorrência de uma stone-line na transição entre o horizonte B e o horizonte C.




A partir do segmento de meia vertente, inicia-se uma descontinuidade evolutiva, ocorrendo no perfil de meia vertente inferior (VOVH3) um pedoambiente imaturo, com as características parentais, macro e micromorfologicamente, ainda bastante pronunciadas. No horizonte C (Figura 6e), os fragmentos de gnaisse encontram-se intensamente pseudomorfizados e com impregnações ferruginosas. A composição mineralógica deste fundo matricial (Figura 6f) é representada predominantemente por caulinita, gibbsita e, secundariamente, por goethita.

No perfil de baixa vertente (VOVH4), observa-se um pedoambiente também pouco desenvolvido, onde a influência fluvial é evidente. O local escolhido representa uma ruptura topográfica entre a baixa vertente e a planície fluvial do Córrego da Holanda. O horizonte C desferruginizado e de natureza flúvica mostra um paleonível piezométrico, cujos indícios podem ser percebidos pela continuidade lateral da referida zona, sobreposto por horizontes intensamente bioturbados. Não há horizonte B característico de ambiente de acumulação sob condições de boa drenagem.

Portanto, a toposseqüência 3 apresenta algumas características distintas das toposseqüências 1 e 2. O Perfil de alta vertente da toposseqüência 3 diferencia-se dos perfis do mesmo segmento nas toposseqüências 1 e 2 por ser constituído de material alóctone. Esta constatação é confirmada pela correlação das suas feições micromorfológicas com as dos perfis de meia vertente das toposequências 1 e 2, além da evidente maturidade pedológica.

Nesse sentido, é importante ressaltar que o relacionamento das formas de relevo - ou simplesmente da paisagem geomorfológica - com a pedogênese inclui componentes tanto dinâmicos quanto estáticos, resultantes da interação de processos (erosão, soerguimento, etc.) com materiais (solos e rochas) que recobrem a parte mais elevada da crosta terrestre (Segovia & Foss, 1984). Inversamente, a paisagem, em parte determina as bases que controlam as taxas (intensidade da ação) de processos pedogênicos. Dentre os fatores que constam nestas bases determinantes estão (Segovia & Foss, 1984): natureza do material parental ou sedimentos subjacentes, topografia, idade, hidrologia subsuperficial, estrutura geológica e tectonismo, elevação, exposição e clima; não sendo estes fatores necessariamente independentes.

As paisagens representam uma síntese visível de muitos dos mesmos fatores e processos responsáveis pela formação dos solos, cuja interpretação é uma ferramenta muito utilizada em outros países em serviços de levantamento e avaliação de solos, razão pela qual deveria preceder seus estudos. Reciprocamente, uma investigação pedológica de solos atuais, ou paleossolos, também é extremamente útil no entendimento do desenvolvimento das paisagens (Segovia & Foss, 1984). Com o exposto, o presente trabalho apresenta alguns componentes principais que referendam o raciocínio acima, pois procura estabelecer a relação existente entre as características atuais da paisagem local e a dinâmica pedoambiental.

Ollier & Pain (1996) relatam que, em alguns mapas e relatórios de levantamentos de solos e de pedossistemas, falta aos autores uma compreensão de princípios geomórficos. Não se trata de simplesmente descrever em detalhes as formas de relevo, embora isto seja importante. Quem mapeia o regolito (zona de alteração compreendida desde a rocha sã até à superfície, incluindo-se aí o solo) e as formas de relevo também tem de compreender princípios geomórficos básicos (flutuações paleoclimáticas, tectonismo, etc.) que suportam a explicação da evolução das formas de relevo e o desenvolvimento do regolito. Essas idéias incluem evolução dos padrões de drenagem, processos e evolução de vertentes, processos fluviais e o desenvolvimento de planícies fluviais, terraços e leques aluviais, além de teorias de mudanças das formas de relevo a longo prazo. A evolução de regolito está intimamente ligada à evolução das formas de relevo (paisagem) nas quais os princípios geomórficos devem ser considerados.

Segundo Ollier & Pain (1996), uma completa compreensão da distribuição de regolito em determinada área apenas torna-se possível com o desenvolvimento de um modelo de formas de relevo e evolução de regolito. Tal modelo deve estar baseado em firmes princípios geomórficos e tem de responder pela distribuição da paisagem e dos solos na área de estudo. Os modelos propostos (Carson & Kirkby, 1972; Young, 1972, Ollier & Pain, 1996) apontam para um sistema em que as vertentes podem ser divididas em vários segmentos, de acordo com sua extensão linear. A evolução das vertentes dar-se-ia através de erosão regressiva, diminuindo progressiva-mente sua inclinação e, ao mesmo tempo, promovendo a denudação (rebaixamento) da paisagem. Ao longo do processo de denudação, ocorreriam vários ciclos pedogenéticos, alternando-se principalmente de acordo com as flutuações climáticas, além de soerguimentos lentos e localizados.

Os materiais intemperizados produzidos na alta vertente tenderiam a uma contínua movimentação lateral para jusante, tendo como agentes de transporte a gravidade e a percolação hídrica, mantendo o front de intemperismo da alta vertente em constante mutação. Isso proporcionaria um pedoambiente permanentemente imaturo (Neossolos Litólicos, Cambissolos, etc.). Os segmentos de meia e baixa vertente seriam uma zona de acumulação (coluvionamento) e na baixa vertente haveria, dadas as condições necessárias em termos de tempo, permeabilidade hídrica e material parental, a formação de argilas 2:1 autigênicas (e.g. montmorilonita), não sendo, entretanto, verificadas nas amostras da presente investigação, mas sim, caulinita. Estas condições poderiam ser denominadas biostásicas, ou seja, haveria um equilíbrio nas inter-relações entre as variáveis envolvidas. Adicionalmente, segundo Ruellan (1986), as variações laterais nas toposseqüências são determinadas pela topografia. Sabe-se que, em geral, nesses tipos de seqüência todos os limites são dinâmicos, e isso é muito importante para saber como e em que velocidade o limite de diferenciação lateral e vertical evolui.

As variações, principalmente laterais, existentes entre os segmentos de meia vertente para a baixa vertente, no presente trabalho, mostram que os perfis de solos são imaturos, com ausência do horizonte B, sendo classificados como Neossolo Litólico (VOVH3) e Neossolo Flúvico (VOVH4), contrastando fortemente com a dinâmica citada anteriormente por outros autores. Na baixa vertente da toposseqüência 3, o perfil de base caulinizada e deferruginizada testemunha um paleoambiente de saturação hídrica, revelando um paleossistema de drenagem flúvio-lacustre.

Seguindo o raciocínio previamente exposto, a área de investigação do presente trabalho mostra-se com pequenas, mas importantes diferenciações em relação aos modelos de dinâmica de vertente. Nas vertentes aqui estudadas, as variações laterais das características pedológicas apontam para uma ruptura entre os segmentos de vertente. Da alta para a meia vertente, há translocação de materiais com conseqüente acúmulo na meia vertente (colúvios), proporcionando o desenvolvimento de perfis latossólicos. Deste segmento para jusante, as variações laterais apontam para uma mudança. O coluvionamento deveria intensificar-se, mas não é o que se constata nas três toposseqüências investigadas. A ausência de transição gradual a partir do ambiente coluvial da meia vertente em direção à planíce fluvial mostra um meio resistásico capaz de promover erosão no segmento de baixa vertente (saída do colúvio ali residente), desencadeando nova pedogênese, além de aumentar a declividade neste segmento, em relação à da meia vertente. A força motriz que proporcionaria energia para a transformação está relacionada com um encaixamento da rede de drenagem local (Ribeirão Maracujá - toposseqüência 1, e Córrego da Holanda – toposseqüências 2 e 3, Figura 2) durante o Pleistoceno Superior e Holoceno Médio (Valadão & Silveira, 1992; Bacellar, 2000); fenômeno este também registrado em outras regiões de rochas do embasamento cristalino de Minas Gerais (Lichte, 1991; Moreira, 1992; Augustin, 1994).

O comportamento erosivo dos solos nas vertentes investigadas está relacionado com a erosão linear acelerada (voçorocas), cuja evolução parece não ter relação direta com as características pedogenéticas apresentadas, mas, sim, com a ocorrência de redes de fraturamentos e falhas observadas na área (Bacellar, 2000). Ou seja, após o encaixamento da rede de drenagem, as vertentes sofreram desequilíbrios hidrológicos de subsuperfície com o rápido rebaixamento do nível piezométrico. Assim, a movimentação hídrica subsuperficial concentrada em falhas e fraturas pode ter desencadeado os voçorocamentos a partir da baixa vertente, regredindo para montante até que os pontos de exfiltração hídrica nos talvegues das voçorocas ficassem em equilíbrio com o nível de base fluvial local (situação atual), arrefecendo, consideravelmente, o ritmo erosivo das feições e proporcionando sua estabilização e colonização vegetal.

Desse modo, a ocorrência de voçorocas em vários estádios evolutivos parece não ter relação direta com as características pedogenéticas apresentadas. A sua gênese está mais relacionada com as falhas e fraturas em conjunção com desequilíbrios hidrológicos subsuperficiais. A única influência pedogenética observada está relacionada com a ocorrência de solos pouco espessos na baixa vertente, cujo horizonte C poderia ser mais facilmente interceptado pela erosão superficial concentrada, fator desencadeador de voçorocamentos no sentido montante da vertente. Tal situação seria inteiramente plausível, pois o fluxo hídrico superficial chegaria ao segmento de baixa vertente com alto potencial erosivo maximizado pelo aumento da declividade.

Não foram investigadas evidências que relacionam a vegetação atual (Cerrado degradado) ou pretérita com a evolução pedogenética.

CONCLUSÕES

1. Observações de campo, suportadas pelos dados micromorfológicos e mineralógicos, mostram uma ruptura na seqüência de transporte e deposição ao longo das três toposseqüências investigadas. Os produtos intempéricos produzidos no segmento de alta vertente foram transportados e depositados no segmento de meia vertente, constituindo solos coluviais, cuja continuidade foi interrompida em direção ao segmento de baixa vertente.

2. Nos segmentos de baixa vertente, observou-se a ocorrência de solos pouco desenvolvidos (Neossolo e Cambissolo), em discordância com os modelos biostásicos clássicos, que apontam para uma zona de acumulação e autigenia mineral neste segmento.

3. Embora as toposseqüências investigadas estejam situadas em vertentes com diferentes graus de voçorocamento, as informações levantadas com base nas análises micromorfológicas, mineralógicas, químicas e físicas demonstram forte analogia pedogeomorfogenética entre elas.

AGRADECIMENTOS

À FAPEMIG, CAPES e CNPq, pelo suporte financeiro.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em outubro de 2002 e aprovado em abril de 2004

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  • 1
    Trabalho referente à parte da Tese de Doutorado em Geociências do primeiro autor, em desenvolvimento no Departamento de Geologia, Escola de Minas, Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Nov 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Recebido
      Out 2002
    • Aceito
      Abr 2004
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