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UMA SUCESSÃO DE MAL-ENTENDIDOS? Richard Morse e seus leitores mexicanos e brasileiros

A SUCCESSION OF MISUNDERSTANDINGS? RICHARD MORSE AND HIS MEXICAN AND BRAZILIAN READERS

Abstract

Resumo

Richard Morse (1922-2001) foi um autor bastante lido na América Latina em geral e no México e no Brasil, em particular. Significativamente, seu O espelho de Próspero, que não encontrou editor nos EUA, teve bastante repercussão nos dois países. Entre mexicanos, os trabalhos do historiador impactaram especialmente o grupo de literatos liberais que publicava a revista Vuelta, e que usaram o conceito weberiano de patrimonialismo, mobilizado anteriormente pelo norte-americano, como instrumento para interpretar obstáculos à modernização latino-americana. Já entre brasileiros seus escritos interessaram particularmente a alguns intelectuais gramscianos da revista Presença, atraídos por sua valorização da tradição ibérica. Complicando o quadro, um mexicano, o hegeliano Leopoldo Zea, aproxima-se do grupo de Presença, ao valorizar sua tradição, enquanto liberais brasileiros, como José Guilherme Merquior e Simon Schwartzman, não estão tão distantes da visão de Vuelta a respeito dos males latino-americanos. Ainda outras posições aparecem no mexicano Mauricio Tenorio e no brasileiro Otávio Velho. Procuro verificar no artigo se a própria obra de Morse, fruto de mais de quarenta anos de estudo sobre a América Latina, não forneceu oportunidades para que mexicanos e brasileiros a lessem de diferentes maneiras, que refletiriam sobretudo suas próprias preocupações.

Palavras-chave:
Richard Morse; México; Brasil; interpretações

Abstract:

Richard Morse was a widely read author in Latin America and particularly in Mexico and Brazil. His book O espelho de Próspero, never published in the US, had considerable impact in both countries. In Mexico, the Historian´s work impressed most of all the liberal writers who published Vuelta, who used the Weberian concept of patrimonialism, which the historian had first employed, to understand obstacles to Latin America´s modernization. In Brazil, on the other hand, Morse´s writings interested most of all some of the Gramscian intellectuals who published Presença, who felt attracted by his positive view about the Iberian tradition. Complicating things, a Mexican, the Hegelian Leopoldo Zea, has, as the Presença group, a positive assessment of his tradition. In contrast, Brazilian liberals, such as José Guilherme Merquior and Simon Schwartzman, are not far from Vuelta´s views on Latin Americas troubles. Still, other opinions are espoused by the Mexican Mauricio Tenorio and the Brazilian Otávio Velho. The article confronts these positions with Morse’s own works on Latin America - written over a duration of more than forty years - to evaluate to what point it allows quite different interpretations and what they indicate about the own concerns of his Mexican and Brazilian readers.

Keywords:
Richard Morse; Mexico; Brazil; Interpretations

“Qu’ils restent ce qu’ils sont: de sauvages, bons sauvages, libres, sans complexes ni complications. Quelque chose comme un réservoir d’éternelle jouvence où nous viendrions périodiquement rafraichir nos ames viellies et citadines.” (Gonzalo em Une têmpete, Aimé Césaire)

“Nem Morse se adaptou ao seu próprio caldo de cultura, nem os brasileiros se convenceram de que sejam portadores de alguma essência de humanidade, reserva ‘ecológica’, pulmão do mundo das relações humanas que não sucumbiu ao sufocamento provocado pelos excessos da secularização moderna.” (Helena Bomeny)

Introdução

Richard Morse foi um autor bastante lido na América Latina em geral e, em particular, no México e no Brasil. Seu O espelho de Próspero, que não encontrou editor nos EUA, teve bastante repercussão nos dois países, sendo publicado em espanhol em 1982 e em português em 1988.

Em terras astecas, o livro de Morse teve impacto especialmente entre o grupo de literatos liberais congregados em torno de Octavio Paz, que editaram e editam revistas como Plural, Vuelta e Letras Libres. Em terras tupiniquins, o trabalho repercutiu sobretudo entre alguns intelectuais gramscianos da revista Presença. O editor de Letras Libres, Enrique Krauze, chega a afirmar que o livro teria mudado sua vida (Krauze, 2018KRAUZE, Enrique. (2018), “El libro que cambió mi vida”. Reforma.).1 1 Todas as traduções são do autor. O ex-presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (anpocs), Luiz Werneck Vianna, afirma por sua vez que “a leitura do Morse foi um coice, o entendimento que ali estava uma outra possibilidade” (Castro e Oliveira, 2005CASTRO, Celso & OLIVEIRA, Lúcia Lippi. (2005), “Entrevista com Luiz Werneck Vianna”. Estudos Históricos, 135:177-191., p. 183).

No entanto, os motivos da comoção de mexicanos e brasileiros foram bastante diferentes, quase opostos. Os primeiros encontraram na discussão do historiador norte-americano sobre o “tomismo” e o “patrimonialismo” uma chave para explicar o país de Montezuma e Cortés. Já os segundos viram no livro iconoclasta a possibilidade de valorizar a tradição brasileira e, num sentido mais amplo, ibérica.

Além desses dois grupos, O espelho de Próspero também chamou a atenção de outros intelectuais dos dois países. Leopoldo Zea chegou a escrever um livro, Discurso desde la marginación y la barbárie (1988), dedicado a Morse e, em grande medida, a dialogar com as teses de seu amigo americano, que, por seu lado, também havia citado o mexicano em profusão. No entanto, o filósofo terminava seu livro sustentando: “Não podemos esperar séculos” (Zea, 1990ZEA, Leopoldo. (1990), Discurso desde la marginación y la barbárie. Cidade do México, Fondo de Cultura Económica., p. 252). Ou seja, argumentava que a urgência dos problemas latino-americanos é tal que não seria possível se dar ao luxo de deixar que as vantagens de suas opções culturais se revelassem na “longa duração”.

No Brasil, Simon Schwartzman publicou dois artigos para refutar violentamente os argumentos do historiador. Em poucas palavras, vaticinou: “se trata de um livro profundamente equivocado e potencialmente danoso nas suas implicações” (Schwartzman, 1988SCHWARTZMAN, Simon. (1988), “O espelho de Morse”. Novos Estudos cebrap, 22:185-192., p. 186). Tal juízo reflete leitura que enxerga no trabalho a glorificação de posturas anti-intelectualistas, irracionalistas, que poderiam, no limite, ser identificadas com o totalitarismo.

Apesar de suas diferenças, Zea e Schwartzman concordam que México e Brasil não podem esperar para resolver questões centenárias. Em contraste com essa avaliação, o escritor norte-americano sugere que “num momento em que a Anglo-América experimenta uma crise de autoconfiança, parece oportuno que ela se confronte com a experiência histórica da Ibero-América” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 14). A partir dessas avaliações contrastantes, talvez se possa identificar a causa de muitas das controvérsias em torno de O espelho de Próspero em um mal-entendido fundamental: o livro foi escrito para norte-americanos, mas lido por latino-americanos.2 2 Como revela seu autor: “Os latino-americanos podem encontrar certo interesse no livro, mas ele apresenta, por outro lado, matrizes ou ênfases que eu não teria acentuado se o tivesse escrito diretamente para a América Latina” (Bomeny, 1989, p. 83). Ou, como afirma posteriormente de maneira ainda mais direta: “Desejava [...] sacudir meus leitores norte-americanos pelos ombros, colocá-los em seu momento contemporâneo – isto é, os desinteressantes anos Carter-Reagan – e fazê-los refletir sobre o que tomam como certo” (Morse, 1992, p. 150). Pierre Bourdieu explica, por sua vez, tal desencontro: “o fato que os textos circulam sem seu contexto, que eles não tragam consigo o campo da produção (...) no qual eles são produzidos e que os receptores, estando eles mesmos inseridos num campo de produção diferente, os reinterpretem em função do campo de recepção é causa de formidáveis mal-entendidos” (Bourdieu, 2002, p. 2). Por outro lado, é possível perguntar se o próprio Morse, tendo escrito por mais de quarenta anos sobre temas latino-americanos, não forneceu motivos para leituras tão diferentes de suas teses.

É isso que procurarei fazer neste artigo. Para tanto, começarei confrontando O espelho de Próspero com outros trabalhos de Morse. Busco verificar assim, na primeira parte do texto, até que ponto o livro não publicado nos EUA retoma, omite e inova argumentos que o autor já havia desenvolvido. Em termos amplos, mesmo que modifique boa parte de suas referências teóricas, principalmente pela incorporação da Escola de Frankfurt, o autor mantém a ambiguidade ao tratar da relação entre o que passa a chamar de Anglo-América e Ibero-América. A partir dessa perspectiva, pode defender a inversão na relação entre o que antes via como uma sociedade moderna e uma sociedade tradicional, a segunda passando a ser entendida como exemplo para a crise de autoconfiança da primeira.

Tal ambiguidade abre caminho para leituras bastante variadas, no México e no Brasil, da obra de Morse e de O espelho de Próspero, que são exploradas a seguir. Destaco, em especial, as revistas Vuelta e Presença. O contraste entre as interpretações é grande; enquanto atrai os mexicanos especialmente o uso, pelo historiador, do conceito weberiano de patrimonialismo como instrumento para interpretar obstáculos à modernização hispano-americana e de seu país, chama a atenção dos brasileiros a valorização da tradição ibérica e, a partir desse horizonte, a possibilidade de diferentes caminhos para a modernidade e até a chance de se constituir uma modernidade alternativa. Complicando o quadro, um mexicano, o hegeliano Leopoldo Zea, aproxima-se dos brasileiros reunidos em torno de Werneck Vianna, ao valorizar a tradição latino-americana. Em contraste, liberais brasileiros, como José Guilherme Merquior e Simon Schwartzman, não estão tão distantes da visão dos mexicanos congregados em torno de Octavio Paz a respeito dos males latino-americanos e de seu país. Já um mexicano como Mauricio Tenorio tem posições menos comprometidas em defender ou criticar as formulações do norte-americano. Concluo desse percurso que O espelho de Próspero e Morse foram veículos importantes para intelectuais mexicanos e brasileiros elaborarem, inspirados por uma busca comum pela democracia, diferentes visões a respeito de seus países e da América Latina.

Antes e depois de O espelho de Próspero

No prefácio de O espelho de Próspero, Morse sugere que um dos objetivos do livro seria esclarecer as intenções que teve em ensaios anteriores, em especial em “Towards a theory of Spanish American government” (1954) e “The heritage of Latin America” (1964a). Nesses influentes artigos, não teria sido seu desejo estabelecer modelos e indicar patologias, mas chamar a atenção para o que chama de “grandes premissas culturais” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 18).

De fato, as duas primeiras partes do livro – “Pré-história” e “História” – retomam discussões anteriores do autor. Ele continua a avaliar que premissas europeias são decisivas para entender o que ocorre na América. A origem comum na “civilização ocidental” seria mesmo o que possibilitaria a comparação entre as duas partes da América.3 3 Há certa ambivalência em Morse ao tratar da Ibero-América como modulação da “civilização ocidental” ou como “uma civilização em si, com uma cultura política própria” (Morse, 1988, p. 14). Num mesmo artigo, “Dez anos de Próspero” (Morse, 1992), aparecem as duas posições. A partir daí, caberia examinar as escolhas culturais, realizadas em momentos históricos decisivos, que teriam feito com que Anglo-América e Ibero-América seguissem caminhos contrastantes.

Também continua a considerar a experiência portuguesa, de maneira geral, redutível à espanhola, devido ao “ethos quase feudal, pré-capitalista, católico” comum às duas (Morse, 1954MORSE, Richard. (1954), “Towards a theory of Spanish American government”. Journal of the History of Ideas, 15, 1:71-93., p. 90). Particularmente reveladoras seriam as orientações personificadas nos “reis católicos” da Espanha: Fernando e Isabel. Enquanto a rainha de Castela, católica intransigente, se identificaria com o espírito medieval, o rei aragonês seria um renascentista bastante próximo do maquiavelismo amoral. No entanto, desde Felipe II, a Espanha passaria a privilegiar a orientação de Isabel, tornando-se dominantemente tomista e marginalmente maquiavélica.4 4 Quase trinta anos depois, Morse explica o que teria pretendido fazer: “Num ensaio experimental publicado há alguns anos, substituí as categorias políticas anglo-francesas aplicadas habitualmente à Ibero-América por um par de categorias alheias à corrente dominante desde a Ilustração e que me pareciam mais relacionadas com o caso: o tomismo e o maquiavelismo” (Morse, 1988, p. 53). Em “The heritage of Latin America”, Morse volta a ressaltar que

a filosofia de São Tomás era mais relevante para a Espanha do século XVI e seu império de ultramar do que para a Europa feudal do século XIII na qual foi elaborada, assim como as ideias de John Locke, alguns dizem, eram mais adequadas à América jeffersoniana do que à Inglaterra do século XVI. (Morse, 1964aMORSE, Richard. (1964a), “The heritage of Latin America”. In: HARTZ, Louis (org.). The founding of new societies. Nova York, Harcourt, Brace & World., pp. 155 e 156)

O espelho de Próspero leva adiante tal análise ao defender que “a virada espanhola para o tomismo no século XVI”, ou seja, para uma filosofia do século XIII, sem grande impacto nos séculos anteriores, explica-se “pela modernidade da situação histórica da Espanha”, que precisava “adaptar os requisitos da vida cristã à tarefa de incorporar povos não europeus à civilização europeia” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 42). Mantém-se significativamente a interpretação de que uma visão de mundo do século XIII, o tomismo, renasce, no século XVI, devido às exigências do império ultramarino espanhol. No entanto, de maneira igualmente relevante, Morse passa também a ressaltar a modernidade da situação espanhola e o desafio de incorporar povos não europeus a uma ordem ecumênica.

Na obra não publicada nos EUA ele também sugere, como já havia defendido em “The heritage of Latin America”, que a Ibero-América não teria propriamente saído da Idade Média, correspondendo, em outras palavras, a um Ocidente mais antigo. Alega que as metrópoles ibéricas, Espanha e Portugal, teriam rejeitado tanto a revolução religiosa como a revolução científica que estariam na base da modernidade, como mostrado por Benjamin Nelson. Assim, o protestantismo teria seguido “um eixo setentrional leste-oeste, enquanto a ciência desenvolveu-se num eixo norte-sul, inclinado para a península italiana” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 30), ao passo que a França teria sido afetada pelas duas revoluções. Ou seja, a “Ibero-América” não seria tanto “latina”, “católica” ou “mediterrânea”, mas, sobretudo, “ibérica”, derivando sua identidade especialmente de escolhas medievais.

Numa outra referência, um autor que falava da suposta relação dos EUA com Locke, ressaltada por Morse em “The heritage of Latin America”, e a quem o historiador esteve ligado, é o cientista político Louis Hartz (Tenorio, 1989TENORIO, Mauricio. (1989), “Profissão: Latin Americanist: Richard Morse e a historiografia norte-americana da América Latina”. Estudos Históricos. 2, 3: 102-132.). O próprio “The heritage of Latin America” foi originalmente publicado na coletânea The founding of new societies, organizada por Hartz. A ele se deve a formulação de uma das interpretações então mais influentes a respeito da história norte-americana, The liberal tradition in America (1955), em que assinalava a suposta identificação dos norte-americanos com uma filosofia lockeana. A ausência de feudalismo explicaria a impossibilidade de uma “tradição genuinamente revolucionária” no país, já que não haveria necessidade de reagir contra uma estrutura rígida de classes, nem para uma “tradição de reação” (Hartz, 1991HARTZ, Louis. (1991), The liberal tradition in America. Nova York, Harcourt, Brace., p. 5), uma vez que seria impossível querer voltar a um passado inexistente.5 5 Sobre Hartz, ver Abott (2005); Foner (1984); e Kloppenberg (2001).

No livro de 1964, Hartz procurou expandir sua análise da “excepcionalidade” norte-americana para o que chamou de “sociedades fragmentos” da Europa. Não apenas nos EUA, mas também na América Latina, no Canadá francês, na África do Sul holandesa, no Canadá inglês, na Austrália e na África do Sul inglesas, uma ideologia vinda da Europa teria acabado por tornar-se “um absoluto moral, uma essência nacional, uma verdadeira forma de vida racial” (Hartz, 1964HARTZ, Louis. (1964), The founding of new societies. Nova York, Harcourt/Brace., p. 8). No caso da América Latina estudado por Morse, o que teria se congelado no tempo não seria o momento moderno europeu, como nos EUA, mas o medieval. Nesse contexto, os ibéricos, com base no tomismo, veriam a sociedade como um sistema hierárquico em que cada pessoa ou grupo serve a um propósito maior. A unidade social é arquitetônica, derivando da fé no corpus mysticum maior e não em objetivos e estratégias racionais elaborados em momentos críticos da história (Morse, 1964aMORSE, Richard. (1964a), “The heritage of Latin America”. In: HARTZ, Louis (org.). The founding of new societies. Nova York, Harcourt, Brace & World., p. 156).

Morse avalia que o principal efeito do tomismo seria de integração. Já em “Towards a theory of Spanish American government”, considerava que, enquanto os colonizadores ingleses se voltavam contra os índios, os espanhóis buscavam assimilá-los. Ainda em O espelho de Próspero, argumentara que, nos liberais EUA, diferentemente dos hierárquicos países ibero-americanos, viam-se os escravos como estando fora da organização sócio-política, e a escravidão como “algo extra-social, uma instituição peculiar” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 78). Já em “The heritage of Latin America”, ele defendera que a região, mais do que seu país, mereceria ser caracterizada como um melting pot, um caldeirão de raças e culturas (Morse, 1964aMORSE, Richard. (1964a), “The heritage of Latin America”. In: HARTZ, Louis (org.). The founding of new societies. Nova York, Harcourt, Brace & World.).

Em sentido oposto, a independência equivaleria a um colapso da ordem sócio-política do império espanhol. Suas causas seriam exógenas, refletindo a agitação provocada na Europa pela Revolução Francesa. A melhor analogia para entender a anarquia que se seguiu seria a situação da Itália do Renascimento. Não por acaso, nesse contexto – se não de tiranos, de caudilhos – o maquiavelismo recobraria forças. Marcando certa diferença do Brasil na Ibero-América, ele pondera, em “Some themes of Brazilian history” (Morse, 1962MORSE, Richard. (1962), “Some themes of Brazilian history”. South Atlantic Quarterly, 61, 2:159-182.) e “The claims of political tradition” (Morse, 1974MORSE, Richard. (1974), “The claims of tradition in urban Latin America”. In: HEATH, Dwight (org.). Contemporary cultures and societies in Latin America. Nova York, Random House.), que a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, fugindo das tropas de Napoleão, compensaria o vazio de poder vivido pelos vizinhos hispânicos. Consequentemente, o país atingiria, já no século XIX, uma estabilidade que seus vizinhos não conheciam. Por outro lado, antes da Espanha e da colonização, a Coroa lusitana já teria sido capaz de centralizar o poder, criando algo como um “Estado burocrático”.

Já segundo O espelho de Próspero, não teria sido possível, até meados do século XIX, a formação, na Ibero-América, de ideologias hegemônicas, que criassem consenso, passando a prevalecer a exclusão dos setores populares. “Civilização e barbárie”, fórmula popularizada pelo argentino Domingos Faustino Sarmiento, expressaria bem essa situação na qual se procuraria negar a tradição existente.

Morse acredita, em orientação contrastante, que teriam maior sucesso experiências que estivessem mais de acordo com a cultura política ibero-americana. Seria o caso do rousseaunismo, que emergiria no contexto das independências ibero-americanas, com suas aspirações democráticas. Algo comparável teria ocorrido com o chamado populismo das décadas de 1920 a 1960.6 6 De alguma forma relacionada com esse contexto, “The multiverse of Latin American identity” considera que, depois da Primeira Guerra Mundial, a relação entre a Europa e a América Latina, em alguma medida, se inverteria, já que com “o centro desfiando, melhorou a reputação das visões vindas da periferia” (Morse, 1996, p. 10). Estaria aí a raiz de um certo encontro entre intelectuais e povo, manifestado, por exemplo, nas artes e nas letras mexicanas, no modernismo brasileiro, em movimentos sociopolíticos peruanos e em manifestações etno-literárias haitianas. De maneira similar, o positivismo e o cientificismo, identificados com visões abrangentes e integradoras da sociedade, também teriam se implantado na região devido às suas afinidades com a visão de mundo dominante. Em termos mais polêmicos, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e a Teologia da Libertação poderiam ser entendidas, de acordo com “Notes for a fresh ideology” (Morse, 1988bMORSE, Richard. (1988b), “Notes for a fresh ideology”. Estudos Avançados, 2, 2:14-43.), como manifestações recentes da cultura política ibero-americana, com potencialidades promissoras de integração.

O liberalismo, em compensação, seria alheio à cultura política da região. Portanto, poderia funcionar, na visão do historiador, “como vocabulário, como ideologia, como programa seletivo ou estratégia econômica, mas não como modo de vida político” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 88). Além do mais, o liberalismo teria grande dificuldade de se combinar, na Ibero-América, com a democracia, ao contrário do que teria ocorrido na Anglo-América.

Mas também o marxismo, segundo O espelho de Próspero, encontraria grande dificuldade na região. Tal situação seria muito diferente da que se deu no Império Czarista, no qual teria ocorrido uma “russificação do marxismo”, da qual Lênin seria expressão. Esse desenvolvimento teria se dado, em grande parte, devido a características russas – como a existência de uma tradição histórica específica, a presença de uma forma particular de cristianismo e a crença de intelectuais no povo, narod –, que abririam caminho para “o sentimento de possuir uma cultura nacional própria”. Já os ibero-americanos acreditariam em compartilhar “a cultura e a religião de uma região atrasada da Europa” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 99).

Esse tipo de avaliação não deixa de destoar da insistência de Morse quanto à existência de uma cultura política ibero-americana. A aparente incongruência talvez se explique pelo juízo do historiador de que, no século XIX, os ibero-americanos tendiam a negar sua própria cultura política, diferentemente de russos e japoneses. Em contraste, o marxismo posterior do peruano José Carlos Mariátegui aceitaria “os princípios mais profundos da cultura política ibero-americana” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 108), o que estaria na raiz de seu sucesso. Propostas como a do comunismo incaico se combinariam especificamente com a tradição rousseauniana ibero-americana.

Voltando a Hartz, inspirador da interpretação de Morse da Ibero-América como uma “sociedade fragmento” da Europa, percebe-se que muitas das duras críticas dirigidas ao cientista político desde o final dos anos 1960 valem também para Morse. Se The liberal tradition in America exagerava o consenso existente na cultura política norte-americana, desconsiderando linguagens como o republicanismo e questões como a racial e a de gênero, O espelho de Próspero fornece uma imagem igualmente homogênea em excesso da chamada tradição ibero-americana, pensada quase que exclusivamente a partir de referências europeias. Talvez ainda mais grave, ambas as análises são fundamentalmente a-históricas, enquadrando os EUA e a Ibero-América em modelos prévios.

Em outro sentido, são também reveladores das intenções de O espelho de Próspero temas e argumentos que Morse decide não incluir no livro, mas que estavam presentes em ensaios anteriores. Em especial, não aparece na obra o patrimonialismo, que em “The heritage of Latin America” o autor julgava descrever “com surpreendente precisão a estrutura e a lógica do Império espanhol na América” (Morse, 1964aMORSE, Richard. (1964a), “The heritage of Latin America”. In: HARTZ, Louis (org.). The founding of new societies. Nova York, Harcourt, Brace & World., p. 157 e 158) e que associara ao tomismo.7 7 Já o “patrimonialismo é discutido extensivamente em “The claims of political tradition” (1974), em que Morse repete a sua afirmação de 1964 sobre a capacidade de descrição da categoria com referência ao Império espanhol na América. Por sua vez, o artigo, junto com “Porto Rico: eternal crossroads”, não é incluído em A volta de McLhunaíma (Morse, 1989), versão brasileira da coletânea, que, em compensação, traz o ensaio “A volta de McLhunaíma”, que não saiu em inglês. Os conquistadores teriam atuado como verdadeiros agentes da Coroa, que se serviria de particulares para realizar seus propósitos. Além disso, o senhor patrimonial estaria permanentemente preocupado com a possibilidade de surgir uma aristocracia territorial independente que desafiasse seu poder, o que explicaria sua disposição de conceder prebendas.

De maneira significativa, Morse chega à sociologia weberiana por intermédio da então influente interpretação de Talcott Parsons. O “patrimonialismo” é, dessa maneira, tratado como tipo ideal, mas no sentido generalizador e classificatório do conceito, pensado, por exemplo, em termos de oposição entre “sociedade tradicional” e “sociedade moderna”, como fazia a teoria da modernização. Esse procedimento se afasta, porém, da preocupação original de Weber com a dimensão genético-histórica dos tipos ideais.8 8 Sobre o papel de Weber em Morse, ver Tenorio (1989) e Zabludovsky (1991). Sobre a interpretação de Weber por Parsons, ver Franco (1970).

Percebe-se pelo confronto de “Towards a theory of Spanish American government” (Morse, 1954MORSE, Richard. (1954), “Towards a theory of Spanish American government”. Journal of the History of Ideas, 15, 1:71-93.) e “The heritage of Latin America” (Morse, 1964aMORSE, Richard. (1964a), “The heritage of Latin America”. In: HARTZ, Louis (org.). The founding of new societies. Nova York, Harcourt, Brace & World.) com O espelho de Próspero que, na primeira e segunda parte deste livro, Morse tanto desenvolve como radicaliza, modifica e omite formulações presentes nos ensaios anteriores. Consequentemente, em lugar de esclarecer as intenções originais do autor, como afirma no prefácio, o trabalho mantém algumas de suas preocupações anteriores, mas também as modifica, além de trazer novas abordagens.9 9 Como assinala na introdução de seu livro seguinte, A volta de McLhunaima, as premissas de seu trabalho de fato mudaram desde os anos 1950, mas o sentido do seu “projeto original” se manteve (Morse, 1989, p. 18) mesmo assim. A própria comparação, antes implícita, entre as duas Américas – agora entendida em termos do “difícil diálogo” entre a Ibero-América e a Anglo-América – se explicita e se torna a questão central do livro. Escolhas culturais feitas em conjunturas históricas críticas – o século XV para ibéricos e o século XVI para anglo-saxões – se fariam sentir para além delas, resultando no contraste entre uma sociedade baseada no pacto e uma sociedade pensada como corpo.10 10 Antes de chegar à cultura política, a diferença se daria principalmente em termos de filosofia política, até porque, na avaliação do autor em O espelho de Próspero, “o desafio de Vitória era acomodar um amontoado idiossincrático de nações e povos numa ordem moral universal, e o de Hobbes era descobrir um conjunto de axiomas ‘científicos’ através dos quais uma unidade pudesse ser reorganizada como um protótipo. Num caso, o universalismo deve encontrar expressão num conjunto de circunstâncias único; no outro, o particularismo deve fornecer uma ‘solução respeitável’” (Morse, 1988, p. 61). Daí viria a discordância entre uma tradição de lei natural e outra de direito natural, que se faria sentir igualmente em Suárez e Locke. Para a Ibéria, a comunidade orgânica deveria garantir o bem comum e a vida cristã; para a Inglaterra, a paz e a ordem deveriam ser mantidas, artificialmente, por meio do pacto.

No entanto, é apenas na terceira parte de O espelho de Próspero, “A sombra do porvir”, que o argumento de Morse inova substantivamente em relação a trabalhos anteriores. A mudança, como indica Dain Borges (1995)BORGES, Dain. (1995), “A Field Guide to Richard Morse’s Brazil”. Luso-Brazilian Review, 32, 2:3-14., ocorre por conta da influência da Escola de Frankfurt no seu pensamento e, pode-se acrescentar, de uma leitura de Weber já mais distante de Parsons e próxima da teoria crítica.11 11 No entanto, no ensaio de Morse que, segundo Borges, marca sua “transição entre estudos urbanos dos anos 1970 e estudos culturais dos anos 1980, “The claims of tradition in Latin America” (Borges, 1995, p. 8), suas referências ainda estão muito próximas de trabalhos das décadas de 1950 e 1960. Por exemplo, como defenderá posteriormente em O espelho de Próspero, ele sugere que “a América Latina e a América do Norte britânica podem ser considerados, numa perspectiva mundial, meramente como duas variedades de um transplante europeu-cristão”; mas ressalva “que elas podem também ser justapostas de uma maneira que deixa certas sociedades não-ocidentais – por exemplo, a chinesa e a japonesa – como casos intermediários. Parsons faz exatamente isso quando opõe a América Latina e os EUA como sociedades de atribuições particularistas e de desempenho universalista” (Morse, 1974, p. 481).

Em termos interpretativos, é possível dizer que, para Morse, é especialmente importante a identificação, que pode ser encontrada na obra de Weber, da racionalização, que marcaria a modernidade, com o Ocidente.12 12 A questão, que aparece no início da introdução de Sociologia da religião, resume o problema que daí surge: “que encadeamento particular de circunstâncias levou a que no Ocidente, e só aqui, tenham aparecido fenômenos culturais que – como pelo menos gostamos de pensar – se situam numa direção evolutiva de significado e valor universais?” (Weber, 1990, p. 9). Trabalhos mais recentes sobre Weber têm defendido que em seus últimos escritos sua postura foi mais cética quanto à associação entre Ocidente e racionalidade, destacando essa característica em outras experiências religiosas não-ocidentais, além do ascetismo intramundano dos puritanos. Ver, por exemplo, Schluchter (2006). O processo se daria nas mais diferentes dimensões e direções – na esfera religiosa, econômica, política, estética, erótica, intelectual etc. O sociólogo é, além do mais, notadamente ambíguo ao tratar da racionalização. Ao mesmo tempo que a vê como uma realização histórica, encara com resignação a perda de significado que ela acarreta também.

A raiz do problema está na tensão entre o que é chamado, em Economia e sociedade, de “ação racional quanto a fins” e “ação racional quanto a valores”. Em outros termos, o problema se daria especialmente na relação entre meios e fins, no sentido da adequação dos primeiros aos segundos. Com a crescente racionalização, os meios acabariam se tornado fins em si mesmos, o que conduziria a uma situação irracional (Lowith, 1993LOWITH, Karl. (1993), Max Weber and Karl Marx. Londres, Routledge.). Nesse quadro, ocorreria o desencantamento do mundo, situação em que, nas palavras de Morse, se depurariam os “elementos míticos e mágicos para entregá-lo ao cálculo técnico e utilitário” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 133). Em consequência, o resultado de uma existência plenamente racionalizada seria um grande vazio.

Por seu turno, a Escola de Frankfurt radicaliza a interpretação de Lukács a respeito dos resultados da reificação, categoria que realiza uma espécie de “síntese difícil” entre a “racionalização” de Weber e o “fetichismo das mercadorias” de Marx (Arato e Gebhardt, 1998ARATO, Andrew & GEBHARDT, Eike (orgs.). (1998), The essential Frankfurt School reader. Nova York, Continuum.).13 13 Mais especificamente, em História e consciência de classe, explica-se que, ao penetrar nas diferentes dimensões da existência, o fetichismo das mercadorias faria com que a racionalização, princípio básico da produção de mercadorias capitalista – com sua orientação de que tudo pode ser calculado – tivesse tanto valor objetivo como subjetivo. Adorno e Horkheimer (1985)ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. (1985), Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro, Zahar Editores. defendem que ela não estaria presente apenas no capitalismo, existindo junto ao que chamam de “razão instrumental”. A exploração de uma natureza objetivada se repetiria na própria sociedade, tanto em termos de relações interpessoais como de relações intrapsíquicas, dimensão à qual nem Weber nem Lukács prestaram atenção.

Na visão de Morse, esse processo que, segundo Adorno, conduzia a um “mundo administrado”, teria avançado especialmente na Anglo-América, onde existiria uma espécie de superego poderoso espalhado pela sociedade. Ou, em termos mais sugestivos, poderíamos dizer que a Inquisição “está alojada na mente de cada homem – e agora, por desgraça, na de cada mulher e criança” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 155). Em contraste, na avaliação do historiador, a Ibero-América, ao rejeitar, num momento já longínquo, a revolução religiosa e a revolução científica, impedira “um desenlace do tipo nietzchiano, weberiano ou kafkiano” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 128). Em outras palavras, não teria avançado tanto na região o processo de racionalização e, junto com ele, o desencantamento do mundo e a vida administrada.

Os melhores exemplos que Morse fornece para defender seu argumento vêm da literatura. Sinal disso seria o chamado boom latino-americano, o realismo fantástico, que tira sua inspiração de um mundo ainda, em grande parte, encantado. Ou, em outras palavras: “O coronel de Garcia Márquez ‘que não tem quem lhe escreva’ está em melhores condições de resistir que o anônimo ‘K’ de Kafka” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 150). Recuando ao modernismo, o autor contrasta a wasteland, terra arrasada, de T.S. Elliot, com a São Paulo, “comoção da minha vida”, de Mário de Andrade.

Ou seja, a Ibero-América estaria mais bem equipada para lidar com os efeitos negativos da modernidade. Já em “The claims of tradition in Latin America”, Morse defendera que “o engenheiro social deveria (…) tirar lições de sociedades tradicionais e não exclusivamente de paradigmas futuristas” (Morse, 1974MORSE, Richard. (1974), “The claims of tradition in urban Latin America”. In: HEATH, Dwight (org.). Contemporary cultures and societies in Latin America. Nova York, Random House., p. 498). Isso é, identificara a América Latina com uma sociedade tradicional, em termos mais explícitos, e, de maneira bastante incomum, defendera que ela poderia servir de exemplo para as chamadas sociedades modernas, como os EUA. Oito anos depois, em O espelho de Próspero, chega a sugerir que “cabe pensar se alguma recompensa, ou até mesmo uma incerta liderança” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 164) não estaria reservada à Ibero-América.

De modo geral, é possível afirmar que todo o argumento de O espelho de Próspero é constituído com base no contraste entre Ibero e Anglo-América, sociedade tradicional e sociedade moderna, comunidade e sociedade. Na verdade, Morse já lidava com essas oposições em seus ensaios anteriores, nos quais a comparação entre a América Latina e os EUA estava implícita. De certa maneira, o historiador sempre se moveu numa zona cinzenta entre essas polaridades, seus primeiros trabalhos sugerindo uma imagem “tradicional” da América Latina, substituída, nos anos 1980, pela visão possivelmente “moderna”, mas ainda “comunitária”, da Ibero-América.

Na verdade, ambiguidades semelhantes também estão presentes em autores da região, marcando, por exemplo, dois dos mais conhecidos “intérpretes do Brasil”: Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Ambos ressaltam em suas análises a proximidade nas relações sociais brasileiras, entre senhores e escravos, ricos e pobres, marcadas tanto pela doçura como pela violência (Araújo, 1994ARAÚJO, Ricardo Benzaquen. (1994), Guerra e Paz: Casa Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 1930. São Paulo, Editora 34.). No entanto, ao passo que o sociólogo pernambucano tem uma visão fundamentalmente positiva das potencialidades da cultura brasileira, o historiador paulista mostra-se apreensivo quanto à possibilidade de a democracia ser um “mal-entendido” no Brasil. Nessa referência, talvez se possa considerar, como sugere José Murilo de Carvalho (Candido et al.,1992CANDIDO, Antonio et al. (1992), Um americano intranquilo. Rio de Janeiro, FGV.), que Morse passa de uma posição mais próxima de Holanda para uma posição mais próxima de Freyre.14 14 Em sentido diverso, Pedro Meira Monteiro sugere um diálogo original entre Morse e Holanda, em meio às “encruzilhadas do mundo moderno” (Monteiro, 2009, p. 179), com ambos ansiando por sentido diante do avanço do desencantamento.

Leituras mexicanas e brasileiras de O espelho de Próspero

Krauze lembrou recentemente como veio a conhecer Morse. Estava, 37 anos antes, na redação de Vuelta, corrigindo provas da revista, quando recebeu uma ligação do historiador convidando-o para almoçar. Encontraram-se num “ruidoso restaurante da Cidade do México”. Deve ter reconhecido o “gringo prototípico” logo (Krauze, 2018KRAUZE, Enrique. (2018), “El libro que cambió mi vida”. Reforma.); alto, com pele muito branca e olhinhos azuis vivazes. Depois que o mexicano mencionou a tese de Morse sobre o tomismo como a filosofia fundadora da Ibero-América, conversaram, por cerca de oito horas, a respeito de um livro que Morse estava por terminar: O espelho de Próspero.

O mexicano revela, entretanto, que, antes desse primeiro encontro, já havia lido em Plural um ensaio do norte-americano, “La herencia de Nueva España”, versão resumida de “The heritage of Latin America”. O trabalho teria sido uma revelação, compartilhada pelo diretor da revista, Octavio Paz, devido principalmente à equiparação da categoria weberiana de “Estado patrimonialista” ao “Estado tomista” espanhol. Refletindo a influência da leitura, o poeta afirmava na apresentação daquele número da revista: “O historiador norte-americano caracteriza o sistema imperial da Espanha na América como um exemplo de Estado patrimonial”. Já uma “olhada distraída na história da América Latina revela imediatamente a surpreendente persistência deste [...] tipo de dominação” (Paz, 1975PAZ, Octavio. (1975), Presentación. Plural, n. 46., p. 5).15 15 Num sentido mais amplo, “The heritage of Latin America” foi muito influente para a interpretação do Estado mexicano com base no patrimonialismo. Sobre o uso de patrimonialismo por Paz, ver Zabludovsky (1991). Sobre o uso do conceito na América Latina, ver Zabludovsky (1989).

Paz usou o conceito de “patrimonialismo” como uma chave importante para sua interpretação do Estado mexicano em “El ogro filantrópico” (1978). O artigo aparece num momento em que a nova revista do seu grupo, Vuelta, se torna cada vez mais crítica do regime priista e polêmica em relação à esquerda. Plural começara a ser publicada depois da renúncia do poeta ao seu posto como embaixador do México na Índia, devido ao massacre de Tlatelolco, em 1968, e em meio ao “caso Padilla”, quando diversos intelectuais latino-americanos e europeus – entre os quais o autor de El laberinto de la soledad – romperam com a Revolução Cubana em razão da prisão do poeta Herberto Padilla.16 16 Sobre Plural, Vuelta e Letras Libres, ver King (2007), e Sánchez Prado (2010).

“El ogro filantrópico” ressalta como o patrimonialismo constitui uma situação em que não há separação nítida entre a esfera pública e a esfera privada, caraterística bastante destacada na América Latina. Paz enxerga uma contradição básica no Estado latino-americano: “por uma parte, é o herdeiro do regime patrimonial espanhol; por outra parte, é o impulsionador da modernização” (Paz, 1989PAZ, Octavio. (1989), “El ogro filantrópico”. México en la obra de Octavio Paz. Cidade do México, Fondo de Cultura Económica., p. 75). No México o presidente da República trataria o Estado como seu patrimônio pessoal, cercando-se de funcionários que se comportariam como uma grande família política. Em compensação, o Estado seria também o principal agente da modernização do país – algo que, entretanto, não se completaria. Consequentemente, a burocracia viveria uma situação esquizofrênica; seria ao mesmo tempo moderna e cortesã, apesar de se renovar a cada seis anos.

Recuando no tempo e citando Morse, Paz considera, em Sor Juana Inés de la Cruz y las trampas de la fé (1982), que a Nova Espanha “corresponde a uma das duas formas de dominação tradicional definida por Max Weber: o regime patrimonial” (Paz, 1993PAZ, Octavio. (1993), Sor Juana Inés de la Cruz y las trampas de la fé. Barcelona, Six Barral., p. 37). Nesse sentido, o governo seria entendido como uma extensão da casa real. Além disso, o senhor estaria constantemente preocupado com a possibilidade de aparecimento de uma aristocracia independente, que abrisse caminho para o desenvolvimento do feudalismo. No período da dominação espanhola haveria, no entanto, equilíbrio entre o poder político, identificado com o vice-rei, o poder jurídico, representado pelas audiencias, e o poder religioso, da Igreja Católica. Outro aspecto importante da análise de “The heritage of Latin America” utilizado no livro sobre a poetisa seiscentista é a avaliação de que essa sociedade seria pluralista e hierárquica, cada grupo possuindo uma jurisdição própria.

Não por acaso, O espelho de Próspero é resenhado em Vuelta. Carlos Elizondo Mayer ressalta que o livro, apesar de ser destinado a um público norte-americano, poderia ser útil para latino-americanos. Favoreceria, em primeiro lugar, a autoestima dos nativos da região, ao chamar a atenção para sua vida cotidiana, menos tensa do que a dos países do Norte. Mais importante, traria talvez uma mensagem que se manteria atual para a América Latina: para construir o futuro, seria preciso assimilar o passado. A única crítica mais contundente feita na resenha é que se “Morse recupera a herança espanhola, também é necessário não esquecer a indígena” (Mayer, 1985MAYER, Carlos Elizondo. (1985), “El espejo de Próspero”. Vuelta, 109:55-57., p. 56).

No entanto, a principal resposta mexicana a O espelho de Próspero é o Discurso desde la marginación y la barbárie. Em grande parte um diálogo com Morse, o livro de Zea trata da marginalização, em relação à Europa, de três povos: o russo, o ibérico e, paradoxalmente, o britânico. Indo além deles, a questão se revelaria decisiva para outras periferias, como a América Latina, a Ásia e a África. Um dos últimos trabalhos do filósofo, a obra é representativa de sua própria trajetória, que partiu da busca da identidade mexicana para tratar, depois, da mesma questão em termos latino-americanos – com o autor assumindo uma posição de destaque na montagem de um aparato intelectual “latino-americanista” –, e chegando, no final da sua obra, a lançar questões para o conjunto do que era então chamado de Terceiro Mundo.17 17 Para interpretações críticas da filosofia de Zea, ver Hale (1971); Lipp (1980); Tenorio (2017).

A fim de analisar as situações aludidas, ele remonta à “barbárie”, concepção usada pelos gregos para se referir àqueles que não falavam sua língua, e que sugeria mesmo uma sub-humanidade. No que se refere aos casos estudados, a Rússia buscaria tornar-se parte da Europa até em razão de se encontrar na fronteira com a Ásia, ao passo que a Península Ibérica procuraria virar europeia por situar-se nos limites do continente com a África; já a insular Grã-Bretanha teria preferido criar um novo império. Os britânicos teriam, assim, passado a estar no centro do chamado mundo ocidental, a partir de onde se estabeleceria o que seria “civilizado” ou “bárbaro”. No século XX, esta posição viria a ser ocupada por uma ex-colônia britânica, os EUA.

Escrevendo a partir desse país, Morse, na avaliação de Zea, indicaria uma atitude nova: “Ao se olhar no espelho, o espelho de Próspero, encontrou a imagem de Calibán”. Ou, usando outra metáfora emprestada da literatura, já não seria Sexta-Feira que desejaria ser como Robinson Crusoé, mas Robinson que passaria a querer tornar-se Sexta-Feira. Em outras palavras, a “imagem especular” que Morse buscaria equivaleria à “civilização refletindo-se na barbárie, sem a qual não teria uma imagem” (Zea, 1990ZEA, Leopoldo. (1990), Discurso desde la marginación y la barbárie. Cidade do México, Fondo de Cultura Económica., p. 239). Na avaliação do hegeliano Zea, o movimento realizado pelo norte-americano seria importante na busca de uma síntese entre civilização e barbárie, centro e periferia, que revelasse a humanidade comum a todos os homens, independentemente de onde porventura pudessem ter nascido.

Inspirado em Zea, Merquior, embaixador do Brasil no México (1987-1989), identifica em Morse uma barbaromania. Ou seja, se na virada do século XIX para o século XX o ensaísta uruguaio José Enrique Rodó falava em uma nordomania, referindo-se à atração que os latino-americanos sentiriam pelos EUA, o historiador norte-americano indicaria, na virada do século XX para o XXI, que “o antigo ‘civilizador’ começa a suspeitar de sua própria civilização, e passa a aspirar à barbárie alheia”. Nos termos do filósofo mexicano, “o marginador torna-se marginal” (Merquior, 1989MERQUIOR, José Guilherme. (1989), “El otro occidente”. Cuadernos Americanos, 3, 13:9-23., p. 12).

Na verdade, o ensaísta defende que o tomismo orgânico, pelo qual Morse sentiria atração, estaria mais próximo do populismo do que da verdadeira democracia. No entanto, o mais importante, para o norte-americano, seria o fato de esta tradição contrastar com o atomismo do seu país. Merquior sugere, porém, que a “antimodernidade ibero-americana” do historiador é “menos uma realidade que uma compensação sentimental” (Merquior, 1989MERQUIOR, José Guilherme. (1989), “El otro occidente”. Cuadernos Americanos, 3, 13:9-23., p. 14). Admite que a integração, destacada por O espelho de Próspero, seria uma característica da cultura ibero-americana, mas destaca que uma grande desigualdade social convive com ela. Caberia, portanto, “levar a integração ao plano social” (Merquior, 1989MERQUIOR, José Guilherme. (1989), “El otro occidente”. Cuadernos Americanos, 3, 13:9-23., p. 21).

Merquior não se diferencia, entretanto, de outros liberais latino-americanos ao identificar como principais problemas da região o Estado patrimonialista e o que chama de sub-capitalismo. Sugere, no entanto, num tom fatalista, que a Ibero-América estaria como “fadada à modernidade”: “Nosso destino não é resistir à modernidade. É, simplesmente, modulá-la”. Tal desenlace estaria relacionado às próprias características culturais da região, que não fariam dela “uma antítese do Ocidente”, mas uma variação dessa civilização. “Somos o outro Ocidente”, escreve (Merquior, 1989MERQUIOR, José Guilherme. (1989), “El otro occidente”. Cuadernos Americanos, 3, 13:9-23., p. 22). De maneira curiosa, assim, Merquior relaciona modernidade e Ocidente, o que equivale a associar um tipo de sociedade a uma cultura.

Simon Schwartzman leva mais longe a crítica a O espelho de Próspero. Há tanto pontos comuns como divergentes entre sua avaliação do livro e a de Merquior. Assim como o diplomata, o sociólogo insiste em que a América Latina estaria destinada a ser parte do Ocidente; também realça que a região carrega um grande fardo, devido ao patrimonialismo. A principal diferença entre as considerações daquele que Morse chama “o ingênuo Schwartzman” e as do “astuto Merquior” (Morse, 1992MORSE, Richard. (1992), “Dez anos de Próspero”. Presença., p. 131) está menos nos argumentos do que no tom: a polêmica leva cada um dos oponentes a caricaturizar as posições do outro.18 18 Sobre a polêmica, ver Oliveira (1991). Otávio Velho (1989), em compensação, avalia que o debate entre o norte-americano e o brasileiro seria uma espécie de diálogo de surdos – no qual, curiosamente, cada um assume a perspectiva da cultura do outro.

Segundo Schwartzman, Morse enxergaria as sociedades industrializadas do Norte pelas lentes “de textos antigos, mais pessimistas (e hoje já bastante superados), de Horkheimer e Adorno” (Schwartzman, 1988SCHWARTZMAN, Simon. (1988), “O espelho de Morse”. Novos Estudos cebrap, 22:185-192., p. 187). Deixaria de lado, assim, tanto as qualidades dessas sociedades como a possibilidade de modernização da América Latina, derivada especialmente da contradição entre a estrutura burocrático-patrimonialista e a alternativa racional-legal. Tal contraste seria exemplificado, no Brasil, pela oposição entre São Paulo e o Estado nacional, tema que o sociólogo estudou em seu doutorado.19 19 No trabalho, Schwartzman toma “The heritage of Latin America” como referência de estudo sobre o patrimonialismo na região. Ver Schwartzman (1975).

O brasileiro destaca corretamente que a atração sentida pelo norte-americano em relação à América Latina derivaria do fato de identificar a região a uma vida comunitária, supostamente resistente às tendências de atomização associadas ao Ocidente moderno. Levando adiante a análise, ele argumenta, de maneira bastante exagerada, que em O espelho de Próspero “traços que seriam usualmente considerados totalitários são recuperados com sinais positivos” (Schwartzman, 1988SCHWARTZMAN, Simon. (1988), “O espelho de Morse”. Novos Estudos cebrap, 22:185-192., p. 186). Nesse sentido, a atração do livro por um modelo de sociedade orgânica não seria abalada nem mesmo pelo “percurso trágico” (Schwartzman, 1988SCHWARTZMAN, Simon. (1988), “O espelho de Morse”. Novos Estudos cebrap, 22:185-192., p. 187) da Alemanha rumo ao nazismo.

Em resposta ao crítico, Morse afirma que sua visão seria distorcida, já que também compartilha “a preferência pela racionalidade instruída em detrimento do misticismo desvairado; pela ciência humanista, em lugar do niilismo intelectual” (Morse, 1989bMORSE, Richard. (1989b), “A miopia de Schwartzman”. Novos Estudos cebrap, 2, 24:166-178., p. 166). Mesmo assim, aponta que haveria “discordâncias fundamentais” com Schwartzman a respeito da natureza do trabalho intelectual. O sociólogo teria, sobretudo, uma visão linear da história, sendo incapaz de perceber o que Hegel denominou “astúcias da razão histórica”. Estariam, assim, nos lugares menos evidentes as possibilidades ibero-americanas futuras: “de tupamaros a cultos de umbanda, da teologia da libertação às associações de moradores de bairros de classe média, de pretensos marxistas revolucionários a invasores de terrenos urbanos” (Morse, 1989bMORSE, Richard. (1989b), “A miopia de Schwartzman”. Novos Estudos cebrap, 2, 24:166-178., p. 175).

Morse sugere que a violenta crítica de Schwartzman talvez indique que tenha, com O espelho de Próspero, tocado “num ponto pessoal” (Morse, 1989bMORSE, Richard. (1989b), “A miopia de Schwartzman”. Novos Estudos cebrap, 2, 24:166-178., p. 173). Retrata, assim, o brasileiro como parte da tradição intelectual ibero-americana dos inquisidores que perseguiriam “ideias perigosas”, dos reformadores pombalinos, dos positivistas modernizantes e, mais recentemente, dos tecno-burocratas, aos quais seu crítico poderia ser identificado, que procuravam impor seus modelos de sociedade.

Em sua resposta a Morse, Schwartzman insiste que as ideias têm consequências. De maneira significativa, afirma que boa parte dos temas de O espelho de Próspero se assemelharia ao debate intelectual alemão das primeiras décadas do século XX, observação que não deixa de ser justa. Argumenta, em termos mais diretos, que “estamos vivendo [...] em meio a uma batalha quase perdida pela modernidade em nossas sociedades, que tem entre suas arenas principais nossos sistemas educacional, cultural e científico” (Schwartzman, 1989SCHWARTZMAN, Simon. (1989), “O gato de Cortázar”. Novos Estudos cebrap, 25:191-203., p. 202). Indica, assim, associar sua polêmica com o historiador a essa disputa.

Diferentemente da maior parte dos críticos de Morse, Mauricio Tenorio não ressalta a excentricidade do norte-americano. Aponta, ao contrário, que suas formulações poderiam ser entendidas como parte de uma orientação, presente na academia norte-americana, que chama de liberalismo pós-moderno. O mexicano, que participa do debate brasileiro sobre O espelho de Próspero ao escrever para a revista Estudos Históricos, sustenta que, na trilha de Hartz, Morse teria, num primeiro momento, prestado atenção a uma “sociedade fragmento” da Europa, a Ibero-América. Continuaria, porém, mesmo em seus últimos trabalhos, a buscar a “outra tradição” que a região encarnaria. Segundo o crítico mexicano, argutamente Morse disse em inglês o que em língua portuguesa ou castelhana não seria sequer necessário pronunciar: igual, mas diferente da América saxã ou do Ocidente europeu, a América Latina segue sua rota específica. E isso, para muitos, é novidade”. (Tenorio, 1989TENORIO, Mauricio. (1989), “Profissão: Latin Americanist: Richard Morse e a historiografia norte-americana da América Latina”. Estudos Históricos. 2, 3: 102-132., p. 106).20 20 Já em resenha para Vuelta da edição mexicana de New world soundings,Tenorio (1995) ressalta uma dimensão negligenciada de Morse: a do crítico cultural. Tal negligência teria ocorrido porque nos EUA não se deu a devida atenção à sua (auto) crítica do país e na América Latina leu-se o autor simplesmente como um “latino-americanista”. Consequentemente, teriam se perdido de vista formulações que antecipariam as de Rusell Jacoby, Christopher Lasch e Richard Rodriguez.

Além disso, os trabalhos do norte-americano dos anos 1950 e 1960 não deixariam de se orientar pela “modernidade ocidental”, de maneira não tão distante de Parsons e da teoria da modernização. Já nos seus últimos trabalhos, Morse, assim como o “liberalismo pós-moderno”, incorporaria uma nova bibliografia, em que apareceriam os autores da Escola de Frankfurt e, pouco depois, Louis Dumont e Michel Foucault. Se não fica inteiramente claro para qual direção o historiador passa a se orientar, já que a “modernidade ocidental” não seria mais sua meta, seu pensamento não deixou de ser etnocêntrico, continuando a se entender com base na oposição entre a sociedade da qual provém e uma outra, a “diferente” sociedade ibero-americana. No entanto, ele passaria a julgar o que antes considerara “tradicional” como algo que ofereceria uma possível saída, talvez pós-moderna, para a “jaula de ferro” da modernidade.

Ainda uma outra maneira de lidar com O espelho de Próspero foi aquela de parte dos intelectuais gramscianos reunidos em torno da revista Presença.21 21 Presença foi criada em 1983, reunindo um grupo de comunistas “renovadores”, já afastados do Partido Comunista Brasileiro (PCB), cuja principal referência teórica era Gramsci. Entre seus três colaboradores mais constantes encontram-se Luiz Werneck Vianna, Leandro Konder e Maria Alice Rezende de Carvalho, intelectuais que tinham sido ligados ao PCB. No entanto, sempre foi preocupação da revista ser um espaço pluralista, que dialogasse com outras tradições. Sobre Presença, ver Góes (2020) e Silveira (2012). Não tratam tanto do livro – apesar de terem dado grande espaço ao debate sobre ele nas páginas da publicação –, mas se inspiram nele para realizar interpretações a respeito do Brasil e da América Latina. A atração que sentem por Morse, por sua vez, parece derivar principalmente da valorização que ele faz da tradição. Ou melhor, como indica Otávio Velho, autor que realizou importante estudo sobre a “modernização conservadora” brasileira, ela se dá em razão do historiador ter pensado “um processo de transformação apoiado numa dialética da tradição” (Velho, 1989VELHO, Otávio. (1989), “O espelho de Morse e outros espelhos”. Estudos Históricos, 2, 3:94-101., p. 95).

Werneck Vianna, autor de outra importante interpretação da “modernização conservadora” brasileira, faz um uso particularmente criativo de Morse. O “iberismo” que destaca, em contraste com o “americanismo”, em ensaio a respeito das diferenças entre Oliveira Vianna e Tavares Bastos, é claramente inspirado nas formulações de O espelho de Próspero. Se o americanismo é entendido, à maneira de Gramsci, como a ausência de resíduos do passado europeu, o iberismo é pensado, à maneira de Morse, como a peculiar resposta ibérica à modernidade. A partir daí, Werneck Vianna (Bastos e Moraes, 1993BASTOS, Elide Rugai & MORAES, João Quartim de (orgs.). (1993), O pensamento de Oliveira Vianna. Campinas, Unicamp.) deduz que Oliveira Vianna defendeu uma combinação particular de americanismo e iberismo, criando o que chamou, inspirado em Wanderley Guilherme dos Santos, de “iberismo instrumental”, forma original de articulação entre Estado e sociedade civil.22 22 No mesmo seminário na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em que foi apresentada esta interpretação a respeito de Oliveira Vianna, Murilo de Carvalho (Bastos e Moraes, 1993) defendeu que o autor seria um iberista com valores pré-capitalistas. Mais do que querer atingir a cultura política anglo-saxã, Vianna desejava servir-se dela para realizar o iberismo no futuro.

Nisso, enxergaria, assim como os narodiniks russos, uma imaginativa “vantagem do atraso” – ainda que seu objetivo não fosse chegar ao socialismo por meio da comuna camponesa, sem passar antes pelo capitalismo –, mas prescindir do liberalismo para manter os traços organicistas e comunitários, identificados com o iberismo, na democracia corporativa que queria constituir. De maneira indireta, a interpretação de Werneck Vianna a respeito do iberismo relaciona-se com uma certa visão da transição brasileira, de cujo binômio democratização política/democratização social se extrairia uma política de erosão do regime autoritário, como preferia o PCB, e não de ruptura, como defendia o então recém-constituído Partido dos Trabalhadores (PT).23 23 Ver Werneck Vianna (1988). Apesar de a maior parte dos intelectuais que publicavam Presença já não fazerem parte do PCB no período da revista, eles concordavam, nos seus termos principais, com a estratégia que o partido defendia para pôr fim à ditadura, na qual era decisiva a constituição de uma frente democrática com os setores mais variados.

De maneira semelhante, Maria Alice Rezende de Carvalho sugere que Tocqueville seria o “interlocutor oculto” (Carvalho, 1994CARVALHO, Maria Alice Rezende de. (1994), “Morse e o mar”. Quatro vezes cidade. Rio de Janeiro, Sette Letras., p. 113) de Morse em O espelho de Próspero. Assim como o nobre normando opunha a aristocracia à democracia, pensados como tipos ideais de sociedade, o historiador norte-americano oporia a Ibero à Anglo-América. No entanto, para Tocqueville, entre o caminho traumático da revolução – que conduziu sua França natal a romper com a aristocracia –, e a mediocridade democrática dos EUA haveria uma espécie de caso intermediário, o da Inglaterra, onde aristocracia e democracia se mesclariam, combinando as melhores qualidades dos dois tipos de sociedade.

Ainda na esteira da incorporação de Morse pelo grupo de Presença, Rubem Barboza Filho valoriza a herança ibérica em seu doutorado, Tradição e artifício: iberismo e barroco na formação americana.24 24 Uma espécie de representante do grupo da Presença no Uruguai é Felipe Arocena, que fez doutorado no iuperj e organizou um livro em seu país sobre O espelho de Próspero. Em termos semelhantes à intepretação de Werneck Vianna, afirma nele: “O objetivo seria como modernizar os países ibero-americanos por um caminho que não seja igual ao que identificamos aos países mais modernos; pensar uma alternativa de modernidade à conhecida” (Arocena, 1991, p. 22). Já na apresentação do trabalho, deixa clara a importância do historiador para sua formulação:

entre nós, e mais recentemente, a temática de uma civilização ibérica foi retomada por Richard Morse, com o seu O espelho de Próspero, brilhante argumento que celebra as potências integradoras das premissas civilizacionais ibéricas e ibero-americanas, por contraste com o esgotamento dos pressupostos que conformaram a experiência do Grande Desígnio Ocidental nos Estados Unidos. (Barboza Filho, 2000BARBOZA FILHO, Rubem. (2000), Tradição e artifício: iberismo e barroco na formação americana. Belo Horizonte, UFMG., p. 13)

O brasileiro sente especial atração pela visão não evolucionista da história esposada pelo norte-americano, o que possibilitaria valorizar a opção ibérica, com seus apelos comunitário e organicista. Ela se oporia à escolha de um Ocidente individualista e utilitarista, que teria passado, finalmente, a se identificar com o capitalismo.

No entanto, diferentemente de Morse, que não dá grande atenção ao barroco, Barboza Filho (Domingues e Blasenheim, 2010DOMINGUES, Beatriz & BLASENHEIM, Peter (orgs.). (2010), Código Morse: ensaios em homenagem a Richard Morse. Belo Horizonte, UFMG.) insiste na importância do que se tornara um verdadeiro estilo de vida. Na sua vertente ibérica, o barroco corresponderia, já no século XVII, a uma tentativa das monarquias espanhola e portuguesa de manter a tradição, em meio à modernização, o que criaria uma situação comparável à de um jogo de espelhos. Igualmente em contraste com o argumento do historiador, na tese do cientista político a identificação de ibéricos com a territorialidade é central, o que contrastaria com a valorização do tempo. Em outras palavras, ele opõe a continuidade à mudança. Nesse sentido, a valorização do barroco ibérico volta-se de modo mais polêmico contra o projeto de ruptura da tradição que animaria o governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), que se ancorou em interpretações da história brasileira, como as de Faoro e Schwartzman, que dariam grande peso ao patrimonialismo.25 25 Paralelamente, o grupo de Vuelta se aproximou, sem aderir propriamente, dos governos Miguel de la Madrid e Carlos Salinas de Gortari, que afirmavam buscar a modernização contra o patrimonialismo.

Leituras em contraste

Os trabalhos de Morse tiveram leituras bastante variadas no México e no Brasil. Em termos amplos, o impacto de O espelho de Próspero foi menor em terras astecas do que em tupiniquins. No Brasil, segundo Tenorio, a obra teria sido “objeto da dureza e da profundidade com que se trata os de casa” (Tenorio, 1995TENORIO, Mauricio. (1995) “Resonancias del Nuevo Mundo”. Vuelta. 226: 33-36., p. 34). Refletindo a situação diversa do México, Krauze (2018)KRAUZE, Enrique. (2018), “El libro que cambió mi vida”. Reforma., em seu último livro, sente a necessidade de escrever uma espécie de carta póstuma ao amigo, “Posdata liberal”, na qual finalmente trata das diferenças políticas entre os dois, o que faz sobretudo defendendo a tradição liberal espanhola e ibero-americana.

Entre as leituras mexicanas e brasileiras de Morse, são marcadamente diferentes as interpretações apresentadas pelas revistas Vuelta e alguns colaboradores de Presença. Enquanto os mexicanos foram atraídos especialmente pela análise do historiador a respeito do patrimonialismo na América hispânica, para os brasileiros foi particularmente importante a valorização que o norte-americano fez da tradição ibérica. Talvez seja ainda mais significativo que tanto o grupo de Vuelta como o de Presença tiveram bons motivos para ler Morse como o leram. Os mexicanos, ansiosos para pôr fim ao domínio do Partido Revolucionário Institucional (PRI), incrustado no Estado, encontraram no conceito de “patrimonialismo” uma chave para interpretar sua situação. De início, buscaram sobretudo contribuir para a construção, em sua sociedade, de uma esfera civil, para além do mando priista. No entanto, por volta do final da década de 1980, quando governos do partido adotaram um discurso (econômico) anti-patrimonialista, acabaram, em boa medida, se identificando com esse projeto (Zabludovsky, 1991ZABLUDOVSKY, Gina. (1991), “Patrimonialismo y modernización en México: reflexiones en torno de las tesis de Octavio Paz”. Breviario Político. 7-8:14-17.).

Por sua vez, os brasileiros, envolvidos inicialmente num enfrentamento que buscava erodir lentamente as bases de sustentação do regime autoritário, sentiram atração pela valorização, por parte do historiador, da “tradição ibérica”. Sobretudo em um momento de refundação do pacto político, cujo grande marco foi a Constituição de 1988, a tradição da qual se partia pôde ser revalorizada. O contraste principal era no campo da esquerda, com o projeto de ruptura identificado ao PT. Em termos mais ambiciosos, pareciam apostar que a tradição ibérica poderia abrir espaço para outro caminho para a modernidade, ou até mesmo para uma modernidade alternativa.

Complicando o argumento, é sugestivo perceber que há um brasileiro, Merquior, que participa do debate mexicano sobre O espelho de Próspero, e um mexicano, Tenorio, que participa do debate brasileiro. Em termos mais fortes, pode-se também notar que existem mexicanos que se aproximam da posição de Presença, e brasileiros que não estão distantes de Vuelta. Assim, o hegeliano Zea defende a reconciliação com a história latino-americana de uma maneira que não é tão diferente de Werneck Vianna. Por sua vez, os liberais brasileiros Merquior e Schwartzman aproximam-se dos liberais mexicanos, que também enxergaram o Estado patrimonialista como o grande problema latino-americano. Nesse sentido, vale ressaltar que ocorreram, de maneira mais contingente, valorizações da tradição (ibérica) por diferentes motivos. Num sentido mais profundo, pode-se também destacar como se formulou paralelamente, para além dos respectivos contextos nacionais, uma certa interpretação liberal que enxerga a opressão da sociedade pelo Estado patrimonialista como um fardo pesado em diferentes países da América Latina e na região como um todo.26 26 Muito da controvérsia em torno do termo “patrimonialismo” deriva do fato de ser polissêmico, característica que Reinhart Koselleck (2004) destaca como própria dos conceitos. Segundo Gina Zabludovsky (1989), já em Weber há uma certa imprecisão na utilização de “patrimonialismo”. O sociólogo alemão utiliza o termo tanto num sentido específico, referindo-se a um subtipo de dominação tradicional – na qual patrimonialismo e feudalismo se distinguiriam –, quanto, em sentido mais amplo, como um quase sinônimo da dominação tradicional, no qual a diferença entre patrimonialismo e feudalismo se referiria principalmente aos graus variados de centralização. Além disso, o patrimonialismo equivale a regimes pós-feudais, que podem ser identificados com o absolutismo. De certa forma relacionada a essas diferentes acepções de patrimonialismo, Luiz Werneck Vianna (1988) identifica no pensamento social brasileiro o que chama de interpretações a respeito tanto do “patrimonialismo de sociedade civil” como do “patrimonialismo de Estado”. Na primeira orientação, autores como Florestan Fernandes e Maria Sylvia Carvalho chamariam a atenção para como teriam se desenvolvido na sociedade brasileira, “senhorial e escravocrata”, características que poderiam ser aproximadas do que o sociólogo alemão chamara de patrimonialismo. Já autores como Faoro e Schwartzman consideram que o Estado patrimonialista português teria sido transplantado para o Brasil, exercendo, desde então, um domínio absoluto sobre a sociedade. Há significativa afinidade entre essa leitura brasileira do patrimonialismo e a leitura mexicana do conceito, por parte de Paz e de intelectuais próximos a ele, e por sua vez inspirada originalmente na análise de Morse em “The heritage of Latin America” (Morse, 1964a).

A confusão de posições talvez nos indique que vale a pena voltar ao próprio Morse.

De Calibán a Próspero

Em 1964, Morse escreve um artigo intitulado “Calibán” na importante revista uruguaia Marcha (Morse, 1964bMORSE, Richard. (1964b), “Caliban”. Marcha, 1226.). A nota de apresentação, de responsabilidade da publicação, identificada com a esquerda, ressalta a originalidade do texto e o fato de “que nos EUA também existem liberais e progressistas”. Já o artigo assinala que Rodó, em Ariel (1900), faz uso de A tempestade, de Shakespeare, para tratar da relação entre a América Latina e a América anglo-saxã. O personagem do velho mestre, chamado por seus discípulos de Próspero, denunciaria a vulgaridade, o utilitarismo e a mediocridade da democracia de massas dos EUA, associada a Calibán. Contra ele, se colocaria Ariel, símbolo de um espiritualismo desinteressado, com o qual a América Latina poderia se identificar.

No entanto, segundo Morse, desde Psychologie de la colonisation (1950), do psicanalista francês Octave Manonni, Próspero já não poderia ser tomado como “o amável e resignado sábio”, mas sim como “um paranoico governador colonial”. De modo mais direto, considera que “Próspero simboliza certamente os prósperos EUA”. Já a magia de Ariel, no contexto do século XX, se converteria em tecnologia, e Calibán seria entendido como “um bruto não desenvolvido” (Morse, 1964bMORSE, Richard. (1964b), “Caliban”. Marcha, 1226.), passando a ser identificado com a América Latina.27 27 A identificação que o norte-americano realiza entre Caliban e a América Latina antecipa, em quatro anos, aquela feita pelo cubano Roberto Fernández Retamar em “Calibán”. Nessa referência, se poderia considerar que uma das questões importantes tratadas na peça shakespeariana seria a incompreensão entre “o legítimo duque de Milão” e “o escravo selvagem e deformado”.

Quase vinte anos depois, Morse volta a tratar de personagens de A tempestade. No entanto, em O espelho de Próspero, Calibán não reaparece. É verdade que assumir o ponto de vista do senhor da ilha é compreensível, já que o autor queria sensibilizar leitores dos “prósperos Estados Unidos” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 13). Mesmo assim, ele continua a tratar da dificuldade das duas partes da América de se entenderem.

Há tanto pontos comuns como divergentes entre “Calibán” e O espelho de Próspero.28 28 Morse também fez uso de Próspero e Caliban em 1964, para tratar das relações interamericanas em trabalho incluído em The Annals of the American Political Science Association, e em artigo publicado na Encounter, revista que, em contraste com a uruguaia Marcha, era órgão do Congress for Cultural Freedom, espécie de arma norte-americana na “Guerra Fria cultural” (sobre a “Guerra Fria cultural” na América Latina, ver Iber, 2015). As coincidências começam pelo uso de metáforas emprestadas de A tempestade para tratar dos encontros e desencontros entre as duas partes da América. Contudo, os títulos dos dois trabalhos são reveladores das perspectivas bem diferentes que assumem: enquanto o artigo que trata do “escravo selvagem e deformado” se destina a um público uruguaio e, num sentido mais amplo, latino-americano, o livro que alude à imagem invertida do “legítimo duque de Milão” é dirigido ao público norte-americano, que, ironicamente, nunca chegou a lê-lo.

Não é de se estranhar que alguém que escreveu por mais de quarenta anos sobre a América Latina tenha assumido posições diferentes, por vezes até mesmo contrastantes. Na verdade, certa ambivalência sempre foi, como vimos, uma característica de Morse, capaz de escrever tanto na esquerdista Marcha como em Encounter, financiada pela Agência Central de Inteligência (CIA). Em sua maneira de entender o lugar da Ibero-América no Ocidente variou mesmo; ele a vê ora como parte dessa civilização, ora como uma civilização de existência própria.

Também não desejou realçar sempre os mesmos aspectos da região. Em “The heritage of Latin America”, identificou-a com o tomismo e com o patrimonialismo, que trariam tanto integração como confusão entre público e privado. Já em O espelho de Próspero, preferiu realçar como o processo de racionalização e de desencantamento do mundo não avançaram tanto na Ibero-América. Ou seja, se nos anos 1950 e 1960 Morse associara a América Latina a uma sociedade tradicional, em termos negativos, nos anos 1980 passou a valorizá-la como saída possível para a crise da modernidade ocidental. Não por acaso, tal visão a respeito da região foi destinada a leitores norte-americanos, que nunca chegaram a ler o livro em que ela foi elaborada.

Em compensação, mexicanos e brasileiros puderam ler O espelho de Próspero. No entanto, interpretaram-no, assim como o restante da obra de Morse, das mais variadas maneiras. Por vezes, essas leituras chegaram a se chocar entre si, encontrando nos trabalhos do historiador norte-americano tanto argumentos para serem pessimistas como otimistas em relação a seus países e a Ibero-América. Nesse sentido, funcionaram realmente como um espelho, no qual quem olha vê frequentemente a própria imagem.

  • 1
    Todas as traduções são do autor.
  • 2
    Como revela seu autor: “Os latino-americanos podem encontrar certo interesse no livro, mas ele apresenta, por outro lado, matrizes ou ênfases que eu não teria acentuado se o tivesse escrito diretamente para a América Latina” (Bomeny, 1989BOMENY, Helena. (1989), “Uma entrevista com Richard Morse”. Estudos Históricos, 2, 3:77-93., p. 83). Ou, como afirma posteriormente de maneira ainda mais direta: “Desejava [...] sacudir meus leitores norte-americanos pelos ombros, colocá-los em seu momento contemporâneo – isto é, os desinteressantes anos Carter-Reagan – e fazê-los refletir sobre o que tomam como certo” (Morse, 1992MORSE, Richard. (1992), “Dez anos de Próspero”. Presença., p. 150). Pierre Bourdieu explica, por sua vez, tal desencontro: “o fato que os textos circulam sem seu contexto, que eles não tragam consigo o campo da produção (...) no qual eles são produzidos e que os receptores, estando eles mesmos inseridos num campo de produção diferente, os reinterpretem em função do campo de recepção é causa de formidáveis mal-entendidos” (Bourdieu, 2002BOURDIEU, Pierre. (2002), “Les conditions sociales de la circulation internationale des idées”. Actes de la récherce en sciences socialis, 145:3-8., p. 2).
  • 3
    Há certa ambivalência em Morse ao tratar da Ibero-América como modulação da “civilização ocidental” ou como “uma civilização em si, com uma cultura política própria” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 14). Num mesmo artigo, “Dez anos de Próspero” (Morse, 1992MORSE, Richard. (1992), “Dez anos de Próspero”. Presença.), aparecem as duas posições.
  • 4
    Quase trinta anos depois, Morse explica o que teria pretendido fazer: “Num ensaio experimental publicado há alguns anos, substituí as categorias políticas anglo-francesas aplicadas habitualmente à Ibero-América por um par de categorias alheias à corrente dominante desde a Ilustração e que me pareciam mais relacionadas com o caso: o tomismo e o maquiavelismo” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 53).
  • 5
    Sobre Hartz, ver Abott (2005)ABOTT, Philip. (2005), “Still Louis Hartz after all these years: a defense of the liberal society thesis”. Perspectives on Politics, 3, 1:93-109.; Foner (1984)FONER, Eric. (1984), “Why is there no socialism in the United States?”. History Workshop, 17:57-80.; e Kloppenberg (2001)KLOPPENBERG, James T. (2001), “In Retrospect: Louis Hartz’s ‘The Liberal Tradition in America’”. 29, 3:460-478..
  • 6
    De alguma forma relacionada com esse contexto, “The multiverse of Latin American identity” considera que, depois da Primeira Guerra Mundial, a relação entre a Europa e a América Latina, em alguma medida, se inverteria, já que com “o centro desfiando, melhorou a reputação das visões vindas da periferia” (Morse, 1996MORSE, Richard. (1996), “The multiverse of Latin American identity”. In: BETHELL, Leslie (org.). Ideas and ideologies in 20th century Latin America. Cambridge, Cambridge Unviversity Press., p. 10). Estaria aí a raiz de um certo encontro entre intelectuais e povo, manifestado, por exemplo, nas artes e nas letras mexicanas, no modernismo brasileiro, em movimentos sociopolíticos peruanos e em manifestações etno-literárias haitianas.
  • 7
    Já o “patrimonialismo é discutido extensivamente em “The claims of political tradition” (1974), em que Morse repete a sua afirmação de 1964 sobre a capacidade de descrição da categoria com referência ao Império espanhol na América. Por sua vez, o artigo, junto com “Porto Rico: eternal crossroads”, não é incluído em A volta de McLhunaíma (Morse, 1989MORSE, Richard. (1989). A volta de McLhunaíma. São Paulo, Companhia das Letras.), versão brasileira da coletânea, que, em compensação, traz o ensaio “A volta de McLhunaíma”, que não saiu em inglês.
  • 8
    Sobre o papel de Weber em Morse, ver Tenorio (1989)TENORIO, Mauricio. (1989), “Profissão: Latin Americanist: Richard Morse e a historiografia norte-americana da América Latina”. Estudos Históricos. 2, 3: 102-132. e Zabludovsky (1991)ZABLUDOVSKY, Gina. (1991), “Patrimonialismo y modernización en México: reflexiones en torno de las tesis de Octavio Paz”. Breviario Político. 7-8:14-17.. Sobre a interpretação de Weber por Parsons, ver Franco (1970)FRANCO, Maria Sylvia. (1970), O moderno e suas diferenças. Tese de livre docência. Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo..
  • 9
    Como assinala na introdução de seu livro seguinte, A volta de McLhunaima, as premissas de seu trabalho de fato mudaram desde os anos 1950, mas o sentido do seu “projeto original” se manteve (Morse, 1989MORSE, Richard. (1989). A volta de McLhunaíma. São Paulo, Companhia das Letras., p. 18) mesmo assim.
  • 10
    Antes de chegar à cultura política, a diferença se daria principalmente em termos de filosofia política, até porque, na avaliação do autor em O espelho de Próspero, “o desafio de Vitória era acomodar um amontoado idiossincrático de nações e povos numa ordem moral universal, e o de Hobbes era descobrir um conjunto de axiomas ‘científicos’ através dos quais uma unidade pudesse ser reorganizada como um protótipo. Num caso, o universalismo deve encontrar expressão num conjunto de circunstâncias único; no outro, o particularismo deve fornecer uma ‘solução respeitável’” (Morse, 1988MORSE, Richard. (1988), O espelho de Próspero. São Paulo, Companhia das Letras., p. 61). Daí viria a discordância entre uma tradição de lei natural e outra de direito natural, que se faria sentir igualmente em Suárez e Locke. Para a Ibéria, a comunidade orgânica deveria garantir o bem comum e a vida cristã; para a Inglaterra, a paz e a ordem deveriam ser mantidas, artificialmente, por meio do pacto.
  • 11
    No entanto, no ensaio de Morse que, segundo Borges, marca sua “transição entre estudos urbanos dos anos 1970 e estudos culturais dos anos 1980, “The claims of tradition in Latin America” (Borges, 1995BORGES, Dain. (1995), “A Field Guide to Richard Morse’s Brazil”. Luso-Brazilian Review, 32, 2:3-14., p. 8), suas referências ainda estão muito próximas de trabalhos das décadas de 1950 e 1960. Por exemplo, como defenderá posteriormente em O espelho de Próspero, ele sugere que “a América Latina e a América do Norte britânica podem ser considerados, numa perspectiva mundial, meramente como duas variedades de um transplante europeu-cristão”; mas ressalva “que elas podem também ser justapostas de uma maneira que deixa certas sociedades não-ocidentais – por exemplo, a chinesa e a japonesa – como casos intermediários. Parsons faz exatamente isso quando opõe a América Latina e os EUA como sociedades de atribuições particularistas e de desempenho universalista” (Morse, 1974MORSE, Richard. (1974), “The claims of tradition in urban Latin America”. In: HEATH, Dwight (org.). Contemporary cultures and societies in Latin America. Nova York, Random House., p. 481).
  • 12
    A questão, que aparece no início da introdução de Sociologia da religião, resume o problema que daí surge: “que encadeamento particular de circunstâncias levou a que no Ocidente, e só aqui, tenham aparecido fenômenos culturais que – como pelo menos gostamos de pensar – se situam numa direção evolutiva de significado e valor universais?” (Weber, 1990WEBER, Max. (1990), Economia y Sociedad. Cidade do México, Fondo de Cultura Económica., p. 9). Trabalhos mais recentes sobre Weber têm defendido que em seus últimos escritos sua postura foi mais cética quanto à associação entre Ocidente e racionalidade, destacando essa característica em outras experiências religiosas não-ocidentais, além do ascetismo intramundano dos puritanos. Ver, por exemplo, Schluchter (2006)SCHLUCHTER, Wolfgang. (2006), “Weber’s sociology of rationalism and typology of religious rejections of the world”. In: WHIMSER, Sam & LASH, Scott (orgs.). Max Weber, rationality and modernity. Londres, Routledge..
  • 13
    Mais especificamente, em História e consciência de classe, explica-se que, ao penetrar nas diferentes dimensões da existência, o fetichismo das mercadorias faria com que a racionalização, princípio básico da produção de mercadorias capitalista – com sua orientação de que tudo pode ser calculado – tivesse tanto valor objetivo como subjetivo.
  • 14
    Em sentido diverso, Pedro Meira Monteiro sugere um diálogo original entre Morse e Holanda, em meio às “encruzilhadas do mundo moderno” (Monteiro, 2009MONTEIRO, Pedro Meira. (2009), “As raízes do Brasil no espelho de Próspero”. Novos Estudos cebrap, 53:159-182., p. 179), com ambos ansiando por sentido diante do avanço do desencantamento.
  • 15
    Num sentido mais amplo, “The heritage of Latin America” foi muito influente para a interpretação do Estado mexicano com base no patrimonialismo. Sobre o uso de patrimonialismo por Paz, ver Zabludovsky (1991)ZABLUDOVSKY, Gina. (1991), “Patrimonialismo y modernización en México: reflexiones en torno de las tesis de Octavio Paz”. Breviario Político. 7-8:14-17.. Sobre o uso do conceito na América Latina, ver Zabludovsky (1989)ZABLUDOVSKY, Gina. (1989), “The reception and utility of Max Weber's concept of patrimonialism in Latin America”. International sociology. 4, 1:51-66..
  • 16
    Sobre Plural, Vuelta e Letras Libres, ver King (2007)KING, John. (2007), The role of Mexico’s Plural in Latin American literary and political culture. Nova York, Palgrave MacMillan., e Sánchez Prado (2010)SÁNCHEZ PRADO, Ignacio M. (2010), “Claiming Liberalism: Enrique Krauze, Vuelta, Letras Libres, and the Reconfigurations of the Mexican Intellectual Class”. Mexican Studies/Estudios Mexicanos, 26, 1:47-78..
  • 17
    Para interpretações críticas da filosofia de Zea, ver Hale (1971)HALE, Charles. (1971), “The History of Ideas: Substantive and Methodological Aspects of the Thought of Leopoldo Zea”. Journal of Latin American Studies, 3, 1:59-70.; Lipp (1980)LIPP, Solommon. (1980), From Mexicanidad to a philosophy of history. Waterloo, Wilfrid Laurier.; Tenorio (2017)TENORIO, Mauricio. (2017), Latin America: the allure and power of an idea. Chicago, University of Chicago Press..
  • 18
    Sobre a polêmica, ver Oliveira (1991)OLIVEIRA, Lúcia Lippi. (1991), “Anotações sobre um debate”. Presença, 16:26-41. Otávio Velho (1989)VELHO, Otávio. (1989), “O espelho de Morse e outros espelhos”. Estudos Históricos, 2, 3:94-101., em compensação, avalia que o debate entre o norte-americano e o brasileiro seria uma espécie de diálogo de surdos – no qual, curiosamente, cada um assume a perspectiva da cultura do outro.
  • 19
    No trabalho, Schwartzman toma “The heritage of Latin America” como referência de estudo sobre o patrimonialismo na região. Ver Schwartzman (1975)SCHWARTZMAN, Simon. (1975), São Paulo e o Estado Nacional. São Paulo, DIFEL..
  • 20
    Já em resenha para Vuelta da edição mexicana de New world soundings,Tenorio (1995)TENORIO, Mauricio. (1995) “Resonancias del Nuevo Mundo”. Vuelta. 226: 33-36. ressalta uma dimensão negligenciada de Morse: a do crítico cultural. Tal negligência teria ocorrido porque nos EUA não se deu a devida atenção à sua (auto) crítica do país e na América Latina leu-se o autor simplesmente como um “latino-americanista”. Consequentemente, teriam se perdido de vista formulações que antecipariam as de Rusell Jacoby, Christopher Lasch e Richard Rodriguez.
  • 21
    Presença foi criada em 1983, reunindo um grupo de comunistas “renovadores”, já afastados do Partido Comunista Brasileiro (PCB), cuja principal referência teórica era Gramsci. Entre seus três colaboradores mais constantes encontram-se Luiz Werneck Vianna, Leandro Konder e Maria Alice Rezende de Carvalho, intelectuais que tinham sido ligados ao PCB. No entanto, sempre foi preocupação da revista ser um espaço pluralista, que dialogasse com outras tradições. Sobre Presença, ver Góes (2020)GÓES, Camila M. (2020), Gramsci e a dialética da tradução na América Latina: o caso das revistas Pasado y Presente e Presença. Tese de doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Huamans, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. e Silveira (2012)SILVEIRA, Marco L. (2012), Intelectuais e a questão da democracia no Brasil: um estudo a partir da revista Presença. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo..
  • 22
    No mesmo seminário na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em que foi apresentada esta interpretação a respeito de Oliveira Vianna, Murilo de Carvalho (Bastos e Moraes, 1993BASTOS, Elide Rugai & MORAES, João Quartim de (orgs.). (1993), O pensamento de Oliveira Vianna. Campinas, Unicamp.) defendeu que o autor seria um iberista com valores pré-capitalistas.
  • 23
    Ver Werneck Vianna (1988)VIANNA, Luiz Werneck. (1988), “Vantagens do moderno, vantagens do atraso”. Presença, 12:146-162.. Apesar de a maior parte dos intelectuais que publicavam Presença já não fazerem parte do PCB no período da revista, eles concordavam, nos seus termos principais, com a estratégia que o partido defendia para pôr fim à ditadura, na qual era decisiva a constituição de uma frente democrática com os setores mais variados.
  • 24
    Uma espécie de representante do grupo da Presença no Uruguai é Felipe Arocena, que fez doutorado no iuperj e organizou um livro em seu país sobre O espelho de Próspero. Em termos semelhantes à intepretação de Werneck Vianna, afirma nele: “O objetivo seria como modernizar os países ibero-americanos por um caminho que não seja igual ao que identificamos aos países mais modernos; pensar uma alternativa de modernidade à conhecida” (Arocena, 1991AROCENA, Felipe (org.). (1991), El complejo de Próspero: ensayos sobre cultura, modernidade y modernización en América Latina. Montevidéu, Vintem., p. 22).
  • 25
    Paralelamente, o grupo de Vuelta se aproximou, sem aderir propriamente, dos governos Miguel de la Madrid e Carlos Salinas de Gortari, que afirmavam buscar a modernização contra o patrimonialismo.
  • 26
    Muito da controvérsia em torno do termo “patrimonialismo” deriva do fato de ser polissêmico, característica que Reinhart Koselleck (2004)KOSELLECK, Reinhart. (2004), Futures past. Nova York, Columbia University Press. destaca como própria dos conceitos. Segundo Gina Zabludovsky (1989)ZABLUDOVSKY, Gina. (1989), “The reception and utility of Max Weber's concept of patrimonialism in Latin America”. International sociology. 4, 1:51-66., já em Weber há uma certa imprecisão na utilização de “patrimonialismo”. O sociólogo alemão utiliza o termo tanto num sentido específico, referindo-se a um subtipo de dominação tradicional – na qual patrimonialismo e feudalismo se distinguiriam –, quanto, em sentido mais amplo, como um quase sinônimo da dominação tradicional, no qual a diferença entre patrimonialismo e feudalismo se referiria principalmente aos graus variados de centralização. Além disso, o patrimonialismo equivale a regimes pós-feudais, que podem ser identificados com o absolutismo. De certa forma relacionada a essas diferentes acepções de patrimonialismo, Luiz Werneck Vianna (1988)VIANNA, Luiz Werneck. (1988), “Vantagens do moderno, vantagens do atraso”. Presença, 12:146-162. identifica no pensamento social brasileiro o que chama de interpretações a respeito tanto do “patrimonialismo de sociedade civil” como do “patrimonialismo de Estado”. Na primeira orientação, autores como Florestan Fernandes e Maria Sylvia Carvalho chamariam a atenção para como teriam se desenvolvido na sociedade brasileira, “senhorial e escravocrata”, características que poderiam ser aproximadas do que o sociólogo alemão chamara de patrimonialismo. Já autores como Faoro e Schwartzman consideram que o Estado patrimonialista português teria sido transplantado para o Brasil, exercendo, desde então, um domínio absoluto sobre a sociedade. Há significativa afinidade entre essa leitura brasileira do patrimonialismo e a leitura mexicana do conceito, por parte de Paz e de intelectuais próximos a ele, e por sua vez inspirada originalmente na análise de Morse em “The heritage of Latin America” (Morse, 1964aMORSE, Richard. (1964a), “The heritage of Latin America”. In: HARTZ, Louis (org.). The founding of new societies. Nova York, Harcourt, Brace & World.).
  • 27
    A identificação que o norte-americano realiza entre Caliban e a América Latina antecipa, em quatro anos, aquela feita pelo cubano Roberto Fernández Retamar em “Calibán”.
  • 28
    Morse também fez uso de Próspero e Caliban em 1964, para tratar das relações interamericanas em trabalho incluído em The Annals of the American Political Science Association, e em artigo publicado na Encounter, revista que, em contraste com a uruguaia Marcha, era órgão do Congress for Cultural Freedom, espécie de arma norte-americana na “Guerra Fria cultural” (sobre a “Guerra Fria cultural” na América Latina, ver Iber, 2015IBER, Patrick. (2015), Neither Peace nor Freedom: The Cultural Cold War in Latin America. Cambridge, Harvard University Press.).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2021
  • Aceito
    27 Ago 2021
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