Resumos
Nas eleições de 1982, o Partido dos Trabalhadores (PT) lança o mote: “governar com participação popular e inversão de prioridades”. Essas ideias acompanhariam o partido ao longo de sua história, porém com mudanças substantivas em como são entendidas por seus militantes e dirigentes. Mudanças essas explicitadas pelas prioridades dadas a diferentes instrumentos de políticas públicas, que vão desde a proposta de governar por Conselhos Populares, da década de 1980, até a constituição de um Sistema Nacional de Participação no governo federal, em 2014. Alegamos que há uma dinâmica relacional, em que a adoção de diferentes instrumentos de políticas públicas para a concretização da diretriz da participação simultaneamente molda e reflete as preferências ideológicas partidárias. Com base no experimentalismo de suas gestões municipais, estaduais e federal, as experiências bem-sucedidas são incorporadas ao programa partidário como exemplos a serem seguidos por outros governos petistas. A partir da análise sistemática de resoluções e publicações partidárias apresentamos como os sentidos atribuídos ao termo participação e seus vários adjetivos vão, gradualmente, se modificando, em conjunto com a escolha dos instrumentos prioritários para a implementação de políticas participativas.
Democracia participativa; Instituições participativas; Participação; Partido dos Trabalhadores; Instrumentos; Ideologia; Políticas públicas
At the 1982 election, the Workers’ Party (PT – Partido dos Trabalhadores) released the motto: “to govern with popular participation and inversion of priorities”. These ideas would accompany the party throughout its history, although with substantial changes in the way they were perceived by its militants and leaders. These changes were made explicit by the priorities given to different public policy instruments, ranging from the proposal to govern by Popular Councils in the 1980s to the constitution of a National System of Participation in the federal government in 2014. We argue that there is a relational dynamic, in which the adoption of different public policy instruments for the implementation of the participation guidelines simultaneously shapes and reflects party ideological preferences. Based on the experimentalism of its municipal, state, and federal administrations, successful experiences were incorporated into the party program as examples to be followed by other PT governments. From the systematic analysis of party resolutions and publications, we present how the meanings attributed to the term participation and its various adjectives gradually change, together with the choice of priority instruments for the implementation of participatory policies.
Participative democracy; Participative institutions; Participation; Workers’ Party; Instruments; Ideology; Public policies
Au cours des élections de 1982, le Parti des Travailleurs (PT) lance la devise : « gouverner avec la participation populaire et l’inversion des priorités ». Ces idées accompagneraient le parti tout au long de son histoire, mais avec des changements substantiels dans la façon dont cela est compris par ses militants et ses dirigeants. Ces changements ont été explicités par les priorités données aux différents instruments des politiques publiques, qui vont de la proposition, dans les années 1980, de gouverner par des Conseils Populaires, à la mise en place, en 2014, d’un Système National de Participation au gouvernement fédéral. Nous soutenons qu’il existe une dynamique relationnelle dans laquelle l’adoption de différents instruments de politiques publiques pour la réalisation de la ligne directrice de la participation, façonne et reflète simultanément les préférences partisanes idéologiques. Sur la base de l’expérimentation de ses administrations municipales, régionales et fédérales, les expériences réussies sont incorporées au programme du Parti comme des exemples à suivre par d’autres gouvernements du PT. Nous présentons, à partir de l’analyse systématique des résolutions et des publications du Parti, de quelle façon les significations attribuées au terme participation et ses différents adjectifs se modifient graduellement ensemble avec le choix des instruments prioritaires pour la mise en place des politiques participatives.
Démocratie participative; Institutions participatives; Participation au Parti des Travailleurs; Instruments; Idéologie; Politiques publiques
Nas eleições de 1982, o Partido dos Trabalhadores (PT) lança um mote que o acompanharia em sua história: “governar com participação popular e inversão de prioridades”. A defesa da participação como elemento indissociável de uma visão de democracia política e econômica está presente desde a fundação do partido e permanece nos documentos internos até hoje. Constitui seu núcleo ideológico, compreendendo os valores mínimos sobre os quais o partido constrói sua identidade e coesão ( Freeden, 1996 ). A defesa da participação é também alvo de intensas disputas sobre seu sentido político e sobre como deve ocorrer a sua efetivação nos variados espaços institucionais ocupados pelo partido. Essas disputas ocorrem nas instâncias partidárias e, principalmente, em governos sob sua administração, a partir dos quais o debate extrapola o partido e passa a envolver também a sociedade civil.
Após análise sistemática de resoluções e publicações partidárias, apresentamos neste artigo como os sentidos atribuídos ao termo participação – bem como seus vários adjetivos – vão gradualmente se modificando. O trabalho ancora-se na análise da variação de cinco aspectos que explicitam como o PT abordou a ideia da participação em diferentes períodos de sua história: (a) ideias adjacentes, no sentido dado por Freeden (1996) , isto é, com quais outros ideais a participação se conecta em diferentes momentos, de modo a moldarem seu significado; (b) a posição ocupada pelo partido na institucionalidade; (c) a instituição participativa prevalentemente utilizada; (d) a relação estabelecida entre Estado e sociedade civil no processo participativo; (e) o mote ou lema partidário e/ou de governo.
A variação desses diversos aspectos nos permite estabelecer três grandes períodos temporais: o primeiro vai da fundação do partido, em 1980, até o lançamento do livro O modo petista de governar , em 1992, que sintetiza os aprendizados das primeiras gestões municipais; o segundo, caracterizado pelo crescimento eleitoral partidário, com a expansão da sua presença em governos municipais e estaduais, até a eleição para o governo federal, em 2002; o terceiro período inicia-se no primeiro mandato do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva e estende-se até o impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff, em 2016.
Afirmamos que o PT transitou do ideal radical de delegação total de poder aos movimentos sociais para uma gradual consolidação da função de fiscalização, controle e elaboração de políticas públicas em espaços compartilhados entre governo e sociedade civil. Nosso argumento é de que há uma dinâmica relacional, em que a adoção de diferentes instituições participativas para a concretização da diretriz da participação simultaneamente molda e reflete as preferências ideológicas partidárias. Se, por um lado, a diretriz da participação vem do processo fundacional do partido e de sua origem movimentista, o modo de colocar em prática essa diretriz é feito de forma experimentalista e difusa, sendo as experiências bem-sucedidas posteriormente incorporadas pelo partido e difundidas enquanto tal. Tais mudanças são permeadas por conflitos partidários, seja entre seus grupos internos, seja entre aqueles que ocupam diferentes espaços de atuação: governo, estrutura partidária e movimentos sociais.
A metodologia de pesquisa baseou-se centralmente na análise documental. Como fio condutor, que estabelece um parâmetro comparativo, há a análise sistemática de alguns documentos nacionais do PT: primeiramente, todas as resoluções de encontros e congressos; depois, os veículos de comunicação nacional do PT, que tiveram diferentes nomes ao longo do tempo: Boletim Nacional , PT Notícias e a revista Teoria & Debate . Também foram analisadas, como documentos, publicações que expressam posições partidárias, editadas pela Fundação Perseu Abramo (FPA) ou ainda pelo governo, durante gestão petista.1 Por fim, foram realizadas entrevistas com atores importantes, para dirimir eventuais dúvidas ou lacunas não solucionadas pelo registro documental disponível. De posse desse material documental, buscamos reconstruir os acontecimentos históricos, apoiando-nos também na revisão da literatura, sempre confrontada com os documentos. No caso de divergências, apoiamo-nos nas posições expressas nos documentos.
Ao estabelecermos as resoluções aprovadas, seja em encontros ou congressos, como fio condutor, ganhamos a vantagem da comparabilidade sistemática sobre as mudanças no interior do partido. Por outro lado, é preciso ressaltar que tal escolha acabou por privilegiar a análise das posições que prevaleceram no interior do partido, em detrimento dos debates e disputas internos. No entanto, nosso maior interesse neste artigo é compreender a síntese das ideias partidárias, mais do que mapear as diferentes posições em detalhe. A diversidade de posições, no entanto, é perceptível nos demais documentos analisados, como os artigos da Teoria & Debate , cadernos e livros com artigos publicados pela FPA, bem como nas entrevistas realizadas.
Além desta introdução, o artigo está organizado em mais cinco seções. A primeira apresenta o conceito de morfologia da ideologia e sua aplicação na análise sobre as mudanças no ideário participativo do PT. As três seções seguintes tratam cada uma de um período histórico. A que se refere aos anos 1980 – segunda seção – mostra como o mote da “participação popular e inversão de prioridades” aparece nos documentos fundacionais do partido, seguido da análise da proposta de “conselhos populares”. A terceira discute o “modo petista de governar”, marca cunhada a partir das primeiras gestões municipais do PT, após a Constituição de 1988, que têm como carro-chefe o Orçamento Participativo (OP). A quarta seção analisa a política participativa do PT a partir de 2003, quando o partido assume a direção do governo federal. O artigo encerra-se com nossas considerações finais.
As transformações do PT
O PT é o partido brasileiro que mais recebeu atenção de estudiosos, em análises que se dedicam a diferentes recortes: organização partidária e vínculos sociais, governos locais, governo federal e atuação legislativa. Amaral e Power (2016) subdividem a significativa produção teórica sobre o partido em quatro “ondas”, que são simultaneamente uma divisão cronológica e temática.
A primeira onda é cunhada como “fundação e consolidação” do PT e recai sobre a novidade da sua presença no cenário político brasileiro, sua composição social, correntes e debates internos, destacando-se os estudos de Keck (1991) e Meneguello (1989) . A segunda onda é denominada de “experiências subnacionais” e abarca o início dos anos 1990, cujos temas centrais são a relação entre partido, governo e movimento social e sobre como implementar mecanismos de participação na gestão, sobre os quais se debruçaram Simões (1992) , Couto (1995) e Abers (1996) .2 Certamente, dentre as “ondas”, é nesta que o tema da promoção da participação aparece de modo mais forte, com grande destaque para a temática do “modo petista de governar” e os estudos de caso sobre OP. A terceira onda aparece como “a transformação e moderação do PT” e abarca análises das transformações ideológicas, programáticas e organizacionais do partido, ocorridas a partir de meados da década de 1990. Já a quarta onda é sobre o “PT no governo federal”, havendo uma continuidade dos temas abordados relacionados na terceira onda, agora sob a ótica dos efeitos de ser governo ( incumbency ), destacando-se autores como Samuels (2004) , Hunter (2007) , Ribeiro (2010) , Singer (2010) e Amaral (2013) .
Posteriormente a esse balanço bibliográfico, há ainda trabalhos mais recentes, como o de Singer (2018) , que analisa os dois governos de Dilma Rousseff, buscando explicar a “crise do lulismo”, conceito elaborado pelo próprio autor, que culminou com o impeachment da presidente, e o de Amaral e Meneguello (2017) , que analisa todo o período do PT no governo federal, de 2003 a 2016. Os autores se valem de uma pluralidade de dados eleitorais, partidários e de surveys de opinião para traçar como os anos de governo petista alteraram o próprio partido, o cenário político brasileiro e própria natureza da democracia no Brasil.
Considerando esse panorama, em suas diferentes ênfases e referenciais teóricos, tal literatura conflui na ideia de que o PT nasceu como um partido de esquerda ideológico, com forte enraizamento social e compromisso com políticas sociais redistributivas. Também concorda que ocorreram mudanças significativas na organização e no programa do partido ao longo de sua história, com um processo de moderação programática e a maior ênfase na dimensão eleitoral e de governabilidade, bem como o envolvimento do partido em grandes escândalos de corrupção, notadamente os que ficaram conhecidos como Mensalão e Operação Lava Jato. Essas mudanças também tiveram reflexo na composição interna partidária, com a saída ou expulsão de setores considerados mais radicais, que formaram diferentes partidos de esquerda: PSTU (1993), PCO (1995) e, finalmente, PSOL (2004).3 No entanto, há divergências significativas entre os autores sobre as razões que motivaram tais alterações, a intensidade da mudança ocorrida e seus impactos sobre o futuro dos vínculos sociais e da militância da organização partidária.
Cabe destacar ainda que a análise de mudança programática e ideológica do PT se centra nos seguintes aspectos: fortalecimento de uma estratégia eleitoral voltada à maximização de votos e flexibilização do leque de alianças e coalizões de governo, adoção de política econômica ortodoxa e desvios de corrupção ( Samuels 2004 ; Hunter, 2007 ; Singer, 2010 ). Ainda no que diz respeito à organização interna partidária, Ribeiro (2010) afirma que o PT caminhou no sentido de uma crescente dependência da estrutura estatal, embora ainda mantendo vínculos fortes com a sociedade, conclusão semelhante à de Amaral (2013) , para quem as atividades de militância interna se tornaram mais abrangentes, porém de menor intensidade. Por fim, Amaral e Meneguello (2017) demonstram que o perfil dos líderes intermediários do partido e suas relações com os movimentos sociais mantiveram-se constantes ao longo de sua história, o que criaria um ambiente de permanente tensão interna com a cúpula partidária.
Apesar dessa significativa produção empírica sobre o PT, não há nenhum estudo sistemático voltado à análise das transformações ocorridas no que identificamos como núcleo ideológico do partido – a defesa da participação popular e da inversão de prioridades – e suas políticas públicas participativas e redistributivas decorrentes. Singer (2010) sustenta que houve uma relativização de transformações estruturais e do socialismo para privilegiar políticas sociais com benefícios mais imediatos. Já Samuels (2004) ressalta que a visão radical de democracia, participação cívica, igualdade e inclusão social ainda prevalece no partido, embora em conflito com uma política econômica pragmática. Por sua vez, Amaral e Meneguello (2017) destacam como, apesar do término crítico e imprevisível, a era do PT no governo federal atingiu marcos sociais importantes, com a redução da pobreza e da desigualdade, o reconhecimento internacional em políticas associadas de aumento do salário mínimo, o fortalecimento de redes de proteção social e os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família.
Colocando a análise por outro ângulo, a emergência de políticas participativas no Brasil pós-redemocratização também conformou um campo da literatura dedicado à inovação democrática, que inicialmente confere maior centralidade ao papel da sociedade civil. Os partidos, embora necessários, aparecem apenas como atores providos de vontade política ou disposição para a concretização de instituições participativas, como parte de uma estratégia traçada pelas organizações da sociedade civil, que estabelece com eles relações pontuais ( Romão, 2010 ).
A importância do papel do PT, em específico, e de partidos políticos, em geral, é retomada por esse campo no final dos anos 2000, com a chegada do PT ao governo federal e a centralidade que as políticas participativas passaram a ter nesse plano, sendo os principais exemplos a criação de conselhos nacionais e realização de dezenas de conferências nacionais de políticas públicas. Desse modo, há mudança na abordagem da literatura, que passa a dar destaque à relação estabelecida entre sociedade política e sociedade civil ( Wampler, 2008 ; Romão, 2010 ; Bülow e Abers, 2011 ; Souza, 2011 ; Tatagiba e Blikstad, 2011 ; Teixeira, 2013 ). Tais estudiosos tendem a centrar suas análises em governos e períodos específicos. Teixeira (2013) é exceção ao buscar contar “uma história da participação”, cotejando diferentes momentos históricos com base em narrativas dos atores envolvidos no processo. No entanto, ao reunir narrativas de diversos atores, seu trabalho tende a dar igual peso ao papel de atores da sociedade civil, como as Comunidades Eclesiais de Base, a polity community da saúde e os partidos de esquerda. Assim, a relevância do PT, embora perceptível, acaba diluída em função da opção narrativa. Ainda, o trabalho não se propõe a apresentar mecanismos causais ou hipóteses que expliquem as mudanças e escolhas feitas.
Morfologia da ideologia: núcleo, adjacências e periferia
O uso do termo núcleo ideológico se ancora na proposta de morfologia da ideologia desenvolvida por Freeden (1996) . O autor entende a ideologia como um agregado de conceitos políticos, que ganham significado na interrelação desses conceitos e de seu contexto histórico. O termo vem não por acaso da linguística, de modo que podemos traçar um paralelo entre ideias e linguagem: assim como o sentido das palavras pode ser alterado pelo seu contexto, o mesmo ocorre com os conceitos e ideias políticas, que só ganham significado em conexão com outros conceitos.
Os conceitos devem ser “essencialmente contestáveis”, isto é, manifestar a propriedade de representar valores significativos, dotados de complexidade interna, que contenham diferentes descrições, por vezes contraditórias entre si, e serem abertos a mudanças em um contexto histórico e social mutável ( Freeden, 1996 ). Exemplos de conceitos políticos dotados dessas características seriam: democracia, povo, legitimidade, igualdade, liberdade. A disputa ideológica se dá na busca de controle do sentido e da linguagem política, de modo a orientar a ação e o poder político da sociedade. Por isso que há disputa pelo uso das palavras e sobre o seu significado.
A morfologia proposta por Freeden pressupõe diferentes camadas onde as ideias ou conceitos políticos estão posicionados entre o núcleo ( core ) e a adjacência ou a periferia de dada ideologia. O núcleo constitui o elemento fundamental e específico, capaz de se manter sozinho; os componentes adjacentes ou periféricos são adicionados para dar maior densidade ao conceito, sendo mais voláteis e passíveis de mudanças conforme o contexto. Assim, importa não só a presença do conceito, mas o seu posicionamento dentro dessa estrutura ideológica. Por exemplo, os conceitos de igualdade e liberdade estão presentes tanto na ideologia socialista quanto na liberal. A diferença estaria na posição que cada um ocupa na sua morfologia interna. No socialismo, prevalece a igualdade como núcleo e a liberdade como adjacência, enquanto no liberalismo ocorre o inverso. A maior ou menor proximidade da liberdade em relação ao núcleo igualdade, no caso do socialismo, e outras ideias adjacentes, é o que explicaria as variações nessa grande família ideológica, que vai do socialismo soviético à social democracia ( Freeden, 1996 ).
Em nosso estudo, exploramos como o conceito político de participação ocupa lugar central na ideologia petista, refletida nas resoluções e programas de governo. Consideramos que o núcleo ideológico do PT é o de “um partido que governe para os setores marginalizados da sociedade”, com “participação popular e inversão de prioridades”, isto é, a inclusão desses setores marginalizados tanto no plano dos direitos sociais e econômicos como na arena política. Trata-se de elementos que definem a essência e identidade do PT, identificados por sua constância nas resoluções de encontros e congressos e nos programas de governo, desde a sua fundação, em 1980, até a interrupção do segundo mandato presidencial de Dilma Rousseff, em 2016.
No presente artigo, a análise se concentra na ideia da participação e como esta muda de significado pelo reposicionamento dos conceitos adjacentes e periféricos. A participação popular promovida pelos conselhos populares da década de 1980 não é exatamente a mesma da participação social prevista no Sistema Nacional de Participação Social em 2014, embora possa ser traçada alguma continuidade. Isto é, embora o núcleo permaneça, a mudança nos conceitos adjacentes ocasiona mudança do próprio significado da participação para o PT, nos diferentes contextos em que o partido atua ao longo de sua história.
Nossa abordagem sobre ideologia partidária difere-se do que tem predominado na ciência política brasileira em dois sentidos. Primeiramente, ela não está preocupada em estabelecer um posicionamento relacional entre diferentes agremiações, a fim de compreender quais se posicionam à direita, à esquerda ou ao centro do espectro partidário brasileiro, seja em termos de preferência do eleitorado ( Singer, 2002 ; Carreirão, 2007 ), de votações no Parlamento ( Power e Zucco, 2009 ) ou composição sócio-ocupacional de bancadas ( Rodrigues, 2002 ). A proposta estaria mais relacionada com a ideia do Projeto Manifesto,4 que disponibiliza uma base de dados que permite realizar análises quantitativas comparadas de programas eleitorais de partidos de todo o espectro ideológico de diversos países do mundo, de modo a estudar as preferências partidárias sobre políticas públicas. Muito mais modestamente, nosso estudo realiza uma análise qualitativa sobre a preferência de um partido brasileiro em uma política específica.
Em segundo lugar, como mencionamos na seção anterior, as críticas relacionadas à mudança programática do PT não se concentram em qualquer desses elementos do seu núcleo ideológico, com exceção talvez da aplicação de uma política econômica ortodoxa. A defesa da ética na política e o combate à corrupção, por exemplo, tornam-se centrais para o partido somente nos anos 1990, quando são usados para se firmar como um partido de oposição no Congresso Nacional. Nesse momento, o PT já tinha sua estrutura voltada para o crescimento eleitoral em municípios e, em especial, para a disputa do governo federal. Se o envolvimento posterior de lideranças do partido em grandes esquemas de corrupção o fez perder parte do seu eleitorado, esse não foi o motivo para novos rompimentos internos partidários, pois teve efeito diminuto sobre suas lideranças intermediárias, cujo perfil permanece estável em todo o período ( Amaral e Meneguello, 2017 ). Ou seja, a defesa da ética na política, por mais que tenha sido um componente importante da identidade pública e eleitoral do PT em dado momento histórico, não pode ser alçada a elemento do núcleo ideológico, seja por não ter centralidade no momento da fundação do partido, seja porque situações de envolvimento em corrupção, embora tenham gerado crises internas, não chegaram a colocar em cheque a própria identidade partidária. Vejamos a seguir, como se apresentam os princípios fundantes do PT em suas resoluções.
Os princípios fundantes do Partido dos Trabalhadores
O PT define-se também como partido das massas populares, unindo-se ao lado dos operários, vanguarda de toda a população explorada, todos os outros trabalhadores – bancários, professores, funcionários públicos, comerciários, boias-frias, profissionais liberais, estudantes, etc. – que lutam por melhores condições de vida, por efetivas liberdades democráticas e por participação política.
O PT afirma seu compromisso com a democracia plena, exercida diretamente pelas massas, pois não há socialismo sem democracia e nem democracia sem socialismo.
Carta de Princípios (1º de maio de1979)5
O Partido dos Trabalhadores afirma, em seu manifesto de fundação, ser um partido construído “ao mesmo tempo em que se desenvolvem as lutas dos trabalhadores” e cujo programa “não nasce pronto e acabado”.6 Em função de sua composição heterogênea, que reunia atores oriundos de diferentes tradições políticas, qualquer tipo de resolução programática exigia um tempo de maturação e debate significativo. A maior parte dos estudos sobre o PT7 aponta uma composição partidária conformada por quatro grandes blocos: sindicalistas, movimentos ligados à Igreja Católica, movimentos sociais rurais e urbanos diversos e grupamentos marxistas saídos da clandestinidade. Acrescente-se a esses quatro blocos a figura dos intelectuais e dos parlamentares oriundos do MDB ( Keck, 1991 ; Meneguello, 1989 ; Souza, 2008 ; Baiocchi, 2003 ). Todos esses diferentes atores irão contribuir e influenciar a conformação do programa e da prática política do partido.
Anos antes da primeira resolução partidária sobre socialismo, são estas palavras de ordem que atuam como diretrizes da ação político-partidária: “a inversão de prioridades”, cujo sentido era constituir políticas públicas direcionadas para os trabalhadores, os setores populares e os menos favorecidos; e “a participação popular”, que significava instituir e estimular toda forma possível de participação política desses mesmos setores, os quais o partido almejava organizar e representar. Outro elemento também presente na fundação é o da “transformação da estrutura do Estado”, que visava romper com o que é associado a elementos tradicionais da política brasileira, tais como práticas clientelistas, corrupção e procedimentos burocráticos ( Souza, 2008 ; Keck, 1991 ).
Somente no VII Encontro Nacional, realizado logo após a queda do muro de Berlim, em maio/junho de 1990, é que se tem a primeira resolução em busca de sistematizar o “socialismo petista”. Nela, o PT anuncia ser um partido crítico às experiências do socialismo real, bem como à social-democracia. O PT entende ser necessária a superação do capitalismo como sistema de opressão, colocando-se solidário às experiências de libertação dos trabalhadores. Afirma ainda que a democracia é um valor estratégico para o partido, expressa inclusive em sua organização interna, plural e não verticalizada. O socialismo democrático tem como dimensões indissociáveis a igualdade econômica e as liberdades democráticas de participação política.
Essa resolução nos permite ampliar o alcance da expressão “inversão de prioridades-participação popular”. A participação política não faz sentido para o PT sem estar associada à dimensão de justiça social e transformação econômica. Há uma profunda ligação entre democracia política e democracia econômica, e a noção de “inversão de prioridades” equivale à defesa da igualdade econômica e da justiça social, enquanto a “participação popular” se vincula à igualdade política para participar e incidir sobre os espaços de poder.
A ideia de que os mecanismos de participação democrática deveriam ir além do voto era expressa no propósito de incentivo à mobilização e organização política da sociedade em torno de determinadas causas ou demandas. Muitas vezes, estava associada também à noção de democracia direta, evidenciada na proposta de plebiscitos e consultas, que eram utilizados pelo PT como forma de mobilização. O sentido da participação estava fortemente associado ao ideal de transformação social profunda: criar condições para a revolução e a construção do socialismo.
Conselhos populares
A primeira proposta para promoção da participação dos cidadãos nas decisões do governo era o de governar por meio de conselhos populares. Em sua concepção inicial, abarcava toda espécie de experiência de organização local acumulada pelo PT: formas que os movimentos que deram origem ao partido já organizavam (Comunidades Eclesiais de Base, organização por local de trabalho, células, núcleos de base partidários ou ainda conselhos comunitários de saúde, moradia etc.), misturadas com referências marxistas inspiradas nos sovietes russos e na Comuna de Paris. Trata-se de um esforço de traduzir o ideário de participação das bases em uma proposta concreta para ser executada por um governo eleito pelo PT ( Bittar, 1992 ).
Tal proposta era evidentemente dúbia, e seus sentidos eram muito disputados por setores do partido com diferentes origens sociais. Aqueles mais fortemente vinculados a tradições marxista-leninistas viam os conselhos populares como espaços de organização dos trabalhadores, ponto inicial de processos revolucionários de cunho socialista. Qualificados como “embriões do duplo poder”, os espaços dos conselhos eram vistos como locais de fortalecimento de poder da classe trabalhadora, onde seria gestado um poder paralelo ao do Estado, que posteriormente o suplantaria. Já os setores mais vinculados aos movimentos populares e de educação popular viam os conselhos populares como espaços de articulação e fortalecimento dos movimentos sociais. Isto é, espaços de auto-organização para conformar grandes frentes de movimentos com vistas a ampliar a capacidade de incidência da sociedade civil sobre o Estado, mas sem a dimensão revolucionária.
Em realidade, o termo conselho popular era capaz apenas de canalizar a diretriz de incentivo à participação popular e à organização política dos setores populares como mecanismo de transformação social, tanto no seu sentido revolucionário como no reformista. A sua falta de definição derivava de um partido ainda em processo de construção de identidade, permeado por atores com distintas origens e tradições políticas. A disputa sobre o conceito se dava ou em bases ideais, ou ainda a partir de experiências pontuais bem-sucedidas, sobre as quais o PT tinha em geral pouca influência. O termo era, em alguma medida, uma forma de o partido demarcar politicamente seu campo de atuação diante dos conselhos instituídos pelo PMDB,8 vistos como espaços de cooptação de lideranças pelo governo, que não criavam formas permanentes de organização e controle do poder por parte da população ( Moisés, 1985 ).
A ambiguidade e a insuficiência do conceito de conselhos populares foram evidenciadas com a chegada do PT aos governos locais. Os militantes e filiados petistas, antes ocupantes de espaços estritamente reivindicatórios e com forte recorte social, se veem premidos a ocupar instâncias de poder na qual devem agregar interesses e atender reivindicações de modo universal. Anteriormente, o PT ocupava uma posição marcadamente reivindicatória e oposicionista em relação ao Estado. Nesse sentido, seu discurso e suas ações podiam referir-se a apenas um setor social, que ele alegava representar. Já ocupar o Estado significava governar para toda a população e ter de negociar com todos os setores políticos. Essa mudança de posição institucional foi denominada por Couto (1994) de “mudança ambiental”, potencializando conflitos no interior do partido, onde passam a haver atores em ambas as posições, no governo e na sociedade. Isso coloca novos desafios para os petistas nas administrações municipais, que exigia uma atuação diferente dos que permaneciam atuando nas estruturas partidárias ou nos movimentos sociais, os quais seguiam atuando na lógica estritamente reivindicatória e contestavam as posições assumidas pelos que estavam na administração.
A disputa sobre esse conceito irá se somar a outras disputas de poder entre os espaços partidários, dos movimentos sociais e do governo, nas poucas prefeituras conquistadas pelo partido. Todavia, também parece ser o ponto de início para a elaboração de experiências exitosas e inovadoras na gestão pública.
Esse novo posicionamento em relação ao Estado exigirá do PT uma nova formulação, que delimite o papel a ser cumprido pelos atores partidários de acordo com a esfera que estejam ocupando: movimento/sociedade civil, Estado ou direção partidária. Por sua vez, as instituições participativas colocavam-se no limiar dessa tensão: era o espaço em que Estado e sociedade civil se encontravam.
Assembleia Nacional Constituinte
A participação na Assembleia Nacional Constituinte (ANC) representou um momento de enorme aprendizado institucional para o Partido dos Trabalhadores. Esse aprendizado se deu desde o desafio de elaboração de um projeto de Constituição, passando pelo estabelecimento de uma atuação coesa da bancada até a realização de alianças e negociação com outros partidos, articulando isso tudo à intensa mobilização social em torno do Plenário Pró-Participação. A análise desse período nos explicita os dilemas enfrentados pelo PT sobre como viabilizar, por meio da atuação institucional, as suas bandeiras de luta.9
A participação do PT na Constituinte evidencia um partido mais bem definido em relação à ênfase na disputa eleitoral e de espaços institucionais. A maior parte dos seus dezesseis deputados, eleitos em 1986, mantinha fortes laços com a direção partidária e/ou com os movimentos sociais que deram origem ao partido. Além disso, houve intenso debate interno sobre a atuação partidária, o que gerou uma atuação bastante coesa da bancada em todo o processo ( Keck, 1991 ).
O PT se destacou na Constituinte por ter sido o único partido a apresentar uma proposta completa de Constituição, projeto esse que foi rapidamente derrotado e serviu muito mais como um demarcador político, dando o tom do que se seria a postura do partido no decorrer do processo. Para tal, a direção nacional solicitou ao jurista Fábio Konder Comparato10 a elaboração de uma proposta em 1985, que foi entregue em fevereiro do ano seguinte.
Na proposta de Comparato, as inovações do ponto de vista da participação centravam-se em mecanismos de participação direta, como a possibilidade de emendas à Constituição por iniciativa popular e a necessidade de referendo para ratificar emendas relacionadas a liberdades e direitos civis, políticos e sociais. Em todo caso, a proposta não refletia o debate e o acúmulo partidário sobre o tema, não havendo qualquer menção ao conceito de conselhos populares.
Submetida posteriormente para aprovação pelo Diretório Nacional do PT, a proposta sofre alterações substantivas no que se refere à temática da participação. O texto ganha um tom muito mais próximo do que eram os debates internos do PT à época. Além da menção explícita aos conselhos populares, o texto já prevê a participação e o controle social da gestão pública na área de serviços públicos em geral, com menção explícita a transportes, e nas áreas de saúde, educação, seguridade social e trabalho.
O projeto foi imediatamente rejeitado pelo plenário e, a partir disso, o PT se esforça por manter sua pequena bancada bastante atuante, sempre intervindo e apresentando emendas, cujo foco se centrava em diretos políticos e sociais, destacando-se os temas do trabalho, reforma agrária, saúde e seguridade.
Quanto à participação, ao longo do processo da ANC, o partido apresentou diversas emendas muito próximas do que está expresso nesse primeiro projeto de Constituição, eventualmente com maior grau detalhamento, mas expressando a criação de mecanismos de controle social, com a previsão de espaços de participação de organizações da sociedade civil, para serviços públicos em geral, planejamento urbano, saúde, reforma agrária, entre outros.11 Essa diversidade de conselhos já é indicativa da ação que o PT terá no decorrer dos anos 1990, de constituição de conselhos municipais ligados a políticas sociais.
É interessante notar que, nos textos elaborados pelo partido nos casos da saúde e seguridade,12 já se visualizam as diretrizes do que posteriormente viria a se tornar o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS),13 respectivamente. Isso se deve em grande medida ao fato de o PT ter incorporado em suas propostas as resoluções da 8ª Conferência Nacional de Saúde. Até então, as conferências de saúde tinham caráter acadêmico-profissional, alterado com a decisão de abrir a conferência à ampla participação da sociedade civil, desde as etapas municipais. Esse processo culminou em um evento com cerca de 4 mil pessoas, no qual se definiram as diretrizes que viriam a estruturar o SUS,14 inclusive no que diz respeito a seu sistema de gestão participativo ( Dowbor, 2012 ). Os petistas estiveram envolvidos nesse processo, especialmente por meio de sindicatos de trabalhadores, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Movimento Popular de Saúde (MOPS) e de vários conselhos populares de saúde então existentes ( Fleury, 1997 ; Dowbor, 2012 ).
Em síntese, os anos 1980 representam um momento de efervescência interna no PT, um partido formado por uma miríade de grupos de diferentes tradições políticas, que busca estabelecer a sua identidade interna, enfrentando as contradições tanto do embate interno entre os diferentes grupos, quanto no aprendizado da ocupação de espaços institucionais da política.
Ainda é incipiente a presença do partido na política institucional, com menos de uma dezena de prefeituras, uma reduzida bancada no Congresso Nacional, assembleias estaduais e algumas cadeiras em câmaras de vereadores. A maior parte de suas lideranças e sua maior força advém da sua presença em movimentos sociais, desde associações de bairro até o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e a CUT, os quais ajudou a fundar. O contexto de redemocratização e forte presença social faz com que a ideia da participação esteja associada a visões mais amplas sobre a democracia e o próprio regime político, por vezes conflitantes entre si: participação direta dos cidadãos e dos movimentos sociais, poder popular, socialismo. Não por acaso, Teixeira (2013) cunha a década de 1980 como o “período instituinte”, no qual a se vislumbra a “participação como emancipação”.
A forma de concretizar esse ideal de participação passa pela própria retomada dos direitos políticos, como o direito de voto, de associação e de greve, mas também por inovações como os conselhos populares. Enquanto os primeiros eram reivindicações compartilhadas por todos os atores que se opunham ao regime militar, o mote de “governar por meio de conselhos populares” era uma marca exclusivamente petista, fortemente influenciada pelos movimentos sociais, que reivindicavam a delegação total do poder do Executivo. Isso se torna foco de divergências e disputas políticas de grupos internos e se mostra de pouca viabilidade em governos locais.
O modo petista de governar
É assim que, na década de 1990, o PT buscou forjar uma marca de gestão que simultaneamente estabelecesse diretrizes para a atuação partidária e o diferenciasse dos demais partidos: o modo petista de governar. Tendo como diretrizes gerais a promoção da participação popular e a inversão de prioridades, como na década de 1980, a diferença residia na preocupação em torná-las viáveis e executáveis, considerando a realidade das administrações municipais.
Consolida-se a ideia de que os espaços participativos são promovidos e coordenados pelo governo, com participação da sociedade civil. Tanto a ideia de espaço revolucionário, como a de auto-organização do movimento cedem espaço para a lógica da democratização da gestão e a criação de espaços de interlocução entre Estado e sociedade civil.
O modo petista de governar também estava em consonância com a nova estratégia do partido no plano nacional: consolidar-se como partido de oposição ao governo federal, demonstrando a diferença de seu projeto político e sua viabilidade enquanto governo, por meio de suas prefeituras municipais.
A primeira iniciativa de estabelecer uma instância formal partidária15 para se debruçar sobre a atuação institucional do PT, tanto em governos municipais quanto no Legislativo, se dá com a criação da Secretaria Nacional de Assuntos Institucionais (SNAI-PT), em 1989, cujo primeiro secretário é Luiz Dulci, seguido de Jorge Bittar. A partir dela, se elaborou o livro O modo petista de governar ( Bittar, 1992 ).16 Foi o início do uso dessa expressão que se firmou como verdadeira marca partidária ao longo dos anos 1990.
O livro se propõe a três grandes objetivos: realizar um balanço dos três anos de experiência do PT nas gestões municipais; contribuir para o debate sobre reforma do Estado e políticas sociais; e, por fim, construir uma referência para a elaboração de programas de governo do PT nas eleições municipais subsequentes ( Bittar, 1992 , pp. 15-34). Há também uma tentativa de definição de papéis entre partido, governo e sociedade civil, atuando o partido tanto na esfera estatal como societal, não se confundindo com nenhum deles:
A democratização do Estado e a garantia da participação da população nas decisões e na gestão é um papel da administração. Cabe à sociedade, estimulada pelo partido, criar espaços autônomos de organização ( Bittar, 1992 , p. 24).
É reconhecida como função do partido sistematizar a ação prática e a experiência das prefeituras em diretrizes gerais, que consubstanciam o modo petista de governar. Esse modo aparece conceituado de diferentes formas ao longo do texto, ora enfatizando mais a dimensão da transformação social, ora mais visto como método de gestão inovadora e democrática.
Na seção específica de Participação Popular, temos uma boa síntese do que o PT entende por governar com “participação popular e inversão de prioridades”, sendo essa combinação que caracterizaria a “diferença do projeto petista”: seus laços com a sociedade civil e seu compromisso com a transformação social, pondo em prática políticas redistributivas.
O modo petista de governar é mais que uma inversão de prioridades administrativas, com a implementação de políticas públicas redistributivas a favor dos trabalhadores e das camadas mais pobres da população . O que diferencia o projeto petista de poder dos demais é que este se identifica na sociedade civil , com sua pluralidade de interesses, opiniões e vontades, e na cidadania dos trabalhadores e dos movimentos sociais, os atores privilegiados na formulação das políticas de governo e na constituição de uma nova ordem social e política . O modo petista de governar é, portanto, uma proposta de transformação das condições da vida social por iniciativa dos homens e mulheres historicamente excluídos do poder sócio-político ( Bittar, 1992 , p. 210; grifos nossos).
Também se percebem mudanças no vocabulário, aparecendo agora termos antes não utilizados, como sociedade civil e cidadania . Os termos relativos a movimentos populares e sociais ainda aparecem – e permanecem nas resoluções partidárias até o presente –, mas passam a dividir espaço com os novos termos. No caso específico de cidadania , que começa a surgir nas resoluções partidárias após a Constituição de 1988, a inflexão é importante, pois saímos de uma perspectiva classista – o governo dos trabalhadores ou dos setores oprimidos – para um termo universalista. Para equacionar essa questão, o PT recorre à ideia de uma nova cidadania:
A nova cidadania exige o reconhecimento das contradições e desigualdades socioeconômicas e políticas, bem como das diferenças de cultura, gênero e de etnia, como fundamentos concretos para o desenvolvimento dos novos direitos individuais e coletivos ( Bittar, 1992 , p. 211).
Quanto às formas de concretização do ideário participativo, fica nítido tratar-se de um momento de transição ou inflexão política no que tange aos conselhos populares. Essa ideia ainda reside no imaginário petista, mas é cada vez mais insustentável. A prática das prefeituras já aponta outro sentido, consolidando a instituição de conselhos gestores de políticas, conforme se depreende dos dois trechos a seguir, extraídos de diferentes pontos do texto:
A proposta de conselhos populares expressou a marca de nossa ação democratizante nas prefeituras. Havia, já no processo eleitoral de 88, uma preocupação com a expectativa que a proposta gerava. A expressão conselho popular era utilizada para denominar formas de organização distintas. [...]
Após três anos, esses dilemas ainda não estão equacionados politicamente no interior do partido. O debate sobre participação popular em nossas prefeituras está vinculado à ideia da existência de algum conselho ou comissão reconhecidos formalmente: orçamento, saúde, educação, desenvolvimento urbano ( Bittar, 1992 , p. 23)
No livro O modo petista de governar já existe a defesa de desenho bastante semelhante aos conselhos gestores de políticas, apontados como solução para praticamente todas as políticas setoriais, com atuação de parcela da sociedade civil e parcela da administração.
Fica clara a delimitação, outrora confusa, sobre quais são as funções dos conselhos gestores, qual o seu lugar institucional e o seu papel, bem como a sua composição. Os conselhos setoriais passam a ser entendidos como espaços institucionais organizados pelo próprio Estado, como o local de interlocução privilegiada com a sociedade civil, que tem o papel de fiscalização, controle e debate sobre diretrizes de políticas. A mesma definição é expressa em áreas tão distintas como cultura, habitação, meio ambiente, saúde e assistência social, educação e orçamento.
Outro ponto importante é que desaparece a ideia de que o governo deveria abrir mão de seu poder decisório, delegando-o aos conselhos. Em vez disso, temos a ideia da “cogestão”, que irá se tornar uma constante nas resoluções sobre participação popular até pelo menos o início dos anos 2000 ( Bittar, 1992 , p. 25). Isto é, não há delegação de poder por parte do Estado, mas sim uma gestão compartilhada com a sociedade civil, dentro dos espaços participativos. Em resumo, da indefinição e disputa sobre o caráter dos conselhos, há um deslocamento rumo ao papel de controle social e governança.
Um fator importante para essa mudança no entendimento sobre o caráter dos conselhos parece ser as alterações legais ocorridas a partir da Constituição de 1988. Não é possível, neste estudo, avaliar o peso da influência do SUS e dos conselhos de saúde sobre as demais áreas setoriais, muito embora pareça razoável supor que a então recente aprovação da lei que dispõe sobre a participação da comunidade no SUS (Lei 8.142/1990) tivesse um poder de influência significativo como modelo para outras áreas de políticas públicas. Na seção específica sobre saúde, o PT reconhece a influência do movimento sanitário no seu programa:
O SUS implica gestão democrática, criação do Conselho Municipal e participação da sociedade nos vários níveis de decisão. Este avanço do setor de saúde, onde as propostas dos segmentos progressistas da sociedade para esta área foram incorporadas à Constituição, se colocava para todas as administrações, independente do seu matiz partidário.
Ao vencer as eleições municipais, o PT trazia o compromisso de contribuir com a implantação do Sistema Único de Saúde, já que os pressupostos aí estabelecidos vinham sendo defendidos pelo PT junto aos outros setores da sociedade e seus representantes desde a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 86 ( Bittar, 1992 , pp. 139-141).
O livro O modo petista de governar é também o primeiro documento do PT de maior circulação onde há menção ao Orçamento Participativo (OP).17 O assunto aparece especificamente vinculado à cidade de Porto Alegre, como uma das inovações para garantir “orçamentos com participação popular”. É visto como um formato específico de participação no orçamento.
De modo a assegurar o realismo do orçamento, nossas administrações vêm inovando na forma de montagem das suas propostas orçamentárias e no processo de discussão junto ao Poder Legislativo no momento de apreciação das leis orçamentárias. A principal inovação é o Orçamento Participativo, peça fundamental para o resgate da cidadania ( Bittar, 1992 , pp. 237-239).
O OP acaba por se consolidar como vitrine do modo petista para promover a participação da população; será cada vez mais enfatizado como uma espécie de marca partidária. A resolução do 10º Encontro Nacional do PT, em 1995, evidencia o peso político crescente dos governos municipais para o partido, bem como a profunda articulação entre modo petista, participação e orçamento participativo:
77 – As prefeituras e os governos de estado (sic) do PT estão radicalizando a participação democrática. Nas suas administrações, o PT consegue imprimir uma nova e diferente marca na atividade política, voltando-a para o interesse da maioria da população. As experiências de orçamento participativo – em que a população decide onde e como aplicar os recursos públicos – já se generalizaram nas cidades e nos estados em que o PT é governo .
(Resoluções do 10º Encontro Nacional do PT – 1995; grifos nossos)
A difusão nacional e internacional do OP, para além das áreas de influência do partido, também é explicada pelo papel cumprido por lideranças políticas de Porto Alegre para inserir o OP na agenda política internacional, dos quais se destacam os ex-prefeitos petistas Tarso Genro e Raul Pont ( Oliveira, 2016 ). Inicialmente, o programa adquire visibilidade como “melhor prática” de gestão urbana em 1996, durante a UN-Habitat II.18 Segue-se a esse prêmio a divulgação intensiva do programa em espaços internacionais de articulação política, tais como a rede Mercocidades e o Fórum Social Mundial (FSM), evento que insere o OP na agenda internacional de políticas públicas.19
Portanto, o início dos anos 1990 representa um ponto de inflexão no ideário participativo do PT. A decisão deliberada do partido em investir na disputa de espaços institucionais, tendo como objetivo principal a conquista do governo federal, começa a gerar retornos eleitorais positivos: o PT passa a governar prefeituras em diversas grandes cidades. Por sua vez, a maior presença na institucionalidade gera efeitos sobre o próprio programa partidário. A experiência prática traz à tona as limitações e ambiguidades da proposta de conselhos populares. Diante da necessidade de dar respostas palpáveis e coerentes com o seu programa, o PT inicia diversas experiências de novos desenhos de instituições participativas nas cidades em que governa. Onde tais experiências são bem-sucedidas, elas são incorporadas ao programa partidário e passam a servir de referência para as demais prefeituras.
Assim, no rol do modo petista de governar ganham relevância o OP e os conselhos setoriais de políticas. No entanto, os conselhos, ao se tornarem obrigatórios a todos os municípios, tiveram diluída sua marca de gestão petista. De fato, os mais bem-sucedidos, em termos de maior presença nos municípios, foram os que tinham mecanismos legais de indução federal, como a saúde, a assistência social e os conselhos da criança e do adolescente ( Gurza Lavalle e Barone, 2015 ).
É assim que, ao longo da década de 1990, há uma proliferação de experiências bem-sucedidas de OPs em governos petistas de grandes cidades, que proporcionaram grande visibilidade política (Belo Horizonte, Belém, Recife, Distrito Federal, Santo André), bem como a sua disseminação nacional e internacional para além dos limites partidários, passando a aparecer nos debates a preocupação com a diversificação das experiências de participação, já despontadas algumas dessas novas experiências. Com amadurecimento e maior experiência de gestão, o PT consegue sair das demandas mais urgentes de organização administrativa e problemas básicos de infraestrutura urbana para também começar a pensar estratégias de desenvolvimento urbano de longo prazo.
Pontual e Silva (1999) , Genro (1997) e Daniel (1999) convergem para a defesa de novas experiências participativas voltadas a pensar o desenvolvimento urbano, econômico e social da cidade. São exemplos de esforços nesse sentido: o Congresso da Cidade (Belém), a Cidade Constituinte (Porto Alegre) e Projeto Cidade Futuro (Santo André). Também concordam que, embora o OP seja um excelente mecanismo, ele não deve ser a única instituição participativa, sendo insuficiente para a elaboração de políticas de longo prazo.
A atuação do partido em governos estaduais também é alvo de reflexão na publicação sobre o modo petista de governar ( Trevas, 1999 ). São duas as experiências de OP realizadas em outros entes da federação: o Distrito Federal (DF), na gestão 1994-1998, e o Estado do Rio Grande do Sul, entre 1998-2002. No DF, a estrutura de discussão é semelhante à de um município, uma vez que não há subdivisão desse ente federativo. No entanto, no caso da aplicação do OP em âmbito estadual, temos a dimensão federativa como fator complicador. Como envolver prefeitos de diferentes orientações políticas de modo a colaborar com a elaboração participativa do orçamento, ao mesmo tempo em que os próprios prefeitos têm interesse em incidir sobre o orçamento estadual? A experiência do Estado do Rio Grande do Sul, implementada pelos mesmos atores que a iniciaram no município de Porto Alegre cerca de 10 anos antes, enfrentou duros embates e ações judiciais que quase impediram a sua realização. O governo havia sido judicialmente proibido de organizar as assembleias, fornecer espaço ou transporte para a realização das mesmas. A saída encontrada pelo governo foi recorrer aos movimentos sociais que defendiam a realização do OP, para que garantissem a infraestrutura mínima à continuidade de realização das assembleias regionais ( Souza, 1999 ).
Por fim, Trevas (1999) retoma o debate sobre a relação estabelecida entre o partido e seus governos, com uma interessante reflexão acerca dos efeitos da atuação institucional sobre a organização partidária:
[...] pode-se afirmar que a experiência de governo para o PT o obriga a aprofundar o debate sobre suas formulações políticas, seus objetivos e estratégia, sob pena de inviabilizar a consolidação dessa experiência como concretização do projeto partidário ou realizá-la de modo inconsistente.
[...] a experiência de governo passa a ser um dos componentes estruturais de desenvolvimento partidário . Projeta-se sobre a estrutura de poder do partido; incide sobre a dinâmica de grupo dirigente e das direções partidárias; e, sobretudo, constitui-se em espaço estratégico das disputas internas ( Trevas, 1999 , p. 55; grifos nossos).
Essa reflexão é muito importante por ir ao encontro do nosso argumento de que é a presença do partido no âmbito institucional, enquanto partido incumbente, que proporciona a elaboração de práticas de políticas públicas e participação que serão posteriormente incorporadas e sistematizadas pelo próprio partido. E vai além, ao acrescentar que a experiência de governo tem a capacidade de incidir sobre a dinâmica interna de poder do próprio partido.
Em síntese, o debate presente na primeira publicação sobre o modo petista de governar ( Bittar, 1992 ) expressa um momento de inflexão na compreensão do partido sobre seu papel na institucionalidade. Se o PT da década de 1980 era definido como um partido com baixa presença institucional, na década de 1990, o quadro muda significativamente: a ampliação da presença em prefeituras tem efeitos sobre os grupos internos do PT e tendem a se sobrepor a eles, as experiências bem-sucedidas são sistematizadas e passam a servir de exemplo a ser disseminado. Ao longo de toda a década, o partido trabalha para seu crescimento eleitoral, expandindo sua presença em prefeituras e no Legislativo. Se, neste último, o foco é se consolidar como partido de oposição, nas prefeituras o esforço é se firmar como um partido que, ao mesmo tempo que é responsável e “sabe governar”, também possui uma marca distintiva em seus governos. O modo petista quer ser sinônimo de governos que garantem a participação dos cidadãos em suas decisões, por meio do OP, com o intento de proporcionar melhorias nas condições de vida da população, especialmente a mais pobre. A ideia de participação aparece então fortemente conectada à ideia de boa democratização da gestão, de maneira a possibilitar uma cogestão do governo entre os políticos e seus cidadãos. Teixeira (2013) denomina esse período como o da “participação como deliberação”, o que expressaria a ideia de “partilha de poder”, bem como o desejo dos movimentos sociais em influenciar políticas públicas.
As publicações em 1999 já apresentam um primeiro balanço e apontam no sentido de um esgotamento do modelo de participação centrado em uma única instituição. A experiência do Rio Grande do Sul também indica que a mudança de escala federativa do OP gera novos pontos de tensão. Se antes a participação popular tinha o potencial de constranger o Legislativo local ( Dias, 2002 ), limitando a sua atuação, o mesmo não ocorre na relação federativa. A pressão exercida pelos prefeitos para incidir sobre o orçamento estadual, combinada com a pressão do Legislativo estadual, conseguiu praticamente inviabilizar a ação do Executivo. A implementação do OP em âmbito nacional deveria considerar tal complexidade.
PT no governo federal: a participação é método de governar
Os anos 2000 trazem novos desafios, com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva à presidência da República.20 O PT segue defendendo que a promoção da participação, agora como “método de gestão”, associada à promoção da justiça social. A presença no governo federal permite agora fazer com que a disseminação de conselhos gestores e conferências, ampliadas para diferentes políticas, sejam associadas ao PT. Se a ampliação da presença do PT em governos municipais já foi capaz de gerar alterações significativas na dinâmica interna e no programa partidários, era previsível que a ascensão ao governo federal trouxesse novas tensões e contradições ao partido.
Ainda em 2000, no 12º Encontro Nacional do PT, temos uma resolução sobre “As bases de um programa democrático e popular para o Brasil”. Esse foi o último encontro do qual participou Celso Daniel,21 antes de ser assassinado em 2002, tendo sido um dos principais elaboradores de suas resoluções. À época, prefeito de Santo André, ele havia sido recém-indicado, em janeiro de 2002, para ser o coordenador do Programa de Governo,22 função posteriormente assumida por Antônio Palocci.23
Nesse documento, reafirma-se a necessidade de associar a participação ao planejamento. Temos já algumas pistas do que será feito no futuro governo, porém ainda de forma pouco delineada.
74. [...] A gestão pública participativa – uma das referências centrais de nossos governos estaduais e municipais – deve ser uma dimensão básica da reformulação da relação entre o Estado brasileiro e a sociedade, também no nível central. A constituição de novas esferas públicas democráticas, voltadas à cogestão pública, à partilha de poder público, à articulação entre democracia representativa e democracia participativa será fator-chave para, ao mesmo tempo, combater as práticas clientelistas, valorizando a fala dos direitos, e propiciar a participação de novos protagonistas sociais, representando a maioria da população, hoje excluída das decisões (salvo raras exceções). Serão, portanto, não apenas espaços de debate e deliberação envolvendo Estado e sociedade, mas igualmente de disputa de hegemonia com a cultura clientelista e com os valores neoliberais.
75. [...] convém destacar desde logo algumas iniciativas relevantes nesse campo: a implementação do orçamento participativo no nível central será desafio de peso , na medida em que não se trata de efetuar uma mera transposição mecânica de políticas em curso nos níveis local e estadual para o central, que é muito mais complexo (será necessário, por exemplo, tomar na devida conta a estrutura federativa brasileira); os variados conselhos temáticos ou setoriais – inclusive para o controle público das empresas estatais e das concessionárias de serviços públicos; a reformulação de fundo das agências nacionais de regulação, integrando representantes dos consumidores; instituições como as câmaras setoriais , voltadas à elaboração, negociação e implementação de políticas industriais ou setoriais; gestão participativa dos fundos públicos etc.
(12º Encontro Nacional do PT, 2000; grifos nossos)
A participação ou, mais especificamente, a gestão participativa aparece com grande peso em um debate maior sobre redefinição do papel do Estado, proporcionando a constituição de uma “nova esfera pública democrática”, livre de “práticas clientelistas” e com a incorporação de atores excluídos do jogo político tradicional. Chama a atenção a utilização de termos que se aproximam de autores da literatura participativa do mesmo período.24 Ainda são citadas diversas formas possíveis para viabilizar a participação, havendo significativo foco em viabilizar na participação temas ligados ao desenvolvimento e à economia. Ademais, é apontado pela primeira vez o desafio da incorporação da dimensão federativa para a viabilização do OP em âmbito nacional.
Embora na “Carta ao povo brasileiro”,25 lançada em 2002, não haja menção à participação popular, o tema é retomado no programa de governo daquele ano. Os termos seguem aqueles já estabelecidos no 12º Encontro Nacional, reafirmando-se a ideia de fortalecimento e instituição de órgãos colegiados, como câmaras, conselhos e mesas de negociação, além da menção a implantação de um OP nacional. A novidade está nas conferências, inicialmente referenciadas somente na política de saúde, que aparecem pela primeira vez como estratégia do PT para a participação:
50. Nosso governo adotará as Conferências de Saúde como prática regular para a avaliação da situação de saúde, de discussão e deliberação de diretrizes para a formulação das políticas setoriais, respeitando os encaminhamentos das mesmas e adotando medidas para fortalecer os Conselhos de Saúde.
Uma vez eleito ao governo federal, o Presidente Lula opta por criar um ministério responsável pela relação com a sociedade civil. A Secretaria-Geral, que antes tinha a função de articulação com o Congresso e com os entes federados, tem suas atribuições alteradas.26 Além de pensar em mecanismos de participação, suas atribuições incluem a mediação de demandas e reivindicações advindas dos movimentos sociais ( Dulci, 2010 ).
Em termos de instituições participativas, a aposta vai no sentido de retomar a centralidade dos conselhos gestores. Pela primeira vez, a instituição de conselhos poderia ser claramente associada como uma política do PT, fato que não ocorria no âmbito municipal, em função das legislações nacionais sobre conselhos serem aplicadas de forma universal a todas as prefeituras. A fórmula de instituir conselhos nacionais para uma pluralidade de políticas foi adotada em conjunto com a instituição de conferências nacionais para todas as áreas, em clara alusão à experiência da saúde, conforme se depreende do trecho do Programa de Governo 2002 mencionado.
O programa de Governo para as eleições de 2006 apresenta uma sistematização dos esforços empreendidos na primeira gestão, bem como um compromisso de continuidade dessas ações, expressas pelos verbos “prosseguir”, “manter”, “ampliar”, “dar continuidade”, “consolidar”. Não há novas propostas de temas, e sim a continuidade das ações efetivamente colocadas em andamento na primeira gestão de Lula. Talvez o único item de novidade seja a proposta de institucionalizar os canais de participação, já apontando uma preocupação que será constante nas gestões seguintes do PT, conforme se verá adiante.
Cabe destacar, pela primeira vez nas resoluções e programas nacionais, a ausência de menção explícita ao OP, substituído por “fóruns públicos” de debate sobre o plano plurianual e o orçamento da união. É notável, a partir desse momento, a redução da presença dessa instituição pari passu ao crescimento de importância do papel dos conselhos e conferências no que vem a se denominar “participação como método de governar” do PT no âmbito federal.
Embora não haja um debate sistematizado sobre o tema, entrevistas com dirigentes partidários apontam algumas pistas. Vicente Trevas (2014) afirma que o âmbito federal altera a agenda de prioridades políticas do partido, que deve buscar meios para pensar em “como conduzir o país”. O partido passa a ter maior capacidade de incidir sobre as agendas de desenvolvimento econômico e social, políticas de combate à pobreza e às desigualdades sociais e regionais, bem como sobre a política internacional. Nesse sentido, para esse autor, o debate sobre a alocação do orçamento “torna-se instrumental”. Outra dificuldade mencionada por ele refere-se à complexidade federativa de implementação do OP, que geraria a necessidade de se pensar mecanismos de pactuação com estados e municípios, além do Parlamento.
Em 2007, a resolução sobre participação do 3º Congresso do PT, o primeiro realizado após o escândalo do Mensalão, acaba por repetir, ipsis literis , a introdução do documento do ano 2000, “As bases de um programa democrático e popular para o Brasil”, que contou com a participação de Celso Daniel. Ao final são agregadas algumas propostas, destacando-se: uma das últimas menções explícitas ao OP em documentos nacionais,27 por um lado; e, por outro, a novidade, no título, de criação de “um sistema federal de democracia participativa”, tema que passará a ser frequente.
Em documento de balanço de sua gestão à frente da Secretaria-Geral da Presidência da República entre 2003-2010 ( Brasil, 2011 ), Luiz Dulci declara que o ministério tem “a tarefa de coordenar um Sistema de Democracia Participativa, por meio de Conselho, Conferências, Ouvidorias, Mesas de Diálogo, Fóruns e Audiências Públicas”. Essa ideia de que a miríade de mecanismos de participação incentivados pelo Governo Lula constituiria um verdadeiro “sistema” de participação” é reiterado inúmeras vezes ao longo do documento. Três deles merecem destaque: a criação e/ou reformulação de Conselhos Nacionais de Políticas Públicas, combinado com a realização de Conferências Nacionais sobre as respectivas políticas setoriais e, por fim, a realização sistemática de mesas de negociação e diálogo com os movimentos sociais das mais diversas pautas. O debate sobre orçamento é direcionado para o debate sobre os Planos Plurianuais (PPA) de 2004-2007 e 2008-2011, por meio de audiências e da utilização dos próprios conselhos nacionais como espaços de discussão, conforme já constava no Programa de Governo de 2006.
Luiz Dulci (2010) , então ministro da Secretaria-Geral, afirma ser favorável a que a sociedade civil discuta o orçamento, mas se diz contrário à implantação em âmbito federal do desenho do OP municipal, remetendo-se à instituição de um conselho:
Elaboramos uma proposta que não vingou, mas pode e deve ser retomada no próximo governo, que era a de um conselho de acompanhamento de todo o ciclo orçamentário , tanto da LDO quanto do orçamento propriamente dito, do plano plurianual. Por que não vingou? Porque algumas das entidades envolvidas queriam um conselho que pudesse decidir sobre política econômica, o que é um erro. [...]
Estamos testando ainda. Há companheiros que acham que deveríamos fazer o orçamento participativo, transpondo para o âmbito nacional, o orçamento participativo municipal. Sou contra, porque a transposição é mecânica e não funciona. Porém, sou a favor de democratizar mais, de assegurar algum tipo de interlocução com do Estado com a sociedade no ciclo orçamentário. Por que não? ( Dulci, 2010 , pp. 111-114)
Nesse trecho, também se percebe um limite sobre que tipos de assuntos devem ser objeto de participação e debate da sociedade civil, sendo a política econômica um limite claro. Em outro trecho, é enfatizado o papel da participação social como forma de controle e accountability do Estado:
E nos empenhamos então em criar canais, constituir, consolidar canais que já existiam de participação social na elaboração, no acompanhamento, na fiscalização e na correção de rumo das políticas públicas. No fundo, esse é o objetivo da participação social ( Dulci, 2010 , pp. 89-90; grifos nossos).
A participação para Dulci (2010) não é uma forma de delegação de poder, nem de cogestão, mas sim de uma “escuta forte do Estado”. Essa inflexão consolida a mudança do significado da participação ao longo da trajetória do PT: do ideal revolucionário, a participação migra para a função de boa governança, elaboração, acompanhamento e fiscalização de políticas públicas.
Em busca de efetividade e institucionalização
A resolução sobre diretrizes de Programa de Governo em 2010, aprovada pelo 4º Congresso do PT 2010/2011,28 tem como tom principal o reforço das ideias de institucionalização da participação por meio de um “sistema nacional”, ora entendido como já existente, ora por ser criado. É essa a agenda do Governo Dilma Rousseff: o de sistematizar as inovações em um verdadeiro sistema de participação, que integre os vários níveis federativos e poderes.
O caminho da institucionalização exige previamente o de balanço sobre o estado da arte. Nesse sentido, o governo cumpre o papel de indução de uma agenda de pesquisa mediante seu think-tank , o Ipea. Ainda no último ano do Governo Lula, em 2010, em diálogo e parceria com a Secretaria-Geral, o Ipea inicia um projeto denominado “Institucionalização da Participação Social do Brasil”, com uma agenda de pesquisa abrangente, que pautava parte importante da literatura sobre participação ao longo desse período. O material produzido concentra-se em conselhos e conferências, como instituições participativas mais consolidadas, mas também busca abranger maior diversidade de arranjos participativos (ou interfaces socioestatais). Os diversos estudos realizados centram sua análise nos diferentes tipos de desenho institucional, perfil dos atores participantes e, especialmente, sobre como analisar e aperfeiçoar a sua efetividade em termos de incidência e controle em políticas pública.29
Outra ação importante foi no sentido de consolidar os avanços em marcos legais. Muito embora Dulci, ao final de sua gestão, já afirmasse a existência de um sistema de participação, tratava-se de mero recurso retórico para dar visibilidade a uma estrutura que existia de fato, mas que ainda carecia de regulamentação legal em formato de sistema de políticas públicas.
A primeira iniciativa de instituição legal de um sistema participativo vem do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, cujo governador para o período 2011-2014 é Tarso Genro (PT-RS), ex-prefeito de Porto Alegre e um dos principais disseminadores do OP em âmbito nacional e internacional ( Oliveira, 2016 ). O Sistema Estadual de Participação Popular e Cidadã (Sisparci) foi instituído pelo Decreto Estadual nº 49.765/2012 e é uma nítida inspiração para o que virá a ser proposto posteriormente pelo governo federal.
Em realidade, a elaboração e concepção do Sisparci ocorre em um processo que possibilitou o diálogo entre governo estadual, governo federal e academia. Conforme se depreende de documento do governo do estado, o sistema foi idealizado e discutido publicamente em diversos seminários realizados ao longo da gestão, dos quais participaram, em diferentes momentos, o Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República Gilberto Carvalho, entre outros representantes desse ministério, do Ipea, do Ministério do Planejamento, de órgãos do sistema ONU, além de diversos acadêmicos nacionais e internacionais ( Rio Grande do Sul, 2014 ). Nesse sentido, é forte o indicativo de que o processo de amadurecimento dentro do próprio governo federal sobre o que seria um sistema federal de participação passou por esse processo de experimentação anterior em nível estadual.
O Decreto no 8.243/2014, que institui a Política e o Sistema Nacional de Participação Social, espelha uma estrutura base muito semelhante à do sistema gaúcho: ambos estabelecem diretrizes, objetivos e indicam que instituições participativas compõem o sistema. Ele representa um esforço de consolidar a diretriz da participação como um elemento parte da estrutura da administração pública, a parte de uma miríade de arranjos institucionais. Nos termos do documento de balanço final da gestão:
Hoje, com a multiplicação de canais de participação garantidos por lei, não é exagero dizer que a participação tornou-se definitivamente parte da configuração institucional do Estado brasileiro . Está estruturada uma sólida arquitetura participativa que se espraia por um conjunto amplo de ministérios e secretarias e que tem se traduzido, ao longo das décadas, na formulação de programas e projetos inovadores, que melhoraram a condição de vida das pessoas. [...]
A defesa da participação social como “método de governo” pode ser identificada como principal marca desse período no que se refere à agenda da democracia participativa no Brasil. A Política Nacional de Participação Social selou este compromisso , ao mesmo tempo que explicitou as resistências ainda presentes – no Estado e na sociedade – à ampliação e aprofundamento de uma concepção participativa de democracia ( Brasil, 2014 ; grifos nossos).
Um aspecto não menos importante na semelhança do Sistema Nacional de Participação Social com a experiência gaúcha é que ambos os sistemas foram instituídos por decreto (e não por lei). Isso significa que foram feitos de forma unilateral por parte do Executivo em relação ao Legislativo. Se, no caso do Rio Grande do Sul, esse fato não provocou qualquer reação, no governo federal ele foi o pretexto utilizado para uma disputa política em torno do tema entre situação e oposição no Congresso Nacional, às vésperas da disputa presidencial de 2014.
O Governo Dilma, a partir de sua segunda metade, foi extremamente turbulento. Os protestos de junho de 2013 deram início a uma sequência de acontecimentos que fizeram despencar a popularidade presidencial, que até aquele mês era de 65% de aprovação (bom/ótimo) para apenas 30%.30 A partir de então, o quadro foi de intensa polarização política com movimentação da oposição no Congresso e nas ruas, antecipando o cenário de disputa eleitoral do final daquele ano.
Assim, ao ser editado em 2014, o Decreto no 8.243 provocou fortes reações da oposição e da mídia. Naquele momento, os dirigentes e servidores se viram surpresos com a enorme reação ao decreto, e somente posteriormente foi possível compreender tal ação como parte de uma articulação maior de oposição ao governo, que culminaria com o impeachment , em 2016, da então Presidente Dilma Rousseff.
A oposição logrou aprovar na Câmara, Decreto Legislativo que sustaria os efeitos do Decreto no 8.243. Porém, ao ser remetido ao Senado, o requerimento ficou suspenso. Em seu programa de governo “Mais mudanças, mais futuro”, nas eleições de 2014, Dilma Rousseff segue na defesa do Sistema Nacional de Participação e reafirma que “As instâncias de participação não são conflitantes com as atribuições do Poder Legislativo”. Ainda é interessante ver que o Programa, embora sintético e moderado, reafirma que participação e políticas redistributivas são objetivos que caminham em conjunto:
O segundo governo Dilma buscará também promover um novo ciclo de avanços institucionais, destinado a eliminar os gargalos historicamente impostos às formas de representação política e ao acesso democrático a direitos de toda a população. Ampliar a democracia política é um objetivo que anda junto com o compromisso de aumentar cada vez mais a democracia econômica – a distribuição de renda e a eliminação da pobreza (grifos nossos).
A polêmica em torno do Sistema Nacional de Participação perdeu relevância tão logo foi passado o período eleitoral, com a estratégia da oposição centrada então no questionamento das urnas e, posteriormente, no pedido de impeachment da presidente reeleita. Isso levou à curiosa situação de termos o Decreto no 8.243/2014 em vigência até sua revogação expressa, em 2019, pelo Presidente Jair Bolsonaro,31 sem que isso tenha gerado qualquer alteração no funcionamento das instituições representativas e participativas. Por um lado, isso comprova o argumento dos defensores do decreto de que não haveria “usurpação” das competências do Legislativo, uma vez que não se estava criando novas figuras jurídicas, mas tão-somente sistematizando ou reunindo instituições que já eram previstas em leis próprias. Por outro, evidencia também a fragilidade da proposta governamental, que efetivamente dependeria de outras ações do Executivo para se tornar real.
Essa foi a última ação de maior vulto do Governo Dilma Rousseff, no que tange a políticas participativas. O seu curto segundo mandato foi ainda mais turbulento que o primeiro e completamente dominado pela agenda oposicionista. A participação como marca do modo petista de governar segue presente nas resoluções do 5º Congresso Nacional do PT, realizado em junho de 2015, o último antes do processo de impeachment , que encerra o ciclo de gestões consecutivas do partido à frente do governo federal.
Em síntese, a chegada do PT ao governo federal estabelece novos desafios para o partido em termos de estratégias de governabilidade e que tipo de políticas públicas adotar. O partido segue expandindo sua presença institucional no Legislativo e em prefeituras, que são orientadas pelas diretrizes gerais do que é implementado no governo federal. Vale lembrar que, embora cada vez mais dependente do Estado, o PT segue ainda conectado com seus vínculos sociais ( Ribeiro, 2010 , Amaral, 2013 ). No caso da participação, o OP não é visto como viável pelos membros do núcleo do governo. Se a manutenção do debate sobre orçamento é pensada na tímida forma de fóruns de discussão sobre PPA, LDO e LOA,32 as grandes estrelas da participação passam a ser os conselhos e conferências nacionais de políticas públicas, expandidas vertiginosamente. Nesses espaços, a participação dos cidadãos e movimentos sociais é entendida como “uma escuta forte” nos termos do Ministro Luiz Dulci (2010) – termo também utilizado por Teixeira (2013) em sua periodização, no qual não há necessariamente uma vinculação entre as decisões tomadas nos espaços das conferências e as ações adotadas pelo governo. No decorrer do processo, há a necessidade de organizar toda a “arquitetura” participativa desenvolvida. A busca por sua “efetividade” é feita por estudos que visam compreender quais os seus efeitos, sejam para a inclusão de novos atores, sejam para a melhoria de políticas públicas. Simultaneamente, surge a proposta de um sistema de participação, impulsionado pela experiência do Rio Grande do Sul, despontando como uma possível solução para lidar com a miríade de arranjos e ações emergidos dos ministérios do governo federal. Tal proposta, no entanto, não ocorreu em tempo de se tornar viável antes do fim do ciclo do PT no governo federal.
Considerações finais
Entre o PT movimentista da década de 1980 e o PT no governo federal, no início do século XXI, a ideia de participação manteve-se sempre presente nas resoluções partidárias e nas ações de governo em diferentes níveis, com centralidade política e como uma marca partidária, de modo a diferenciar o PT de outros partidos. Isso nos permite compreender a ideia de participação como componente do núcleo ideológico do PT, uma vez que é um dos elementos definidores da identidade programática do partido.
Embora permaneça a ideia participacionista, há alterações que afetam os conceitos adjacentes a ela. Afinal, muitos elementos mudaram ao longo do processo, a começar pelo próprio contexto político: uma nova ordem constitucional se estabeleceu, com ela gradualmente foram se moldando as nossas instituições democráticas e o sistema partidário. No caso do PT, o partido sai dos movimentos para consolidar-se cada vez mais como um partido eleitoral, com presença em todos os níveis de governo, alterando nesse processo também sua organização interna. Para implementar sua política participativa, alteraram-se as instituições participativas prevalentemente utilizados, a relação estabelecida entre Estado e sociedade civil no processo participativo e o mote ou lema partidário e/ou de governo.
Transitou-se dos incipientes conselhos populares para instituições desenvolvidas a partir de experiências de gestão, como o orçamento participativo (OP) e diversos conselhos, até que a complexificação de arranjos institucionais em múltiplas áreas de políticas públicas permitisse vislumbrar um desenho de um sistema nacional de participação. Na concepção original dos conselhos populares, o governo deveria delegar o seu poder decisório a ele, situação que nunca existiu na prática, mesmo nas poucas prefeituras que o partido deteve na década de 1980. Já nos anos 1990, ocupando efetivamente espaços de governo, o PT desenvolve o conceito de cogestão: os espaços participativos seriam espaços de decisão e gestão compartilhada Estado-sociedade. A ideia de cogestão se apresenta bastante forte nas primeiras experiências de OP e vai se tornando mais matizada ao longo da década, conforme se adotam diferentes desenhos institucionais, que dão maior peso a elementos técnicos ou mesmo à representação governamental nas instâncias do OP. Já no governo federal, o discurso adotado é, de saída, o de que os sistemas de conselhos e conferências têm uma função eminentemente fiscalizatória e sugestiva: são espaços para uma “escuta forte do Estado” ( Dulci, 2010 ). O Quadro 1 mostra a síntese dos elementos trabalhados neste artigo.
O papel que a sociedade civil deve cumprir na sua relação com o Estado transitou da ideia de delegação total de poder – fato que, ressalte-se, nunca existiu de fato, mas estava presente no plano do debate interno partidário – para a ideia de que a sociedade civil deve cumprir o papel de fiscalização e controle, além de poder atuar de forma sugestiva na elaboração de políticas públicas. Gradualmente, e à medida que o partido acumula experiências administrativas em diferentes níveis de governo, a participação deixa de estar associada à transformação social radical e passa a estar cada vez mais associada ao vocabulário da gestão transparente de políticas públicas, da sua elaboração ao seu controle e fiscalização de desvios exercidos por aqueles que estão ocupando os espaços de poder no Estado.
Ao longo do processo, tornou-se perceptível a prevalência de dois grandes polos elaboradores de políticas participativas no partido. O primeiro é o Rio Grande do Sul, destacando-se primeiramente pela implantação do OP em Porto Alegre, e também pela elaboração inicial da ideia de sistema de participação. Com exceção de Olívio Dutra, todos os principais quadros elaboradores estavam mais alinhados à esquerda partidária: Tarso Genro e Raul Pont. O segundo polo, São Paulo e Minas Gerais, sobressaindo os OPs de Santo André e Belo Horizonte, que desenvolveram desenhos diferentes do OP de Porto Alegre ao conferirem gradualmente maior peso à participação governamental e a critérios técnicos. Os quadros políticos oriundos desse segundo grupo pertencem ao chamado Campo Majoritário,33 que, posteriormente, irão compor o núcleo político do Governo Lula, cabendo mencionar como principais figuras públicas Celso Daniel, Luiz Dulci e Gilberto Carvalho. Não se trata aqui de pensar nesses polos como antagônicos, mas muito mais como elaborações distintas e ênfases diferentes, que se encontram, dialogam e influenciam mutuamente, produzindo sínteses e difundindo experiências entre diferentes municípios e níveis de governo.
Se, por um lado, os debates e disputas internos do partido estabelecem apenas grandes diretrizes – “governar com participação popular e inversão de prioridades” –, por outro, a forma específica de como seus governos devem agir se dá pelo experimentalismo de suas gestões municipais, estaduais e federal. É tal dinâmica que permite que governos municipais ligados a tendências não hegemônicas nacionalmente dentro do partido, como Porto Alegre e Belém,34 passem a ser referências partidárias a partir de gestões locais.
É no âmbito do governo – local, estadual ou federal – que as instituições participativas bem-sucedidas se tornam exemplos a serem seguidos. Isso não significa afirmar que a dimensão de debate interno partidário não seja relevante, afinal é a diretriz partidária que estabelece a busca criativa por soluções factíveis na administração pública. Esse movimento nos permite afirmar que há uma dinâmica relacional, em que a adoção de diferentes desenhos institucionais para a concretização da diretriz da participação simultaneamente molda e reflete as preferências ideológicas partidárias.
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Notas
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1
Esses documentos foram levantados em sua maioria no Centro Sérgio Buarque de Holanda: de Documentação e Memória Política (CSBH), da Fundação Perseu Abramo (FPA) e no seu sítio eletrônico, com exceção das publicações do governo federal.
-
2
Rebecca Abers (1996) não é mencionada na revisão bibliográfica feita por Amaral e Power (2016) . No entanto, é o primeiro estudo comparado sobre o funcionamento dos conselhos populares de orçamento em cinco cidades governadas pelo PT, no período 1989-1992: Ipatinga (MG), Piracicaba (SP), Porto Alegre (RS), Santo André (SP) e Santos (SP). O de Porto Alegre viria a dar origem ao Orçamento Participativo (OP).
-
3
PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), PCO (Partido da Causa Operária), PSOL (Partido Socialismo e Liberdade).
-
4
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-
5
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6
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7
Quase toda a literatura sobre o PT apresenta essa composição, agrupando ou articulando de forma diferenciada cada um desses grupos. Ver Keck (1991) , Meneguello (1989) , Secco (2011), Souza (2008) e Baiocchi (2003) .
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Cabe ressalvar que o termo participativo não era usado pelo PT na década de 1980, e sim pelo PMDB, a partir das ideias de Franco Montoro. Para saber mais, ver Bezerra (2014) .
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A participação do PT na Constituinte é, até hoje, alvo de polêmica e críticas de outros partidos. Após dois anos de intensa participação, tendo sua pequena bancada representada em quase todas as comissões, a bancada votou contra o texto final, em protesto, por tê-lo considerado conservador, especialmente em relação à ordem econômica, mesmo reconhecendo avanços no campo dos direitos sociais. Após o voto contrário, no entanto, assinou a Carta Magna, por compreender que a assinatura era um reconhecimento da sua participação no processo. Com efeito, tal posicionamento político só é compreensível mediante uma análise mais minuciosa da leitura do PT sobre o processo.
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O projeto foi publicado com o título: Muda Brasil: uma Constituição para o desenvolvimento democrático (São Paulo, Brasiliense, 1986).
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A ANC passou por diversas etapas para apresentação de emendas, entre subcomissões, comissões, comissão da sistematização e plenário. Para este estudo, foi feita a análise de todas as emendas apresentadas pelos deputados petistas em todo o processo. Esses documentos foram obtidos na Câmara dos Deputados por meio de solicitação ao “Fale Conosco” da Biblioteca Pedro Aleixo: < http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/biblarq/fale-conosco . O documento analisado continha 768 páginas de emendas.
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Na Constituição de 1988, a seguridade social abarca a saúde, assistência social e previdência. Já no projeto apresentado pelo PT, a saúde é apresentada em seção separada.
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O SUS foi formalmente previsto na Constituição de 1988, com a participação da comunidade como diretriz (art. 198, III). Contudo, a participação na gestão em todos os níveis só foi regulamentada posteriormente, na Lei nº 8.142/1990, que instituiu os conselhos de saúde em todos os níveis, bem como as conferências de saúde. Por sua vez, não havia previsão constitucional de um sistema único da assistência social, o SUAS. Isso foi feito de forma genérica na LOAS (Lei nº 9.742/1993), ao instituir um sistema federativo de conselhos com participação da sociedade civil. O SUAS só foi formalmente instituído em 2011 (Lei nº 12.435).
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Cabe destacar que a proposta do SUS só foi aprovada por ter sido apresentada como emenda popular e contando com apoio dos setores sanitaristas especialmente do MDB ( Dowbor, 2012) .
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Ao longo dos anos 1980, houve experiências partidárias voltadas à reflexão sobre a atuação petista no âmbito de governos municipais, porém não formalmente vinculadas ao PT. Ver Bezerra (2014) .
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O livro foi o resultado de dezessete seminários temáticos e reuniões com petistas de prefeituras, além de representantes de sindicatos, ONGs e universidades.
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Nenhuma das experiências da década de 1980 recebia o nome de Orçamento Participativo. Mesmo em Porto Alegre, o termo só passa a ser utilizado em 1990 e seu desenho somente se consolida como tal nos anos de 1991 e 1992. Para saber mais, ver Bezerra (2014) .
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UN-Habitat II é a expressão utilizada para denominar Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Second United Nations Conference on Human Settlements), ocorrida em Istambul, Turquia, em 1996.
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Embora a difusão do OP em âmbito internacional tenha contado inicialmente com os esforços de lideranças petistas brasileiras, gradualmente ele passa a fazer parte da agenda de agências internacionais, como ONU e Banco Mundial, que também advogam pela sua implementação em diversos locais do mundo. Estima-se que existam hoje entre 1.269 e 2.788 experiências de OP em países tão diversos como Peru, Venezuela, França, Itália e Estados Unidos ( Oliveira, 2016) . Se a difusão nacional do OP está diretamente vinculada à atuação do PT, sua difusão internacional ultrapassa, em muito, o alcance do “modo petista de governar”.
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O PT esteve à frente do governo federal por 13 anos consecutivos. Luís Inácio Lula da Silva assume em 2003 e, reeleito, permanece como presidente por 8 anos. Dilma Rousseff é eleita como sucessora, assumindo em 2011, sendo posteriormente reeleita para o período 2015-2018. No entanto, seu mandato é interrompido em 2016, em processo de impeachment.
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Celso Daniel foi assassinado em 2002, em um caso até o presente momento não solucionado.
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Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2001200203.htm . Acesso em: 25 maio 2014.
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A coordenação de campanha em 2002 foi composta por Luiz Dulci, José Dirceu, Antônio Palocci, Luiz Gushiken e Gilberto Carvalho (DULCI, 2010).
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Notadamente os trabalhos de Leonardo Avritzer e Sérgio Costa, conforme sistematização crítica realizada por Gurza Lavalle (2003) .
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A carta é tida como símbolo da moderação do discurso petista ( Singer, 2010) , na qual Lula apresenta seus compromissos com a estabilidade macroeconômica.
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As antigas funções da Secretaria-Geral eram de articulação com o Legislativo e com as entidades da federação e foram incorporadas à Casa Civil no período 2003-2005, com José Dirceu como ministro. Após sua saída, Dilma Rousseff assume como ministra, permanecendo nesse ministério somente a atribuição de coordenação das relações federativas (art. 33 da Lei no 10.683/2003). Já a coordenação política e relação com o Congresso Nacional passam a ser atribuição da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), pela Lei no 11.204/2005.
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Cabe destacar a dissonância entre o tom da resolução congressual, fruto do debate interno e mediações entre grupos partidários, e o Programa de Governo de 2006, que teve como seu coordenador Marco Aurélio Garcia, parte do núcleo político do governo.
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O 4º Congresso do PT foi realizado em duas etapas. A primeira em 2010, com os temas: (a) conjuntura nacional e internacional; (b) tática, política de alianças, programa e candidaturas para as eleições 2010; (c) construção partidária e plano de ação. A segunda foi realizada em 2011, versando sobre a reformulação do Estatuto Partidário. Referência: Regimento Interno do IV Congresso do PT, aprovado pela Comissão Executiva Nacional em 10 fev. 2010.
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Informações gerais sobre o projeto, publicações e bases de dados produzidas estão disponíveis em: < http://www.ipea.gov.br/participacao/sobreparticipacao . Acesso em: 15 maio 2017.
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Dados do Instituto Datafolha. Disponíveis em: < http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/2015/02/118652-avaliacao-datafolha-da-presidente-dilma.shtml . Acesso em: 16 maio 2017.
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O Decreto no 9.759, de 11 de abril de 2019, extingue órgãos colegiados estabelecidos por decreto ou norma inferior e revoga expressamente o Decreto no 8.243/2014. Sobre a repercussão do Decreto no 8.243/2014, ver editorial do Estadão , 29 maio 2014: < http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,mudanca-de-regime-por-decreto-imp-,1173217 ; coluna do Reinaldo Azevedo, 29 maio 2014: < http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/dilma-decidiu-extinguir-a-democracia-por-decreto-e-golpe ; reportagem da revista Veja , 4 jun. 2014: < http://veja.abril.com.br/politica/para-juristas-decreto-de-dilma-coloca-o-pais-na-rota-do-bolivarianismo ; artigo de Leonardo Avritzer na Carta Capital , 10 jun. 2014: < https://www.cartacapital.com.br/politica/por-que-o-novo-decreto-de-dilma-nao-e-bolivariano-8992.html .
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Respectivamente, Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual. Os dois últimos são propostos anualmente pelo Executivo e aprovados pelo Legislativo e estabelecem o orçamento anual da união. O primeiro constitui uma peça de planejamento de ações governamentais em termos de programas pela duração de quatro anos.
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Após a “crise do Mensalão”, há uma reorganização interna e o grupo hegemônico no interior do PT passa a se chamar “Construindo um Novo Brasil – CNB”, denominação oriunda da tese apresentada no 3º Congresso, em 2007.
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Dentro do PT, os termos corrente , tendência e agrupamento são usados intercambiavelmente para se referir aos diferentes grupos e facções internos. Nos casos referidos, Porto Alegre teve a maior parte de seus prefeitos (Tarso Genro, Raul Pont e João Verle) ligados aos chamados grupos da “esquerda do PT”, como a Democracia Socialista e a Mensagem ao Partido, em oposição ao chamado Campo Majoritário, posteriormente reorganizado como Construindo um Novo Brasil (CNB), grupo originado da Articulação dos 113, com prevalência do setor sindical. Já o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, era ligado à chamada Força Socialista (posteriormente chamada Ação Popular Socialista). Essa é a última grande corrente da “esquerda do PT” a sair do partido. Em 2005, a APS e diversos outros agrupamentos menores ingressam no recém-fundado PSOL.
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Este artigo é uma síntese atualizada da dissertação de mestrado defendida em 2014, disponível em: < http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-06102014-105726/pt-br.php . Agradeço o apoio do CNPq.
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Errata
No artigo OS SENTIDOS DA PARTICIPAÇÃO PARA O PARTIDO DOS TRABALHADORES (1980-2016), DOI: 10.1590/3410016/2019, publicado no periódico Revista Brasileira de Ciências Sociais, 34(100): e3410016, foi detectado erro no título em inglês:Onde se lê THE SENSES OF PAARTICIPATION IN THE WORKERS PARTY (1980-2016), leia-se THE MEANINGS OF PARTICIPATION FOR THE WORKERS’ PARTY (1980-2016)
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Set 2019 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
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Recebido
08 Mar 2017 -
Aceito
01 Abr 2019