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Ensaio sobre Adoniran um estudo antropológico sobre a "Saudosa maloca"

Essay on adoniran: an anthropological study about saudosa maloca

Essai sur adoniran: une étude anthropologique sur la chanson saudosa maloca

Resumos

Este artigo analisa o samba "Saudosa maloca", de Adoniran Barbosa, a partir de dois ângulos: primeira versão (de 1951), com arranjo de Nelson Miranda, e a versão arranjada pelo grupo Demônios da Garoa (de 1955), que transformou o samba num sucesso. A letra da canção narra um encontro dramático entre um sem-teto e o establishment imobiliário na São Paulo dos 1950, caracterizados pelo ufanismo econômico, pela reinvenção da paulistanidade e pelas comemorações do IV Centenário da cidade. O primeiro arranjo é marcado por um sentimento de tristeza e dor, com uma musicalidade que remete à lamentação e à resignação. O segundo, ao contrário, é marcado por certa jocosidade e desdém, com uma musicalidade que se reporta ao escárnio. O estudo busca reconstituir os modelos nativos de compreensão da canção, com especial atenção às problemáticas do arranjo e das maneiras de cantar e tocar.

Adoniran Barbosa; Antropologia da música; Arranjo; Versão; Interpretação


This article analyzes from two perspectives Adoniran Barbosa's samba "Saudosa maloca": the first version (1951), arranged by Nelson Miranda, and the version arranged by the group Demônios da Garoa (1955), which transformed the samba into a great success. The lyrics of the song describe a dramatic encounter between a homeless and the real state's establishment in the Sao Paulo of the 1950's, a moment characterized by economic overoptimism, the reinvention of paulistanidade, and the commemorations of the IV Centennial of the city of Sao Paulo. The first arrangement is marked by a feeling of sadness and pain, with a musicality alluding to lamentation and resignation. The second, on the contrary, is characterized by certain jocosity and disdain, with a musicality of derision. The study seeks to reconstruct the native models of song comprehension, with special attention to the issues of arrangements and ways of singing and playing.

Adoniran Barbosa; Anthropology of music; Arrangement; Version; Interpretation


Cet article analyse la samba "Saudosa maloca", d'Adoniran Barbosa, à partir de deux angles: la première version (de 1951), avec les arrangements de Nelson Miranda, et la version (de 1955) arrangée par le groupe Demônios da Garoa, qui a transformé la samba en un succès. Les paroles de la chanson racontent l'histoire de la rencontre dramatique entre un sans-domicile et l'establishment immobilier dans la ville de São Paulo des années 1950, marqué par le chauvinisme économique, la réinvention du caractère pauliste et par les festivités du IVe Centenaire de la ville. Le premier arrangement est marqué par un sentiment de tristesse et de douleur, avec une musicalité qui renvoie à la lamentation et à la résignation. Le second, au contraire, est marqué par une certaine ironie et dédain, avec une musicalité qui se rapporte au mépris. L'étude tente de reconstituer les modèles natifs de compréhension de la chanson, avec une attention particulière aux problématiques de l'arrangement et des manières de chanter et de jouer.

Adoniran Barbosa; Anthropologie de la musique; Arrangements; Version; Interprétation


ARTIGOS

Ensaio sobre Adoniran um estudo antropológico sobre a "Saudosa maloca"* * Agradeço a Silvia de Oliveira Beraldo pela ideia de que a canção popular somente é conhecida através dos arranjos; a Luís Fernando H. Coelho, pela ajuda no aplicativo usado na transcrição musical; por fim, a Kaio D. Hoffmann, pela leitura e pelas sugestões. Sou o único responsável pelo artigo. Uma versão anterior deste texto saiu em Ilha – Revista de Antropologia.

Essai sur adoniran: une étude anthropologique sur la chanson saudosa maloca

Essay on adoniran: an anthropological study about saudosa maloca

Rafael José de Menezes Bastos

RESUMO

Este artigo analisa o samba "Saudosa maloca", de Adoniran Barbosa, a partir de dois ângulos: primeira versão (de 1951), com arranjo de Nelson Miranda, e a versão arranjada pelo grupo Demônios da Garoa (de 1955), que transformou o samba num sucesso. A letra da canção narra um encontro dramático entre um sem-teto e o establishment imobiliário na São Paulo dos 1950, caracterizados pelo ufanismo econômico, pela reinvenção da paulistanidade e pelas comemorações do IV Centenário da cidade. O primeiro arranjo é marcado por um sentimento de tristeza e dor, com uma musicalidade que remete à lamentação e à resignação. O segundo, ao contrário, é marcado por certa jocosidade e desdém, com uma musicalidade

que se reporta ao escárnio. O estudo busca reconstituir os modelos nativos de compreensão da canção, com especial atenção às problemáticas do arranjo e das maneiras de cantar e tocar.

Palavras-chave: Adoniran Barbosa; Antropologia da música; Arranjo; Versão; Interpretação.

ABSTRACT

This article analyzes from two perspectives Adoniran Barbosa's samba "Saudosa maloca": the first version (1951), arranged by Nelson Miranda, and the version arranged by the group Demônios da Garoa (1955), which transformed the samba into a great success. The lyrics of the song describe a dramatic encounter between a homeless and the real state's establishment in the Sao Paulo of the 1950's, a moment characterized by economic overoptimism, the reinvention of paulistanidade, and the commemorations of the IV Centennial of the city of Sao Paulo. The first arrangement is marked by a feeling of sadness and pain, with a musicality alluding to lamentation and resignation. The second, on the contrary, is characterized by certain jocosity and disdain, with a musicality of derision. The study seeks to reconstruct the native models of song comprehension, with special attention to the issues of arrangements and ways of singing and playing.

Keywords: Adoniran Barbosa; Anthropology of music; Arrangement; Version; Interpretation.

RESUMÉ

Cet article analyse la samba "Saudosa maloca", d'Adoniran Barbosa, à partir de deux angles: la première version (de 1951), avec les arrangements de Nelson Miranda, et la version (de 1955) arrangée par le groupe Demônios da Garoa, qui a transformé la samba en un succès. Les paroles de la chanson racontent l'histoire de la rencontre dramatique entre un sans-domicile et l'establishment immobilier dans la ville de São Paulo des années 1950, marqué par le chauvinisme économique, la réinvention du caractère pauliste et par les festivités du IVe Centenaire de la ville. Le premier arrangement est marqué par un sentiment de tristesse et de douleur, avec une musicalité qui renvoie à la lamentation et à la résignation. Le second, au contraire, est marqué par une certaine ironie et dédain, avec une musicalité qui se rapporte au mépris. L'étude tente de reconstituer les modèles natifs de compréhension de la chanson, avec une attention particulière aux problématiques de l'arrangement et des manières de chanter et de jouer.

Mots-clés: Adoniran Barbosa; Anthropologie de la musique; Arrangements; Version; Interprétation.

O conceito de arranjo tem uma natureza essencialmente aspectual, revelando a concepção particular que o arranjador tem do material preexistente (melodia, tema, peça vocal e/ou instrumental), constituindo-se em comparação com outras concepções desse mesmo material. O arranjador e/ou os músicos executantes, na realidade, salientam, revelam ou inventam aspectos de determinada canção, melodia ou tema. Neste texto, analiso o conceito de arranjo em conjunto com conceitos próximos a ele, entre os quais são fundamentais os de versão e de interpretação. Aqui tomo a canção-solo "Saudosa maloca", de Adoniran Barbosa, em sua versão pessoal original, anterior ao arranjo de 1951, como versão de referência, conforme o conceito de mito de referência na formulação clássica de Claude Lévi-Strauss.1 1 Para o emprego desse conceito no campo musical, ver Menezes Bastos (2013).

Como tão bem mostra Aragão (2001),2 2 Agradeço a Samuel Araújo por me indicar este texto e a Pedro Aragão pela gentileza do envio. as definições de arranjo na música popular brasileira sofrem de indefinição conceptual. No caso que ele estuda – arranjos de Pixinguinha de 1929 a 1935 –, as definições transformam-se de acordo com o contexto histórico e o campo de seu emprego. O autor não busca uma compreensão analítica do conceito, o que se confirma em sua contribuição posterior, parte da coletânea que acompanha a coleção de arranjos de Pixinguinha, de 1940-1950 (ver Leme, 2010).

Bessa (2010), em contrapartida, analisa os arranjos de Pixinguinha, de 1920 a 1930, a partir de outro ângulo. Baseando-se em Szendy (2001), equaciona sua conceituação de arranjo com a noção de escuta: "o arranjo musical tem como principal característica ‘fazer escutar como' e, dessa forma, tornar pública uma percepção particular, única, qual seja: a do arranjador" (Szendy, 2001, p. 188, grifo meu). O autor, portanto, minimiza a contribuição dos músicos, uma vez que o que marca o arranjo, para ele, é a percepção do arranjador.

No âmbito da música erudita, Boyd (2006) conceitua arranjo como "qualquer peça de música baseada em ou que incorpore material preexistente". Esta definição é problemática, pois implica uma oposição não elaborada entre arranjo e composição.

Schuller (2006), por sua vez, ao analisar as composições jazzísticas, parte de uma visão oposta, mas que também acaba por restringir o conceito. Se, para Boyd, arranjo seria aquilo que não é considerado obra autoral, para Schuller, o conceito implica justamente um domínio muito maior: "até certo ponto, toda performance de jazz constitui uma forma de arranjo, na medida em que é improvisada e constantemente renovada; quer dizer, os performers rearranjam o material básico a cada nova variação e forma". Aqui a ênfase recai sobre os músicos que, na maioria das vezes, são ignorados quando se quer definir arranjo.

Em meu texto sobre a canção "Feitio de oração" – música de Vadico3 3 Apelido de Osvaldo Gogliano (1910-1962), compositor, arranjador e pianista. Para informações sobre a música popular brasileira, ver Marcondes (1999) e o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira (disponível em < http://www.dicionariompb.com.br/>, consultado em 25/02/2014). e letra de Noel Rosa4 4 Compositor, cantor e violonista (1910-1937). –, mostrei que a identidade da canção é dada pela música: sua letra pode ser mudada, esquecida pelo cantor, pode ser simplesmente substituída por um arranjo instrumental, um assovio ou solfejo do tipo "nã-nã-nã", ou não compreendida pelo ouvinte e mesmo pelo cantor, caso das letras em línguas estrangeiras (Menezes Bastos, 1996). Mas isso não significa que a letra não tem importância, "já que o esquecido ou o incompreendido são tão fundantes quanto o lembrado ou o entendido". A hierarquia entre música e letra aparece, nesse caso, no plano da identidade da canção. Creio que "uma canção é já em sua substancialidade, e mesmo que feita por uma só pessoa, um diálogo", no sentido de Bakhtin (1986),5 5 Para um estudo etnográfico com base no modelo de Bakhtin, ver Seitel (1999); para a compreensão desse modelo e seu emprego no domínio musical, ver Menezes Bastos (2007). "estranho diálogo este, que já de começo rompe com a unidade autoral, desenhando-se na polifonia mais congênita" (Idem, p. 164). Se na análise de "Feitio de oração" não tomei o arranjo como objeto de estudo, aqui caberia uma reflexão a esse respeito, uma vez que "Saudosa maloca" suscita questões interpretativas, especialmente estilísticas, que envolvem o primeiro arranjo (de 1951), cantado por Adoniran (1912-1982),6 6 Adoniran foi registrado como João Rubinato. Com dez anos, sua data de nascimento foi adulterada para 1910 para que pudesse trabalhar. Sobre sua vida e obra, ver Bento (1990), Campos (2004), Gomes (1987), Moura e Nigri (2002), Mugnani Jr. (2002), Rocha (2002). Sobre a canção, ver Carmo (2001). e a versão dos Demônios da Garoa (de 1955).

Segundo o Dicionário Houaiss 7 arranjo é "adaptação de uma melodia ou composição a outra estrutura de harmonia, de textura ou de timbre". O dicionário indica então o verbete "orquestração":

Rubrica: música: ato ou efeito de orquestrar; modo pelo qual as partes de uma orquestra estão combinadas, equilibradas, arranjadas entre si. Obs.: cf. arranjo.

Rubrica: música: arte de compor para cada instrumento da orquestra; adaptação de uma melodia ou composição a uma estrutura orquestral.

Essa definição dá conta da relação entre composição e arranjo na música popular: o compositor (na maioria das vezes o cancionista) cria canções em parceria ou não com outros compositores e/ou letristas, originalmente acompanhadas por um instrumento harmônico (violão, piano, acordeom). São essas canções que constituem o material básico dos arranjos.

Diferentemente do que faz Szendy – que elabora sua concepção baseando-se no papel do arranjador e no que ele pretensamente escuta –, procurarei abranger na análise aqui empreendida os músicos (incluindo o cantor) e a audiência. A meu ver, trata-se de uma abordagem mais adequada, pois tematiza as maneiras de cantar e tocar, tema caro à antropologia da música ou etnomusicologia (Herzog, 1928, 1936), e também porque um enfoque que procura compreender a dialética dos planos de produção e consumo da música se encontra mais próximo das formulações de Marx, conforme sua discussão com Stuart Mill, nos Grundrisse.

Os dois arranjos de "Saudosa maloca" que analisarei adiante têm características diversas.8 8 Disponíveis no site do Instituto Moreira Salles (< http://ims.uol.com.br/>, consultado em 5/10/2012). O primeiro, de Nelson Miranda – diretor do conjunto que tem seu nome e executa o arranjo9 9 Miranda, além de maestro e arranjador, era cantor, compositor, cavaquinista e bandolinista (Cf. Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira, disponível em < http://www.dicionariompb.com.br/>, consultado em 8/2/2012). –, envolve cantor (Adoniran) e clarinetista solistas, um naipe de cordas dedilhadas, outro de percussão (violão de

seis cordas, cavaquinho, pandeiro, tam-tam) e um coro misto feminino em uníssono.10 10 O arranjo de 1951 está no lado B do 78rpm da Continental 16468 (matriz 11335-1). Ali, o samba intitula-se "Saudade da maloca" e, ao nome de Adoniran, segue-se, entre parênteses, o de Zé Cunversa, personagem cômico de Adoniran quando trabalhava como ator de rádio. O segundo, dos Demônios da Garoa em sua formação de 1955, inclui coro de seus cinco integrantes – em uníssono e também com abertura de vozes – e os instrumentos – violão, violão tenor, tam-tam, afoxé e pandeiro.11 11 Este arranjo, de 1955, ocupa o lado A do 78rpm da Odeon 13855 (matriz 10553), onde os Demônios são identificados como conjunto vocal (Mugnaini Jr., 2002, pp. 81, 203). Iniciando seus trabalhos nos anos de 1940 como Grupo do Luar, os Demônios são considerados o grupo voco-instrumental de música popular mais antigo do mundo, conforme registro no Livro guinness dos recordes. Houve muitas formações desde suas origens, mas em 1955 era formado por Arnaldo Rosa (afoxé e voz), Antônio Gomes Neto (vulgo Toninho, violão tenor), Francisco Paulo Galo (percussão, tam-tam), Arthur Bernardo (violão) e Cláudio Rosa (pandeiro).

A transcrição de um trabalho, seja ela musical ou não, é por definição prescritiva e, para recordar um clássico da etnomusicologia (Seeger 1958), jamais consegue ser descritiva. Porém, a transcrição pode ser de grande valia na análise e na compreensão de uma música. Trata-se de uma espécie de mapa do trabalho que apenas representa o "território". Qualifico a seguir alguns símbolos da transcrição:

  • As letras (A, B, C etc.) indicam os acordes. "M" depois de uma letra representa um acorde maior; "m", menor.

  • Os números romanos inscritos em triângulos identificam as seções da transcrição.

  • Os demais, inscritos em quadrados, assinalam os compassos.

  • A abreviatura "vibr", numa elipse, indica "vibrato".

  • Um traço descendente (\) sinaliza glissando.

  • O sinal (>) significa acentuação forte.

A seguir apresento a transcrição da letra da canção na versão de 1951. Antes da entrada da parte cantada, assim como no final, quando o coro se cala, ouve-se uma longa intervenção do clarinete com acompanhamento do regional (simbolizada na partitura como "I": compassos 1-16, na introdução; compassos 177-132, na conclusão).12 12 O clarinete e o regional estão presentes em todo o arranjo.

[Introdução: clarinete e regional]

Saudosa maloca [coro em uníssono, clarinete continua]

Maloca querida

Onde nóis passemos

Dias feliz de nossa vida

Saudosa maloca

Maloca querida

Onde nóis passemo

Dias feliz de nossa vida

Se o sinhô num tá lembrado [canto Adoniran solo]

Dá licença de contá

Qui aqui onde agora está

Esse edifíciu ártu

Era uma casa véia

Um palacete assobradadu

Foi aqui seu moçu

Qui eu, Mato Grossu e o Joca

Construímus nossa maloca

Mais um dia

Nem queru me lembrá

Chegô os hômis co'as ferramenta

Qui o donu mandô derrubá

Peguemu tuda a nossas coisas

E fumus pru meio da rua

Ispiá a demolição

Qui tristeza

Qui eu sentia

Cada táuba qui caía

Duía nu coração

Mato Grosso quis gritá

Mais em cima eu falei:

O hômiis tá co'a razão

Nois arranja otru lugar

Só si conformemus

Quandu o Joca falô:

Deus dá o friu

Conformi o cobertor

E hoji nóis pega báia

Nas grama do jardim

E prá isquecê

Nois cantemus assim:

Saudosa maloca [coro em uníssono]

Maloca querida

Onde nós passemos

Dias feliz de nossa vida

Saudosa maloca

Maloca querida

Onde nóis passemo

Dias feliz de nossa vida

[conclusão instrumental: clarinete e regional]

A seguir, a transcrição da letra de acordo com o arranjo dos Demônios. Nela, estão em itálico as partes notavelmente diferentes em relação ao primeiro arranjo:

[entrada instrumental breve]

Yagascascas cula [coro em uníssono, com acompanhamento instrumental]

Da rarara laia [solo]

Yagascascas cula [coro em uníssono]

Da rarara laia [solo]

Yagascascas cula cuncan [coro em uníssono]

[sonoridade de confusão: cachorro latindo etc.]

Yagascascas cula [coro em uníssono]

Da rarara laia [solo]

Yagascascas cula [coro em uníssono]

Yagascascas cula cuncan

Cuncan cuncan cuncan cuncan

Se o sinhô num tá lembrado [coro em uníssono]

Dá licença de contá

Qui aqui aonde agora está

Esse edifíciu artu

Era uma casa véia

Um palacete assobradadu

Foi aqui seu moçu

Qui eu, Mato Grossu e o Joca

Construimus nossa maloca

Mais um dia

Nois nem pode se alembrá

Veio os hômis co'as ferramenta

Qui o donu mandô derrubá

Peguemu tuda a nossas coisas [coro com vozes diferentes]

E fumus pru meio da rua

Apreciá a demolição

Qui tristeza [coro em uníssono]

Qui nois sentia

Cada táuba qui caía

Duía nu coração

Mato Grosso quis gritá [coro com vozes diferentes]

Mais em cima eu falei:

Os hômis istá co'a razão

Nois arranja otru lugar

Só si conformemus [coro em uníssono]

Quandu o Joca falô:

Deus dá o friu

Conformi o cobertor

E hoje nóis pega páia

Nas grama do jardim

E prá esquecê

Nois cantemus assim:

Saudosa maloca

Maloca querida

Dindin donde nós passemos

Dias feliz de nossa vida

Saudosa maloca [coro com vozes diferentes]

Maloca querida

Dindin donde nós passemo

Dias feliz de nossa vida

Yagascascas cula [coro em uníssono, com acompanhamento instrumental]

Da rarara laia [solo]

Yagascascas cula [coro em uníssono]

Da rarara laia [solo]

Yagascascas cula cuncan [coro em uníssono]

[sonoridade de confusão: cachorro latindo etc.]

Yagascascas cula [coro em uníssono]

Da rarara laia [solo]

Yagascascas cula [coro em uníssono]

Yagascascas cula cuncan

Cuncan cuncan cuncan cuncan

A análise comparativa das duas versões permite a confrontação entre as categorias composição e arranjo, intermediadas pela de autoria, a qual marca positivamente a composição em detrimento do arranjo.

A introdução e a conclusão estão entre as diferenças fundamentais dos dois arranjos. No primeiro, tais segmentos são realizados pelo clarinete e pelo regional (compassos 1-16, 117-132), sem canto. No segundo, ouve-se de início o regional, acompanhado em seguida pelo coro masculino, que emite onomatopeias das vozes instrumentais em ação.13 13 Agradeço a Patrício de Lavenère Bastos pela ideia de onomatopeias das vozes dos instrumentos, apesar de não explorá-la aqui. Agradeço também a Allan de Paula Oliveira, Paulo Freire, Roberto Corrêa e Silvia de Oliveira Beraldo pelas conversas sobre a versão dos Demônios da Garoa. Depois, escutam-se imitações de latidos caninos, criando o que denomino "sonoridade de confusão". Estabelece-se, pois, o ambiente musical para o encontro dos heróis (Eu, Mato Grosso e Joca) com "os hômis": ao contrário da primeira versão não há ali qualquer sentimento de resignação. A conclusão é quase idêntica à introdução, mas agora o regional é acompanhado pelo coro. O arranjo de 1955 não parece um samba compatível com o paradigma do Estácio (Sandroni, 1997, 2001), pois adentramos claramente o universo da moda de viola, traço evidente do samba paulista.

A partir do sucesso de "Saudosa maloca" com os Demônios da Garoa, a relação entre Adoniran e o grupo torna-se amarga.14 14 A esse respeito, ver Ângelo (2009) e sua entrevista disponível em < http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/adoniran-barbosa/adoniram-2.php>, consultado em 7/10/2012. Creditar tal êxito apenas ao arranjo certamente não agradaria ao autor da canção, assim como, da perspectiva do grupo, seria equivocado considerar o arranjo supérfluo. De fato, a versão de 1951 foi obscura, com duas cópias vendidas em contraponto às 90 mil cópias da versão dos Demônios (Cavenaghi, 2010, p. 5; Mugnairi Jr., 2003, p. 80). Não só o grupo mas também Adoniran, como compositor e letrista, ganharam fama.15 15 A avaliação da primeira versão como um fracasso deve ser relativizada, considerando a magnitude reduzida do consumo doméstico de discos nos anos de 1950 no Brasil, então ouvidos através do rádio, e Adoniran já era bastante popular neste meio como ator cômico. A contenda, então, se instalou, como mostra o texto postado no site dos Demônios até pelo menos novembro de 2006:

Adoniran é conhecido como compositor das músicas dos Demônios, mas a coisa não foi bem assim... No início, quando os Demônios gravaram as primeiras músicas de Adoniran, o compositor reclamou bastante porque não gostou das modificações feitas pelo grupo, mas, devido ao grande sucesso que estas músicas tiveram, Adoniran deu plena liberdade ao grupo para os acréscimos dos nossos conhecidos "Quais, Quais, Quais" e humor especial, que tanto caracterizam os Demônios quanto Adoniran. Durante toda a parceria, os Demônios sempre fizeram modificações nas músicas de Adoniran, que sempre reclamou mas acabava cedendo ao ver o sucesso que as músicas obtinham. Adoniran era, sem dúvida, um grande compositor, mas os Demônios da Garoa foram fundamentais, e são também coautores não reconhecidos da maioria das músicas do compositor paulista.16 16 Disponível em < http://www.geocities.com/demoniosdagaroa/pagina4.htm>, consultado em 13/11/06. Este link – no qual constava o texto do qual faz parte o trecho citado – não está mais acessível hoje, mas ainda é possível rastreá-lo no Google.

O caso ainda suscita polêmica, como se constata nas palavras do biógrafo de Adoniran, Celso Campos Jr., em reação a uma matéria publicada na revista Época:

Por desconhecimento histórico (quero crer), os atuais integrantes dos Demônios da Garoa –

nenhum dos quais remanescente da década de 1950, origem da parceria – têm incorrido em repetidos erros sobre a concepção do estilo que consagrou Adoniran Barbosa. Embarcando nesse equívoco, a reportagem veicula a afirmação de que "o estilo ‘narfabeto' foi ideia dos Demônios", supostamente inaugurado com a gravação de "Saudosa maloca" pelo conjunto, em 1955. O quinteto teria transformado "tábua em ‘tauba'" e exagerado nos erros de português, e Adoniran, somente depois disso, teria começado a incorporar termos como "nóis fumus" em seus sambas. Bem, na primeira versão de "Saudosa maloca", de 1951 – quatro anos antes da gravação dos Demônios, portanto –, Adoniran já cantava "edifício arto", "casa véia", "construímo", "peguemo tuda nossas coisas", "cada tauba que caía" etc. Nessa mesma época, outras músicas, como "Conselho de Mulher" ("pogréssio, pogréssio..."), gravada por Adoniran em 1952, já maltratavam propositalmente o português. Querer atribuir o estilo "narfabeto" aos Demônios é, portanto, caso grave de apropriação indébita.17 17 Disponível em < http://revistaepocasp.globo.com/Revista/Epoca/SP/0,EMI136921-15389,00-CARTAS.html>. Trata-se de uma forte crítica do biógrafo a uma reportagem sobre Adoniran publicada na revista Época em abril de 2010 (revista consultada em 7/10/2012).

O primeiro depoimento defende a ideia de coautoria, o segundo argumenta que a linguagem fora da norma culta usada na letra já tinha sido proposta pelo compositor.18 18 Sobre a linguagem de Adoniran, ver Candido (1975). Mas este é apenas um lado da questão; é preciso atentar para as diferenças que tornam peculiar a versão dos Demônios da Garoa, além da liberdade do público ao cantar a introdução e a conclusão da música, trocando termos etc.

A comparação dos dois arranjos revela que, diante das concepções nativas expressas na contenda, o arranjo da primeira versão é de certa forma neutralizado e a problemática da autoria só é enfaticamente colocada em foco pela entrada em cena da segunda versão.19 19 Grande parte da literatura sobre a autoria na música popular (Frith, 1986) articula-se com o texto de Foucault (2001) sobre a função-autor. Segundo Foucault, a propriedade sobre os textos literários é a primeira marca da função. Na Inglaterra, nos anos de 1920, não era comum remunerar as letras das canções (Frith, 1989).

O que faz do arranjo e da versão categorias similares é a natureza aspectual desses conceitos.20 20 Sobre o conceito de versão e arranjo, ver Cano (2011) e Domínguez (2011). Um arranjo, como vimos, constitui uma modalidade específica, diferente de todas as demais, de elaborar um material preexistente.

O arranjo de Nelson Miranda pode ser segmentado da seguinte maneira (algarismos romanos representam as seções, os arábicos representam compassos):

I, 1-8 (parte de 9): introdução instrumental [clarinete e regional]

I', 9-16 (parte de 17): idem [diferente de I]

II, 17-24: refrão [coro feminino em uníssono, clarinete e regional]

II, 25-32: idem [repetição]

III: a,

32-35 (parte de 36): estrofes [canto solo masculino, clarinete e regional]

b, 36-39 (parte de 40): idem

c, 40-44: idem

d, 45-48: idem

e, 49-52: idem

f, 53-55 (parte de 56): idem

g, 56-60 (parte de 61): idem

h, 61-68: idem

i, 69-75 (parte de 76): idem

j, 76-79 (parte de 80): idem

k, 80-84: idem

l, 85-88: idem

m, 89-91 (parte de 92): idem

n, 92-96: idem

o, 97-100: idem

II, 101-108: refrão [coro feminino em uníssono, clarinete e regional; idêntico aos dois anteriores]

II, 109-116: idem/idem

I'', 117-124 (parte de 125): conclusão instrumental [clarinete e regional]

I''', 125-132 (parte de 133): idem

Em suma, trata-se da seguinte sequência de segmentos:

(I, I', II, II),(III, III' ..... IIIn) (II, II, I'', I''')

Reduzindo, a sequência resulta numa forma espelhar ternária A-B-A, onde A tem dois segmentos (I e II), um deles (I) subdividido em quatro subtemas, dois a dois (I, I' [na introdução] e I'', I''' [na conclusão]), e B compõe-se de quinze segmentos curtos. Trata-se de uma forma musical complexa, tendo em vista que só encontramos repetição onde é esperado, isto é, no refrão.

A opção pelo clarinete e a construção da linha melódica tanto na introdução como na conclusão (I, I' e I'', I'''; compassos 1-8, 9-16 e 117-124, 125-132) certamente não foram escolhas triviais. São quatro segmentos diferentes, longos, somando 32 (em 132) compassos, cerca de ¼ do arranjo. Ademais, ao virtuosismo do clarinetista soma-se os contracantos executados em todo o arranjo, o que lhe garante um peso só comparável ao do cantor, que no caso é o próprio autor da canção.21 21 Maria Beraldo Bastos sugeriu que provavelmente o clarinetista do arranjo de 1951 tenha sido o também compositor e saxofonista Abel Ferreira (1915-1980). O regional produz um acompanhamento rotineiro, com violão, cavaquinho, pandeiro e tam-tam.22 22 Parece-me que também se alterna com o cavaquinho um bandolim, mas confesso que minha audição do regional não é precisa. Vale lembrar de que o próprio Miranda tocava os dois instrumentos,

O sentimento que marca a intervenção do clarinete é a tristeza, o que evoca imediatamente o universo de tópicas da época de ouro da música popular brasileira (Piedade, 2001, 2012a, 2012b e s/d; Bastos, 2008). Ou seja, período entre o final dos anos de 1920 e final da década de 1940, em que floresceram grandes nomes do samba como Noel Rosa, Ary Barroso, Ataulfo Alves e Carmen Miranda e a primeira geração de arranjadores (Radamés Gnattali, Pixinguinha, Gaó, Lyrio Panicali e Leo Peracchi).23 23 Agradeço a Acácio Tadeu de Camargo Piedade e Marina Beraldo Bastos pelas conversas sobre a questão das tópicas. Para dados sobre esse período na história da música popular brasileira, Ver Menezes Bastos (2005). Sobre os arranjadores, ver < http://maestrorochasousa.blogspot.ca/2009/08/o-arranjo-na-musica-popular-brasileira.html>, consultado em 27/10/2012. Era comum, então, o uso de floreios melódicos, como apojaturas, grupetos e outros ornamentos, e de certos padrões – incluindo aproximações cromáticas ou por grau conjunto – e desenhos melorítmicos similares às "baixarias" do choro (Bastos, 2008). As características dessas tópicas referem-se ao lirismo de gêneros mais antigos, cingidos por certa nostalgia, como a modinha, a valsa, a seresta e o choro (Piedade, 2011).

A transcrição da canção evidencia imediatamente a presença dessas tópicas (os números referem-se a compassos):

  • Apojatura: 1-2; 3-4; 117-118.

  • Mordente: 121-122 (superior).

  • Grupeto: 118-119 (inferior).

  • Aproximação por grau conjunto: 2-3; 4-5.

  • Aproximações cromáticas: 6-7; 7; 8; 15-16.

  • Padrões com caráter e função das "baixarias": 2-3; 16-17; 127-128; 133-134.

É com o clima de nostalgia que vem da introdução que o arranjo atinge a parte II (compassos 17-24, com repetição em 25-32), somando 16 compassos (32 com a repetição em 101-108/109-116). Trata-se do refrão, cantado pelo coro feminino, acompanhado pelo regional e pelos contracantos do clarinete. Os quatro segmentos II – como aqueles tipologicamente I – somam um total também de 32 compassos, cerca de ¼ do arranjo.

No refrão, o âmago de significação da letra é a saudade, o que não somente é compatível, mas dá continuação à linha melódica do clarinete que segue fazendo contrapontos com o regional até o final da canção. O coro opera sem inflexões. Na letra, há apenas duas ocorrências do falar "narfabeto": "onde nóis passemos", com a variante "onde nóis passemo", e "dias feliz de nossa vida". Na parte musical, o refrão abre e fecha a canção e o regional mantém a mesma levada e o mesmo tônus já anunciados na introdução. Esse aspecto neutro do refrão, a seção da canção que o ancora, contrastam com a introdução e a conclusão instrumentais e a parte do canto solo, ambas muito diversificadas.

O canto de Adoniran é a segunda parte mais longa do arranjo, ocupando 68 compassos, mais da metade de sua extensão. Ele só não é mais longo que a intervenção do clarinete. Trata-se de um canto econômico e elaborado expressivamente, o que é consequência da produção de determinadas inflexões na voz feitas através de distinções prosódicas resultantes de acentuações fortes, vibratos e glissandos. Em alguns pontos, surpreende a ausência de inflexão, especialmente onde a letra alcança picos dramáticos. Esta limpeza interpretativa é, paradoxalmente, percebida pelo ouvinte como inflexão. O canto de Adoniran não é óbvio nem derramado, flutuando entre a tristeza e a alegria.24 24 Tais sentimentos traduzem profundamente o caráter da música popular brasileira, mas isso não resulta uma maneira de cantar piegas, como já tinha comprovado Noel Rosa (ver Menezes Bastos, 1996). É significativa neste sentido a capa que Elifas Andreato fez para o disco em homenagem ao cantor, lançado em 1980, "Adoniran Barbosa – 70 Anos".25 25 Disco EMI-Odeon número 064 422868. A primeira proposta tinha o desenho de um palhaço chorando, mas o diretor da Odeon na época teria dito que Adoniran não se reconheceria ali. Andreato, então, fez uma ilustração mais sóbria, com a qual Adoniran se identificara mais: ‘‘Elifas, eu sou esse palhaço triste aqui, e não o alemão que você pôs na capa do disco."26 26 Ver "As memórias sentimentais de São Paulo", resenha de Francisco Quinteiro Pires a Matos (2007), disponível em <

http://www.controversia.com.br/index.php?

act=textos&id=1791

Na primeira estrofe (32-44), saliento a falta de inflexão quando o narrador pede licença a "sinhô" –

alguém em posição hierárquica superior – para iniciar sua narrativa. O tema da memória é então lançado – "Se o sinhô num tá lembrado/Dá licença

de contá" (32-36). Verifica-se desde aí que se trata de

uma narrativa histórica. A partir daí, as inflexões caem em sílabas tônicas, num trecho em que a função harmônica é a dominante com sétima (A7) da subdominante (Dm) da tonalidade da canção (Am). A acentuação (>) nas tônicas se mostra uma inflexão e, não, uma obviedade, pois não ocorre em todas as palavras, mas serve para destacar algumas: "tá" de "está" (37-38, >), "ar" de "artu" (39-40, vibr), "vé" de "véia" (41-42, >), "ce" de "palacete" (42-43, vibr). No momento da resolução na subdominante (Dm, 43-44), um glissando atinge as duas sílabas finais de "assobradadu", a penúltima sendo a tônica. A alternância entre o velho ("véia", "palacete", "assobradadu") e o novo ("está", "artu") aqui se evidencia como o objeto central da narrativa.

A segunda estrofe (45-80) também começa com uma enunciação do narrador para "sinhô", chamado "seu moço" ("Foi aqui seu moço", 45-46), cantado em glissando. Em seguida, o narrador relata que foi "aqui", na casa "véia", que ele (Eu), Mato Grosso e Joca, instalaram a maloca, o seu reduto –espaço político não somente esquivo, mas concorrencial em relação ao que lhe é exterior. Também aqui (47-48), já de volta para o campo harmônico da tônica (Am), o nome Joca é cantado em glissando. A sílaba "sa" de "nossa" é então acentuada (51), embora não seja tônica, o que ocorre sobre um acorde de dominante da dominante (B) que conduz à dominante (E) sobre a sílaba "lo" de "maloca" (51-52), cantada de maneira acentuada, sendo as outras duas sílabas, "loca", em vibrato. Em seguida, chegamos aos trechos mais dramáticos, de novo quando a função harmônica é a dominante com sétima (A7) – agora também com uma nona, menor – da subdominante (Dm): "Mais um dia (53-54) nem (54) queru me lembrá" (55-56, Dm). A nona (nota si bemol sobre a palavra "nem") é cantada enfaticamente, antecedida por uma pausa e seguida por outra – inflexão feita sem nenhum dispêndio senão as próprias pausas. A estrofe, então, se fecha: "chegô os hômis co'as ferramenta" (57-58, Am), "menta" em glissando. Adoniran então recita, de modo documental, bem silabado: "qui o donu mandô derrubá" (57-80). Não há inflexão aqui, senão o próprio recitativo: "mandô" é cantado na dominante (E) e "derrubá" na tônica (Am). Há uma fina dialética nas duas primeiras estrofes entre os usos do glissando e do vibrato, o primeiro ocupando quase sempre a posição de finalização de verso; o segundo ocorrendo em sílabas de palavras marcadas pelo cantor.

A terceira estrofe (63-76) é dominada quase exclusivamente pelo uso do vibrato, com exceção do verso "cada táuba qui caía" (73-74), entoado na dominante da dominante (B), onde o vibrato se soma à acentuação nas duas últimas sílabas de "caía". Aqui se narra a expulsão dos heróis de seu reduto, quando vão para a rua (65-66) – cantada na dominante (A) da subdominante (Dm) – "ispiá a demolição" (67-68). Atinge-se a subdominante, e vale dizer que o verbo pode assumir aqui dois sentidos: expiar e espiar. A letra então recorda, lamentando, a tristeza (70) e a dor (74-75) –

marcas desta versão de "Saudosa Maloca" –

provocadas pela demolição do palacete. Adoniran passa a narrar na primeira pessoa do singular, diferentemente dos momentos em que ele usa o plural ao falar em nome dos três heróis. As marcas de lamentação apelam para um sentimento de resignação na estrofe seguinte (76-92). O grito impronunciado por meio do qual Mato Grosso sinaliza resistir à demolição (76-77), entoado na dominante (E) e com acentuação forte na última sílaba de "gritá", não subsiste, uma vez que Joca (89-92) aciona a senha da resignação, de maneira proverbial: "Deus dá o friu" (89-90), entoado na dominante da dominante (B) – com acentuação forte, vibrato e glissando – "conformi o cobertor" (91-92), termo cantado em vibrato e incidindo sobre a dominante (E). Há um grande investimento expressivo nesse trecho: o uso do vibrato é índice importante, visto que aponta para uma forte sensibilização do cantor.

Não é à toa que o vibrato domina a última estrofe (94-100). As inflexões ocorrem na primeira sílaba de "báia" (94), entoada na subdominante (Dm), na primeira de "grama" (94-95), na segunda de "jardim" (95-96) – que recai sobre a tônica (Am) –

e na finalização de "assim" (99-100), novamente na tônica, após uma passagem pela dominante da dominante (B) e dominante (E): "e prá isquecê (B) nois cante (E) mus assim (Am)". O apelo para a recordação do início da narrativa resvala agora para o esquecimento, sua marca triunfante voltando-se para o lado da derrota, tais as equações produzidas pela narrativa – entre a recordação e a vitória; o esquecimento e a derrota.

Talvez nesta última estrofe possamos vislumbrar uma alusão às transformações por que passava São Paulo na época. O conjunto de bairros na zona oeste da cidade conhecido como "jardins" –

Jardim Europa, Paulista entre outros –, integrados à malha urbana nos anos de 1930, levou para a região segmentos abastados da sociedade, e nas décadas seguintes era costumeiro que os pobres dali trabalhassem, entre outras ocupações, como jardineiros nas propriedades mais ricas. O termo "báia" usado na gravação de 1951 certamente foi um engano de Adoniran, que queria dizer "páia", aludindo justamente ao trabalho de limpar jardins, o que é confirmado em todas as outras versões de "Saudosa maloca"27 27 Agradeço a Allan de Paula Oliveira por chamar minha atenção a esse respeito. . O canto de Adoniran parece, dessa maneira, ser uma narrativa dessas mudanças, cuja finalização é resignadamente dolorida. Talvez aí esteja a raiz do propalado fracasso desta primeira versão, pois a cidade vivenciava o ufanismo econômico e a reinvenção da paulistanidade, tudo vindo a desembocar nas retumbantes comemorações do IV Centenário.

Se, num primeiro momento, com base na comparação das duas versões, evidenciei que no universo das concepções nativas a gravação de 1951 teve a sua condição de arranjo neutralizada, sendo vista como a própria composição, e que a questão da autoria só veio à tona com a entrada em cena do segundo arranjo; agora, a partir da análise do arranjo de Miranda especificamente, é possível apontar para o que sustenta esses dois pontos: o cerne desse arranjo é o canto de Adoniran, com a sua assinatura indelével e um grande poder expressivo dado pelo peso da sua interpretação.

É claro que se poderia argumentar que o peso maior do páthos do arranjo é dado pela ubíqua nostalgia impressa pelo solo do clarinetista. Mas seu anonimato vis-à-vis a onipresença dessa linha melódica no arranjo revela justamente que, a rigor, o arranjo, com todas as suas interpretações, faz parte do universo autoral, assim como a composição. Isto equivale a dizer que a diferença entre composição e arranjo é pura ilusão; ilusão, vale lembrar, que move montanhas no mundo da mercadoria.

Se, com base na referida confrontação – no que diz respeito à cadeia de concepções pertinentes ao conceito de arranjo e sobre a natureza aspectual para a qual ele acena –, a definição de arranjo está muito próxima da ideia de versão, a análise da letra e da música do arranjo de Nelson Miranda evidencia que essa aspectualidade resulta da articulação das interpretações ali presentes, assim como o conceito de interpretação aponta para a atomicidade do conceito de arranjo.

Na música erudita, há uma forte distinção entre partitura e interpretação, baseada em um discurso sobre composição musical bem mais elaborado e sedimentado (cf. Laboissière, 2007). A partitura é reificada por pretensa descritividade, o que não acontece no âmbito da música popular, onde a interpretação se evidencia como um dado naturalizado, uma vez que a escrita musical nesta esfera é considerada uma espécie de estenografia (cf. Menezes Bastos, 1995).

A aproximação dos conceitos de arranjo, versão e interpretação instiga uma análise que articularia essa cadeia ao conceito de transformação (e de estrutura) em Lévi-Strauss, mas tal discussão não caberia no espaço restrito deste artigo. De qualquer maneira, antecipo uma resposta sobre a razão de as canções normalmente pressuporem arranjos. Creio que isso acontece para que as canções, isto é, o material básico ou preexistente, constituídas como versões de segunda ordem, terceira e assim por diante, possam trazer à luz um determinado universo de interpretações.

Sobre o pretenso fracasso da primeira versão de "Saudosa maloca", vale dizer que no mesmo ano de 1951, o samba "Malvina", também de Adoniran (letra e música), cantado pelos Demônios da Garoa, ganhou o prêmio de primeiro lugar no concurso de músicas de carnaval da cidade de São Paulo. Em 1952, o mesmo aconteceu com outro samba dele com letra de Osvaldo Moles, mais conhecido como produtor de programas radiofônicos. Adoniran na época já gozava de certa fama como compositor e letrista, num mercado musical orientado para o carnaval (Menezes Bastos, 2005); talvez não fosse conhecido ainda como cantor.

Ademais, Adoniran, desde o começo dos anos de 1940, trabalhou como ator cômico em várias rádios, entre elas a Record. Sob direção de Osvaldo Moles, seus personagens – Zé Cunversa (ver nota 10), Jean Rubinet e outros – eram muito populares na época. O célebre programa "Histórias das malocas", em que Adoniran vivia Charutinho, foi lançado em 1955, na esteira do sucesso da segunda versão da "Saudosa maloca", e permaneceu no ar por dez anos. Além disso, Adoniran e Moles dividiram a criação de vários sambas (Mugnani, 2002). Assim, podemos afirmar que o suposto fracasso do samba na versão de Adoniran foi algo excepcional em sua já bem-sucedida carreira de radioator e de compositor no mercado carnavalesco de então.28 28 Sobre o rádio em geral e a carreira de Adoniran como radioator em São Paulo, ver Maia (2007), Pereira (2001) e Silva (2010).

É preciso tem em mente ainda que o mercado do disco no Brasil da década de 1950 tinha magnitude reduzida. Poucas pessoas compravam discos para ouvir em casa. De fato, o disco era ouvido e divulgado pelo rádio, meio de comunicação hegemônico de então, sobre o qual infelizmente há escassez de dados. Ademais, o mercado tinha no cinema um meio também importante de disseminação.29 29 Ver Menezes Bastos (2005) sobre o mercado musical brasileiro nos anos de 1950. Em outras palavras, a comparação das duas primeiras versões de "Saudosa maloca" do ponto de vista de seu sucesso no mercado do disco parece não passar de uma projeção anacrônica.

A população do município de São Paulo deu um salto nos anos de 1950, atingindo 3,5 milhões de pessoas. A grande responsável por isto foi a expansão industrial, que impulsionou correntes migratórias principalmente do Nordeste e do interior do estado, atraídas por um crescente mercado de trabalho, especialmente nos setores fabril e de construção civil. Com a implantação, na segunda metade da década, da indústria automobilística no ABC, houve importante crescimento na região metropolitana como um todo, com consequências nos planos demográfico, urbanístico e arquitetônico. Sobretudo a região central passou a ser cada vez mais ocupada por arranha-céus, os "edifíciu(s) artu(s)" como é dito no samba.30 30 Dados sobre a história demográfica do município de São Paulo disponíveis em < http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/1950.php>, consultado em 12/12/2012. Sobre as migrações para São Paulo, ver o clássico da antropologia (Durham, 1973). 31 Ver Menezes Bastos (2005) para um estudo detido sobre a música – e a cultura em geral – nas comemorações do IV Centenário. A ideologia ufanista do progresso passou a marcar de maneira decisiva a paulistanidade, ideia que rapidamente foi apropriada pelo discurso político. "Saudosa maloca" é uma narrativa sobre esse processo e suas consequências para as camadas baixas; uma narrativa cuja finalização é resignadamente dolorida, revelando, pois, a paulistanidade dos descontentes, na contramão de todo desenvolvimentismo.

É evidente que quando pensamos em regionalismo estamos necessariamente fazendo uma generalização. A paulistanidade começou a ser forjada ainda no século XVIII, impulsionada dois séculos mais tarde pelas revoluções de 1930 e 1932, quando a região elevou-se a um patamar superior em face das condições regionais brasileiras. Nesta época, emergem obras de importantes intelectuais, como Paulo Duarte, Guilherme de Almeida e Menotti del Picchia, entre outros (Cerri, 1998). Nos anos de 1950, há outra forte inflexão no sentido de que a paulistanidade se torna ela mesma uma mercadoria, o que se evidencia nos festejos do IV Centenário de São Paulo, em 1954 (Godoy, 2011). A partir daí, o slogan "São Paulo não pode parar" tornou-se um apelo com forte eco local e nacional. A narrativa de Adoniran vai contra essa ideologia, articulando-se a um universo discursivo do mundo intelectual paulista e paulistano que, no âmbito da música popular, mas sem qualquer acento erudito, antecipa as posturas críticas da vanguarda paulista.

Notas

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Artigo recebido em 22/01/2013

Aprovado em 07/02/2014

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  • 31
    O suposto fracasso de "Saudosa maloca" em 1951 ou sua obscuridade no mercado fonográfico tem esta inscrição crítico-interpretativa: tristeza, dor, lamentação, resignação. Com efeito, esta versão passou a ser uma referência para todas as outras que vieram depois, entre as quais a dos Demônios da Garoa, marcada pela jocosidade e desdém e por uma musicalidade de irrisão – os arranjos existem para tornar possível a explicitação de universos diferentes de interpretações.
  • 1
    Para o emprego desse conceito no campo musical, ver Menezes Bastos (2013).
  • 2
    Agradeço a Samuel Araújo por me indicar este texto e a Pedro Aragão pela gentileza do envio.
  • 3
    Apelido de Osvaldo Gogliano (1910-1962), compositor, arranjador e pianista. Para informações sobre a música popular brasileira, ver Marcondes (1999) e o
    Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira (disponível em <
    http://www.dicionariompb.com.br/>, consultado em 25/02/2014).
  • 4
    Compositor, cantor e violonista (1910-1937).
  • 5
    Para um estudo etnográfico com base no modelo de Bakhtin, ver Seitel (1999); para a compreensão desse modelo e seu emprego no domínio musical, ver Menezes Bastos (2007).
  • 6
    Adoniran foi registrado como João Rubinato. Com dez anos, sua data de nascimento foi adulterada para 1910 para que pudesse trabalhar. Sobre sua vida e obra, ver Bento (1990), Campos (2004), Gomes (1987), Moura e Nigri (2002), Mugnani Jr. (2002), Rocha (2002). Sobre a canção, ver Carmo (2001).
  • DicionarioEletrOnicoHouaiss da Língua Portuguesa

    7, São Paulo, Objetiva, versão 1.0, 2001.
  • 8
    Disponíveis no site do Instituto Moreira Salles (<
    http://ims.uol.com.br/>, consultado em 5/10/2012).
  • 9
    Miranda, além de maestro e arranjador, era cantor, compositor, cavaquinista e bandolinista (Cf.
    Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira, disponível em <
    http://www.dicionariompb.com.br/>, consultado em 8/2/2012).
  • 10
    O arranjo de 1951 está no lado B do 78rpm da Continental 16468 (matriz 11335-1). Ali, o samba intitula-se "Saudade da maloca" e, ao nome de Adoniran, segue-se, entre parênteses, o de Zé Cunversa, personagem cômico de Adoniran quando trabalhava como ator de rádio.
  • 11
    Este arranjo, de 1955, ocupa o lado A do 78rpm da Odeon 13855 (matriz 10553), onde os Demônios são identificados como conjunto vocal (Mugnaini Jr., 2002, pp. 81, 203).
  • 12
    O clarinete e o regional estão presentes em todo o arranjo.
  • 13
    Agradeço a Patrício de Lavenère Bastos pela ideia de onomatopeias das vozes dos instrumentos, apesar de não explorá-la aqui. Agradeço também a Allan de Paula Oliveira, Paulo Freire, Roberto Corrêa e Silvia de Oliveira Beraldo pelas conversas sobre a versão dos Demônios da Garoa.
  • 14
    A esse respeito, ver Ângelo (2009) e sua entrevista disponível em <
  • 15
    A avaliação da primeira versão como um fracasso deve ser relativizada, considerando a magnitude reduzida do consumo doméstico de discos nos anos de 1950 no Brasil, então ouvidos através do rádio, e Adoniran já era bastante popular neste meio como ator cômico.
  • 16
    Disponível em <
    http://www.geocities.com/demoniosdagaroa/pagina4.htm>, consultado em 13/11/06. Este link – no qual constava o texto do qual faz parte o trecho citado – não está mais acessível hoje, mas ainda é possível rastreá-lo no Google.
  • 17
    Disponível em <
    http://revistaepocasp.globo.com/Revista/Epoca/SP/0,EMI136921-15389,00-CARTAS.html>. Trata-se de uma forte crítica do biógrafo a uma reportagem sobre Adoniran publicada na revista
    Época em abril de 2010 (revista consultada em 7/10/2012).
  • 18
    Sobre a linguagem de Adoniran, ver Candido (1975).
  • 19
    Grande parte da literatura sobre a autoria na música popular (Frith, 1986) articula-se com o texto de Foucault (2001) sobre a função-autor. Segundo Foucault, a propriedade sobre os textos literários é a primeira marca da função. Na Inglaterra, nos anos de 1920, não era comum remunerar as letras das canções (Frith, 1989).
  • 20
    Sobre o conceito de versão e arranjo, ver Cano (2011) e Domínguez (2011).
  • 21
    Maria Beraldo Bastos sugeriu que provavelmente o clarinetista do arranjo de 1951 tenha sido o também compositor e saxofonista Abel Ferreira (1915-1980).
  • 22
    Parece-me que também se alterna com o cavaquinho um bandolim, mas confesso que minha audição do regional não é precisa. Vale lembrar de que o próprio Miranda tocava os dois instrumentos,
  • 23
    Agradeço a Acácio Tadeu de Camargo Piedade e Marina Beraldo Bastos pelas conversas sobre a questão das tópicas. Para dados sobre esse período na história da música popular brasileira, Ver Menezes Bastos (2005). Sobre os arranjadores, ver <
  • 24
    Tais sentimentos traduzem profundamente o caráter da música popular brasileira, mas isso não resulta uma maneira de cantar piegas, como já tinha comprovado Noel Rosa (ver Menezes Bastos, 1996).
  • 25
    Disco
    EMI-Odeon número 064 422868.
  • 26
    Ver "As memórias sentimentais de São Paulo", resenha de Francisco Quinteiro Pires a Matos (2007), disponível em <
  • 27
    Agradeço a Allan de Paula Oliveira por chamar minha atenção a esse respeito.
  • 28
    Sobre o rádio em geral e a carreira de Adoniran como radioator em São Paulo, ver Maia (2007), Pereira (2001) e Silva (2010).
  • 29
    Ver Menezes Bastos (2005) sobre o mercado musical brasileiro nos anos de 1950.
  • 30
    Dados sobre a história demográfica do município de São Paulo disponíveis em <
    http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/1950.php>, consultado em 12/12/2012. Sobre as migrações para São Paulo, ver o clássico da antropologia (Durham, 1973).
    31 Ver Menezes Bastos (2005) para um estudo detido sobre a música – e a cultura em geral – nas comemorações do IV Centenário.
  • *
    Agradeço a Silvia de Oliveira Beraldo pela ideia de que a canção popular somente é conhecida através dos arranjos; a Luís Fernando H. Coelho, pela ajuda no aplicativo usado na transcrição musical; por fim, a Kaio D. Hoffmann, pela leitura e pelas sugestões. Sou o único responsável pelo artigo. Uma versão anterior deste texto saiu em
    Ilha – Revista de Antropologia.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Maio 2014
    • Data do Fascículo
      Fev 2014

    Histórico

    • Recebido
      22 Jan 2013
    • Aceito
      07 Fev 2014
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